RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CORREIO DE DROGA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário


I - Seja qual for a motivação, uma situação de especial vulnerabilidade em que se encontram os transportadores, ou o apelo do valor do pagamento, a participação no circuito da droga através do seu transporte internacional constitui um elo essencial na cadeia de fornecimento.

II - Nessa medida, assume uma dimensão elevada de ilicitude que, naturalmente, se acentua com a quantidade e grau de pureza do estupefaciente transportado, ou seja, com a potencialidade de dano concreto que representa.

III - O arguido alega não terem sido devidamente ponderadas, designadamente, a ausência de antecedentes criminais, a confissão e as suas condição económica e inserção social profissional, pessoal e familiar no país de origem. Mas o acórdão impugnado considerou esses fatores pessoais e, em consequência, a medida da pena situa-se próximo do limite mínimo da moldura penal prevista para o crime do art. 21º, nº 1, do DL n.º 15/93 de 22-01.

Texto Integral

Proc. n.º 43/23.6JELSB.L1.S1

A. Relatório

1. AA, de 32 anos, condenado por acórdão do Juízo Central Criminal de ... (J... ..), pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-B ao mesmo anexa, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão e, acessoriamente, nos termos do art. 151.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na expulsão do território nacional pelo período de 5 anos, não se conformando com a decisão condenatória proferida, interpôs recurso, da mesma, para o Tribunal da Relação de Lisboa.

No Tribunal da Relação em referência, foi proferido despacho que, ao abrigo do disposto nos arts.ºs 432º, nº 1, alínea c) e 417º, nº 6, alínea a), ambos do Cód. Proc. Penal, determinou a remessa dos autos para este Tribunal.

2. O arguido formulou as seguintes conclusões: (transcrição)

“a) Aos Tribunais e Juízes compete a materialização da ideia de que, ao decidir, os tribunais têm de agir “representando” e realizando os interesses de toda a comunidade e não apenas, pois, os interesses sectoriais de grupos ou fações.

b) A decisão judicial não pode ser liderada pelo arbítrio ou a discricionariedade, no sentido de voluntarismo e individualismo acrítico, ou a mais pura subjetividade, no sentido de uma interpretação do fato trazido a julgamento desligado de um esforço de objetividade, objetividade enquanto atribuição de um sentido suscetível de ser comummente reconhecido.

c) Ponto agora é saber se o modo como esse primeiro contato do juiz de julgamento com o processo ocorre e o modo como os referidos “pré-juizos” se forma, (ou, concedemos, se podem formar) estão ou não em harmonia com o princípio processual penal que nos ocupa no presente trabalho (a saber, o da presunção de inocência). E, antecipando a conclusão, a resposta é negativa.

d) A Constituição define os Tribunais, os Juízes e, no caso dos Tribunais Judiciais de Primeira Instância, acometendo-lhes o dever de realização da Justiça em nome do Povo Soberano, mas, atente-se (enfaticamente), sem deixar de lado princípios estruturantes de ma democracia judicial adulta, madura, tais como o da presunção da inocência, das decisões fundadas na Justiça e no Direito, na autoridade do Juiz, que não é, nem pode ser, autoritarismo, a qual – a decisão – deve ser baseada na certeza, alicerce dessa mesma decisão, sem que, ao caso, caibam pré-juízos, ou, de outro dito, a capacidade – que, lamentamos, hoje é mais incapacidade – de o Juiz de Julgamento se abstrair do caso tal como ele é visto pela acusação.

e) O arguido é, além de sujeito processual, um meio de prova. Ora, é sabido que a acusação é uma antecipação da decisão final, um projeto de sentença, sendo certo que, se o primeiro contato do juiz com o caso é por via da acusação, o seu “pré-juizo” sobre o caso poderá ser um “pré-juizo” orientado no sentido do “caso da acusação”.

f) O Arguido não tem quaisquer antecedentes criminais e muito menos desta natureza.

g) A dúvida da prova é uma decisão sobre a matéria de fato. O mesmo é dizer que as considerações feitas sobre os Tribunais, princípios orientadores e, sobretudo, oestatuto do arguido do qual decorre o in dúbio pro reo.

