RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
CADUCIDADE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário


I- Se o segundo grau se limita a confirmar in totum o julgamento de facto do primeiro, não se pode concluir que se socorreu de qualquer facto de que não podia socorrer-se.

II- Saber se o segundo grau deveria ter julgado de modo diverso, não pode ser sindicado em recurso de revista que só conhece, por regra, de direito.

III- O terceiro grau pode, porém, sindicar se, na reapreciação da decisão de facto impugnada a Relação observou as diretrizes prescritas no artigo 607.º, n.º 4, 1.ª parte, do CPC, sem se intrometer na apreciação do mérito da análise probatória realizada nem na aferição da sua consistência.

IV- A jurisprudência tem entendido que o artigo 123.º, 1 do CIRE consagra um prazo de caducidade.

V- Pode também considerar-se pacificada a ideia de que o prazo de seis meses se inicia não com o mero conhecimento do acto ou negócio, mas com o conhecimento dos pressupostos necessários para a existência do direito (potestativo) de resolução.

VI- Como a caducidade respeita no caso a matéria que está na disponibilidade das partes, o juiz não pode conhecer oficiosamente da excepção, carecendo o conhecimento da mesma da invocação pelo interessado.

Texto Integral



Processo n.º 668/16.6T8ACB-AD.C4





Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


***


Acordo-Comércio de Equipamentos Eléctricos, Lda. instaurou acção declarativa, com processo comum, contra A Massa Insolvente de Costa & Carvalho, L.da., representada pelo seu A.I., AA, visando a impugnação da resolução da transmissão formalizada através de escritura pública de compra e venda, outorgada a 02-5-2016, cujo objecto foi a fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao Bloco 2, piso um, esquerdo, tipo T4, destinado a habitação, uma arrecadação com o número um, situada no piso menos dois, dois lugares de parqueamento com os números dez e dezoito, situados em garagem comum no piso menos dois, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Av. ... e Rua ..., da União das Freguesias de ..., concelho de ..., descrito na CRP de ... sob o nº 855/19961210-H, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º 2346.


A autora suscita a caducidade da resolução operada pelo Sr. AI, por ter sido feita para além do prazo que para tal dispunha o A.I.; e, a título subsidiário, pede que a mesma resolução seja declarada nula com base na falta de notificação da resolução da escritura respectiva, devendo ser cumprido o contrato promessa ou, se assim não se entender, que a mesma seja declarada ilícita, devendo ser-lhe restituída a quantia de 98.000,00 €, que pagou e ser-lhe reconhecido o direito de retenção, até que lhe sejam pagos os valores pedidos.


A Massa Insolvente da Costa & Carvalho, SA refuta o alegado pela sociedade autora, designadamente que a resolução foi tempestiva e que se verificam os fundamentos para a resolução, que se deve manter válida e eficaz, devendo improceder a acção.


Depois de várias vicissitudes foi proferida a seguinte decisão:


«Pelos fundamentos de facto e de Direito acima expostos, declaro procedente a excepção de caducidade suscitada pela sociedade autora Acordo – Comércio de Equipamentos Eléctricos, Lda.


Face ao decidido, prejudicada fica a análise e Decisão quanto ao objecto nuclear do presente litígio.


Ainda em consequência do acima decidido, declaro integralmente procedente a presente acção de impugnação da resolução do contrato de compra e venda consubstanciado na escritura pública de compra e venda outorgada no dia 02-5-2016 no Cartório Notarial a cargo do Sr. Dr. BB, a qual teve como objecto a referida fracção autónoma identificada pela letra “H” descrita na CRP de ... sob o n.º 855/União de Freguesias ... e Vestiaria».


A ré, Massa Insolvente, interpôs competente recurso.


A Relação de Coimbra julgou improcedente o recurso de apelação, em função do que manteve a decisão recorrida.


A Massa Insolvente interpôs revista excepcional que foi admitida pela formação a que alude o artigo 672.º, 3 CPC.


São as seguintes as conclusões do recurso interposto pela Massa Insolvente:


1 - Foi a ora recorrente notificada do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, o qual julgou improcedente o Recurso, mantendo a decisão do Tribunal de 1ª instância, que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de resolução de negócio por parte do administrador da insolvência.


2 - A aqui Recorrente não se conforma com a decisão proferida, entendendo que, salvo o devido respeito, verifica-se uma má aplicação da lei e da jurisprudência sobre esta mesma questão de direito, sendo que, o douto Acórdão recorrido encontra-se em contradição com decisão de outro Tribunal da mesma Relação, já transitado em julgado.


3 - O Acórdão recorrido incidiu, entre outras, sobre a questão da admissibilidade de o tribunal a quo dar como provado facto não alegado pela A./impugnante e, deste servir-se como essencial, para decidir pela procedência da exceção peremptória da caducidade.


4.– Assim, o tribunal a quo proferiu decisão, dando total procedência à excepção de caducidade invocada pela impugnante, tendo fundamentado a decisão e nomeadamente, fixando o conhecimento do administrador da insolvência de todos os elementos essenciais do negócio resolvido, para contagem de prazo perentório previsto no art.º 123.º do CIRE, no dia 25-07-2017, aquando da apresentação nos autos, por este, do parecer de qualificação da insolvência,


5 – A ora recorrente recorreu para o tribunal da Relação de Coimbra, fundamentando o seu recurso e, em suma, alegando que cabia à recorrida invocar que o conhecimento do AI do negócio aquando da apresentação do parecer de qualificação em 25-07-2017, como facto extintivo do direito de acção, não o tendo invocado estava vedado ao juiz a quo, fundamentar a procedência da excepção invocada nesse facto.


6 – Ora, no acórdão recorrido o Tribunal da Relação de Coimbra, julgou improcedente o recurso nesta matéria, confirmando a decisão proferida pelo tribunal a quo.


7 - Já no acórdão fundamento, proferido no processo n.º 668/16.6T8ACB-AA.C2, decidiu-se que o Tribunal a quo não poderia socorrer-se de um facto não alegado pelo impugnante para julgar procedente a caducidade da resolução.


8 - Chegando esse tribunal à conclusão de que, apenas os factos alegados pela parte a quem aproveita a caducidade, é que relevam para a decisão de procedência da excepção, não relevando os factos que o juiz tem conhecimento no exercício das suas funções ou que hajam sido alegados pela parte prejudicada pela declaração de caducidade.


9 - Pois que, segundo também decide: “A caducidade da resolução do negócio em benefício da massa insolvente, uma vez que não diz respeito a matéria excluída da disponibilidade das partes, necessita, para ser declarada pelo tribunal, de ser invocada por aquele a quem aproveitava. É o que resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 333.º do Código Civil, combinados com o artigo 303.º do mesmo diploma.” (cfr. Acórdão fundamento).


10 - Dir-se-á também que a aludida questão – saber se o tribunal poderia ou não socorrer-se de facto que não foi alegado pela parte contrária para dar como procedente a exceção de caducidade da resolução - é fundamental para o desfecho da ação. Note-se que, a procedência ou improcedência de tal exceção tem como facto essencial a fixação da data em que o administrador da insolvência teve de todos os elementos do negócio resolvido, com vista à contagem de prazo perentório previsto no art.º 123.º do CIRE.


11 – Poderá ainda acrescentar-se que a decisão em crise é também contrária a outras tomadas por este Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, e a título de exemplo: Decisão proferida em 12-10-1999, no âmbito do processo n.º 409/99, nº do Documento:SJ199910120006941 e disponível em www.dgsi.pt, no qual se pode ler no sumário:


“I - A caducidade de um direito, porque facto extintivo, deve ser alegada e provada pelo réu. II - Não basta excepcionar a categoria abstracta, havendo que alegar e provar os factos que a integram.”


12 - Pretendendo, por isso, a reapreciação da questão por este Supremo Tribunal de Justiça.


13 – Sem prescindir, sucede ainda que, não pode a ora Recorrente concordar com a posição vertida no Acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação de Coimbra, ao confirmar a procedência da invocada exceção de caducidade, desconsiderou ainda fatos essenciais, alegados e suportados em documentos, que notoriamente, contrariam o facto de o Administrador ter tido conhecimento de todos os elementos necessários e fundamentais para proceder à resolução do negócio, nomeadamente, quando considera: “Assim, não obstante a assinalada discrepância entre os depoimentos quanto a isto relevantes, há um elemento objectivo - o teor do referido relatório– que permite concluir que quando este foi elaborado, já o AI estava na posse das informações necessárias e suficientes, para aquilatar da viabilidade da resolução de tal venda, a favor da massa insolvente. Se o AI dele fez constar os elementos acima referidos, designadamente a data e montante, é porque, antes de o elaborar teve acesso a documentos que lhe permitiram assim concluir. O que, também mais se coaduna com a lógica das coisas, uma vez que uma empresa da dimensão da insolvente teria de ter elementos contabilísticos que refletissem tal negócio, quando, para além do mais, nele teve intervenção a CGD, como beneficiária de uma hipoteca.


