PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES
CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL
CRIME CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL
AUTOMATICIDADE
PROPORCIONALIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário

I. Não obstante terem uma função coadjuvante ou complementar das penas principais, as penas acessórias são verdadeiras penas. Conferindo - uma mais ampla tutela aos bens jurídicos protegidos.
II. Por isso mesmo estão elas também limitadas pela medida da culpa do arguido e vocacionadas para a reintegração do agente na sociedade (ainda que em certos casos possam gizar um efeito de prevenção geral de intimidação, sempre dentro da medida da culpa).
III. A imperatividade imposta por lei na sequência de pena principal, por crimes contra a liberdade sexual e contra a autodeterminação sexual - a que se reporta o § 2.º do artigo 69.º-B do Código Penal - da aplicação da pena acessória de proibição do exercício de funções, mostra-se incompatível com a proibição constitucional dos efeitos automáticos das penas (artigo 30.º, § 4.º da Constituição).
III. Vulnerando os termos dessa pena acessória também o princípio da proporcionalidade, previsto no § 2.º do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que a sua moldura abstrata (entre 5 e 20 anos) é significativamente mais severa do que as penas (principais) previstas para os crimes de abuso sexual de crianças e de pornografia de menores (artigos 171.º e 176.º CP - ainda que com a agravação prevista no artigo 177.º, § 1.º, al. c) e § 7.º do mesmo código).

Texto Integral

I – Relatório
a) No º Juízo (1) Central Civil e Criminal de …, procedeu-se a julgamento em processo comum e competência do tribunal coletivo de:

AA, nascido a … de … de 2003, com os demais sinais dos autos, aos quais se imputou, a autoria de:

- Seis crimes de pornografia de menores agravados, previstos nos artigos 176.º, § 1.º, als c) e d), e § 8.º, e 177.º, § 1.º, al. c) e § 7.º, do Código Penal (CP);

- Seis crimes de abuso sexual de crianças, previstos nos artigos 171.º, § 3.º, als a) e b) CP (sendo ofendido BB);

- Três crimes de abuso sexual de crianças, previstos no artigo 171.º, § 3.º, als a) e b) CP (sendo ofendido CC);

- Um crime de aliciamento para fins sexuais, previsto no artigo 176.º- A, § 1.º CP (sendo ofendido DD);

- Um crime de abuso sexual de crianças, previsto no artigo 171.º, § 3.º, als a) e b) CP (sendo ofendido EE);

- Um crime de importunação sexual, previsto nos artigos 170.º e 178.º, § 1.º CP (sendo ofendido EE);

- Um crime de aliciamento para fins sexuais, previsto no artigo 176.º- A, § 1.º CP (sendo ofendido FF);

- Dois crimes de importunação sexual, previstos nos artigos 170.º e 178.º, § 1.º CP (sendo ofendido GG);

- Trinta e dois crimes de importunação sexual, previstos nos artigos 170.º e 178.º, § 1.º CP 8sendo ofendido HH);

- Dois crimes de importunação sexual, previstos nos artigos 170.º e 178.º, § 1.º CP (sendo ofendido II);

- Três crimes de abuso sexual de crianças, previstos no artigo 171.º, § 3.º, als a) e b) CP (sendo ofendido JJ);

- Cinco crimes de abuso sexual de crianças, previstos no artigo 171.º, § 3.º, als a) e b) CP (sendo ofendido KK);

- Dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos no artigo 171.º, § 3.º, als a) e b) CP (sendo ofendido LL).

No decurso da audiência foi comunicada ao arguido, a possibilidade de alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, nomeadamente quanto à eventual aplicação da pena acessória prevista no § 2.º do artigo 69.º-B do CP. Nada tendo requerido.

Foram também comunicados ao arguido novos factos que podendo consubstanciar uma alteração substancial dos factos, em face do objeto do processo delimitado pela acusação, suscetíveis aqueles de integrarem a prática, pelo mesmo, em autoria material e na forma consumada, de dois outros crimes de pornografia de menores agravados, previstos nos artigos 176.º, § 1.º, al. b), § 8.º e 177.º, § 1.º, al. c) e § 7.º CP.

Neste conspecto, no âmbito do incidente previsto no artigo 359.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido declarou opor-se a tais alterações, pelo que tais factos não passaram a integrar o objeto do presente processo, tendo-se feito a comunicação ao Ministério Público, para as finalidades previstas no § 2.º do artigo 359.º CPP.

A final, o Tribunal coletivo proferiu acórdão, no qual, requalificando juridicamente os factos narrados na acusação, veio a condenar o arguido pela prática dos seguintes crimes e nas respetivas penas:

- um crime de pornografia de menores agravado, previsto no artigo 176.º, § 1.º, al. c), § 8.º e 177.º, § 1.º, al. c) e § 7.º CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de BB, na pena de 7 meses de prisão;

- três crimes de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de BB, na pena 8 meses de prisão por cada um deles;

- três crimes de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de CC, na pena de 9 meses de prisão por cada um deles;

- um crime de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de EE, na pena de 7 meses de prisão;

- três crimes de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de JJ, na pena de 9 meses de prisão por cada um deles;

- um crime de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de KK, na pena de 10 meses de prisão;

- quatro crimes de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de KK, na pena 11 meses de prisão por cada um deles;

- dois crimes de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de LL, na pena de 5 meses de prisão por cada um deles.

Operando o cúmulo jurídico (artigo 77.º CP), condenou o arguido na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão.

Mais o condenando na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, prevista no artigo 69.º-B, § 2.º CP, pelo período de 10 anos.

E arbitrou oficiosamente, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A CPP, em conexão com o artigo 16.º, § 1.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de dezembro, as seguintes indemnizações, condenando o arguido a pagá-las, respetivamente de:

- 1 500€ a favor de BB;

- 1 200€ a favor de CC;

- 1 000€ a EE;

- 1 200€ a favor de JJ;

- 2 500€ a favor de KK;

- 1 100€ a favor de LL.

b) Inconformado com esta decisão, dela recorre o arguido, finalizando a motivação do seu recurso com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. O Acórdão recorrido deu como provado que o recorrente tinha na pasta enviados do WhatsApp, no seu disco externo, ficheiros de vídeo com dois menores a manipularem o pénis, materiais a que alude a al. b), do art.º 176.º do Cód. Penal e que por estarem os vídeos na pasta “sent” os teria necessariamente e de modo intencional enviado a terceiros, bem sabendo que os vídeos diziam respeito a KK e a outro menor na mesma faixa etária que o primeiro.

2. Mal andou o Tribunal recorrido, na formação da sua convicção assente em suposições, uma vez que resolveu interpretar literalmente a drive onde os ficheiros de vídeo se encontravam no disco externo do recorrente, não tendo tido a preocupação ou o interesse em descobrir a verdade material dos factos, contentando-se com a aplicação das regras da experiência comum, sempre balizada por deduções e induções da prova produzida.

3. O tribunal a quo não considerou assim as declarações do recorrente (Sessão 2023-10-30_14-32-43 do minuto 00.11 ao minuto 00.13 e Sessão 2023-10-30_14-32-58 do minuto 00.00 ao minuto 04.00), que de forma séria e credível, demonstrou que por o seu telemóvel se ter avariado, resolveu passar todas as suas informações, fotos, vídeos e ficheiros para o disco externo, para além de ter esclarecido (Sessão 2023-10-30_14-32-58 do minuto 04.00 ao minuto 05.49) que pertencia a um grupo de WhatsApp onde se enviavam ficheiros, admitindo que, muitas vezes, receberia conteúdos que nem visualizava ou via.

4. Como bem refere o Ac. do TRE de 23.06.2020 “ (…)o arguido ao ser membro de um grupo de conservação do WhatsApp, não tem qualquer controlo sobre o número de ficheiros transitados e, por defeito da aplicação, são automaticamente, guardados no seu equipamento;(…)”.

5. O recorrente admitido de modo voluntario a posse dos mesmos, posse que não está em causa no tipo legal do crime, mas sim a sua divulgação ou partilha, a qual não se encontra minimamente provada, e por isso mal andou o Tribunal a quo que, na ânsia de encontrar fundamentos para poder condenar o recorrente, não quis aprofundar a questão, nem quis admitir que quando uma pessoa recebe uma foto ou vídeo por WhatsApp, o mesmo é guardado automaticamente nesse mesmo telemóvel, que é de facto o que acontece e resulta da experiência comum, que é tida em conta para umas situações e olvidada para outras.

6. Não se entendem os motivos que levaram o Tribunal recorrido a formar a sua convicção pelo facto dos vídeos se encontrarem na pasta denominada “partilha”, sendo certo que existiu, para esse facto, explicação plausível para tal, até por que o facto de, no caso concreto, os vídeos em questão se encontrarem na pasta “sent”, mais uma vez se refere que tal não prova a intenção do envio dos mesmos a quem quer que seja.

7. E se se concluísse que os mesmo tivessem sido partilhados, o que não foi o caso, teria de se saber com quem tinham sido partilhados, pois tivessem sido partilhados com o próprio KK que seria o menor presente nesse vídeo, tal teria de ser excluído do tipo legal de crime, pois que a sua própria essência afasta a cedência ou exibição com quem tenha participado na produção desse vídeo e por isso, teria sempre que se aplicar o princípio do in dúbio pro reo e absolver-se o recorrente da condenação deste crime de pornografia infantil, por dúvida razoável.

8. Existe uma clara contradição no acórdão recorrido, pois não resultou provado que, apresar de o arguido ter recebido, guardado e enviado ficheiros de vídeo através da aplicação Whatsapp, tivesse mantido na sua posse os mesmos ficheiros com o propósito específico de os vir distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder (al. d), do n.º 1 do art.º 176.º do Cód. Penal.) e, posteriormente, ter decidido condená-lo nos termos da al. c), do n.º 1 do art.º 176.º do Cód. Penal. Não se entende como é que o Tribunal recorrido não considera provado essa vontade específica do recorrente em distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder e depois vem condená-lo pelo facto de considerar que este produziu, distribuiu, importou, exportou, divulgou, exibiu ou cedeu os ficheiros de vídeo.

9. Afinal, o recorrente estava na posse dos vídeos com o objetivo e intenção de os ceder e exibir ou não? Ou estamos perante uma partilha ou cedência dos vídeos, ou estamos perante uma detenção dos mesmos, sendo a cedência mais grave que a detenção, acabando esta sempre por ser absorvida por aquela, cfr. Ac. do TRE de 23.06.2020.

10. Estamos perante uma evidente falta de prova e apenas perante uma mera conclusão do tribunal a quo; assim e perante tal falta de prova inequívoca e irrefutável, nunca poderíamos estar perante o crime previsto na al. c) do nº 1 do artº 171, n.º 8 e art.º 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7 do Cód. Penal, antes sim com o nº 5 do artº 176, do referido Cód. Penal, havendo pois uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e por isso cabe a pergunta: Afinal em que ficamos?

11. O Tribunal recorrido incorreu em vários erros notórios na apreciação da prova ao dar como provado os factos constantes do ponto 89, 90, 91 e 93 da matéria dada como assente, desvalorizando as declarações do recorrente, considerando-as contraditórias e que tenham sido prestadas, no sentido de criar dúvida no Tribunal, o que é totalmente falso (sessão 2023-10-30_14-32-43 do minuto 00.11 ao minuto 00.13 e Sessão 2023-10-30_14-32-58 do minuto 00.00 ao minuto 04.00 e na sessão 2023-10-30_14-32-58 do minuto 04.00 ao minuto 05.49).

12. Padece o Acórdão recorrido, de grave vício de erro notório na apreciação da prova!

13. Para se poder condenar o recorrente, teria de se provar de forma clara, que os ficheiros de vídeo encontrados na pasta “sent”, efetivamente, teriam sido partilhados por aquele com terceiros, e por isso inexiste prova nesta matéria pelo que o Tribunal recorrido se viu na necessidade de fundamentar a decisão não em factos objetivos, mas numa tentativa de condenação através de induções.

14. O acórdão recorrido, quanto crime de pornografia de menores agravado apresenta como circunstâncias de tempo, meras generalidades, nomeadamente quando refere no ponto 90, “No dia 12 de Maio de 2022, com intenção de obter e de proporcionar a terceiros prazer sexual e satisfação dos instintos libidinosos, AA tinha com ele” e no ponto 91 dos factos provados “Em datas não apuradas, mas em quatro ocasiões”, impedindo o arguido de exercer o seu direito ao contraditório, não refere uma única baliza temporal que permita ao mesmo situar- se no tempo e com base nisso contraditar, impossibilitando o direito de defesa constitucionalmente consagrado no art.32º, nº1, da C.R.P. não podendo servir de suporte à qualificação das condutas do agente, devendo ser tidas como não escritas, como é entendimento jurisprudencial generalizado.