h) A prova – enquanto atividade probatória- é o esforço metódico através do qual são demonstrados os fatos relevantes para a existência do crime, a punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis.

i) O tribunal a quo aceitou, sem reservas, a condição socioeconómica do arguido.

j) O tribunal a quo não teve em consideração a conduta, postura e confissão do Arguido – o seu desespero, sobretudo enquanto sustento familiar.

k) Com efeito, o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, nos termos do artigo 163.º, n.º 1. Desse modo, o legislador deu forma legal a outra regra da experiência comum, que é esta: os peritos sabem melhor do que ninguém emitir juízos de fato no âmbito das respetivas especialidades.

l) Não ficou provado neste Acórdão qualquer perigosidade do Arguido per si, apenas e exclusivamente a prática deu um crime abstracto que não passou mais de um ato de desespero face ao circunstancialismo à data - Aliás, denota-se que é este o sentido da prognose individual sobre a perigosidade que a perícia indicou.

m) Assim, deve ser alterada a decisão recorrida, apenas, no que respeita ao período de prisão do Arguido, devendo pois, ser alterada para o máximo de 3 anos, ao invés da pena aplicada, sendo esta suspensa na sua execução!

n) Resulta dos autos, e sem reservas do tribunal a quo, que o quadro circunstancial do Arguido “é particularmente favorável ao arguido, fundamentando uma prognose especialmente consistente e que se justificará a suspensão da pena, pois só então é exigível impor a esses interesses uma compressão proporcional à salvaguarda de outras finalidades das penas, como a prevenção especial, na vertente ressocializadora” – Acórdão S.T.J de 05.11.2008, processo 08P3172, disponível em www.dgsi.pt.

o) Na verdade, sendo o Arguido de génese primária e integrado social e familiarmente, tal como profissionalmente, embora não tenha constituído óbice à prática dos factos delituosos, há que concluir que, ao contrário do acórdão recorrido, as finalidades da punição, designadamente a da «prevenção da reincidência», só poderá ser atingida através da aplicação da pena de prisão suspensa na execução, já que não existem razões fundadas e sérias para acreditar no contrário e que tal, por si só, evitará o cometimento de novos crimes – que atualmente da prática jurídica bem se sabe que a reincidência é “costume” nos casos em que existe o cumprimento de penas efetivas.

Termos em que, e nos mais de direito que V. Exas. Doutamente se dignarão suprir, deve ser revogado o Douto Acórdão recorrido no que respeita à moldura penal aplicada pelo tribunal a quo bem como que a mesma seja reduzida para 3 anos suspensa na sua execução.”

3. Em resposta, o D.mo Magistrado do Ministério Público na 1.ª Instância defendeu a improcedência do recurso, concluindo: (transcrição)

“4. Resulta à evidência do acórdão recorrido que se ponderou de forma adequada e até com “bondade”, todas as circunstâncias que militavam a favor do arguido, supramencionadas;

5. Ponderou-se também o facto de o arguido ter agido com dolo direto e movido pela ânsia de obter proveitos económicos com “relativo” esforço; A acentuada ilicitude, visto estar em causa um acto de tráfico “ao nível internacional” – e visto o papel fundamental dos “correios de droga” na cadeia de comercialização de estupefacientes; A essas circunstâncias acrescentaríamos nós, ainda, os motivos que o determinaram - a obtenção de “dinheiro fácil” à custa da desgraça alheia;

6. Pelo que, e ponderando as necessidades de prevenção especial ajustadas ao caso vertente, se por um lado, aquando da prática da factualidade provada, o arguido encontrava-se familiarmente inserido e não tinha antecedentes criminais, face a dificuldades económicas não se coibiu de praticar os factos que constituem ilícito criminal;

7. Sem desvalorizar a confissão dos factos pelo arguido, a mesma revelar-se-ia inevitável atendendo á sua detenção em flagrante delito, e relativamente ao seu arrependimento em audiência, sempre se poderá dizer que o mesmo é subjetivo, apenas sindicável por factos, não os praticando;

8. Concordamos com a pena em que o arguido foi condenado por este Tribunal, que agiu com dolo direto, movido pela ânsia de obter proveitos económicos, com esforço diminutos, tendo conhecimento acrescido da gravidade dos factos que praticava;

9. Entendemos não ser de aplicar uma pena de prisão, suspensa na sua execução, atenta a natureza do crime, com as fortes exigências de prevenção geral que determina, não permite que a simples ameaça da prisão assegure, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, designadamente as exigentes finalidades de prevenção geral.”

4. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer, defendendo a improcedência do recurso.

Foi cumprido o n.º 2, do art. 417.º do CPP.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), visando, no caso, o reexame de matéria de direito.

Este Tribunal é, assim, chamado a apreciar e decidir sobre:

- A medida da pena e a aplicação de pena de substituição.

Cumpre decidir.

II. Fundamentação

1. Os factos:

“1. No dia 21 de Janeiro de 2023, pelas 06h47, o arguido desembarcou no Aeroporto H....... ......., em Lisboa, procedente de ... - ... (Brasil), no voo....

2. Nesta viagem o arguido trazia, como bagagem de porão, uma mala, que ostentava a etiqueta com o n.º .................50, no interior da qual, dissimulara 5 (cinco) placas de Cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 4982,000 gramas.

3. Após sair da aeronave, pelas 08h20, o arguido apresentou-se nos serviços da Alfândega, no corredor verde “nada a declarar”, levando consigo a aludida mala.

4. Após ter sido sujeito a revisão de bagagem, foram detectadas, dissimuladas no interior da mala de porão que transportava, com a etiqueta com o n.º .................50, 5 (cinco) placas de Cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 4982,000 gramas.

5. Nessas circunstâncias, foi ainda apreendido ao arguido:

€ 780 (setecentos e oitenta euros) em notas do Banco Central Europeu;

1 (um) bilhete da companhia aérea A... relativo ao voo... de 20 de Janeiro com partida às 18h55 de ... para Lisboa, referente ao passageiro AA com etiqueta aposta relativa à bagagem de porão com as referências “AA” “NN6L7H” “L.. AD 8750” “V.. AD 8750” “0577 AD 193551” “L..” “8750” “Peso: 14kg” ‘20/JAN”;

1 (uma) etiqueta de bagagem relativo ao voo ... de 20 de Janeiro com destino Lisboa, referente ao passageiro AA com as referências “...... .....23” ‘.... .. ....51” “L..” “...” “Peso: 14kg” “20/JAN”;

1 (um) talão referente ao câmbio de moeda estrangeira no valor de € 780, no aeroporto de ... na zona de embarque, em nome de AA CPF:............78 datado de 20/01/2023;

13 (treze) folhas referentes à viagem;

1 (um) telemóvel da marca Redmi, de tom azul.

6. O arguido conhecia a natureza e as características estupefacientes do produto que transportava e que lhe foi apreendido.

7. Produto esse que aceitara transportar por, para tanto, lhe ter sido prometida a quantia de dois mil euros.

8. O telemóvel apreendido foi utilizado pelo arguido nos contactos que estabeleceu para concretizar o transporte da cocaína apreendida.

9. Os documentos, quantias monetárias e objectos apreendidos ao arguido e acima indicados destinavam-se a ser utilizados na actividade de tráfico de estupefaciente e eram fruto da mesma.

10. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a detenção, o transporte e a comercialização de cocaína eram proibidos e punidos por lei.

11. O arguido é natural do Brasil, residindo e trabalhando no país da sua naturalidade, não possuindo quaisquer ligações familiares e/ou profissionais em Portugal, só se encontrando em Portugal para transportar a cocaína.

Relativamente às condições socioeconómicas do arguido, provou-se que:

12. O arguido é solteiro, vivendo em união de facto com a sua companheira, e com uma filha presentemente com 11 anos.

13. A filha do arguido frequenta o 5.º ano da escolaridade obrigatória.

14. O arguido tem o segundo grau completo do ensino básico, e frequentou um curso profissional de pintura.

15. O arguido é pintor/funileiro, auferindo mensalmente a quantia de dez mil reais.

Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, provou-se que:

16. O arguido não tem antecedentes criminais.”

2. O direito

a. Nos termos do artigo 40.º, do Código Penal, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Por aplicação das normas constitucionais convocáveis (artigo 27.º, n.º 2 e 18.º, n.ºs 2 e 3), a determinação e escolha da pena privativa da liberdade regem-se pelo princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso e pelos respetivos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.1

A aplicação da pena tem como pressuposto que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de atuar de acordo com o direito, sendo o grau da culpa o limite da pena (artigo 40.º, n.º 2).