14 - Desde logo se diga que muito embora a insolvente fosse uma empresa de grande dimensão, conforme resulta dos autos e nomeadamente do parecer a que alude o art.º 155.º do CIRE e dos documentos que o integram, o contrato promessa compra e venda e a respetiva escritura não estavam refletidos na contabilidade da insolvente, já que, no mesmo relatório e documentos anexos é atestado que a insolvente não tinha a contabilidade lançada e atualizada desde, pelo menos, janeiro de 2016, não tendo ainda sido encerrado o ano de 2015, contrariamente ao que consta da decisão em crise.


15 - Por outro lado, se diga que, contrariamente ao que consta da decisão em crise, o que também resulta dos autos, é que o negócio em causa não teve a participação da Caixa Geral de Depósitos SA., nem de outra entidade bancária, conforme se verifica quer pelo
contrato promessa compra e venda quer pela escritura de compra e venda junta aos autos com a petição inicial.


16 - O que sucedeu foi que, em data muito posterior (16/05/2016) à data da escritura de compra e venda (02/05/2016) a A./impugnante obteve a concessão de mútuo por parte da Caixa Geral de Depósitos, SA., a qual, para garantia do mútuo, hipotecou o imóvel que a A./impugnante havia escriturado 15 dias antes, o que se verifica através de escritura de mútuo com hipoteca e pacto de preenchimento de livrança, junto com a petição inicial. E, nesse ato, não teve intervenção a insolvente.


17 - Por outro lado, dir-se-á que, não se pode também concordar com a ilação retirada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, quando na decisão em crise diz: «Assim, não obstante a assinalada discrepância entre os depoimentos quanto a isto relevantes, há um elemento objectivo - o teor do referido relatório – que permite concluir que quando este foi elaborado, já o AI estava na posse das informações necessárias e suficientes, para aquilatar da viabilidade da resolução de tal venda, a favor da massa insolvente.


Se o AI dele fez constar os elementos acima referidos, designadamente a data e montante, é porque, antes de o elaborar teve acesso a documentos que lhe permitiram assim concluir».


18 - Pois que, conforme consta dos autos e, nomeadamente, do teor da carta de resolução, a resolução do negócio não teve como pressuposto o preço do negócio, nem tão pouco da escritura de compra e venda outorgada em 02/05/2016, transparece a má fé inclusa no negócio e o prejuízo que do negócio adveio para a massa insolvente.


19 - Poderá até dizer-se que, analisando o teor da escritura nada ressalta sobre os contornos, ou pressupostos que presidiram à resolução. Desde logo porque na compra e venda em causa, atesta-se o mais normal dos negócios, nos termos do qual a insolvente pelo preço de € 207.500,00 euros aceita vender à recorrida a fracção em causa, tendo as partes declarado que o preço foi já recebido e que este tem em conta o estado atual do imóvel.


20 - Tais pressupostos resultaram de várias circunstâncias que foram sendo apuradas ao longo do tempo e documentos, nomeadamente e, a título de exemplo o contrato promessa compra e venda que apenas foi “encontrado” nos termos e circunstâncias relatadas pela Testemunha CC, em dezembro de 2017.


21 - Aliás, nem se compreende a existência de qualquer particularidade ou diferença de circunstâncias que levaram à diferença de posições tomadas pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do anterior recurso que foi procedente à ora recorrente (processo n.º 668/16.6 T8ACB-AD-C1), no exato ponto sobre o conhecimento dos factos essenciais para que o administrador pudesse resolver o negócio, apreciando o teor do relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE se diz:


“Na verdade, do relatório do Sr. AI que é aludido na decisão recorrida consta apenas uma referência à possibilidade de resolução de contratos promessa e de compra-e-venda, o que obviamente pressupõe a realização de um estudo subsequente de todo o circunstancialismo que envolveu tais negócios. De resto, nem sequer são aí identificados, de entre os vários negócios elencados no quadro resumo anexo ao relatório do Sr. AI, quais os que em concreto seriam passíveis de resolução. E ainda menos os fundamentos que então seriam aduzidos.”


22 - Ora, o relatório é o mesmo, sendo que deste já constava enunciado a data e montante pelo qual foi realizado o negócio.

23 - Assim, não se compreende que o Tribunal da Relação de Coimbra, quando analisou o teor do relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE em 17/03/2020, no âmbito de anterior recurso nestes autos (decisão proferida em 17/03/2020 proc. 668/16.6T8ACB-AD-C1) e decidiu que do mesmo não se poderia retirar o conhecimento, naquela data, por parte do Administrador da Insolvência dos elementos essenciais do negócio e agora, o julgue que do teor do relatório da qualificação da insolvência se possa retirar tal conhecimento.

24 - O que se mostra também, quanto a nós, contraditório.

25 - Aliás, o mesmo raciocínio lógico que o Tribunal da Relação de Coimbra verteu para na decisão tomada no anterior recurso (processo proc. 668/16.6T8ACB-AD-C1), deverá ser o mesmo a adotar quanto ao “parecer sobre a qualificação da insolvência” junto aos autos em 25-07-2017.

26 - Até porque, as inovações feitas no parecer sobre a qualificação da insolvência não assumem, quanto a nós, qualquer relevância para se alcançar entendimento diverso.

27 - Pelo que se mantem que o Administrador da Insolvência não teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio e, nomeadamente, aqueles que serviram de fundamento à resolução, aquando da apresentação do relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE, nem aquando a apresentação do parecer de qualificação da insolvência.

28 – Face ao exposto, não pode a ora Recorrente aceitar a decisão aposta no Acórdão, no que concerne à improcedência do recurso e manutenção da decisão proferida pela 1.ª instância, sendo que, como se viu, ambas as instâncias incorreram em violação do disposto no n.ºs 1 e 2 do artigo 333.º do Código Civil, combinados com o artigo 303.º do mesmo diploma.

29 – Já que, a caducidade da resolução do negócio em benefício da massa insolvente, uma vez que não diz respeito a matéria excluída da disponibilidade das partes, necessita, para ser declarada pelo tribunal, de ser invocada por aquele a quem aproveitava.

30 - Por tudo o quanto foi alegado, deverá este tribunal decidir e determinar que o direito de resolução não se encontra caduco, determinando-se a improcedência da aludida exceção, com as legais consequências.

Em face do supra exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, com todas as consequências legais, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!».

A autora apresentou contra-alegações em que pugna pela confirmação da decisão impugnada.

***


São três as questões a decidir:


i) Saber se o tribunal se socorreu indevidamente de factos que não foram alegados para dar como procedente a excepção de caducidade da resolução.


ii) Saber se a Relação violou regras legais do procedimento probatório.


iii) Saber se o direito de resolução não caducou.


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São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes nas instâncias:


1. A 13-3-2016 foi requerida a insolvência da Costa & Carvalho, SA.


2. A referida insolvência foi declarada através de Sentença proferida no dia 11-5-2016 no âmbito dos autos principais ao presente apenso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.


3. No âmbito da mesma Sentença foi nomeado como Administrador (AI) o Sr. Dr. AA.


4. Assumiam as funções de administradores da insolvente: DD (Presidente do Conselho de Administração), EE (Vogal) e FF (Vogal).


5. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da escritura pública com a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda com Eficácia Real”, outorgada a 26-4-2016, no Cartório Notarial a cargo do Dr. BB, em ..., da qual se transcrevem os seguintes excertos (cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial):


“(…)


No dia vinte e seis de Abril de dois mil e dezasseis (…) compareceram como outorgantes:


Primeiro:


GG (…); que outorga na qualidade de procurador da sociedade:


Costa & Carvalho, Sa. (…)


Segundo:


HH (…); que outorga na qualidade de sócio e gerente da sociedade:


Acordo – Comércio de Equipamentos Elétricos, Lda. (…)


Pelos outorgantes, nas qualidades em que outorgam, foi dito:


Que entre o primeiro e segundo outorgantes é celebrado o presente contrato, com as cláusulas seguintes:


Cláusula primeira.


(Do prédio)


A sociedade representada do primeiro outorgante, promitente vendedora, é dona e legítima possuidora do seguinte bem:


- 1 – Fracção Autónoma designada pela letra “H” correspondente ao Bloco 2, (…) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número oitocentos e cinquenta e cinco / ... (…).


Cláusula segunda


(Promessa)


1 – Pelo presente contrato, a sociedade representada do primeiro outorgante promete vender à sociedade representada do segundo outorgante, livre de quaisquer ónus ou encargos, e esta promete comprar àquela, a fracção acima identificada.