15. A este propósito, veja-se o Ac. TRP de 24.11.2021, que muito bem refere: “I - As imputações conclusivas, genéricas, abrangentes e difusas, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o mau trato físico e/ou psíquico, com menção do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, devem ter-se como não escritas, não podendo servir de suporte à qualificação da conduta do agente. II - Contudo, relativamente ao momento e lugar da prática do crime não tem necessariamente de se reportar a uma concreta data e sítio; o direito ao contraditório, à defesa e ao processo equitativo fica assegurado quando, na impossibilidade da datação de todas as condutas ofensivas, integradoras dos maus-tratos, se fixarem apenas balizas temporais da sua verificação. III - Resulta da experiência comum, haver comportamentos humanos, sancionados penalmente, em relação aos quais não é possível (ou humanamente exigível) a concretização, quanto ao dia e à hora, de todos os atos que os integram; relativamente a comportamentos reiterados que se vão prolongando ao longo dos anos não é exigível de ninguém, sequer a vítima, que fixe/memorize o dia e o lugar concretos em que ocorreu cada um dos comportamentos ofensivos do agente. IV- Ainda assim, a descrição fáctica sempre terá que ter alguma concretização, de forma a que seja possível localizar as imputações no tempo e no espaço com suficiente precisão, ainda que por referência apenas ao ano, a algum momento festivo, a algum acontecimento, com mais ou menos significado; a solução terá de ser encontrada caso a caso, o que passará por ponderar se a factualidade descrita tem a densidade suficiente para permitir uma defesa eficaz por parte do arguido, ao nível do exercício do seu direito ao contraditório. V - Relevando a concretização dos factos ao exercício do contraditório, não se vê como este possa ter-se como violado se o arguido, apesar da imprecisão temporal, confessa parcialmente um dado facto, identificando de forma clara e esclarecida o evento relatado na acusação, contextualizando-o, ainda que também ele não consiga situá-lo no tempo e lhe dê uma versão diferente da que lhe é imputada.”

16. Tamanho grau de incerteza sobre a localização e/ou identificação espácio temporal desses atos ou sobre o modo de execução destes podia manter-se após o julgamento e na decisão condenatória, não apenas em nome do exercício pleno do direito ao recurso, mas também em função do princípio da presunção da inocência e do in dubio pro reo pro reo, corolário do primeiro.

17. Quanto ao crime de pornografia infantil, não podem ser dados como provados esses factos, devendo o arguido, consequentemente ser absolvido do crime que veio condenado, devendo ter sido essa a decisão final adotada pelo Tribunal a quo.

18. Quanto ao crime de abuso sexual de crianças nas pessoas dos ofendidos BB, CC, EE, JJ, KK e LL, entendeu o Tribunal recorrido que não se mostraria preenchida a alínea a), do n.º 3, do art.º 171.º do CP, que nos remeteria para os atos praticados ao abrigo do art.º 170.º do mesmo diploma legal, porquanto a factualidade assente não permitir tal subsunção, contudo, e desvalorizando a idade do recorrente à data dos factos, vem o Acórdão recorrido referir que não operando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, deveria o arguido ser condenado pela prática do crime de abuso sexual de crianças, quanto aos ofendidos acima mencionados, previstos e punidos pelo art.º 171.º, n.º 3, al. b) do Código Penal.

19. Contudo, na própria decisão condenatória, veio o Tribunal a quo condenar, efetivamente, o recorrente pela prática do crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea c) do Código Penal, sendo ofendidos BB, CC, EE, JJ, KK e LL, nas penas fixadas no Acórdão recorrido, por cada um dos ofendidos.

20. Assim verifica-se que o Tribunal a quo na fundamentação da sua convicção para a condenação do arguido, utiliza argumentos de direito que pressupõe, à partida, uma condenação pela alínea b), do n.º 3, do art.º 171 do Cód. Penal “(…) Quem: actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espetáculo ou objecto pornográficos (…)”, contudo, sem qualquer explicação ou fundamentação, procede à sua efetiva condenação pela alínea c), do n.º 3 do mesmo artigo (“Quem: aliciar menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais (…) é condenado em pena de prisão).

21. O Tribunal recorrido condenou o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de crianças nos termos da al. c) do n.º 3 do art.º 171.º do CP na pessoa de BB numa pena de 7 meses de prisão e, seguidamente, condena-o pela prática de mais três crimes, nos termos da mesma alínea numa pena, por cada um dos crimes, de 8 meses de prisão.

22. O Tribunal quo ainda vai mais longe e procede a nova condenação do arguido pela prática de mais um crime de abuso sexual de crianças, nos termos da al. c) do n.º 3 do art.º 171 do CP na pessoa de KK, numa pena de 10 meses de prisão e volta a condenar o arguido pela prática de mais quatro crimes de abuso sexual de criança, nos termos da mesma alínea uma pena, por cada um dos crimes, de 11 meses de prisão.

23. O recorrente não compreende, de forma clara e explícita, qual o caminho que levou o Tribunal a quo a condenar o arguido, pelo mesmo tipo de crime e mesma alínea e em relação ao mesmo ofendido, em penas de prisão efetivas diferentes, pois da sua fundamentação nada retira que permita perceber o que levou o Tribunal a quo a arbitrar condenações diferentes em termos de pena.

24. Para além do ofendido BB, faz o mesmo tipo de considerações relativamente ao ofendido KK e em relação a qualquer um dos outros ofendidos já acima mencionados, não se conseguindo determinar os motivos que levaram o tribunal quo a condenar o arguido, aqui recorrente, em duas penas diferentes em relação a cada um daqueles ofendidos.

25. Existe claramente uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão condenatória levada a cabo pelo Tribunal recorrido, contradição essa que constitui o vício previsto na alínea b) do n.º 2 do art.º 410 do CPP quando haja contradição entre a fundamentação do Acórdão recorrido e a própria decisão condenatória.

26. Tal vício verifica-se quando, segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou, quando, seguindo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida, quer porque existe contradição entre os fundamentos e a decisão, quer porque se dá como provado e como não provado o mesmo facto.

27. A este propósito veja-se o acórdão do STJ de 13/10/1999, in CJ Acs. STJ, ano XXIV, tomo III, pág. 184, quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação não justifica a decisão oposta ou não justifica a decisão ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal”. (sublinhado nosso).

28. Pelo que deverá toda a decisão condenatória proferida pelo Tribunal recorrido ser dada sem efeito e substituída por uma decisão absolutória do recorrente, em virtude do aludido vício de contradição insanável entre a fundamentação e respetiva decisão.

29. Caso assim não se entenda e esse Tribunal ad quem decida que não existe qualquer contradição insanável, sempre se dirá, que existe uma violação do princípio do contraditório.

30. Vem o acórdão recorrido condenar o arguido em 14 crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo art.º 171.º, n.º 3, alínea c) do Código Penal por considerar como provados os factos constantes nos pontos 3. a 7., quanto ao ofendido BB, pontos 73. a 75., quanto ao ofendido JJ, pontos 78. a 81, quanto ao ofendido KK e ponto 76., quanto ao ofendido LL.

31. Porém, o Tribunal a quo deu como provados os factos supra mencionados, quando na realidade tais factos são imprecisos e genéricos, sem uma precisa especificação das condutas, não se indicando o lugar, nem se precisando cabalmente as datas concretas ou sequer balizando-as entre duas datas, ainda que só com referência a dois anos distintos, nem as circunstâncias relevantes em que ocorreram, pois só assim se pode atingir o facto global, deste tipo concreto e específico de crime submetido a julgamento, impedindo o exercício do contraditório por parte do arguido, devendo tais factos considerar-se como não escritos.

32. Os factos dados como provados contêm conceitos vagos, gerais e indeterminados, não podendo servir de suporte à qualificação da conduta do arguido, nem relevar para o efeito do enquadramento jurídico-penal dos factos, pois este tipo de crime especial impõe particulares exigências ao nível de certeza, clareza e da precisão e da completude dos atos imputados ao arguido acusado, para que deles se possa eficazmente defender, direito de defesa constitucionalmente consagrado no art.º 32.º, n.º 1 da CRP.

33. O Tribunal a quo limitou-se a dar provados factos supostamente praticados pelo arguido “em datas não apuradas, mas após 18/07/2019 (…)”, “Em datas não apuradas, mas após 19/07/2019 (…)”, “Em datas não apuradas, mas após Agosto de 2020 (…)”, “Em dias não apurados, mas no Verão de 2020, em duas ocasiões distintas (…)”, “Em data não apurada, mas anterior a 03 de Agosto de 2021, em duas ocasiões distintas (…)” contudo, os comportamentos imputados a este não se mostram devidamente contextualizados temporal e circunstancialmente por falta dos dias concretos, ou pelo menos, de um espaço de tempo minimamente balizado em que terão ocorrido, bem como das circunstâncias em que terão ocorrido, bem como das circunstâncias e número de vezes em que se terão verificados, pois estamos perante uma descrição vaga e imprecisa.

34. Esta indefinição temporal e circunstancial, que vem já da peça acusatória do Ministério Público, impede o efetivo e eficaz contraditório obliterando o seu direito de defesa constitucionalmente consagrado, pelo que as imputações genéricas, sem qualquer especificação das condutas em que se traduzem, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente, devendo ter-se como não escritas, pois é essencial a descrição minimamente concreta e circunstanciada dos comportamentos suscetíveis de constituírem violação da dignidade da pessoa humana, da garantia da integridade pessoal ou do livre desenvolvimento da sua personalidade, pois só estes poderão ser subsumidos na previsão legal.

35. Por exemplo, para que o recorrente pudesse vir ser condenado pelos factos dados como provados nos referidos pontos 5 e 7, seria necessário que, pelo menos minimamente, estivessem balizados temporalmente, por forma a se poder concluir, sem qualquer sombra de dúvida, que os factos supostamente praticados o tivessem sido feitos em data diferente dos pontos 3 e 4, mas o mesmo se dirá quanto a todos os outros pontos supra mencionados dos restantes ofendidos.

36. Entende, ainda, o acórdão recorrido que as supra elencadas conversas teriam sido feitas em dias e em momentos distintos, formando o arguido uma nova resolução em agir daquele modo, a que acresceria, no reforço desta nova resolução, a circunstância de nas mensagens de abril de 2022, o ofendido BB expressamente pedir ao arguido para parar com as referidas conversas, contudo, não tendo havido um balizamento de tempo para essa resolução criminosa por parte do arguido, não pode nem deve o Tribunal a quo presumir ou ter dado como provado que os factos praticados em data não concretamente apurada, mas após distintas.

37. Nas declarações prestadas pelo ofendido JJ, na sessão 2022-10-28_15-11-00, minuto 00.35 ao minuto 00.53, do minuto 01.45 ao minuto 01.49, do minuto 02.51 ao minuto 05.20, o mesmo, apesar de todas as respostas serem basicamente sugeridas pelo Mm.º Juiz de Instrução e Digna Procuradora do MP, refere que teria começado a contactar com o arguido através da rede social WhatsApp e Instagram, mantendo conversas normais, e somente após 5 (cinco) meses terá começado a conversa de cariz sexual, não se conseguindo determinar, com exatidão, se a conversa acerca do tamanho do pénis, o pedido das fotos de conteúdo sexual e o próprio ficheiro de vídeo terá sido feito em três momentos distintos, se todos no mesmo dia ou se um de manhã, outro à tarde e se o último à noite.

38. Mais se refere que quanto a este ofendido, a imprecisão dos factos dados como provados é de tal modo gritante, que nem sequer se consegue determinar qual a efetiva idade que o menor teria quando foi vítima das referidas conversas e receção de ficheiros vídeo de cariz sexual.

39. Quanto ao ofendido KK, ter-se-á que referir ainda que os factos dados como provados nos pontos 78 e 79, ter-se-iam dado no dia 25 de dezembro de 2019, não se conseguindo alcançar o entendimento do Tribunal a quo para ter individualizado esses mesmos factos em dois crimes de abuso sexual de crianças, uma vez que relativamente a todos os outros ofendidos, qualquer conversa e/ou partilha de ficheiro de teor sexual efetuados no mesmo dia, foi entendido pelo mesmo Tribunal como sendo a mesma resolução do arguido em cometer um crime quando, neste caso concreto do ofendido KK, considerou haver a resolução de cometer dois crimes de abuso sexual de crianças no mesmo dia e por isso ter-se-á que considerar tal prática como sendo apenas um crime de abuso sexual de menores, sob pena de se entrar em contradição clara nas motivações do mesmo, nos termos do art.º 410.º, n.º 2, al. b) do CPP.

40. Nas declarações para memória futura prestadas pelo ofendido LL, na sessão 2022-10-28_17-14-00, do minuto 05.29 ao minuto 05.34 e o mesmo refere a receção das mensagens por parte do arguido com a temática da masturbação em dois momentos distintos, no entanto, sem determinar o período de tempo que existiu concretamente entre a primeira e segunda mensagem, podendo-se, neste caso, concluir que não havendo certeza dos dias em que a prática dos factos terão ocorrido, poder-se-á determinar o crime de abuso sexual de menores como um crime de trato sucessivo.

41. Mal andou o Tribunal recorrido em considerar provados os factos constantes nos pontos acima mencionados, quanto a todos os ofendidos, pois não se sabe se os factos eventualmente praticados o foram no mesmo dia ou se teriam sido praticados em dias diferentes.