O artigo 71.º, no n.º 2, do Código Penal, enumera, de modo não taxativo, fatores que conformam a determinação da medida da pena que se referem à execução do facto (“o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência”, “os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram”), à personalidade do agente (“As condições pessoais do agente e a sua situação económica”, “a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”) e outros relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (“A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime”)2.

Sendo a finalidade da pena a proteção de um bem jurídico e, sempre que possível, a reintegração social do agente e não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, a medida da pena corresponderá à medida necessária de tutela do bem jurídico sem ultrapassar a medida da culpa.3

Importa, pois, averiguar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação.

b. O arguido sustenta a conclusão formulada sobre a violação do critério da proporcionalidade nos seguintes pontos:

- A circunstância de não possuir antecedentes criminais registados;

- Estava integrado familiar e socialmente;

- A conduta, postura e confissão do Arguido;

- O seu desespero, sobretudo enquanto sustento familiar;

- A inexistência de qualquer perigosidade do Arguido.

3. O tribunal de julgamento fundamentou a medida da pena, nos seguintes termos::

“No caso sub judice, são elevadas as exigências de prevenção geral, na medida em que se trata de tipos de crimes praticados com alguma frequência e fortemente danosos para a comunidade.

Quanto a factores relativos à execução do facto, relevam o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução e a gravidade das suas consequências, os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou os motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.

Já no que diz respeito aos factores atinentes ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais e económicas do mesmo, à eventual falta de preparação para manter uma conduta lícita e ao comportamento anterior ao crime.

Com efeito, o art. 71.º, n.º 1 do Código Penal, repetindo os princípios já constantes do citado art. 40.º, n.º 1 do Código Penal, prescreve que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n.º 2 acrescenta que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, elencando de seguida, de forma meramente exemplificava, algumas dessas circunstâncias.

Assim, in casu, apresentam-se como circunstâncias favoráveis ao arguido a confissão livre e sem reservas da generalidade dos factos, a sua idade à prática dos factos e a ausência de antecedentes criminais registados em Portugal.

Como circunstâncias desfavoráveis, apresentam-se a intensidade do dolo, na medida em que o arguido actuou com dolo directo, bem como o desvalor da acção, a quantidade de estupefaciente apreendido e a ilicitude da sua conduta. Também não se pode deixar de ter consideração a natureza do estupefaciente apreendido, o qual se integra na categoria das chamadas “drogas duras”.

Na verdade, trata-se de uma situação de transporte de estupefaciente denominado vulgarmente por “correio de droga”, referente a uma quantidade elevada de estupefaciente, ou seja, 4982,000 gramas de cocaína.

Por outro lado, trata-se como já se disse de uma situação de transporte, em que o arguido não é a dono do negócio, mas a troco de dinheiro, introduz o estupefaciente no mercado alvo, neste caso, Portugal.

Ademais, importa outrossim levar em consideração as consequências da conduta do arguido, que seriam bastante graves, pois caso não tivesse sido interceptado, o arguido teria conseguido introduzir em Portugal 4982,000 gramas de cocaína, com a gravíssima repercussão que tal conduta teria na saúde dos diversos consumidores.

Por fim, importa considerar a motivação do arguido, que agiu a troco de quantia pecuniária, sem atender à gravidade e consequências dos factos, mesmo apesar de se ter necessariamente em conta que o arguido agiu motivado pelas suas dificuldades económicas.

Desta forma, a pena a aplicar tem que ter um efeito dissuasor sobre o comportamento do arguido, para que não volte a cometer mais crimes.

Face ao exposto, tudo ponderado, o Tribunal entende ser de fixar ao arguido a pena de 5 anos e 3 meses de prisão.”

d. A fundamentação da medida da pena, no acórdão recorrido, revela a ponderação de todos os elementos pertinentes e, como se verá, a proporcionalidade da pena aplicada.