2 – A sociedade vendedora compromete-se a apresentar no dia da outorga da escritura definitiva documento necessário para o cancelamento da inscrição hipotecária que incide sobre a fracção, (…)


3 – Que a sociedade compradora entra hoje na posse da fracção e é por si ocupada nesta data, pelo que se encontra verificada a tradição da posse.


Cláusula terceira


(Modo de Pagamento)


1 – O preço é de duzentos e sete mil e quinhentos euros.


2 – O preço acordado será pago pela sociedade representada do segundo outorgante à sociedade representada do primeiro da seguinte forma: (…)”.


6. A promessa de alienação acima referida no ponto anterior consta registada através da apresentação n.º 2791 de 26-4-2016 (cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial).


7. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da escritura pública com a epígrafe “compra e venda”, outorgada em 02-5-2016, no Cartório Notarial a cargo do Dr. BB, em ..., da qual se transcrevem os seguintes excertos (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial):


“Compra e Venda


No dia dois de Maio de dois mil e dezasseis (…) compareceram como outorgantes:


Primeiro:


GG (…); que outorga na qualidade de procurador da sociedade:


Costa & Carvalho, Sa. (…)


Segundo:


HH (…); que outorga na qualidade de procurador da sociedade:


Acordo – Comércio de Equipamentos Elétricos, Lda. (…)


Pelo primeiro outorgante foi dito:


Que, pelo preço de Duzentos e sete mil e quinhentos euros, já recebido, a sociedade sua representada vende ao segundo outorgante o seguinte bem:


Fração autónoma designada pela letra “H” (…) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número oitocentos e cinquenta e cinco / ... (…).


Que sobre a fracção incide uma hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, SA. registada pela apresentação dois mil e noventa e quatro de trinta de Março de dois mil e onze, cujo cancelamento se encontra assegurado por documento emitido pelo mesmo Banco em vinte e oito de Abril último.


Que o preço acordado tem em conta o estado atual da fracção, conforme declaram.


Pelo segundo outorgante foi dito:


Que aceita para a sociedade sua representada a venda nos termos exarados.


(…)”.


8. A aquisição acima referida no ponto anterior consta registada através da apresentação n.º 2067 de 02-5-2016 (cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial).


9. Através de notificação judicial avulsa, que correu termos perante a Mm.ª Juiz de Direito 1 do Juízo Local Cível de ..., com o n.º 990/18.7..., apresentada pela Massa Insolvente a 01-5-2018 e concretizada pela Sra. Agente de Execução Dra. II no dia 07-5-2018, foi a autora notificada de que a mesma Massa Insolvente resolveu o negócio, celebrado entre a sociedade Costa & Carvalho, SA. e a autora, formalizado através da escritura pública com a epígrafe “compra e venda”, outorgada em 02-5-2016, no Cartório Notarial a cargo do Dr. BB, em ...; cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial). Da referida notificação judicial avulsa compre destacar os seguintes excertos:


“(…)


AA, administrador da insolvência, em representação da Massa Insolvente de Costa & Carvalho, Sa.


(…)


3.º Nessa qualidade e em representação da massa insolvente vem o requerente proceder à notificação da resolução de Escritura de Compra e Venda, outorgada em 02/05/2006, no Cartório Notarial a cargo do Dr. BB (…).


4.ª o qual teve por objecto a fracção autónoma “H”, correspondente ao Bloco 2, piso um esquerdo, tipo T4, destinado a habitação, uma arrecadação com o número um situada no piso menos dois, dois lugares de parqueamento com os número dez e dezoito, situados em garagem comum no piso menos dois, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Av. ... e Rua ..., na União das Freguesias de ..., concelho de ..., descrito na CRP de ... sob o nº 855/19961210-H, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º 2346, propriedade da insolvente, conforme fotocópia da escritura que se junta e cujo teor se reproduz integralmente sob o doc. n.º 2.


Considerações prévias


Do conhecimento do presente negócio


Na sequência da análise pormenorizada da contabilidade da insolvente e dos diversos documentos arquivados por esta e, bem assim, da análise de documentos que não se encontravam arquivados, mas que foram requeridos a diversas instituições nomeadamente, no que respeita à forma como ocorreram todas as transmissões de imóveis propriedade da insolvente nos dois anos anteriores à entrada da acção de pedido de insolvência, teve o requerente conhecimento que a venda, que ora se resolve, constituiu um acto prejudicial à Massa Insolvente da Costa & Carvalho, SA., tendo sido praticado com manifesta má-fé, por parte de todos os intervenientes no processo e, nomeadamente, por parte da requerida.


Da notificação judicial avulsa


Atendo o conhecimento tardio do requerente da prejudicialidade do negócio, bem como, de todos os elementos que fundamentam a presente resolução e, atento o facto de estar já muito próximo o prazo prescrito no art.º 123.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante Cire e, ainda, o facto de, conforme já ocorreu noutras resoluções no âmbito dos referidos autos de insolvência, nos quais os destinatários/requeridos se furtaram a receber as missivas enviadas nos termos indicados no dito art.º 123.º, do Cire, opta o requerente por requerer a notificação judicial avulsa a realizar por Agente de Execução.


Da dupla vertente da presente Resolução


A presente Resolução assume uma vertente dupla, a primeira delas incide sobre a resolução de Escritura de Compra e Venda e, a título subsidiário, atentos os efeitos da resolução da compra e venda, incide sobre a resolução de Escritura de Promessa de Compra e Venda, com Eficácia Real, pelo que, a presente resolução será composta de duas partes distintas: Parte I e Parte II.


5.º No dia 03/01/2018, através da consulta à Conservatória do Registo Predial ..., teve o requerente conhecimento de que fracção em causa – “H” – foi objecto de compra e venda (…).


(…)”.


10. No âmbito dos autos principais ao presente apenso, no dia 29/6/2016, o Sr. Administrador da insolvência apresentou o relatório, a que alude o disposto no artigo 155.º do Cire, e, em anexo, o inventário, os quais aqui se consideram integralmente reproduzidos.


11. Do referido relatório reproduzem-se os seguintes excertos:


“(…) Dada a dimensão da empresa, ora insolvente, o signatário deslocou-se várias vezes às instalações da mesma, para tomar conta da realidade da empresa, tendo toda a informação solicitada sido fornecida, até à presente data.


Para além dos elementos a que alude o artigo 4 do CIRE o signatário solicitou os seguintes dossiers para análise:


✓ Relatório de Reclamações de Obras;


✓ As facturas de venda de activos dos dois últimos três anos


✓ Cópias dos contratos Promessa de Compra e Venda bem com as escrituras


de venda dos últimos três anos.


✓ Cópias dos contratos de leasing e renting em curso.


✓ Cópias dos Contratos de Arrendamento celebrados.


✓ Processos em contencioso e pré-contencioso.


4.2 Da Actuação da Administração. (…) Numa primeira análise efectuada, o signatário chega à conclusão que, mesmo a poucos dias ou mesmo meses antes de ser decretada a insolvência, mas já após o seu pedido, foram efectuados vários contratos promessa e escrituras de compra e venda de imóveis, podendo consubstanciar o favorecimento de alguns credores em detrimento de outros. Tais actos, deverão ser resolvidos em benefício da massa insolvente.


(…)


Já no que toca à venda de activos móveis da insolvente, efectuada em Abril do presente ano, o signatário verificou que tais verbas foram, em grande medida, para pagamentos de encargos correntes da empresa, nomeadamente:


✓ Vencimentos.


✓ Segurança Social.


✓ Finanças (Acordos).


✓ Pagamento de Comunicações.


✓ Entre outros.


De seguida apresenta-se um quadro resumo das principais alienações e promessas de alienação efectuadas, antes de ter sido declarada a insolvência:


Descrição Documento Data alienação Valor em €


(…)


Fracção H – Bloco 2 – Artigo 2346 Compra/Venda 02/05/2016 270.000,00


(…).”


12. No âmbito da lista de credores reconhecidos, apresentada a 11-10-2016 pelo Sr. AI (cfr. apenso H – reclamação de créditos), consta reconhecido à autora o crédito global de € 33.203,22.


13. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do parecer emitido pelo Sr. AI a 25-7-2017 no âmbito do apenso A – qualificação da insolvência e nos termos do disposto no artigo 188.º, n.º 3 do Cire, do qual se destacam os seguintes excertos:


“(…)


5. Actos praticados pela insolvente ou seus gerentes nos últimos três anos.


Numa primeira análise efectuada, o signatário chega à conclusão que, mesmo a poucos dias ou meses antes de ser decretada a insolvência, mas já após o seu pedido, foram efectuados vários contratos promessa e escrituras de compra e venda de imóveis, consubstanciando o favorecimento de alguns credores em detrimento de outros, com prejuízos para a massa insolvente.