42. Como bem entende a jurisprudência, para além do direito à tutela penal que assiste à vítima, o arguido tem o direito a conhecer os factos imputados, quando foram os mesmos praticados, se em ocasiões diferentes ou em datas em que teria praticados factos idênticos para, assim, os rebater e, desse modo, se poder defender.

43. Na falta de concretização da data ou janela temporal da ocorrência, cuja relevância varia em função do maior ou menor período em que os factos perduraram, essa garantia será assegurada a partir de quaisquer circunstâncias marcantes e individualizadoras que permitam localizar e/ou identificar os concretos episódios designadamente pela excecional intensidade ou gravidade dos ato, a singularidade e/ou narrativa detalhada do seu modo de execução, o contexto dos atos parciais nomeadamente pelos termos espácio-temporais ou motivacionais.

44. Tendo presente as particularidades do crime em causa, quando praticado no modo reiterado (trato sucessivo), apenas deverão ser tidas como não escritas as descrições que não contenham qualquer referência que permita localizar e/ou identificar os concretos episódios e, bem assim, o período em que se perduraram, pois que a referência temporal mínima é da maior relevância para individualização dos ciclos de abuso sexual ou estabelecer a conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente que pratica múltiplos comportamentos reiterados que se prolongam no tempo.

45. Querer o Tribunal a quo fazer crer que se estaria perante momentos diferenciados e, por isso, individualizados, é querer condenar o arguido em vários crimes de abuso sexual de crianças, pelo que, não tendo havido um balizamento de tempo para essa resolução criminosa por parte do arguido, não pode nem deve o Tribunal a quo presumir ou ter dado como provado que os factos praticados em data não concretamente apurado, tivessem sido praticados ou eventualmente cometidos em ocasiões distintas.

46. Nem semelhante grau de incerteza sobre a localização e/ou identificação espácio temporal desses atos ou mesmo sobre o modo de execução destes podia manter-se após o julgamento e na decisão condenatória, não apenas em nome do exercício pleno do direito ao recurso, mas também em função do princípio da presunção da inocência e do in dubio pro reo pro reo, corolário do primeiro, o qual impõe, em matéria de prova, que qualquer dúvida ou incerteza, seja ultrapassada em favor do arguido, havendo violação do princípio do in dubio pro reo se o Tribunal der como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido (mesmo que não tenha sentido a dúvida ou não a reconheça) se, do confronto com a prova produzida, se conclui que se impunha a existência de um estado de dúvida.

47. Posto isto, conforme acima mencionado, o arguido não poderá vir ser condenado por 14 crimes de abuso sexual de crianças, mas quando muito, por 8 crimes de abuso sexual de crianças.

48. Face às condenações constantes do acórdão recorrido, para aplicação da medida da pena, veio o mesmo determinar que importaria ter presente que o arguido nasceu em …/…/2003, pelo que à data da prática dos primeiros factos teria 16 (dezasseis), e considerando o disposto no Decreto-Lei n.º 401/82 de 23/09 tendo como consequência a aplicação da atenuação especial da pena, nos termos dos artigos 72.º e 73.º do CP.

49. O Tribunal a quo entendeu que a atenuação especial da pena poderá acarretar reais vantagens para a sua reinserção social, o que aliás, surge reforçado pelo teor do relatório pericial efetuado, designadamente quanto ao risco baixo de violência sexual, não o onerando já, nesta fase da sua vida, com uma pena excessiva posto que a pena atenuada seria, no entender do tribunal recorrido, suficiente para o alertar para a necessidade de maior responsabilização na conduta futura que venha a adotar.

50. Assim, ao crime de pornografia de menores agravado, do qual foi o recorrente condenado, caberia a moldura penal punitiva abstrata da pena de prisão de 1 ano e 6 meses a 7 anos e 6 meses e ao crime de abuso sexual de crianças, do qual foi o recorrente condenado, a moldura penal abstrata seria de 1 mês até 3 anos.

51. Da aplicação do Decreto-Lei n.º 401/82 de 23 de setembro, resultaria que ao crime de pornografia de menores agravado, do qual foi o recorrente condenado, caberia a moldura penal punitiva abstrata da pena de prisão de 3 meses e 18 dias a 5 anos e ao crime de abuso sexual de crianças, do qual foi o recorrente condenado, a moldura penal abstrata seria de 1 mês até 2 anos.

52. Na determinação das penas, fixando, para tanto, o respectivo quantum, atendendo para tal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, sendo que há-de o julgador considerar como limite intransponível, na determinação da medida concreta da pena, a culpa do agente manifestada no cometimento dos factos típicos (cfr. artigos 40.º, n.º 2, e 70.º, n.º 1, do Código Penal), veio o tribunal recorrido condenar nas penas de prisão única de 5 anos e 10 meses de prisão.

53. Há uma clara desproporcionalidade entre a moldura penal concretamente aplicável no caso concreto e as penas efetivamente aplicadas ao arguido, daí que face a todo o supra exposto, nunca poderiam estas penas de prisão serem aplicadas ao recorrente, devendo, necessariamente, que ser aplicadas outras que reflitam a absolvição de grande parte dos crimes que o arguido veio a ser condenado e por isso se impõe que as penas sejam reajustadas e, assim, serem drasticamente diminuídas, devendo a pena única aplicável corresponder a uma pena inferior a 5 (cinco) anos.

54. Além de que não se pode condenar o arguido à pena de pornografia infantil agravada pelos motivos invocados, bem como não pode ser o mesmo condenado em todos os crimes de abuso sexual de crianças nas pessoas dos ofendidos BB, CC, JJ, KK e LL, a pena aplicada não é adequada à factualidade que resulta da prova produzida.

55. Condenar o arguido com a pena única de 5 anos e 10 meses de prisão efetiva, em comparação com os critérios jurisprudenciais adotados e utilizados pelos tribunais portugueses, é fazer do aqui recorrente o rauto e o causador de todos os males da pornografia e abuso sexual de crianças em Portugal e por isso se entende que a pena aplicada, face ao caso concreto, mostra-se excessiva e injusta, em clara violação das circunstâncias do caso concreto, não tendo em conta as circunstâncias que depõem a favor do arguido, olhando única e exclusivamente para aquelas que se mostram contra ele.

56. O tribunal recorrido pretendeu, erradamente, fazer do arguido um exemplo de punição face a muitos outros casos de pornografia e abuso sexual de menores que, aí sim, deveriam ser fortemente censurados e condenados.

57. Não nos devemos esquecer da própria idade que, atualmente o arguido tem (20 anos), para além da idade que o mesmo tinha na data dos factos (entre os 16 e os 18 anos) e também não se deve ignorar o tempo que o arguido já se encontra detido à ordem dos presentes autos (mais de 20 meses), mostrando tal facto, mais que suficiente para alertar o mesmo relativamente à censurabilidade dos seus atos e atitudes, devendo sempre o tribunal ter em conta a sua reinserção social, bem como a personalidade que lhe está subjacente.

58. Ora, no caso sub judice, ficou mais que provado que o arguido apenas mantinha conversas de teor sexual apenas por telemóvel, através de envio e receção de ficheiros de vídeo e fotos que o mesmo retirava da internet para poder satisfazer a sua curiosidade sexual, já que o arguido não angariou crianças, não os aliciou ou integrou nas práticas sexuais, não deles abusou, não os filmou, tão pouco disponibilizou os mencionados ficheiros; o arguido tão somente via Internet e pretendia ver satisfeito as curiosidades de tamanhos de pénis e masturbação.

59. Ao aplicar ao arguido uma de prisão de prisão efetiva, viola os mais elementares princípios do direito penal e da aplicação das penas, desde logo, o princípio da proporcionalidade e, portanto, o artigo 18.º da CRP, até porque dispõe a lei que sempre que se mostre desnecessária a aplicação ao arguido da pena privativa da liberdade e quando a mesma possa ser substituída por medidas mais favoráveis, as mesmas deverão ser aplicadas, o que será, no caso concreto.

60. O Tribunal a quo resolveu aplicar ao recorrente pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão para não se socorrer do instituto jurídico da suspensão da execução daquela pena e, assim, afastar a possibilidade de reinserção do arguido na sociedade e comunidade em que o mesmo se encontrava inserido e afastar qualquer hipótese de tratamento de sexologia e/ou de psicologia adequado a que se pudesse o arguido submeter e que realmente foi médica e pericialmente aconselhado.

61. Deveria o Tribunal recorrido ter considerado a idade e personalidade do arguido, facto para o qual contribuíram as declarações prestadas pela testemunha Dr. MM, por aquele arrolada, cujo testemunho foi completamente desvalorizado e ignorado por parte daquele Tribunal e pelo teor do relatório de perícia efetuado pelo IML e do relatório social junto aos autos, que apenas foram valorados na parte em que se mostravam mais a desfavor do arguido.

62. De todos os fundamentos apresentados no âmbito do presente recurso, denota-se uma desproporcionalidade gritante nas penas parcelares aplicadas ao arguido, apesar do próprio acórdão recorrido referir a atenuação especial da pena por aplicação do regime especial para jovens.

63. A medida concreta da pena deveria ter sido determinada no patamar mais próximo de um mês de prisão e não, como o tribunal recorrido fez, a aplicação da pena próximo de um ano para cada um dos crimes que veio aquele ser condenado.

64. Na determinação da medida da pena, o tribunal recorrido entendeu o dolo intenso do arguido porque direto em qualquer um dos crimes, no entanto são várias as modalidades de dolo, temos o direto, o eventual e o necessário.

65. De acordo com as declarações prestadas pelo médico psiquiatra e sexólogo, Dr. MM, o arguido tem um atraso no crescimento, ou seja, tem uma perturbação do desenvolvimento intelectual que pode interferir na sua autodeterminação, demonstrando uma personalidade pouco evoluída para a sua idade, não apresentando critérios para perturbação parafílica, sendo certo, que à data dos factos, mentalmente se poderia comparar a uma criança de 13/14 anos de idade, e tem indicação, na área da sexologia, para uma reeducação sexual e até é referido que o ora recorrente não teria mais nem menos intencionalidade que os outros nas conversas, cfr. sessão 2023-05-29_14-55-39, do minuto 07.44 ao minuto 08.18, sessão 2023-05-29_15-07-47 do minuto 01.11 ao minuto 03.09, do minuto 03.54 ao minuto 04.27, do minuto 06.21 ao minuto 08.00, do minuto 09.30 ao minuto 10.38.

66. O próprio relatório do instituto de medicina legal, apoiado pelas declarações prestadas pela Dra. NN, é referido “conclui-se que o examinando apresenta um perfil que se observa em sujeitos suspeitosos, desconfiados, com sentimentos de inferioridade, inibidos, com falta de autoestima e de autoconfiança, distantes e com dificuldade em estabelecer vínculos afetivos e acentuadamente virados para o mundo da fantasia. O conteúdo dos seus Pensamentos pode ser bizarro, sendo possível o aparecimento de delírios de grandeza e ou autorreferência. Poderá surgir também confusão mental, afeto inapropriado e depressão, quadros de apatia, irritabilidade e isolamento social bem como problemas de concentração e memória, medos e fobias.

Nos indivíduos com este perfil pode também haver uma intensificação dos sintomas (geradora de incapacidade) na sequência de fatores stressantes. Outra das características destas pessoas é a pouca confiança em si mesmas, sendo frequentes antecedentes associados a humilhações e castigos desadequados durante a infância, que impediram o desenvolvimento de uma autoestima ajustada.

Este tipo de código é frequente em adultos que, durante o seu percurso de desenvolvimento, viveram experiências de pouca supervisão e/ou hostilidade por parte dos cuidadores principais.

(…)

“Relativamente aos resultados obtidos em cada fator verificou-se uma maior identificação com as crenças relacionadas com asa características dos abusadores, afirmando não concordar nem discordar das afirmações: As pessoas que abusam sexualmente de crianças/adolescentes são quase sempre desconhecidos" e, "Os abusadores são pessoas que parecem diferentes das pessoas normas"(sic). Afirma ainda não concordar nem discordar da frase "A maioria das queixas de abuso sexual são falsas".

Em suma, os resultados sugerem que o examinando assume uma posição de discordância no que diz respeito à tolerância/legitimação do abuso sexual.”

“Aceita, no entanto, apoio especializado com objetivo de não vir a adotar comportamentos semelhantes.

Apresenta planos realistas sobre o seu futuro, identificando-se com boa rede de suporte familiar e social. Conclui-se que apresenta um risco baixo de violência sexual.” Tudo isto na sessão 2023-09-22_14-36-08, do minuto 02.53 ao minuto 03.50, do minuto 04.40 ao minuto 05.08, do minuto 06.24 ao minuto 06.35, do minuto 23.03 ao minuto 24.03, do minuto 24.04 ao minuto 24.42., do minuto 34.27 ao minuto 35.06. O relatório concluí ainda pela existência um baixo perigo de que o arguido volte a cometer os factos aqui tratados.