Além das necessidades de prevenção geral relativas a esta concreta atividade ilícita, associadas à lesão de interesses gerais da comunidade como a saúde e a paz social, esta afetada pelo tráfico e pelo consumo de substâncias estupefacientes de acentuada danosidade como a aqui apreendida, há que atender à especificidade da dimensão internacional, sustentada, muitas vezes, na disponibilidade de alguém para assumir o papel de “correio de droga”.

A essencialidade desta função na distribuição internacional das substâncias estupefacientes por rotas determinadas, pese embora se esgote no ato de transporte, tem sido justamente realçada em consistente jurisprudência deste Tribunal.

Seja qual for a motivação, uma situação de especial vulnerabilidade em que se encontram os transportadores, ou o apelo do valor do pagamento, a participação no circuito da droga através do seu transporte internacional constitui um elo essencial na cadeia de fornecimento.

Nessa medida, assume uma dimensão elevada de ilicitude que, naturalmente, se acentua com a quantidade e grau de pureza do estupefaciente transportado, ou seja, com a potencialidade de dano concreto que representa.

No caso, o arguido transportava cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 4,982kg.

A diferenciação, no plano da determinação da medida concreta da pena, assenta (além de outras circunstâncias pessoais especificas dos arguidos) em interpretação, que partilhamos, da natureza do bem jurídico protegido, da natureza dos crimes de tráfico - crimes de perigo, e, com apoio na formulação de um dos tipos agravados (al. b) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93), na quantidade de substância estupefaciente transportada, por gerar uma capacidade de afetar um conjunto de dimensão variável de consumidores.

Nesse sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal: no Proc. 346/13.8JELSB.S1, de 11.06.2014, Rel. Santos Cabral (3,5 kg de cocaína, pena de 6 anos de prisão); no Proc. 26/15.5JAPRT, de 05.12.2016, Rel. Manuel Augusto de Matos, (cerca de 3 Kg de cocaína, pena de 5 anos e 6 meses de prisão); no Proc. 76/14.3JELSB.L1.S1, de 14.01.2015, Rel. Maia Costa (11,5 kg de cocaína, 7 anos de prisão); no Proc. 8/21.2JAPDL.S1, de 22.06.2022, Rel. Ana Maria Brito (962 gramas de heroína, 5 anos de prisão) e no Proc. 147/14.6JELSB.L1.S1, de 09.04.2015, Rel. João Silva Miguel (795 gramas de cocaína, 4 anos e 6 meses de prisão).

Nesta linha jurisprudencial, a pena aplicada, face à danosidade potencial da substância transportada, em razão da quantidade e da qualidade, afigura-se adequada e proporcional, considerando o quadro pessoal do arguido.

Com efeito, o arguido alega não terem sido devidamente ponderadas, designadamente, a ausência de antecedentes criminais, a confissão e as suas condição económica e inserção social profissional, pessoal e familiar no país de origem. Mas o acórdão impugnado considerou esses fatores pessoais e, em consequência, a medida da pena situa-se próximo do limite mínimo da moldura penal prevista para o crime do art. 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro.

Foram, pois, valoradas, de forma proporcional, as circunstâncias atenuantes e agravantes.

Assim, tendo em conta a moldura penal abstratamente aplicável, não se surpreendem elementos que permitam justificar um juízo de discordância relativamente à pena fixada.

Não se verificando, pelo exposto, motivo que permita identificar violação do disposto nos artigos 40º., 70º., 71º.e 72º., todos do Código Penal, bem como do n.º 2, do artigo 18.º da Constituição da República.

Pelo que se entende não ser de efetuar intervenção corretiva na medida da pena.

Improcede, assim, a petição de redução da pena e, em consequência, face ao disposto no n.º 1, do art. 50.º do Código Penal, de suspensão da respetiva execução.

I. DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, decide julgar improcedente o recurso do arguido AA, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente – art.º 513º n.º 1 do CPP – fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs (art. 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).

17 de abril de 2024

Teresa de Almeida (Relatora)

Lopes da Mota (1.º Adjunto)

Teresa Féria (2.ª Adjunta)

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1. Cfr. acórdão deste Tribunal, 3.ª Secção, de 3.11.21, no proc. n.º 875/19.0PKLSB.L1.S1, e Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º.

2. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2.ª Edição, 2022, pag.57.

3. Maria João Antunes, Ob. Cit., pag.55, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp. Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357.