Descrição Documento Data alienação Valor em €


Fracção H – Bloco 2 – Artigo 2346 Compra e Venda 02/05/2016 270.000,00


10. Acontece ainda que, tendo consciência do seu real estado, a insolvente procedeu à alienação de uma parte substancial dos seus activos, celebrando negócios economicamente duvidosos e favorecendo alguns credores em detrimento de outros, conforme supra foi elencado no ponto 5, no quadro “Tabela 11 – Alienação de Activos”


(…)


10. Conclusões


Face ao que foi sendo dito ao longo do presente relatório, a título de resumo:


(…)


A administração tendo bem consciência do estado da insolvente, celebrou ainda, meses antes da declaração da insolvência diversos contratos promessa de compra e venda, com eficácia real sobre os imóveis e vendeu uma série de activos móveis para pagar créditos a credores, tendo feito desaparecer uma parte considerável do seu património favorecendo uns credores em detrimento de outros:


(…)”.


14. O Sr. Administrador Judicial teve conhecimento entre Maio e Junho de 2016 do contrato pela firma insolvente celebrado referente à escritura que pretende resolver com a autora, bem como do contrato promessa de compra e venda com eficácia real que a precedeu.


*


Sem prejuízo do acima exposto, resultam como não provados o seguinte aspecto:


a. Que o Sr. Administrador Judicial tivesse tido conhecimento, entre Maio e Junho de 2016, de toda a documentação da firma insolvente e de todos os contratos por esta celebrados.


***


1. A Relação socorreu-se de factos que não foram alegados para dar como procedente a excepção de caducidade da resolução?


A Massa Insolvente conclui as suas alegações nos seguintes termos:


5 – A ora recorrente recorreu para o tribunal da Relação de Coimbra, fundamentando o seu recurso e, em suma, alegando que cabia à recorrida invocar que o conhecimento do AI do negócio aquando da apresentação do parecer de qualificação em 25-07-2017, como facto extintivo do direito de acção, não o tendo invocado estava vedado ao juiz a quo, fundamentar a procedência da excepção invocada nesse facto.


6 – Ora, no acórdão recorrido o Tribunal da Relação de Coimbra, julgou improcedente o recurso nesta matéria, confirmando a decisão proferida pelo tribunal a quo.


Comecemos por ver se foi assim que as coisas se passaram, se a Relação-pois é sobre o acórdão do segundo grau que este recurso de revista se debruça-, actuou da forma descrita, isto é, se, para concluir pela procedência da excepção de caducidade, se socorreu de factos que não foram alegados pela parte contrária?


Para darmos uma resposta cabal a este quesito importa fazer um não muito breve excurso sobre os autos, que tramitaram sob vicissitudes várias e pouco comuns: nada mais do que quatro sentenças e quatro acórdãos.


Vejamos então.


A recorrida alegou na petição inicial, entre outra factualidade, o seguinte: Refere-se desde já que, quando a A. foi notificada em 7/5/2018 da resolução da escritura descrita na notificação judicial, já o direito à resolução havia caducado, quer em relação à escritura de compra e venda, quer em relação à escritura de promessa de compra e venda com eficácia real juntas àquela notificação, aqui junta como doc. 1 e doc. 2 e 3 igualmente aqui juntas, conforme adiante melhor se demonstrará. 15º Ou seja, o Sr. Administrador Judicial, teve conhecimento entre Maio e Junho de 2016 de toda a documentação da firma insolvente e, ainda, de todos os contratos por esta celebrados, inclusive da escritura que pretende resolver com a A., bem como do contrato promessa de compra e venda com eficácia real que a precedeu. 17º Mais ainda, o Sr. Administrador de Insolvência teve conhecimento naquela data (entre Maio e Junho de 2016) da referida escritura que ora pretende resolver, celebrada em 2/5/2016 e, contrato promessa com eficácia real celebrado a 26/4/2016 e, fez constar tal conhecimento de forma expressa no relatório por si elaborado (nos termos do artigo 155 do CIRE) em 26 de Junho de 2016, o qual apresentou à Assembleia de Credores realizada em 6/7/2016 e, que consta de fls. 1047 a 1082 dos autos principais. 20º Resulta assim do exposto, de forma expressa e sem qualquer dúvida que, o Sr. Administrador Judicial, pelo menos, quando elaborou o relatório nos termos do artigo 155 do CIRE em 26/06/2016 e, o apresentou à Assembleia de Credores em 6/7/2016, já tinha perfeito conhecimento da alienação do imóvel descrito no artigo 1º desta P.I. pela insolvente à Autora, bem como do respectivo Contrato Promessa de Compra e Venda com Eficácia Real e dos termos destes, pois fez constar expressamente desse relatório, que tal alienação teria de ser resolvida pelos motivos que aí refere. 21º Pelo que, tendo o Sr. Administrador Judicial da insolvente tomado conhecimento de tal alienação pelo menos quando elaborou o relatório em 26/6/2016, que apresentou à Assembleia de Credores realizada em 6/7/2016, não é naturalmente verdade o que alega no artigo 5 da sua douta notificação judicial avulsa, quando aí refere que, só em 3/1/2018 tomou conhecimento da alienação, sendo totalmente falsa tal afirmação quanto a esta parte.


24.Entre 26/6/2016, data em que o Sr. Administrador teve conhecimento da venda à A., conforme referiu no relatório de 26/4/2016 que apresentou na assembleia de credores em 6/7/2016 e, a data de 7/5/2018, data da notificação da resolução, decorreram 22 meses e 11 dias, ou seja, decorreram mais de 6 meses após o Sr. Administrador Judicial ter tomado conhecimento da outorga da escritura de compra e venda a favor da A., bem como da outorga do contrato promessa com eficácia real. Pelo que, à data em que a A. foi notificada da resolução, já o direito potestativo à resolução das referidas escrituras havia caducado, o que ocorre pelo menos desde 26 de Dezembro de 2016. 27º Acresce ainda que, mesmo que ainda assim se não entendesse e, se considerasse só ter tomado conhecimento das reais características do negócio posteriormente, sempre se estaria perante um caso em que o Sr. Administrador não teria actuado com a diligência que lhe era exigível, caso este, em que o prazo se contaria, igualmente, desde o momento em que o Sr. Administrador deveria ter tomado conhecimento daqueles pressupostos, que sempre seria, pelo menos, desde a data da elaboração do relatório por si efectuado nos termos do artigo 155 do CIRE, datado de 26/6/2016, que apresentou à Assembleia de credores em 6/7/2016, em que declara expressamente ter tomado conhecimento das escrituras supra descritas, referindo aí, que as mesmas teriam de ser anuladas. 28º Ou, em última instância, tal prazo, contar-se-ia desde 10 de Março de 2017, data da 2ª Assembleia de Credores, em que na sequência da análise de toda a contabilidade e actividade da insolvente pelo Sr. Administrador Judicial, foi por ele elaborado um plano, que viria a ser apresentado em assembleia de credores e aí aprovado, que prevê entre outros, a conclusão do prédio onde se encontra a fracção vendida à A., plano este, pelo qual a massa insolvente pagou ao Sr. Administrador a quantia de € 15.000,00, além dos € 2.000,00 mensais que lhe são pagos mensalmente desde a data da 1ª Assembleia até ao presente. 29º Pelo que, como administrador diligente que é, não pode vir alegar não ter tido tempo ou, não ter sido pago por tal. 30º Assim, mesmo que se contasse o prazo desde a data da 2ª Assembleia de Credores ocorrida em 10 de Março de 2017, ainda assim se verifica a caducidade do direito à resolução, por terem decorridos mais de 6 meses após a data do conhecimento dos factos pelo Sr. Administrador ou, da data em que deveria diligentemente ter tomado conhecimento dos mesmos e, a data da notificação da resolução ocorrida a 7/5/2018.


Na contestação a recorrente impugnou especificadamente grande parte dos artigos da petição inicial e a letra de 23 documentos juntos com o articulado inicial.


Relativamente à excepção, a Massa Insolvente afirma e reitera (cfr. artigo 18.º) «que o conhecimento, por banda do AI de todos os elementos essenciais ao negócio e nomeadamente a sua prejudicialidade ocorreu apenas em janeiro de 2018, e «Na sequência da análise pormenorizada da contabilidade da Insolvente e dos diversos documentos arquivados…e outros» (Cfr.resolução).