67. Assim, quando muito, estaríamos perante a figura de dolo eventual, afastando-se o dolo intenso para um dolo mediano.

68. Para além do exposto, na determinação da medida da pena, o Tribunal recorrido não teve em atenção nenhuma das provas feitas a favor do arguido, nomeadamente, da sua personalidade, do facto de a comunidade social onde o mesmo se encontrava inserido (vila de …) continuar a vê-lo e a aceitá-lo como antes (afastando todo o alarme social que eventualmente pudesse haver) e nem sequer valorizou a necessidade de tratamento ao nível da sexologia, necessidade essa apontada claramente pela testemunha Dr. MM e pela perita Drª NN.

69. É um facto que as vítimas, em virtude da sua idade, seriam vítimas especialmente vulneráveis, mas mesmo aqui teria de o tribunal recorrido, para determinação da medida da pena em função da culpa do agente, analisar e ter em conta a própria idade do arguido à data dos factos, bem como analisar a sua própria personalidade de acordo com o mencionado no depoimento do médico-psiquiatra e nos relatórios do IML e social, como aliás já se faz noutros países da Europa.

70. Considerar a ilicitude como elevada acima da média, é querer fazer do arguido um verdadeiro predador sexual, sem qualquer possibilidade de cura ou melhoramentos a nível psiquiátricos, em detrimento daquelas pessoas que, sendo mais velhas, verdadeiramente perseguem crianças e pretendem ter com elas mais que conversas via internet.

71. Quanto ao modo de execução, considera o tribunal recorrido que o arguido usaria vantagens de os menores e seus progenitores baixarem a guarda quanto à utilização de redes sociais, decidindo abordá-los a qualquer hora do dia e da noite, mais não é do que, mais uma vez, querer condenar fortemente o arguido, como o fez, desresponsabilizando totalmente os comportamentos dos pais dos menores, pois em nenhum momento os pais poderão baixar a guarda relativamente aos filhos, principalmente, no que diz respeito a uso de telemóveis e utilização de redes sociais, mas o facto é que o arguido, apesar de ser uma pessoa mais velha que as vítimas, mesmo assim, mentalmente, estaria bastante equiparado a elas.

72. O Tribunal recorrido não pode concluir, sem mais, que o arguido não tenha interiorizado o desvalor das suas condutas apenas pelo facto de o ter ouvido uma vez, porque na verdade o arguido as interiorizou e logo no início das suas declarações reconheceu o erro e pediu desculpa perante o tribunal, cfr. sessão 2023-05-29_16-23-04, do min 00.05 ao minuto 00.19 e sessão 202307-03_10-09-18 do minuto 01.19.54 ao minuto 01.21.42.

73. Relativamente às necessidades da prevenção geral, considera o tribunal a quo que serão elevadas, desvalorizando o relatório social na parte em que o mesmo refere que o alarme social na sociedade, particularmente, na comunidade onde o arguido se encontrava inserido, é baixo, bem como a baixa perigosidade vertida na perícia médico-legal, alarme social que não se provou nem se demonstrou, antes pelo contrário, a comunidade deseja recebê-lo, pretendendo apenas o tribunal recorrido considerar todos os tipos legais de crime que aqui se analisam como sendo todos iguais, não aplicando a especificidade de cada um dos casos concretos.

74. O recorrente é uma pessoa social e familiarmente inserida e considerado um indivíduo calmo, de relacionamento fácil e sempre disponível para auxiliar familiares, amigos e terceiros, não se verificando indícios que a presente situação prisional e os crimes de que se encontra indiciado venham alterar o modo como os amigos e vizinhos com ele se relacionem.

75. Quanto às necessidades de prevenção especial, verifica-se que o arguido está ciente da gravidade das suas condutas, tal como o demonstrou em tribunal, através das suas declarações, competindo aos tribunais zelar pela reinserção do arguido e, por isso, deveria o tribunal recorrido considerar a necessidade de prevenção especial mediana, reinserindo o arguido na comunidade a que o mesmo pertencia.

76. Paralelamente, deveria o tribunal recorrido ter proporcionado ações de formação e de tratamento do foro psicológico, de sexologia ou psiquiátrico, uma vez que estamos perante um jovem de 20 anos, que deve ser tratado e protegido e não sujeito a outros perigos, tal como se encontra há mais de 20 meses.

77. Por outro lado, na confeção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso, sendo certo que, nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no art.º 71.º do CP, em conjugação com a proclamação ínsita no art.º 40.º do CP, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas.

78. Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de atuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, sendo que se entende que no caso concreto, parece que a atuação do arguido se dá numa pluriocasionalidade, uma vez que utiliza apenas o telemóvel para manter as referidas conversas de teor sexual, todas, em cada uma das pessoas dos ofendidos, num curto espaço de tempo, não passando de um acontecimento pluriocasional.

79. Assim, pelo aqui exposto, caso todos os elementos de prova tivessem sido atendidos pelo tribunal recorrido para determinação da medida concreta das penas parcelares e para a determinação da medida da pena única, deveria ter sido aplicada ao arguido condenação em pena de prisão não superior a 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova que poderia consubstanciar-se num acompanhamento ou tratamento psicológico do mesmo.

80. Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 30.º, n.º 2, 40.º, 42.º, 71.º e 72.º, todos do CP.

81. Caso V.(s) Exa.(s) assim o entendam e decidam pela absolvição do arguido relativamente ao crime de pornografia infantil agravada, bem como acerca da absolvição de um crime de abuso sexual de crianças na pessoa de BB, da absolvição dos crimes de abuso sexual de crianças na pessoa de CC, de dois crimes de abuso sexual de crianças na pessoa de JJ, de dois crimes de abuso sexual de crianças na pessoa de KK e um crime de abuso sexual de crianças na pessoa de LL de que o recorrente veio ser condenado, reduzindo-se, consequentemente, as penas de prisão parcelares e, bem assim, a pena única de prisão, atendendo-se ao preceituado no art.º 77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, abaixo dos 5 anos, facto que permitirá a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art.º 50 Código Penal.

82. Por todos estes motivos, parece ao recorrente, poder beneficiar da aplicação do art.º 50.º do Código Penal, pois parece poder considerar-se que a sua personalidade evidenciada através dos factos provados é reveladora de poder voltar a ser reinserido na vida em sociedade, cumprindo os princípios e regras normativas que o Direito dita.

83. Aplicando a suspensão da execução da pena, nos termos do art.º 50.º do CP, poderão V.(s) Exa.(s) também se socorrer do n.º 2 do mesmo art.º 50.º do Código Penal, seguintes do Código Penal, ou seja, impondo ao arguido o cumprimento de deveres e à observância de regras de conduta, de conteúdo positivo, suscetíveis de fiscalização e destinados a promover a sua reintegração na sociedade, nomeadamente, a frequentação de programas ou atividades de sensibilização e/ou educação sobre educação sexual e/ou outros programas sobre a temática sexual, ou o cumprimento de determinadas obrigações que se considerassem adequadas para a concretização do juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, para isso socorrendo-se o tribunal recorrido dos artigos conjugados do n.º 2, do art.º 50.º e os artigos 51.º (deveres), 52.º (Regras de conduta), ambos do Código Penal.

84. É de se concluir que a personalidade do arguido permite fazer um juízo de prognose favorável ao mesmo, justificando a suspensão da execução da pena, pela absolvição do recorrente quanto aos crimes acima mencionados, aplicando-se, consequentemente, a pena única de prisão abaixo dos 5 (cinco) anos, sendo um “poder-dever” que o tribunal tem sempre de usar, desde que verificados os necessários pressupostos.

85. Ao aplicar-se a suspensão da execução da pena de prisão ao aqui recorrente, uma vez que o mesmo já se encontra detido à ordem do presente processo desde 13/05/2022, existem sérias esperanças de que sentirá a sua condenação como uma advertência e que de futuro não cometerá nenhum crime e, em consequência, assumirá outro comportamento mais consentâneo com os valores violados.

86. Pelos termos acima expostos, na ausência de antecedentes criminais do arguido, o enquadramento familiar, escolar, profissional e social, a circunstância de o risco de repetição das condutas criminosas se encontrar fortemente atenuado – desde logo, porque o arguido já interiorizou a culpa e mostrando-se arrependido (de acordo com as declarações do próprio arguido que o admite e, inclusive pede desculpa pelo seu comportamento) – autorizam a prognose de que a suspensão da execução da reintegração.

87. A censura do facto e a ameaça de cumprimento de uma pena de prisão constituirão uma suficiente advertência para o arguido, propiciando a compreensão e interiorização da sua conduta e levando-o a adotar um comportamento conforme às normas consensualizadas pela comunidade, pelo que a sujeição da suspensão da pena aplicada ao arguido com sujeição ao regime de prova reforça as necessidades de prevenção geral e especial, justificando a suspensão da pena de prisão.

88. Foi o arguido, ainda, condenado, nos termos e para os efeitos do n.º 2, do art.º 69.º B do CP, na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez anos).

89. As penas acessórias são entendidas como uma mera faculdade e não como uma consequência direta do crime, pelo que a pena acessória deve revelar-se necessária, adequada, proporcional e não excessiva. A sua aplicabilidade, deve estar sustentada em factualidade própria (e demonstrada) e o pedido de aplicação destas penas acessórias deve constar na acusação, o que, não aconteceu no caso concreto, cfr. razões que sustentam a jurisprudência do acórdão uniformizador nº 7/2008, do STJ que assim o impõem. Também neste sentido, vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.09.2016 e o acórdão nº 239/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

90. O limite mínimo de cinco anos é manifestamente desproporcional e, por isso, inconstitucional (artigo 18.º, n.º 2 da CRP), atenta a disparidade gritante entre os mínimos das molduras penais dos crimes previstos nos artigos 163.º a 176.º-A (por exemplo, 6 meses nos artigos 165.º e 166.º) e o mínimo de cinco anos da pena acessória (concordam, Mouraz Lopes e Tiago Milheiro, 2019: 266)”.

91. Ora, se para as penas principais aplicáveis aos diversos tipos criminais abrangidos sob a designação de «crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual» é possível a modelação da reação penal face aos diferentes comportamentos suscetíveis de integrar tais ilícitos, ajustando-a à concreta gravidade dos factos praticados e permitindo uma resposta que se mostre adequada face à necessidade de reafirmação comunitária da validade das normas violadas, e que constitua um eficaz instrumento de prevenção da reincidência, impõe-se que também as penas acessórias destinadas a acompanhar tal reação penal permitam tal adequação ao caso concreto e à efetiva necessidade da pena acessória, nomeadamente na vertente da proteção das vítimas potenciais do agente em causa.

92. Tal proporcionalidade não pode, todavia, ser assegurada quando o limite inferior da pena acessória está legalmente fixado em 5 anos (mesmo que a pena principal em concreto aplicada seja inferior a 1 ano de prisão, como aliás sucede no caso em apreço). Nestas circunstâncias, é de considerar a desconformidade constitucional de tal norma, por manifesta violação do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

93. O Tribunal Constitucional tem vindo a densificar tal conceito em variada jurisprudência, designadamente, no Acórdão nº 632/2008, no qual se escreveu: «O que seja o conteúdo rigoroso da proporcionalidade, textualmente referida na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, é questão suficientemente tratada pela jurisprudência do Tribunal, disponível em www.dgsi.pt.

94. Quanto ao princípio da proporcionalidade contido no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa e das observações já acima alinhadas quanto à identificada manifesta desproporcionalidade das reações previstas no artigo 69º-B do Código Penal, em face dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual que o mesmo legislador puniu com penas significativamente menos severas.

95. O Tribunal a quo, depois de tecer considerações sobre a natureza das penas acessórias em apreço, fundamentou a sua aplicação pelo facto das condutas prosseguidas pelo arguido serem gravosas por não ter interiorizado as mesmas e, ainda, a circunstância de ser … e … do …, justificando com isso a aplicação da pena acessória que assenta na perigosidade revelada pelo arguido.

96. Conforme todo o exposto no presente recurso, a aplicação da pena acessória na pena de 10 anos de proibição de exercício de funções, cujo exercício envolva contacto regular com menores, é manifestamente desproporcional e desadequada, uma vez que se situa praticamente no dobro da pena principal.

97. Foi arbitrado a favor dos ofendidos as seguintes quantias:

BB - € 1500.00 (mil e quinhentos euros);

CC - € 1 200.00 (mil e duzentos euros);

EE - € 1 000.00 (mil euros);

JJ - € 1 200.00 (mil e duzentos euros);

KK - € 2 500.00 (dois mil e quinhentos euros);

LL - € 1 100.00 (mil e cem euros).

98. Em virtude de todo o exposto no presente recurso e sua fundamentação, considera o recorrente que os valores de indemnização arbitrados oficiosamente pelo Tribunal recorrido são manifestamente desproporcionais e desadequados, pois a fixação de indemnização, de acordo com a equidade, significa que o seu valor é determinado considerando a culpa do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano, ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático e de criteriosa ponderação das realidades da vida, regras essas que não foram levadas em conta por aquele tribunal, por quanto, desde logo, o arguido é estudante não trabalhador, não tendo meios próprios que lhe permitam fazer face a tais pagamentos que, a concretizarem-se terão que ser efetuados pelos seus progenitores que, neste caso, serão os verdadeiros condenados, sem que tenham qualquer responsabilidade criminal.