No saneador-sentença de 21.11.2019, o primeiro grau deu como assente a seguinte factualidade:


1. A 13/3/2016, a A..., Lda. peticionou a declaração de insolvência da Costa & Carvalho, Sa., tudo conforme consta dos autos principais. 2. Através de Sentença proferida no dia 11/5/2016, foi a Costa & Carvalho, Sa. declarada insolvente; sendo que no âmbito da mesma Sentença foi nomeado como Administrador (AI) o Sr. Dr. AA. 3. A 29/6/2016, o Sr. Administrador da insolvência apresentou o relatório, a que alude o disposto no artigo 155.º do Cire, e, em anexo, o inventário, os quais aqui se consideram integralmente reproduzidos. 4. Do referido relatório reproduz-se o seguinte excerto: “(…) 4.2 Da Actuação da Administração. (…) Numa primeira análise efectuada, o signatário chega à conclusão que, mesmo a poucos dias ou mesmo meses antes de ser decretada a insolvência, mas já após o seu pedido, foram efectuados vários contratos promessa e escrituras de compra e venda de imóveis, podendo consubstanciar o favorecimento de alguns credores em detrimento de outros. Tais actos, deverão ser resolvidos em benefício da massa insolvente.”. 5. Através de escritura pública outorgada a 2/5/2016 no Cartório Notarial a cargo do Dr. BB – que aqui se considera integralmente reproduzida -, a Costa & Carvalho, Sa. declarou vender à Acordo – Comércio de Equipamentos Eléctricos, Lda. a fracção autónoma identificada pela letra “H” descrita na Conservatório do Registo Predial ... sob o n.º 855/União de Freguesias ... e Vestiaria. Tal acto consta registado através da apresentação n.º 2067 de 2/5/2016. 6. Através de escritura publica outorga a 26/4/2016 no Cartório Notarial a cargo do Dr. BB – que aqui se considera integralmente reproduzida -, a Costa & Carvalho, Sa. prometeu vender à Acordo – Comércio de Equipamentos Eléctricos, Lda. a fracção autónoma acima identificada. Tal acto consta registado através da apresentação n.º 2791 de 26/4/2016. 7. A resolução do negócio acima referido no ponto anterior foi manifestada através de notificação judicial avulsa apresentada em Juízo no dia 01/5/2018, à qual foi atribuído o n.º 991/18.5... Neste âmbito, a Acordo – Comércio de Equipamentos Eléctricos, Lda. foi notificada no dia 7/5/2018.


Ora, tendo considerado que o AI conhecia os negócios realizados e formalizados, pelo menos, no dia 26/6/2016, o prazo peremptório imposto pelo n.º 1 do artigo 123.º alcançou o seu termo no dia 26/12/2016.


Como a notificação judicial avulsa n.º 991/18.5... foi apresentada em Juízo no dia 01/5/2018 e concretizada no dia 07/5/2018, o referido prazo legal de seis meses havia decorrido há mais de um ano e quatro meses.


Pelo exposto, foi declarada procedente a excepção de caducidade suscitada pela autora.


A Massa Insolvente recorreu. Nas 35 conclusões com que encerra as primeiras alegações apresentadas neste processo, a recorrente reitera o que já tinha afirmado na contestação, a saber, que o prazo de caducidade de 6 meses conta-se a partir do momento do conhecimento dos pressupostos que podem fundamentar a resolução do negócio e não do conhecimento do acto em si, e, por conseguinte, não pode ser contado da mera referência aos contratos de compra-e-venda celebrados pela devedora nos moldes em que aparece manifestada no relatório apresentado pelo Sr. AI nos termos do art.º 155 do CIRE.


O acórdão de 17.3.2020 entendeu que «foi prematuro o conhecimento da excepção de caducidade do direito de resolução do negócio pelo Sr. AI», tendo lembrado, inclusive, que «em se tratando aqui de uma acção de simples apreciação negativa, é à Massa Insolvente que compete a demonstração dos requisitos ou factos constitutivos da resolução declarada (art.º 343, nº 1, do CC)», sendo que «estes factos só podem ser os que constam da comunicação resolutiva expurgada de todos os juízos valorativos ou conclusivos».


Por tudo isto, a Relação de Coimbra revogou o saneador-sentença recorrido, e determinou o prosseguimento dos autos para apuramento da factualidade indispensável incidindo sobre os temas decorrentes dos articulados.


O processo baixou ao primeiro grau e aí procedeu-se a audiência de julgamento.


Por sentença de 10.8.2021, foram julgados provados os seguintes factos: 1. A 13-3-2016 foi requerida a insolvência da Costa & Carvalho, Sa.. 2. A referida insolvência foi declarada através de Sentença proferida no dia 11-5-2016 no âmbito dos autos principais ao presente apenso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 3. No âmbito da no âmbito da mesma Sentença foi nomeado como Administrador (AI) o Sr. Dr. AA. 4. Assumiam as funções de administradores da insolvente: DD (Presidente do Conselho de Administração), EE (Vogal) e FF (Vogal). 5. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da escritura pública com a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda com Eficácia Real”, outorgada a 26-4-2016, no Cartório Notarial a cargo do Dr. BB, em ..., da qual se transcrevem os seguintes excertos (cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial): “(…) No dia vinte e seis de Abril de dois mil e dezasseis (…) compareceram como outorgantes: Primeiro: GG (…); que outorga na qualidade de procurador da sociedade: Costa & Carvalho, Sa. (…) Segundo: HH (…); que outorga na qualidade de sócio e gerente da sociedade: Acordo – Comércio de Equipamentos Elétricos, Lda. (…) Pelos outorgantes, nas qualidades em que outorgam, foi dito: Que entre o primeiro e segundo outorgantes é celebrado o presente contrato, com as cláusulas seguintes: Cláusula primeira. (Do prédio) A sociedade representada do primeiro outorgante, promitente vendedora, é dona e legítima possuidora do seguinte bem: - 1 – Fracção Autónoma designada pela letra “H” correspondente ao Bloco 2, (…) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número oitocentos e cinquenta e cinco / ... (…). Cláusula segunda (Promessa) 1 – Pelo presente contrato, a sociedade representada do primeiro outorgante promete vender à sociedade representada do segundo outorgante, livre de quaisquer ínus ou encargos, e esta promete comprar àquela, a fracção acima identificada. 2 – A sociedade vendedora compromete-se a apresentar no dia da outorga da escritura definitiva documento necessário para o cancelamento da inscrição hipotecária que incide sobre a fracção, (…) 3 – Que a sociedade compradora entra hoje na posse da fracção e é por sai ocupada nesta data, pelo que se encontra verificada a tradição da posse. Cláusula terceira (Modo de Pagamento) 1 – O preço é de duzentos e sete mil e quinhentos euros. 2 – O preço acordado será pago pela sociedade representada do segundo outorgante à sociedade representada do primeiro da seguinte forma: (…)”. 6. A promessa de alienação acima referida no ponto anterior consta registada através da apresentação n.º 2791 de 26-4-2016 (cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial). 7. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da escritura pública com a epígrafe “compra e venda”, outorgada em 02-5-2016, no Cartório Notarial a cargo do Dr. BB, em ..., da qual se transcrevem os seguintes excertos (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial): “Compra e Venda No dia dois de Maio de dois mil e dezasseis (…) compareceram como outorgantes: Primeiro: GG (…); que outorga na qualidade de procurador da sociedade: Costa & Carvalho, Sa. (…) Segundo: HH (…); que outorga na qualidade de procurador da sociedade: Acordo – Comércio de Equipamentos Elétricos, Lda. (…) Pelo primeiro outorgante foi dito: Que, pelo preço de Duzentos e sete mil e quinhentos euros, já recebido, a sociedade sua representada vende ao segundo outorgante o seguinte bem: Fração autónoma designada pela letra “H” (…) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número oitocentos e cinquenta e cinco / ... (…). Que sobre a fracção incide uma hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, Sa. registada pela apresentação dois mil e noventa e quatro de trinta de Março de dois mil e onze, cujo cancelamento se encontra assegurado por documento emitido pelo mesmo Banco em vinte e oito de Abril último. Que o preço acordado tem em conta o estado atual da fracção, conforme declaram. Pelo segundo outorgante foi dito: Que aceita para a sociedade sua representada a venda nos termos exarados. (…)”. 8. A aquisição acima referida no ponto anterior consta registada através da apresentação n.º 2067 de 02-5-2016 (cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial). 9. Através de notificação judicial avulsa, que correu termos perante a Mm.ª Juiz de Direito 1 do Juízo Local Cível de ..., com o n.º 990/18.7..., apresentada pela Massa Insolvente a 01-5-2018 e concretizada pela Sra. Agente de Execução Dra. II no dia 07-5-2018, foi a autora notificada de que a mesma Massa Insolvente resolveu o negócio, celebrado entre a sociedade Costa & Carvalho, Sa. e a autora, formalizado através da escritura pública com a epígrafe “compra e venda”, outorgada em 02-5-2016, no Cartório Notarial a cargo do Dr. BB, em ...; cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial). Da referida notificação judicial avulsa compre destacar os seguintes excertos: “(…) AA, administrador da insolvência, em representação da Massa Insolvente de Costa & Carvalho, Sa. (…) 3.º Nessa qualidade e em representação da massa insolvente vem o requerente proceder à notificação da resolução de Escritura de Compra e Venda, outorgada em 02/05/2006, no Cartório Notarial a cargo do Dr. BB (…). 4.ª o qual teve por objecto a fracção autónoma “H”, correspondente ao Bloco 2, piso um esquerdo, tipo T4, destinado a habitação, uma arrecadação com o número um situada no piso menos dois, dois lugares de parqueamento com os número dez e dezoito, situados em garagem comum no piso menos dois, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Av. ... e Rua ..., na União das Freguesias de ..., concelho de ..., descrito na CRP de ... sob o nº 855/19961210-H, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º 2346, propriedade da insolvente, conforme fotocópia da escritura que se junta e cujo teor se reproduz integralmente sob o doc. n.º 2. Considerações prévias Do conhecimento do presente negócio Na sequência da análise pormenorizada da contabilidade da insolvente e dos diversos documentos arquivados por esta e, bem assim, da análise de documentos que não se encontravam arquivados, mas que foram requeridos a diversas instituições nomeadamente, no que respeita à forma como ocorreram todas as transmissões de imóveis propriedade da insolvente nos dois anos anteriores à entrada da acção de pedido de insolvência, teve o requerente conhecimento que a venda, que ora se resolve, constituiu um acto prejudicial à Massa Insolvente da Costa & Carvalho, Sa., tendo sido praticado com manifesta má-fé, por parte de todos os intervenientes no processo e, nomeadamente, por parte da requerida. Da notificação judicial avulsa Atendo o conhecimento tardio do requerente da prejudicialidade do negócio, bem como, de todos os elementos que fundamentam a presente resolução e, atento o facto de estar já muito próximo o prazo prescrito no art.º 123.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante Cire e, ainda, o facto de, conforme já ocorreu noutras resoluções no âmbito dos referidos autos de insolvência, nos quais os destinatários/requeridos se furtaram a receber as missivas enviadas nos termos indicados no dito art.º 123.º, do Cire, opta o requerente por requerer a notificação judicial avulsa a realizar por Agente de Execução. Da dupla vertente da presente Resolução A presente Resolução assume uma vertente dupla, a primeira delas incide sobre a resolução de Escritura de Compra e Venda e, a título subsidiário, atentos os efeitos da resolução da compra e venda, incide sobre a resolução de Escritura de Promessa de Compra e Venda, com Eficácia Real, pelo que, a presente resolução será composta de duas partes distintas: Parte I e Parte II. (…)”. 10. No âmbito dos autos principais ao presente apenso, no dia 29/6/2016, o Sr. Administrador da insolvência apresentou o relatório, a que alude o disposto no artigo 155.º do Cire, e, em anexo, o inventário, os quais aqui se consideram integralmente reproduzidos. 11. Do referido relatório reproduzem-se os seguintes excertos: “(…) Dada a dimensão da empresa, ora insolvente, o signatário deslocou-se várias vezes às instalações da mesma, para tomar conta da realidade da empresa, tendo toda a informação solicitada sido fornecida, até à presente data. Para além dos elementos a que alude o artigo 4 do CIRE o signatário solicitou os seguintes dossiers para análise: ✓ Relatório de Reclamações de Obras; ✓ As facturas de venda de activos dos dois últimos três anos ✓ Cópias dos contratos Promessa de Compra e Venda bem com as escrituras de venda dos últimos três anos. ✓ Cópias dos contratos de leasing e renting em curso. ✓ Cópias dos Contratos de Arrendamento celebrados. ✓ Processos em contencioso e pré-contencioso. 4.2 Da Actuação da Administração. (…) Numa primeira análise efectuada, o signatário chega à conclusão que, mesmo a poucos dias ou mesmo meses antes de ser decretada a insolvência, mas após o seu pedido, foram efectuados vários contratos promessa e escrituras de compra e venda de imóveis, podendo consubstanciar o favorecimento de alguns credores em detrimento de outros. Tais actos, deverão ser resolvidos em benefício da massa insolvente. (…) no que toca à venda de activos móveis da insolvente, efectuada em Abril do presente ano, o signatário verificou que tais verbas foram, em grande medida, para pagamentos de encargos correntes da empresa, nomeadamente:Vencimentos.Segurança Social.Finanças (Acordos)Pagamento de Comunicações.Entre outros. De seguida apresenta-se um quadro resumo das principais alienações e promessas de alienação efectuadas, antes de ter sido declarada a insolvência (…)12. No âmbito da lista de credores reconhecidos, apresentada a 11-10-2016 pelo Sr. AI (cfr. apenso H – reclamação de créditos), consta reconhecido à autora o crédito global de € 33.203,22. 13. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do parecer emitido pelo Sr. AI a 25-7-2017 no âmbito do apenso A – qualificação da insolvência e nos termos do disposto no artigo 188.º, n.º 3 do Cire, do qual se destacam os seguintes excertos:“(…) 5. Actos praticados pela insolvente ou seus gerentes nos últimos três anos. Numa primeira análise efectuada, o signatário chega à conclusão que, mesmo a poucos dias ou meses antes de ser decretada a insolvência, mas após o seu pedido, foram efectuados vários contratos promessa e escrituras de compra e venda de imóveis, consubstanciando o favorecimento de alguns credores em detrimento de outros, com prejuízos para a massa insolvente.(…)Em resumo: 10. Acontece ainda que, tendo consciência do seu real estado, a insolvente procedeu à alienação de uma parte substancial dos seus activos, celebrando negócios economicamente duvidosos e favorecendo alguns credores em detrimento de outros, conforme supra foi elencado no ponto 5, no quadro “Tabela 11 Alienação de Activos” (…) 10. Conclusões Face ao que foi sendo dito ao longo do presente relatório, a título de resumo: (…)A administração tendo bem consciência do estado da insolvente, celebrou ainda, meses antes da declaração da insolvência diversos contratos promessa de compra e venda, com eficácia real sobre os imóveis e vendeu uma série de activos móveis para pagar créditos a credores, tendo feito desaparecer uma parte considerável do seu património favorecendo uns credores em detrimento de outros: (…)”.


Feita a subsunção destes factos nas factispecies abstractas aplicáveis, o tribunal manteve o juízo de procedência da excepção, mas com fundamentação não coincidente com a anterior. Na verdade lê-se na sentença: «Face à factualidade ora destacada, entendendo-se que o Sr. AI tomou conhecimento de todo o circunstancialismo que envolveu tais negócios pelo menos no dia 25-7-2017, temos que a notificação judicial avulsa acima citada no ponto 9.º dos factos provados deveria ter sido apresentada em Juízo até ao dia 25 de Janeiro de 2018. Ora, tal notificação avulsa foi apresentada em Juízo no dia 01-5-2018.Assim, o referido prazo legal de seis meses havia decorrido há cerca de três meses e cinco dias».


De novo inconformada, a Massa Insolvente apresentou segundo recurso para a Relação.


Arguiu a recorrente, sem êxito, a omissão de pronúncia quanto a saber se em 2016 e 2017 o AI dispunha de dados suficientes para avaliar a resolubilidade do negócio e se pôde então avaliar globalmente os termos relevantes para aquela avaliação, e suscitou, mas desta vez com êxito, o problema prévio conexionado com a circunstância de 1ª instância não ter acatado o determinado no acórdão de 17 de Março de 2020, onde, entre o mais, se ordenou o prosseguimento dos autos para apuramento da factualidade inserta nos artigos 15 a 20 da petição inicial.


Nas 36 conclusões da recorrente, faz-se ainda referência ao princípio do inquisitório previsto no art.º 11.º do CIRE, que se julga inaplicável ao caso, e, sem prescindir, ainda que se entenda que é de aplicar esse princípio do inquisitório, alega-se que, «ante a possibilidade de o Tribunal equacionar usar esse mecanismo ampliando a matéria de facto deveria antes dar possibilidade à recorrente para se pronunciar sobre a atendibilidade desses factos e permitir requerer novas provas».


Mais: «para poder levar em consideração factos que resultem da instrução da causa e sejam instrumentais, complementares ou concretizadores dos que as partes alegaram, o tribunal tem de dar previamente às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a atendibilidade desses factos».

O acórdão de 11 de Janeiro de 2022, diante de tais conclusões esclareceu que era fundamental apurar o facto extintivo da caducidade do direito de resolução que vinha alegado pela Autora nos aludidos artigos 15 a 20 da petição inicial, o que a 1ª instância teria ignorado.

Na sequência, a Relação anulou o julgamento, nos termos do art.º 662, nº 1, al.ª c) do CPC, a fim de permitir que a base factual da decisão inclua uma expressa posição sobre o facto invocado no art.º 15 da p.i., sem prejuízo da eventual necessidade de consignação de outra matéria em função da resposta dada a essa factualidade.