99. Acresce, ainda, o facto de que não existe gravidade do dano, uma vez que não é pelo simples facto de os ofendidos terem referido que se sentiram incomodados com as mensagens do arguido que tal prova deva ser considerada válida, até por que não foi feita qualquer perícia à vítima que, in casu, se mostraria essencial para aferir da gravidade do dano, pelo que devem os referidos arbitramentos serem proporcionalmente reduzidos à efetiva gravidade do dano.

Nos termos anteriormente expostos e, sempre sem olvidar o Douto Suprimento de Vªs. Exªs., Venerandos Desembargadores, requer-se que recebam e deem provimento ao presente Recurso e que a decisão recorrida seja revogada absolvendo o arguido relativamente aos seguintes crimes que vem condenado - um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea c), n.º 8 e 177.º, n.º 1, alínea c) e n.º 7 do Código Penal e de e de todos os crimes abuso sexual de crianças previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea c), do Código Penal, bem como a absolvição do pagamento reparação das vítimas previsto no artigo 82.º-A do CPP bem como da absolvição do cumprimento da pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, cujo exercício envolva contacto regular com menores em que veio condenado.

Caso assim V.ªs Ex.ªs não entendam, deverá o recorrente ser absolvido de um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea c), n.º 8 e 177.º, n.º 1, alínea c) e n.º 7 do Código Penal, absolvido de 1 (um) dos 4 (quatro) crimes de abuso sexual de crianças na pessoa do ofendido BB; absolvido de 1 (um) dos 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças na pessoa do ofendido JJ; de 2 (dois) dos 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças na pessoa do ofendido KK e 1 (um) dos 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças na pessoa do ofendido LL, reduzindo-se as penas parcelares a cada um dos ofendidos e consequentemente reduzindo-se a pena única de prisão até ao máximo de 5 anos, devendo a pena ser suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, impondo-lhe determinados deveres ou regras de conduta de conteúdo positivo, suscetíveis de fiscalização e destinados a promover a sua reintegração na sociedade, nomeadamente, a frequentação de programas, tratamentos ou atividades que venham a ser indicadas pela DGRSP ou o cumprimento de determinadas obrigações que se considerassem adequadas para a concretização do juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, tal como poderia mesmo o próprio tribunal, com o consentimento prévio do condenado, determinar a sua sujeição a tratamento médico adequado, nos termos dos artigos conjugados do n.º 2, do art.º 50.º e os artigos 51.º (Deveres), 52.º (Regras de conduta), ambos do Código Penal, pois a suspensão da execução da pena de prisão, no caso concreto, concretiza plenamente os objetivos de prevenção geral e especial.

Em consequência do supra requerido, deverão ser reduzidos proporcionalmente os montantes arbitrados oficiosamente a favor dos referidos ofendidos, bem como a deve ser reduzida a pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, prevista no art.º 69.º-B, n.º 2 do CP para 5 anos.»

c) Admitido que foi o recurso a ele respondeu o Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, referindo no essencial que:

«1. Da apreensão realizada ao arguido resulta que este detinha no disco externo identificado no n.º 90 dos factos provados, os vídeos com as características ali descritas, em dois dos quais é visível o menor KK, nascido a …2010 e outros dois em que se vê outra criança, com características de desenvolvimento físico semelhante a KK.

2. Esses mesmos quatro ficheiros, como resulta de fls. 269 a 275 dos autos, foram encontrados na pasta de partilha/de ficheiros enviados do Whattsapp, o que significa que esses ficheiros foram, efectivamente, partilhados pelo arguido e não copiados dessa aplicação.

3. A circunstância desses vídeos terem sido encontrados na pasta partilha de ficheiros significa que foram, efectivamente, partilhados pelo arguido e, em resultado dessa partilha, a aplicação Whattsapp guardou o registo dessa mesma partilha, que foi encontrado.

4. Esse modo de funcionamento da aplicação Whattsapp pode ser confirmado através de várias fontes abertas.

5. O que aconteceu foi que o arguido partilhou os vídeos com terceiros, anteriormente, como resultou provado, consumando-se, então o crime em causa.

6. Por esse mesmo motivo não ocorre qualquer contradição entre os factos julgados provados acima indicados e a matéria julgada não provada no Acórdão.

7. Os factos provados preenchem todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo do crime de pornografia de menores agravada, p. e p. pelos artºs. 176.º, nºs. 1, al. c) e 8, e 177.º, nºs. 1, al. c) e 7, ambos do Código Penal, o qual não exige que esteja apurada a identidade da pessoa a quem o material pornográfico foi enviado e também não exclui o preenchimento do tipo do crime o envio desse material à própria à criança retratada ou objecto da filmagem.

8. Tal como a própria utilização de criança em espectáculo pornográfico, em fotografia ou filmagem é punida pelas als. a) e b), do nº 1, do artº 176º, do Cód. Penal, ainda que tal tenha ocorrido sem a sua oposição ou com o seu consentimento, também o envio de filme pornográfico ao menor filmado preenche a al. c), desse mesmo preceito, uma vez que em nenhum dos seus segmentos o artº 176º, limita a punição ali prevista ao envio da foto ou do filme a terceiro.

9. Relativamente ao ofendido BB consta do dispositivo do Acórdão que o Tribunal Colectivo decidiu:

10. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea c), do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão e pela prática de três crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea c), do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, por cada um dos crimes.

11. Compulsada a fundamentação do Acórdão, na parte em que procede ao enquadramento jurídico-penal dos factos julgados provados, resulta claramente da mesma – entre fls. 131 e 132- que o Tribunal Colectivo considerou que a factualidade julgada provada, relativamente aos factos de que foi vítima BB, preenche a al. b), do nº 3, do artº 171º, do Cód. Penal e não a al. “c”, desse mesmo preceito legal como, manifestamente por lapso, o Tribunal Colectivo inscreveu no dispositivo do Acórdão.

12. Com efeito, relativamente aos factos praticados contra BB o arguido encontrava-se acusado pelas als. a) e b), do nº 3, do artº 171º, do Cód. Penal.

13. Na sua fundamentação, o Tribunal Colectivo afastou o preenchimento da al. a) e julgou verificada a al. b), do nº 3, do artº 171º, do Cód. Penal.

14. Em nenhum momento o Acórdão discute o preenchimento da al. c), dessa norma pela factualidade julgada provada. Nem essa questão foi suscitada no decurso do julgamento por qualquer dos sujeitos processuais.

15. A menção à al. “c”, nessa parte do dispositivo constitui um claro lapso, como resulta da própria decisão recorrida que os factos julgados provados preenchem todos os elementos do tipo do crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 3, al. b), do Cód. Penal, pelo que não ocorre o vício de contradição entre a fundamentação e a decisão.

16. Como já mencionado, trata-se de um mero lapso de escrita que pode ser corrigido mesmo em sede de recurso, devendo, pois, proceder-se à correcção do respectivo dispositivo, nos pontos “j.” e “k.”. e mencionar-se “al. b)” onde consta “al. c)”.

17. Igual entendimento vale, também, para os pontos “l”, do dispositivo do Acórdão, referente ao ofendido CC –cfr. fls. 132 e 133, do Acórdão-; “m” respeitante ao ofendido EE - cfr. fls. 133 e 134, do Acórdão-; “n” referente ao ofendido JJ - cfr. fls. 134 e 135, do Acórdão-; “o” e “p” referente ao ofendido KK - cfr. fls. 135 e 136 do Acórdão-; e “q” respeitante ao ofendido LL - cfr. fls. 136 e 137, do Acórdão.

18. Pretende o arguido que se considere que os factos julgados provados os nºs. 3 a 7, 73 a 75, 78 a 81 e 86 são genéricos e conclusivos e que não se encontram temporalmente balizados pelo que não pode exercer, quanto a eles a sua defesa. Não tem, porém, razão.

19. No que tange aos nºs. 3 e 4 da matéria de facto julgada provada descreve-se o concreto teor das conversações mantidas entre o arguido e o ofendido BB, com indicação do dia, hora e minuto em que as mesmas ocorreram e nos nºs. 5 a 7 os factos mostram-se concretizados, devidamente individualizados e balizados no tempo, pela data do seu início – o dia em que o ofendido completou 10 anos de idade.

20. Relativamente aos factos descritos nos nºs. 73 a 75, os factos ali descritos também se mostram bem individualizados, balizados no tempo pelo seu termo inicial - Agosto de 2020 - e pela idade do ofendido – quando este tinha 12 ou 13 anos de idade.

21. Quanto aos factos descritos nos nºs. 78 a 81 verifica-se que também estão bem concretizados e individualizados, os indicados nos nºs. 78 a 80 para referência ao dia em que ocorreram e o descrito no nº 81, balizado pelo verão do ano de 2020.

22. Já o facto descrito no nº 86 da matéria julgada provada, também se encontra devidamente individualizado, balizado pelo seu termo final - 03 de Agosto de 2021 - e pela idade do ofendido -12 ou 13 anos de idade - o qual nasceu a …2008 – cfr. facto nº 82.

23. De tudo o exposto resulta que todos os factos são muito claros e concretos, em muitas situações estão indicados os dias e até as horas em que foram praticados e quando não foi possível concretizar o elemento temporal estão sempre balizados no tempo.

24. Acresce que, nos termos do disposto no artº 283º, nº 3, al. b), do Cód. Proc. Penal, a acusação só está obrigada a indicar o lugar, o tempo e a motivação da prática dos factos quando isso for possível.

25. A indicação das balizas temporais como realizado na acusação deduzida nos autos não constitui qualquer vício da acusação ou do Acórdão e não viola qualquer direito ou princípio legal ou constitucionalmente consagrados.

26. Todas as penas parcelares referentes aos crimes de abuso sexual de criança aplicadas ao arguido estão situadas abaixo do meio das moldura penal aplicável a esses ilícitos e a pena aplicada ao crime de pornografia de menores, em trato sucessivo, foi fixada abaixo do meio da moldura aplicável.

27. Essas molduras penais revelam que o Tribunal Colectivo ponderou todas as circunstâncias apuradas nos autos, tal como descrito na fundamentação das penas parcelares, dando relevo às circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao arguido atribuindo-lhes o peso devido.

28. Atentos tais elementos e os demais indicados no Acórdão recorrido, a pena concreta aplicada mostra-se ajustada à actividade desenvolvida pelo arguido, à sua culpa e às fortíssimas exigências de prevenção geral e especial e, consequentemente, está conforme aos critérios legalmente fixados no artº 71º, nºs. 1 e 2, do Cód. Penal, para a determinação da medida concreta da pena.

29. Apesar do arguido não possuir antecedentes criminais registados a multiplicidade de crimes por que foi condenado nos presentes autos, em primeira instância, revela já um princípio de uma carreira criminal e não uma mera pluriocasionalidade, pelo que o critério específico previsto no artº 77º, nº 1, do Cód. Penal aponta para alguma agravação da pena única a aplicar em concreto.

30. Considerando todas as circunstâncias atinentes à culpa, à ilicitude e à prevenção, mencionadas no Acórdão que procedeu ao cúmulo jurídico, conjugadas com aquela característica da personalidade do arguido, afigura-se que a fixação da pena única ainda abaixo do meio da moldura penal, nos termos realizados pelo Tribunal Colectivo, afigurando como justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena única de cinco (5) anos e dez (10) meses de prisão.

31. O Ministério Público pugna pela manutenção da condenação do arguido numa pena de cinco anos e dez meses de prisão a qual tem, necessariamente de ser efectiva face ao disposto no nº 1, do artº 50º, do Cód. Penal. Porém,

32. Caso se entenda ser baixar a pena única fixada no Acórdão recorrido para não mais de 5 anos de prisão considera o Ministério Público que essa pena deve ser efectiva e não suspensa.

33. Da matéria provada, a nosso ver, não resultam quaisquer factos que reportados à sua personalidade, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias em que o crime ocorreu, que permitam fazer um juízo de prognose favorável ao arguido. Com efeito,

34. O arguido contactou com crianças ao longo de quase três anos, enviando-lhes mensagens, vídeos e fotografias de teor pornográfico, para satisfação egoísta dos seus instintos libidinosos.

35. Persistindo nessa conduta mesmo quando lhe era expressamente dito que essa atitude era do desagrado dos destinatários.