Baixaram de novo os autos ao primeiro grau e, por sentença de 30 de Junho de 2022 (a terceira sentença), foi acrescentado um novo facto sem alteração do julgamento de mérito.

Foi o seguinte o facto aditado:

14. O Sr. Administrador Judicial teve conhecimento entre Maio e Junho de 2016 do contrato pela firma insolvente celebrado referente à escritura que pretende resolver com a autora, bem como do contrato promessa de compra e venda com eficácia real que a precedeu.

Aconteceu então nova vicissitude processual: a Massa Insolvente interpôs novo recurso (o terceiro), em cuja minuta, empolada em 131 conclusões, se afirma:

16. Previamente, a recorrente alega, que a sentença de que ora se recorre é nula por violação do princípio do dispositivo, do princípio do inquisitório (norma especial do art.º 11.º do CIRE) e do princípio do contraditório. 17. Porquanto,a sentença considerou como meio prova o “parecerquequalifica ainsolvência como dolosa (autuado a 25-7-2017 ao apenso A)”, vertendo na decisão a seguinte conclusão “Face à factualidade ora destacada, entendendo-se que o AI tomou conhecimento de todo o circunstancialismo que envolveu tais negócios pelo menos no dia 25/07/2017…”. 18. Fazendo parte do acervo probatório o teor do referido documento no facto 13. 19. Ora, no presente processo, em momento algum a recorrida invocou, alegou ou sequer referenciou que o conhecimento do AI do negócio em causa ocorreu em 25/07/2017. 20. Nunca, em momento algum, juntou aos autos o parecer que qualifica a insolvência como dolosa (autuado a 25-7-2017), requereu a sua junção, ou sequer remeteu para tal documento. 21. Por sua vez, nunca, em momento algum, nomeadamente durante a instrução e audiência de julgamento, a recorrente foi advertida pelo tribunal que o referido meio de prova era essencial para a discussão da causa e, como tal iria ser considerado na decisão. 22. Ou seja, o confronto da recorrente com o facto de o tribunal se socorrer do referido meio de prova e da sua essencialidade para a decisão da causa, surgiu apenas, com a presente decisão de que ora se recorre. 23. A recorrente, nessa medida não teve oportunidade de apresentar qualquer defesa, nomeadamente, contraditando o alcance que com o referido meio de prova se pretendia, apresentando outras provas, pedindo as declarações do Sr. AI, apresentando testemunhas… 24. Cabia à recorrida invocar que o conhecimento do AI do negócio aquando da apresentação do parecer de qualificação em 25-07-2017, como facto extintivo do direito de acção, juntando o documento de prova de suporte ou para ele remetendo. Não sendo alegado tal facto, a recorrente não teve possibilidade de o impugnar, contraditar e apresentar contra-prova, ou seja, não teve a possibilidade de se defender dessa factualidade ou do alcance que com ela se pretendia. 25. Ao ter considerado tal factualidade e documento como essencial na decisão o juiz a quo violou o princípio do dispositivo.

Em 13.12.2022 foi tirado terceiro acórdão, com um voto de vencido, o qual, com fundamento em que o tribunal a quo não podia ter proferido nova decisão sem repetir/reabrir o julgamento, uma vez que se trata de facto novo, anteriormente não apreciado, revogou a decisão recorrida, determinando a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de se repetir o julgamento.

Em 31 de Maio de 2023, o tribunal a quo proferiu nova sentença (a quarta) que reproduziu integralmente os factos anteriores, designadamente o facto número 14, e a decisão de mérito.

A Massa Insolvente recorreu de novo, tendo replicado os argumentos do recurso anterior.

O acórdão ora impugnado (o quarto) enunciou as questões a decidir nos seguintes moldes:


A. Se a sentença recorrida é nula, por não se ter pronunciado acerca dos factos alegados pela ré, tendentes a demonstrar a existência de má fé por parte da autora e relativos à prejudicialidade do negócio resolvido;


B. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente ao item 13.º dos factos provados, que deve ser eliminado e ao item 14.º dos factos provados, que deve passar a considerar-se como não provado e serem considerados como provados os factos alegados nos artigos 18.º, 30.º, 34.º a 46.º, 48.º, 52.º a 55.º; 77.º, 78.º e 80.º a 82.º, da contestação;


C. Se, em face da pretendida alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, deve ser julgada improcedente a invocada excepção de caducidade e;


D. Se se mostram verificados os requisitos para ser decretada a pretendida resolução a favor da Massa Insolvente.


A arguição da nulidade foi indeferida. As questões B e C, por sua vez, foram julgadas em sentido desfavorável à Massa, tendo ficado prejudicado o conhecimento da questão D.


O acórdão recorrido, em sede de reapreciação do julgamento de facto, afirma que «há um elemento objectivo - o teor do referido relatório – que permite concluir que quando este foi elaborado, já o AI estava na posse das informações necessárias e suficientes, para aquilatar da viabilidade da resolução de tal venda, a favor da massa insolvente.


Se o AI dele fez constar os elementos acima referidos, designadamente a data e montante, é porque, antes de o elaborar teve acesso a documentos que lhe permitiram assim concluir.


O que, também mais se coaduna com a lógica das coisas, uma vez que uma empresa da dimensão da insolvente teria de ter elementos contabilísticos que refletissem tal negócio, quando, para além do mais, nele teve intervenção a CGD, como beneficiária de uma hipoteca.


Concluindo, soçobram os argumentos invocados pela recorrente, com vista a obter a alteração da matéria de facto atinente».


Em matéria de julgamento de direito, não tendo sido alterada a decisão sobre a matéria de facto, a Relação fez uso da faculdade que lhe é atribuída pelo artigo 663.º, 6 e confirmou in totum a decisão do primeiro grau.


Ora, ao cabo deste longo itinerário processual, facilmente se conclui que a Relação de Coimbra, no acórdão impugnado, não se socorreu de qualquer facto de que não podia socorrer-se.


Bem pelo contrário: o segundo grau limitou-se a manter a decisão impugnada sem alterar nada.


Quem se serviu da invocada referência à data de 25-07-2017 foi o primeiro grau e a factualidade por este grau fixada foi deixada incólume.


Saber se o segundo grau deveria ter julgado de modo diverso, pode ser processualmente perspectivado como um mau julgamento de facto, que este grau deve mesmo assim acatar, em virtude de só conhecer de direito ou como omissão de pronúncia, vício que deveria ter sido arguido como vício da sentença e não foi.


Em qualquer das hipóteses a argumentação da recorrente, inspirada, sem razão bastante, no acórdão fundamento, tem de soçobrar.


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2. Saber se o tribunal violou regras legais do procedimento probatório


No nosso sistema de revisão, o STJ não é uma terceira instância, não conhece do facto.


Na verdade, como é sobejamente sabido e só se refere como exórdio, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista (artigo 674.º, 3).


A esta regra a norma deste mesmo artigo introduz duas excepções.


i) Havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do acto ou facto;


ii) Havendo ofensa de uma disposição expressa que fixe a força de determinado meio de prova.


A primeira excepção contempla «a hipótese de o tribunal recorrido ter dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência; a segunda, quando se tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no nosso sistema jurídico» (Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, 3.ª ed., Lisboa, 2001:278).


Deverá levar-se ainda em conta que o STJ tem entendido que pode sindicar se a Relação, na apreciação da prova sujeita a livre apreciação ex artigo 607.º, 5 violou ou não as regras legais do procedimento probatório, designadamente o disposto nos artigos 607.º, 4, 1.ª parte e 5, 662.º, 1 a 3 e 351.º este do CC.


Deve, contudo, precisar-se o alcance do sindicato exercido por este grau superior.


O acórdão de 30.11.2021, Proc. 212/15.2T8BRG-B.G1.S1, é bem elucidativo: «Desde logo, importa referir que, em sede de sindicância sobre o uso dos poderes pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão de facto impugnada, cabe ao tribunal de revista ajuizar se, em tal pronunciamento, foram observadas as diretrizes prescritas no artigo 607.º, n.º 4, 1.ª parte, do CPC, de modo que o tribunal de recurso estribe a formação da sua convicção sobre o invocado erro de julgamento através dos fatores decisivos para tal.


Mas já não cabe ao tribunal de revista intrometer-se na apreciação do mérito da análise probatória realizada nem tão pouco na aferição da sua consistência, o que lhe está vedado por virtude do preceituado nos artigos 674.º, n.º 3, a contrario sensu, e 682.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.


Em suma, ao tribunal de revista compete assegurar a legalidade processual do método apreciativo efetuado pela Relação, mas não sindicar o eventual erro desse julgamento nos domínios da apreciação e valoração da prova livre nem da livre e prudente convicção do julgador».