36. Circunstância que inviabiliza que se possa fundar o juízo exigido pelo nº 1, do artº 50º, do Cód. Penal, de que a suspensão da execução da pena, no caso realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»

d) Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância elaborou douto parecer, pelo qual, no essencial, secundou a posição já assumida na resposta ao recurso. Acrescentando, relevantemente, que apesar de o recorrente aludir à vulneração do princípio da livre apreciação da prova, a verdade é que nada alegou que possa constatar-se de que modo e em que passo o Tribunal recorrido terá colocado em causa esse princípio! Aludindo ainda à relevante circunstância de «as exigências da prevenção geral nesta área criminal [serem] elevadíssimas face ao número de casos trazidos até à justiça nos últimos anos (e com a consequente desmistificação do tabu de ser vítima deles) tanto em Portugal como no mundo mais amplo em que nos inserimos, tendo determinado alterações legislativas em termos de penas, da criação da figura de vítima, da pessoa especialmente vulnerável, na sequência também das normas internacionais em que Portugal se obrigou.» E sendo também circunstancialmente muito elevadas as necessidades de prevenção especial, na medida em que o arguido «ainda não interiorizou a vulnerabilidade das suas vítimas, a ilicitude dos seus atos para com elas e os direitos destas, os danos em que estava a incorrer e não apenas enquanto membro das redes sociais, mas também através da presença da sua pessoa física e ainda da sua qualidade de …, como … e mais que tudo de “…” do …, o que facilitava a sua aproximação com os menores e a sua influência, bem como a dificultada em bloquear as suas insistências…» e) Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2.º CPP, o recorrente nada acrescentou.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (2)

As questões a examinar, pela ordem racionalmente pressuposta na lei adjetiva (que no recurso surgem numa desordem caótica), são as seguintes: i. Vícios da decisão recorrida ii. Erro de julgamento da questão de facto; iii. Vulneração do princípio da livre apreciação da prova; iv. In dubio pro reo; v. Erro de julgamento de direito relativamente ao cometimento do crime de pornografia de menores – e, nalguns casos, relativamente ao crime de abuso sexual de crianças; vi. Erro de julgamento de direito – desproporcionalidade da medida concreta das penas parcelares e da pena única; vi. Inconstitucionalidade da pena acessória aplicada; vii. Vulneração do princípio da equidade na fixação dos montantes das indemnizações arbitradas às vítimas.

2. No acórdão recorrido o tribunal a quo deu como provado e não provado o seguinte acervo factológico:

«1. Em data não concretamente apurada, AA (doravante AA), começou a exercer funções de … …de futebol das camadas infantis, tendo, no exercício de tais funções, começado a contactar com crianças e jovens do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 9 e os 15 anos.

2. Aproveitando-se das funções que exercia enquanto …, e arrogando-se “…”, através das redes sociais, designadamente whatsapp, instagram e Facebook e ainda através de mensagens de texto (SMS), AA começou a abordar crianças e jovens do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 9 e os 15 anos, procurando marcar encontros presenciais com os mesmos, questionando-os e compelindo-os a falar sobre a sua intimidade e sexualidade, pedindo-lhes que manipulassem o pénis - masturbando-se - que medissem o pénis erecto e que lhe remetessem fotografias e/ou vídeos.

3. No dia 11 de Abril de 2022, através da rede social whatsapp, AA enviou a BB, nascido a … de 2009, à data com 12 anos de idade, mensagens escritas a que este respondeu com o seguinte teor:

(…)

4. No dia 12 de Abril de 2022, através da rede social whatsapp, AA enviou a BB, à data com 12 anos de idade, mensagens escritas, a que este respondeu, com o seguinte teor:

(…)

5. Em datas não apuradas, mas após 18/07/2019 (ou seja, após BB ter completado 10 anos de idade), em duas ocasiões distintas, AA enviou a BB ficheiros de vídeo em que se visualizavam indivíduos do sexo masculino a manterem relações sexuais entre eles.

6. Após, AA perguntou a BBe se já tinha mantido actos sexuais semelhantes aos constantes nos mencionados ficheiros de vídeo e se queria mais vídeos de idêntico conteúdo.

7. Em datas não apuradas, mas após 18/07/2019, AA pediu a BB para manipular o pénis, para o fotografar e filmar, e para lhe remeter os respectivos ficheiros.

8. Em dia não apurado, mas após 18/07/2019, AA enviou a BB, fotos da casa deste e disse que estava a passar por lá.

9. Em todas as ocasiões, BB sentiu-se incomodado e desconfortável.

10. No dia 26 de Julho de 2021, através do telemóvel com o número …, de que é utilizador, AA enviou mensagens de texto a CC, utilizador do número de telemóvel … nascido a … de 2009, à data com 11 anos de idade, às quais este respondeu, com o seguinte teor:

(…)

11. No dia 5 de Outubro de 2021, através da rede social whatsapp, AA enviou a CC, à data com 11 anos de idade, as seguintes mensagens, às quais este respondeu:

(..:)

12. No dia 6 de Outubro de 2021, através da rede social whatsapp, AA enviou a CC, à data com 11 anos de idade, as seguintes mensagens, às quais este respondeu:

(…)

13. No dia 7 de Outubro de 2021, através da rede social whatsapp, AA enviou, a CC, à data com 11 anos de idade, as seguintes mensagens:

(…)

14. No dia 8 de Outubro de 2021, através da rede social whatsapp, AA enviou a CC, à data com 11 anos de idade, as seguintes mensagens, às quais este respondeu:

(…)

15. No dia 9 de Outubro de 2021, através da rede social whatsapp, AA enviou a CC, à data com 11 anos de idade, as seguintes mensagens, às quais este respondeu:

(…)

16. Em data não apurada, mas entre 27.07.2021 e 09.10.2021, AA enviou a CC, à data com 11 anos de idade, uma fotografia de uma criança do sexo masculino, com idade aparente entre os 11/12 anos, que apenas tinha vestidas umas cuecas.

17. Em data não apurada, mas entre 27.07.2021 e 09.10.2021, AA disse a CC, à data com 11 anos de idade, que se este não lhe enviasse fotos e não lhe respondesse, não era chamado ao ….

18. No dia 15 de Fevereiro de 2022, através da rede social instagram, AA enviou a DD, nascido a …de 2009, à data com 12 anos de idade, as seguintes mensagens:

(…).

19. No dia 16 de Fevereiro de 2022, através da rede social instagram, AA enviou a DD, à data com 12 anos de idade, as seguintes mensagens:

(…)

20. No dia 17 de Fevereiro de 2022, através da rede social instagram, AA enviou a DD, nascido a … de 2009, à data com 12 anos de idade, as seguintes mensagens:

(…)

21. No dia 15 de Março de 2022, através da rede social instagram, AA enviou a DD, à data com 12 anos de idade, as seguintes mensagens:

(…)

22. No dia 23 de Março de 2022, através da rede social instagram, AA enviou a DD, à data com 12 anos de idade, as seguintes mensagens:

(…)

23. No dia 27 de Março de 2022, através da rede social instagram, AA enviou a DD, as seguintes mensagens:

(…)

24. No dia 27 de Março de 2022, através da rede social instagram, AA enviou a DD, nascido a … de 2009, à data com 12 anos de idade, as seguintes mensagens:

(…)

25. Em datas não apuradas, mas no mês de Novembro de 2021, AA enviou a EE, à data com 13 de idade, através da rede social Instagram, ficheiros vídeo em que eram visíveis indivíduos a praticarem actos sexuais.

26. Em data não apurada, mas após o mês de Outubro de 2021, AA disse a EE, à data com 13 anos de idade, que ia cortar-se, e, de seguida enviou-lhe uma foto do braço com um corte e com uma faca ao lado.

27. Em datas não concretamente apuradas, mas entre Outubro de 2021 e Março de 2022, através da rede social whatsapp, AA enviou diversas mensagens escritas a EE, à data com idade compreendida entre os 13 e os 14 anos, pedindo ao mesmo que manipulasse e medisse o pénis erecto, tendo-lhe ainda perguntado se os pénis dos colegas de futebol eram grandes ou pequenos.

28. Igualmente em data não concretamente apurada, mas no referido período temporal, através da rede social whatsapp, AA enviou mensagens escritas a EE, à data com idade compreendida entre os 13 e os 14 anos, pedindo-lhe para se encontrar com ele.

29. Em data não concretamente apurada, mas entre o dia 26/03/2022 e 26/04/2022, através da rede social instagram (do perfil “…”, de que é utilizador), AA enviou a EE, nascido a … de 2008, à data com 14 anos de idade, as seguintes mensagens, às quais este respondeu:

(…)

30. Em todas as ocasiões, EE sentiu-se incomodado e desconfortável.

31. No dia 13 de Abril de 2022, através da rede social whatsapp, AA enviou a FF, nascido em …2010, à data com 11 anos de idade, mensagens escritas, às quais este respondeu, com o seguinte teor:

(…)

32. Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2021, AA enviou a GG, nascido a …2007, à data com 13 ou 14 anos de idade, uma fotografia do seu pénis erecto.

33. Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2021, AA pediu a GG, à data com 13 ou 14 anos de idade, que este lhe enviasse uma foto a mostrar o corpo, não tendo este acedido ao pedido.

34. No dia 04 de Agosto de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, nascido a …2007, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

35. No dia 05 de Agosto de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, a seguinte mensagem de texto:

(…);

36. No dia 06 de Agosto de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

37. No dia 07 de Agosto de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

38. No dia 08 de Agosto de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto: “

(…);

39. No dia 09 de Agosto de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

40. No dia 10 de Agosto de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…);

41. No dia 11 de Agosto de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…);

42. No dia 07 de Setembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, a seguinte mensagem de texto:

(…)

43. No dia 08 de Outubro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

44. No dia 09 de Outubro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

45. No dia 10 de Outubro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

46. No dia 14 de Outubro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

47. No dia 15 de Outubro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

48. No dia 25 de Outubro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

49. No dia 26 de Outubro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

50. No dia 29 de Outubro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

51. No dia 03 de Novembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

52. No dia 04 de Novembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, a seguinte mensagem de texto:

(…)

53. No dia 05 de Novembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

54. No dia 30 de Novembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

55. No dia 05 de Dezembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, as seguintes mensagens de texto:

(…)

56. No dia 06 de Dezembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social whatsapp, a seguinte mensagem de texto:

(…)

57. No dia 10 de Dezembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social “whatsapp”, as seguintes mensagens de texto:

(…)

58. No dia 13 de Dezembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social “whatsapp”, as seguintes mensagens de texto:

(…)

59. No dia 16 de Dezembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social “whatsapp”, a seguinte mensagem de texto:

(…)

60. No dia 22 de Dezembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social “whatsapp”, as seguintes mensagens de texto:

(…)

61. No dia 23 de Dezembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social “whatsapp”, a seguinte mensagem de texto:

(…)

62. No dia 24 de Dezembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social “whatsapp”, a seguinte mensagem de texto:

(…)

63. No dia 25 de Dezembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social “whatsapp”, a seguinte mensagem de texto:

(…)

64. No dia 26 de Dezembro de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social “whatsapp”, a seguinte mensagem de texto:

(…)

65. No dia 20 de Janeiro de 2022, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social “whatsapp”, a seguinte mensagem de texto:

(…)

66. No dia 07 de Fevereiro de 2022, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, através da rede social “whatsapp”, as seguintes mensagens de texto:

(…)

67. No dia 23 de Março de 2022, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a HH, utilizador do número de telemóvel …, à data com 15 anos de idade, através da rede social “whatsapp”, as seguintes mensagens de texto:

(…)

68. No dia 08 de Agosto de 2021, através do perfil “…”, de que é utilizador (e do número de telemóvel …), AA enviou a II, utilizador do número de telemóvel …, à data com 14 anos de idade, a seguinte mensagem de texto:

(…)

69. No dia 14 de Novembro de 2021, através do perfil “…”, de que é utilizador (e do número de telemóvel …), AA enviou a II, utilizador do número de telemóvel …, nascido a …2007, à data com 14 anos de idade, as seguintes mensagens de texto:

(…)

70. Em data não apurada, mas no mês de Fevereiro de 2022, AA enviou uma mensagem a II, à data com 14 anos de idade, perguntando-lhe se estava a manipular o pénis, ao que o mesmo respondeu que estava na escola e que ele não tinha nada que ver com a sua intimidade.

71. Em todas as ocasiões, II sentiu-se incomodado e desconfortável.

72. Em data não apurada, mas em Agosto de 2020, através da rede social whatsapp, AA disse a JJ, nascido a …2007, à data com 12 anos de idade, que se este lhe enviasse uma foto ou um vídeo do pénis lhe conseguiria arranjar vaga no ….

73. Em datas não apuradas, mas após Agosto de 2020, através da rede social whatsapp, AA disse a JJ, à data com 12 ou 13 anos de idade, que se ele quisesse lhe enviava vídeos de cariz pornográfico.

74. Em datas não apuradas, mas após Agosto de 2020, através da rede social whatsapp, AA perguntou a JJ, à data com 12 ou 13 anos de idade, quanto media o pénis dele.

75. Em data não apurada, mas após Agosto de 2020, através da rede social instagram, AA filmou-se a manipular o pénis erecto, masturbando-se, e remeteu o ficheiro vídeo a JJ, à data com 12 ou 13 anos de idade, pedindo-lhe para lhe enviar um vídeo idêntico em que aparecesse a manipular o pénis.

76. Em datas não apuradas, mas após Agosto de 2020, AA disse a JJ, à data com 12 ou 13 anos de idade, que se este não lhe enviasse o ficheiro vídeo o expulsava dos jogos de futebol.

77. Em todas as ocasiões, JJ sentiu-se intimidado, incomodado e desconfortável.

78. No dia 25 de Dezembro de 2019, através do Messenger do seu perfil do Facebook, AA enviou a KK, nascido a …2010, à data com 9 anos de idade, um ficheiro de imagem onde se pode visualizar um indivíduo do sexo feminino, maior de idade, nua da cintura para cima.

79. No dia 25 de Dezembro de 2019, através do Messenger do seu perfil Facebook, AA enviou a KK, à data com 9 anos de idade, as seguintes mensagens de texto:

(…)

80. No 30 de Março de 2020, através do Messenger do seu perfil Facebook, AA enviou a KK, à data com 9 anos de idade, as seguintes mensagens de texto:

(…)

81. Em dias não apurados, mas no Verão de 2020, em duas ocasiões distintas, AA enviou a KK, à data com 10 anos de idade, um ficheiro de vídeo em que surgia a mexer no pénis erecto.

82. No dia 03 de Agosto de 2021, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou para o chat do gmail “…”, utilizado por LL, nascido em …2008, à data com 13 anos de idade, as seguintes mensagens de texto:

(…)

83. No dia 02 de Janeiro de 2022, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou para o chat do gmail “…”, utilizado por LL, à data com 13 anos de idade, as seguintes mensagens de texto:

(…)

84. No dia 04 de Janeiro de 2022, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a LL, que à data tinha 13 anos de idade, para o chat do gmail “…”, as seguintes mensagens de texto:

(…)

85. No dia 06 de Fevereiro de 2022, através do número de telemóvel …, de que é utilizador, AA enviou a LL, à data com 13 anos de idade, para o chat do gmail “…”, as seguintes mensagens de texto:

(…)

86. Em data não apurada, mas anterior a 03 de Agosto de 2021, em duas ocasiões distintas, AA enviou uma mensagem a LL, à data com 12 ou 13 anos de idade, a perguntar se este manipulava o pénis.

87. No dia 02 de Fevereiro de 2022, AA combinou um encontro com LL, à data com 13 anos de idade, na …, não tendo este comparecido, por ter sentido medo de AA.

88. Em todas as ocasiões, LL sentiu-se intimidado, incomodado e desconfortável.

89. No dia 12 de Maio de 2022, foi realizada uma busca domiciliária à residência de AA, sita na Rua …, n.º …, no ….

90. No dia 12 de Maio de 2022, com intenção de obter e de proporcionar a terceiros prazer sexual e satisfação dos instintos libidinosos, AA tinha com ele, num disco rígido externo, de marca “…”, de sua propriedade, dois ficheiros de vídeo, identificados como “… 1” e “… 2”, em que é visível uma criança do sexo masculino, com idade aparente inferior a 14 anos, a manipular o pénis, …masturbando-se.

91. Em datas não apuradas, mas em quatro ocasiões, através da rede social whatsapp, e utilizando o telemóvel de marca …, modelo …, com os IMEI’S … e …, de sua propriedade, AA partilhou quatro ficheiros vídeo - em que é visível uma criança do sexo masculino, com idade aparente inferior a 14 anos, a manipular o pénis, masturbando-se -, com indivíduos de identidade não apurada, proporcionando-lhes prazer sexual e satisfação dos instintos libidinosos.

92. Ao pedir aos menores BB, CC, EE, JJ, KK, LL, com idades compreendidas entre os 9 e os 13 anos, que manipulassem o pénis, masturbando-se, que medissem o pénis erecto e que lhe enviassem as medidas, ao solicitar aos mesmos que lhe enviassem vídeos e/ou fotos do corpo e do pénis, ao fazer perguntas sobre a intimidade e sexualidade deles e ao remeter-lhes vídeos e/ou fotografias do pénis erecto, bem como vídeos e fotografias de cariz sexual, AA quis compeli-los a suportar contactos verbais e visuais sexualizados, incomodá-los e perturbá-los, com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos e de obter prazer sexual, o que fez com consciência de que os mesmos tinham entre os 9 e os13 anos de idade, de que ofendia os respectivos sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual, erotizando-os antes de eles disporem de competências cognitivas, sociais e emocionais para regularizarem a sua sexualidade e evitarem o contacto sexual com o adulto.

93. Ao deter e partilhar ficheiros vídeo em que eram visíveis menores a manipularem o pénis, AA agiu com o propósito concretizado de deter, partilhar e divulgar os referidos ficheiros, em formato de vídeo, a fim de obter e proporcionar a terceiros, maiores de idade, prazer sexual e satisfação de instintos libidinosos, o que fez com consciência de que as crianças que constavam dos mencionados ficheiros eram menores, com menos de 14 de idade, e de que os actos de cariz sexual infligidos aos mesmos põem em causa o seu são desenvolvimento da consciência sexual, de que ofendem os respectivos sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual e que lhes causam grande sofrimento físico e psíquico.

94. O arguido AA agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Mais se provou:

- Da perícia à personalidade do arguido - dos factos relativos à perícia efectuada ao arguido AA e constantes do relatório pericial:

95. Na avaliação cognitiva, o resultado obtido pelo arguido situa-se entre o percentil 25 e o percentil 75 - Grau III, ou seja, permite concluir que apresenta uma capacidade intelectual média.

96. No que toca à avaliação de psicopatologia e de personalidade as escalas de validade apresentadas pelo arguido remetem para um perfil provavelmente válido (LT<70;FT>70; K T<70) com importante presença emocional e apresenta ainda um índice de Gough (I.G.= 7) que sugere atitude honesta na realização da prova.

97. A análise da média das pontuações T nas 8 escalas clínicas, obtidas pelo arguido, que possibilitam avaliar o nível de desajustamento - (média=71,12) - permite concluir que este apresenta um número significativo de problemas psicológicos (ponto de corte > 65), com índice de Golberg (IG= 100), a indicar um perfil do tipo psicótico (ponto de corte > 45;

98. O arguido apresenta preocupação com o funcionamento somático, revela a existência de sintomatologia depressiva, como desânimo, desesperança, tristeza, desinteresse e retardamento psicomotor e indicia a excessiva sensibilidade interpessoal com tendência para interpretar de forma errada as intenções dos outros, com ideias de autorreferência, suspeição extrema, pensamentos marcados por conteúdos persecutórios ou de grandeza.

99. A avaliação realizada o arguido revela a existência de pensamento excêntrico, alterações da percepção, alheamento ao nível das relações (sociais e familiares) e dificuldades no controlo dos impulsos e apresenta um perfil que se observa em sujeitos suspeitosos, desconfiados, com sentimentos de inferioridade, inibidos, com falta de autoestima e de autoconfiança, distantes e com dificuldade em estabelecer vínculos afectivos e acentuadamente virados para o mundo da fantasia.

100. A avaliação observa ainda que o conteúdo dos pensamentos do arguido pode ser bizarro, sendo possível o aparecimento de delírios de grandeza e / ou autorreferência, além de confusão mental, afecto inapropriado e depressão, quadros de apatia, irritabilidade e isolamento social bem como problemas de concentração e memória, medos e fobias, podendo haver uma intensificação dos sintomas (geradora de incapacidade) na sequência de fatores stressantes. Outra das características destas pessoas é a pouca confiança em si mesmas, sendo frequentes antecedentes associados a humilhações e castigos desadequados durante a infância, que impediram o desenvolvimento de uma autoestima ajustada.

101. O arguido não apresenta sintomas de desajustamento emocional e não se observa tendência para minimizar ou exacerbar sinais de desajustamento emocional.

102. O arguido não apresenta sintomatologia ou alterações com significado clínico nas dimensões avaliadas.

103. O arguido revela pouca ansiedade quer enquanto traço permanente, quer enquanto estado.

104. No que respeita à avaliação de distorções cognitivas e à escala de crenças sobre o abuso sexual o arguido revelou uma maior identificação com as crenças relacionadas com as características dos abusadores, afirmando não concordar nem discordar das afirmações: “As pessoas que abusam sexualmente de crianças/adolescentes são quase sempre desconhecidos" e, "Os abusadores são pessoas que parecem diferentes das pessoas normas"(sic). Afirma ainda não concordar nem discordar da frase "A maioria das queixas de abuso sexual são falsas";

105. A avaliação efectuada sugere que o arguido assume uma posição de discordância no que diz respeito à tolerância/legitimação do abuso sexual.

106. Da avaliação do risco de violência sexual efectuada ao arguido identificaram-se factores de risco no domínio do ajustamento psicossocial e ofensas sexuais, pois este desvaloriza as práticas de natureza sexual que determinaram a instauração do processo judicial em curso e desvaloriza o impacto dos seus comportamentos nas vítimas.

107. O arguido manifestou aceitar apoio especializado com objectivo de não vir a adoptar comportamentos semelhantes, apresenta planos realistas sobre o seu futuro, identificando-se com boa rede de suporte familiar e social.

108. Em sede de avaliação o arguido expressou-se de forma clara e organizada, com um raciocínio e discurso coerentes e sequenciais, sem alterações ao nível do pensamento, tendo sido identificado um humor ligeiramente deprimido aparentemente reativo à matéria dos autos.

109. No que respeita à personalidade, o arguido apresenta sentimentos de inferioridade, falta de autoestima e autoconfiança e dificuldades em estabelecer vínculos afectivos, revela pouca confiança em si mesmo podendo desenvolver, sobretudo em circunstâncias geradoras de stresse, confusão mental, afecto inapropriado e depressão, quadros de apatia, irritabilidade e isolamento social, bem como problemas de concentração e memória, medos e fobias.

110. No tocante ao aspecto afectivo, o arguido revela a existência de alguma instabilidade emocional bem como características depressivas, nomeadamente sentimentos de inferioridade e inadequação pessoal baixa autoestima, insegurança, tensão e suscetibilidade às exigências e críticas.

111. O arguido não apresenta indicadores de desajustamento quanto à sintomatologia psicopatológica.

112. A avaliação psicológica apura, à data do exame, um risco baixo de violência sexual por parte do arguido, não obstante este desvalorizar os factos praticados, identificando factores protectores, designadamente o suporte social e familiar, a estabilidade académica, a inexistência de antecedentes criminais e de consumos de substâncias, bem como a existência de planos realistas para o futuro.

Antecedentes criminais

113. O arguido não possui quaisquer condenações averbadas no respectivo certificado de registo criminal;

Das condições pessoais, sociais e económicas do arguido AA - do relatório social efectuado pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais consta designadamente que o arguido:

114. “[…]à data dos factos subjacentes ao presente processo, residia com a família de origem, progenitores e uma irmã mais velha de … anos de idade e frequentava o 12º ano de escolaridade via profissional na área de …. O arguido desempenhava ainda funções de … de futebol e futsal, era … do … para as camadas jovens e era ainda ….

Ambos os progenitores são funcionários públicos, a mãe é … e o pai …. A irmã é …. A relação familiar é descrita como harmoniosa.

A família reside numa habitação arrendada, descrita como detentora de boas condições de habitabilidade, integrada num meio comunitário pequeno onde todos se conhecem e onde o arguido mantém uma imagem positiva, o que contribuiu para que todos os que o conhecem manifestem apoio e revelem preocupação face ao processo judicial em que AA se encontra envolvido. No início do presente processo a situação causou algum alarme social, havendo manifestações de indignação e de estranheza, relativamente à tipologia de crimes pelos quais o arguido se encontra acusado, contudo no presente, a situação é avaliada de forma menos critica, ansiando a comunidade que a situação se esclareça o mais rapidamente possível. Os familiares do arguido continuam integrados no mesmo meio comunitário e detêm uma imagem positiva, referindo desconhecerem a identidade das vítimas, uma vez que estas não residem no mesmo meio comunitário.

AA refere ter tido alguns relacionamentos de namoro com colegas da sua faixa etária, não tendo de momento qualquer relação de intimidade.

Em termos económicos AA refere ter desde idade precoce, autonomia a este nível, uma vez que, o desempenho das funções de .., lhe proporcionavam ganhos suficientes para ter a sua independência económica, contando ainda com a ajuda dos progenitores e da irmã.

Perante a situação judicial que pende sobre o arguido, a família tem-se mostrado apoiante independentemente do desfecho do presente processo, revelando sentimentos de afeto e de interajuda.

Em contexto prisional o arguido tem revelado capacidade para cumprir as regras e normas institucionais mantém-se inativo e recebe visitas dos progenitores e da irmã.

Relativamente aos factos que estão na origem do presente processo, o arguido não se revê em tais condutas, nem identifica de onde surgiram tais acusações uma vez que mantinha quer com os jovens quer com os seus pais, uma relação positiva, sendo por todos conhecido e respeitado.

Quando regressar ao meio livre AA pretende retomar o seu percurso de vida, terminar o 12º ano e reintegrar os ….

O presente processo judicial veio condicionar o seu percurso escolar e profissional e principalmente denegrir a imagem positiva que detinha no meio comunitário, situação que lhe causa grande constrangimento, vivenciando o presente processo com alguma ansiedade.