No caso sujeito, a recorrente sustenta que a Relação «desconsiderou ainda fatos essenciais, alegados e suportados em documentos, que notoriamente, contrariam o facto de o Administrador ter tido conhecimento de todos os elementos necessários e fundamentais para proceder à resolução do negócio, nomeadamente, quando considera: “Assim, não obstante a assinalada discrepância entre os depoimentos quanto a isto relevantes, há um elemento objectivo - o teor do referido relatório– que permite concluir que quando este foi elaborado, já o AI estava na posse das informações necessárias e suficientes, para aquilatar da viabilidade da resolução de tal venda, a favor da massa insolvente. Se o AI dele fez constar os elementos acima referidos, designadamente a data e montante, é porque, antes de o elaborar teve acesso a documentos que lhe permitiram assim concluir. O que, também mais se coaduna com a lógica das coisas, uma vez que uma empresa da dimensão da insolvente teria de ter elementos contabilísticos que refletissem tal negócio, quando, para além do mais, nele teve intervenção a CGD, como beneficiária de uma hipoteca».


Ora, ao contrário do que entende a recorrente, não pode ser objecto de censura o recurso a máximas de experiência ou a lógica das coisas como critério de valoração da prova.


Máximas de experiência, no entender de F. Stein, são «definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, independentes da questão a julgar no dado processo concreto e dos factos particulares dessa questão, extraídos da experiência, mas autónomos em relação aos casos concretos de cuja observação são induzidos, e para outros casos além dos quais têm validade» (João de Castro Mendes, Do conceito de prova em processo civil, lisboa, 1961:662).


Recentemente, Salvatore Patti esclarece que «as máximas de experiência são noções de conhecimento comum e de qualquer modo facilmente acessíveis, isto é fazendo parte das fontes da cultura comum. Diferentemente do notório não têm por objecto um facto, mas uma regra, que se forma na base de repetida experiência em relação ao facto dado, segundo um processo de abstracção e de generalização» (Le Prove, 2.ª ed., Giufffrè, Milano, 2021:25).


Não nos parece que o recurso a esse tipo de regras para inferir que uma empresa de grandes dimensões tem contabilidade organizada possa constituir motivo de censura, sendo a referência à intervenção da CGD mero argumento periférico ou coadjuvante.


Outra coisa é discutir o conteúdo do julgamernto de facto em si, o que como se viu não pode ser sindicado por este grau.


Por outro lado, dir-se-á que também não se pode censurar a ilação retirada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, quando na decisão em crise diz: «Assim, não obstante a assinalada discrepância entre os depoimentos quanto a isto relevantes, há um elemento objectivo - o teor do referido relatório – que permite concluir que quando este foi elaborado, já o AI estava na posse das informações necessárias e suficientes, para aquilatar da viabilidade da resolução de tal venda, a favor da massa insolvente.


Se o AI dele fez constar os elementos acima referidos, designadamente a data e montante, é porque, antes de o elaborar teve acesso a documentos que lhe permitiram assim concluir».


Os tribunais recorrem frequentes vezes a presunções judicias, as quais, de acordo com o artigo 349.º CC são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.


As presunções são essencialmente operações probatórias simples ou demonstrativas (João de Castro Mendes, O conceito de prova em processo civil, Lisboa: 719).


Explica este autor que na prova indirecta, começa-se por uma percepção/proposição que se prossegue silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo, e que podem ser máximas de experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção (Ibidem: 251).


Vaz Serra, nos trabalhos preparatórios do código civil, exprime a mesma ideia-«as presunções não são propriamente, meios de prova, mas somente meios lógicos ou mentais de descoberta de factos, e firmam-se mediante regras de experiência» - e justifica a inclusão no código, entre os meios de prova, dada a «a sua atinência à teoria das provas» (Provas, Direito Probatório Material, Lisboa, 1962:112).


Reconhece-se hoje que as presunções simples não são provas aprioristicamente mais débeis do que as restantes, não se excluindo que o tribunal a elas recorra mesmo «como única fonte», desde que igualmente admitidas na prova testemunhal (artigo 351.º CC).


Ora não se vislumbra qualquer vício no iter lógico que levou a Relação a deduzir do facto-índice constituído pela aposição da data e montante da compra e venda no relatório apresentado pelo AI o facto desconhecido de conhecer os documentos que lhe permitiram assim concluir».


Verifica-se assim que a Relação seguiu um iter lógico incontestavelmente correcto e, com base nele, formou a sua convicção e chegou aos factos que reputou demonstrados. Naturalmente que a recorrente pode discordar do resultado, mas tal não prejudica a conclusão de que o acórdão observou «as diretrizes metodológicas essenciais» a respeitar na verificação da verdade. ~


E não se diga que o acórdão-fundamento chegou a iter diverso, porque como é sabido o que conta é a especifidade de cada caso e não é exigível nem possível uma uniformidade pitagórica na justiça entre os homens.


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3. Da caducidade do direito de resolução.

A recorrente defende que ambas as instâncias incorreram em violação do disposto no n.ºs 1 e 2 do artigo 333.º do Código Civil, combinados com o artigo 303.º do mesmo diploma, já que, a caducidade da resolução do negócio em benefício da massa insolvente, uma vez que não diz respeito a matéria excluída da disponibilidade das partes, necessita, para ser declarada pelo tribunal, de ser invocada por aquele a quem aproveitava.

Não comungamos desta conclusão.

O artigo 123.º, 1 do CIRE, sob a epígrafe «Forma de resolução e prescrição do direito», preceitua: «A resolução pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência».
Pese embora aquela epígrafe, discute-se se o exercício do direito potestativo de resolução aí consagrado é de caducidade ou de prescrição.


A jurisprudência tem entendido que o referido artigo do CIRE consagra um genuíno prazo de caducidade, como se vê nos seguintes acórdãos do STJ:


- de 18.10.2016, Proc. 7/13.8TBFZZ-G.E1. S1: «A jurisprudência e a doutrina dominantes têm entendido que, pese embora a epígrafe do preceito se referir à “prescrição do direito”, o n.º 1 do artigo 123.º do CIRE consagra um genuíno prazo de caducidade para o exercício do direito de resolução», sem justificar a tese do aresto.


- de 08.01.2019, Proc. 7313/12.7TBMAI-G.P1.S1 «O acórdão recorrido, aliás coincidentemente com a decisão da 1ª instância, concluiu que apesar do art. 123.º do CIRE se reportar, em termos de epígrafe, à prescrição do direito (de resolução), será de entender que o prazo de seis meses ali previsto é de caducidade. Este ponto de vista, que se afigura correto e que corresponde ao entendimento quase pacífico da doutrina e da jurisprudência, não vem contestado no presente recurso, pelo que nos iremos reportar doravante à caducidade»;


- de 04.07.2019, Proc. 493/12.3TJCBR-K.P1.S2: «São de caducidade os prazos estipulados no n.º 1 do artigo 123.º do CIRE (em dissonância do que consta da epigrafe do preceito)»;


- de 17.11.2021, Proc. 2381/19.3T8VNG-E.P1.S1: Apesar de a epígrafe da norma usar o termo “prescrição”, é doutrinalmente pacífico que a figura tecnicamente correta é a da caducidade.


Assente que se está diante de um prazo de caducidade, importa acrescentar que se pode também considerar pacificada a ideia de que o prazo de seis meses se inicia não com o mero conhecimento do acto ou negócio, mas com o conhecimento dos pressupostos necessários para a existência do direito (potestativo) de resolução.


É ocioso dizer que no caso sujeito este prazo deve começar a contar-se nos termos em que o foi pelas instâncias e considerado esgotado aquando da notificação feita pelo AI.


Também facilmente se conclui que não houve violação do artigo 333.º CC. Manda o n.º 2 deste artigo aplicar o regime do artigo 303.º do CC se a caducidade respeitar a matérias que estão na disponibilidade das partes.


O que quer dizer que nesses casos o juiz não pode conhecer oficiosamente da caducidade, carecendo o conhecimento da mesma da invocação pelo interessado.


Não s discute que a matéria em discussão nos autos está na disponibilidade das partes. Logo não pode ser apreciada oficiosamente, carecendo de que a parte beneficiária manifeste a expresse a vontade de dela se querer aproveitar.


A procedência da excepção fica, claro está, dependente da demonstração da pertinente realidade fáctica.


No caso vertente, não só a autora manifestou claramente a vontade de querer que o tribunal apreciasse a excepção, como se provaram, como vimos, todos os elementos factuais que facultam um juízo de procedência.


O recurso não tem fundamento.


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Em sede de custas, a Massa Insolvente irá suportar, porque vencida, in totum o respectivo valor (artigo 527.º, 1 e 2).


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Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente a revista e, consequentemente, em confirmar o acórdão da Relação de Coimbra impugnado.


Custas pela massa.


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30.4.2024


Luís Correia de Mendonça (Relator)


Amélia Alves Ribeiro


Ricardo Costa