[…]é um jovem de dezanove anos de idade que residia com a família de origem, descrito como um jovem dinâmico, estudante do 12º ano de escolaridade, que desenvolvia várias atividades no meio comunitário, era … de futebol, … do … e …, detendo uma imagem positiva junto de todos com quem privava e o conheciam.

AA não apresenta antecedentes criminais sendo um jovem integrado socialmente e descrito quer pela família quer pelos colegas e amigos, como dinâmico, bem-disposto e com espirito de camaradagem e de ajuda.

No meio comunitário, foi com surpresa e indignação que os factos foram conhecidos e apesar do tipo de crime pelo qual se encontra acusado ser desaprovado por todos aqueles com quem contactamos, verifica-se que na comunidade o arguido mantém uma imagem positiva, não havendo evidências de que este possa vir a ser rejeitado quando for colocado em meio livre.

No seu regresso ao meio livre o arguido pretende regressar ao mesmo meio comunitário, dar continuidade ao seu percurso escolar e reintegrar os ….

O arguido aguarda com ansiedade o desfecho do presente processo.

Salienta-se o facto de não ter sido possível o contacto com nenhuma das vítimas e suas famílias uma vez que desconhecemos o seu paradeiro.

Atento ao atrás referido e em caso de condenação, identificam-se como principais áreas de necessidade a serem trabalhadas com AA, o reforço de competências ao nível pessoal e emocional e a motivação para aderir a acompanhamento psicológico.”

Provou-se ainda que:

- Da defesa do arguido:

115. O arguido recebeu na conta bancária n.º …, por si titulada junto do …, em 25.06.2021 as seguintes quantias:

- € 43.20 – movimento identificado como Transferência p/o … Futebol SAD;

- € 235.40 – movimento identificado como TRF. p/o Associação Futebol …;

- € 54.00 – movimento identificado como Transferência p/o …Futebol SAD;

- € 265.50 – movimento identificado como TRF. p/o Associação Futebol …;

116. Em 28.01.2021 OO enviou ao arguido uma email com o seguinte teor: “Boa tarde AA. O meu nome é OO, sou o elemento que está a colaborar no distrito de …. Tomei conhecimento da tua solicitação, já abordei a mesma com os colegas de …. Amanhã entro em contacto contigo para podermos falar um pouco. Grato pela tua demonstração de interesse.”

117. Exerceu a função de … / … do …, de modo informal.»

2.1 Motivando o Tribunal a sua convicção relativamente à factologia precedente do seguinte modo:

«A valoração da prova foi norteada pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado pelo legislador no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o qual encontra os seus alicerces nos princípios da oralidade e da imediação.

Neste preceito legal consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante, pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada” [artigos 84.º (caso julgado), 163.º (valor da prova pericial), 169.º (valor probatório dos documentos autênticos e autenticados) e 344.º (confissão) do Código de Processo Penal] e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova [artigo 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa e artigos 125.º e 126.º do Código de Processo Penal] e o do “in dubio pro reo” [artigo 32.º, n.º 2 da Lei Fundamental].

Para formar a convicção do Tribunal quanto à factualidade apurada baseou-se este na conjugação e ponderação crítica de toda a prova produzida em audiência e prova documental junta aos autos, aliada às regras da experiência comum, sempre balizada por deduções e induções da prova produzida que, em face dos indícios objectivos, resultantes desta, constituam uma consequência natural e lógica da dedução dos factos-base.

O Tribunal fundou a sua convicção nos seguintes meios de prova:

Declarações:

- Do arguido;

- Para memória futura prestadas por (i) BB, (ii) CC; (iii) DD; (iv) EE; (v) GG; (vi) II; (vii) JJ; (viii) KK; (ix) HH; (x) LL; (xi) PP - cfr. autos de fls. 698 a 702 e 705-705v, e ainda nos CD´s de fls. 705, 706 e 707 e pen de fls. 704, constantes no sistema informático citius.;

Pericial:

- Relatório Pericial Preliminar – fls. 269-275;

- Relatórios periciais aos telemóveis dos ofendidos/menores – fls. 1 a 341, do apenso I, dos Relatórios de perícia aos telemóveis dos menores.

- Relatório da perícia médico-legal – Psicologia – Relatório psicológico, de fls. 1151 a 1171, tendo a Sra. Perita, Dra. NN prestado esclarecimentos em sede de audiência de discussão e julgamento;

Testemunhal: QQ; RR; SS; FF; TT: UU; VV; XX; ZZ; AAA; BBB; CCC; DDD; EEE; FFF, todos melhor identificados nas respectivas actas da audiência de discussão e julgamento.

Documental: Auto de Denúncia – cfr. fls. 3 a 5 (e original de fls. 54-56), 4-5 do Inquérito 23 Apenso; Termos de consentimento – cfr. fls. 59, 86 e 6 e 20 do Inquérito 23 Apenso e ainda fls. 1, 5 9, 13, 17, 21, 26, 40, 101, 246, 290, 303, 307, 315, 319, 323, 327, 331 e 335 do apenso I, dos Relatórios de perícia aos telemóveis dos menores; Fotografias das mensagens trocadas entre AA e CC- cfr. fls. 60-71; Prints das conversas trocadas pelo Whatsapp entre AA e CC – cfr. fls. 96-137; Prints das conversas trocadas pelo Whatsapp entre AA e BB – cfr. fls. 7-13v do Inquérito 23 Apenso;

Prints das conversas trocadas pelo Whatsapp entre AA e FF – cfr. fls. 79-81 do Inquérito 23 Apenso; Prints de conversas da rede social Instagram entre AA e DD – cfr. fls. 87 a 110v do Inquérito 23 Apenso; Prints de mensagens da rede social Instagram e de texto, trocadas com EE – fls. 493-495 e 499-500; Print do perfil utilizado pelo arguido no Instagram e no Facebook – fls. 121 e 496; Fotografias – fls. 138 e 494-495; Autos de busca e apreensão - telemóveis do arguido … e …, disco externo e bloco de notas destes – cfr. 260-261, 284-285, 289-290; Auto de diligência – fls. 265-265v; Reportagem fotográfica – fls. 286-288; Consulta de dados de cliente … – fls. 75; Pedidos de informações às operadoras – fls. 29-37; Informações das operadoras – fls. 39-40, 44 e 50; Consultas às bases de dados de identificação civil – fls. 139 e 141 a 143; Informação do Conselho de … – fls. 144-146; Prints de telemóvel com mensagens - fls. 60-71; Auto de visionamento de suporte digital – fls. 93-95; informação da Segurança Social – fls. 156-163, 213-214; Dados de identificação de pessoa singular – fls. 156-158. Assento de nascimento de GG – fls. 311; Assento de nascimento de BB – fls. 312-313; Assento de nascimento de CC – fls. 314-315; Assento de nascimento de DD – Fls. 316-317; Assento de nascimento de EE – fls. 318-319. Auto de Exame directo do conteúdo do caderno de notas apreendido a AA – fls. 356-369; Informação da Polícia Judiciária – fls. 292-294; Assentos de nascimento de GG, JJ, KK, HH, LL, PP, GGG e FF, fls. 634-644 e 667; Documentos juntos pelo arguido com a contestação - fls. 928 a 932; Certificado do Registo Criminal do arguido, fls. 801; Relatório da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, fls. 1104 a 1109.

Cumpre concretizar em que moldes foram os supra aludidos meios probatórios tidos em conta pelo Tribunal.

Vejamos:

Em primeiro lugar, antes de entrar na análise e conjugação da prova supra elencada, cumpre consignar que o arguido em sede de exposições introdutórias invocou a nulidade da prova recolhida em violação do acórdão do Tribunal Constitucional 268/2022, concretamente os pedidos de informação efectuados aos fornecedores de serviços de comunicações electrónicas, de fls. 25 e juntas aos autos a fls. 28, 38, 39, 42 e 75, informações na base das quais considera ter sido recolhida toda a prova sustentada nos presentes autos e que foi obtida, entende, através de metadados. tendo reiterado tal questão em sede de alegações, onde igualmente o Digno Magistrado do Ministério Público se pronunciou quanto a tal aspecto.

Refira-se, no entanto, que tal questão foi apreciada em sede de 1.º interrogatório de arguido detido datado de 13.05.2022, por via da qual se decidiu que “a recolha das mensagens imputadas ao arguido foi efectuada através de análise aos telemóveis dos ofendidos, recolha devidamente consentida pelos seus pais no âmbito do exercício das responsabilidades parentais enquanto menores de idade, cujo consentimento supriu precisamente a menoridade dos mesmos.

Por outro lado, a existência dos ficheiros vídeos e das fotografias referidos nos factos supra descritos, resulta da análise efectuada pela Polícia Judiciária, em exame preliminar de informática forense, pesquisa devidamente autorizada, na sequência da apreensão ao arguido do telemóvel, do computador e do disco externo, igualmente realizada no âmbito de busca e apreensão autorizada por Juiz de Instrução, e cuja validação se efectuou, por despacho supra, nos termos do artigo 16º nº 3 da lei 109/2009.

Acresce que os factos se encontram ainda suportados pela audição do menor BB a fls. 185, por Magistrado do Ministério Público, do menor CC, ouvido a fls. 82 pela Polícia Judiciária e a fls. 177 por Magistrado do Ministério Publico, de DD a fls. 200, igualmente em audição por Magistrado do Ministério Público, e de EE ouvido pela PJ a fls. 113 a 115, menor que refere, para além do mais, o facto imputado por referência a GG.

Conjugados todos os elementos probatórios recolhidos, não temos dúvidas da forte indiciação já mencionada, até porque os ofendidos identificaram claramente o arguido como o autor das mensagens de WhatApp, e as imagens recolhidas por referência ao Instagram identificam o arguido.”

O arguido recorreu da decisão proferida pela Mma. Juíza de Instrução Criminal e, por Acórdão proferido em 27.09.2022, o Tribunal da Relação de Évora julgou improcedente o referido recurso, decidindo que “à prova obtida nos presentes autos não se aplica a declaração de inconstitucionalidade a que alude o Acórdão n.º 268/2022, pelo que de forma alguma pode colher a alegação do recorrente de a prova recolhida nestes autos ser nula por inconstitucional.”

Ora, em face do processado e já decidido, incluindo pela Instância Superior, mostra-se, pois, esgotado o poder jurisdicional quanto à apreciação da questão levantada de novo pelo arguido, aqui se impondo os dois efeitos decorrentes da prolação daquele despacho, confirmado pelo Tribunal da Relação de Évora: um positivo, que se traduz na vinculação do Tribunal à decisão já proferida; outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o Tribunal tomar a iniciativa de a modificar ou revogar. Consignando-se, de todo o modo, que o sentido da decisão deste Tribunal, na hipótese de ter que decidir sobre a aludida questão, convergia de facto e de direito com o já decidido.

Isto dito, cumpre analisar a prova produzida de molde a considerar como provada ou não provada a factualidade supra descrita.

O arguido usou, numa fase inicial do seu direito ao silêncio, declarando só pretender prestar declarações depois de ouvido o médico psiquiatra por si arrolado como testemunha.

BB refere conhecer o arguido AA, seja porque este lhe mandava mensagens não apropriadas, seja porque arbitrava jogos seus e às vezes ia ao clube onde este jogava futebol, ao …, num momento em que situa como estando a frequentar o 5.º ano, com 10 / 11 anos de idade. Indica que eram amigos nas redes sociais, no instagram e WhatsApp, esclarecendo que não tem Facebook e que foi o arguido quem lhe enviou pedido para o seguir naquela rede. Esclarece que falavam por mensagem, no início sobre jogos de futebol, mas depois o arguido começou a alterar a temática, pois começou a questionar o menor quanto ao tamanho do seu pénis, se estava sozinho em casa, onde é que os pais trabalhavam, quantos anos tinham os pais, chegou a perguntar morada, tendo o menor esclarecido que não respondeu, mas que sem saber como, o arguido descobriu e um dia mandou fotos da casa do ofendido, fazend-o por mais do que uma vez, com a justificação de que trabalhava ali perto, além de o ter convidado para ir comer com o arguido.

Questionado, refere que o arguido lhe pedia para medir o pénis, mas que não mediu e também pensa que lhe perguntou se se masturbava, além de lhe ter pedido para se masturbar (o que o menor afirma não ter feito), mais alude à circunstância de o arguido lhe ter enviado vídeos de cariz sexual com casais homossexuais (mandou dois ou três vídeos de sexo com adultos, esclarecendo, mais à frente no seu depoimento que eram vídeos com homens a praticar sexo, que clicou para ver, mas acha que abriu e saiu, não viu até ao fim e que não apagou), perguntando de seguida o menor se “já tinha feito aquilo” e se queria que o arguido enviasse mais vídeos. BB refere não ligava aos vídeos e quando questionado sobre porque é que o arguido lhe enviava os aludidos vídeos, responde que “se calhar queria que eu visse e fizesse isso”.

Questionado, refere que o arguido não lhe perguntou se ejaculava, mas confirma que lhe falava “sobre leite”, se sabia o que era e dizia ao ofendido para se masturbar que “saía isso”.

Nunca teve dúvidas de que fosse o arguido a enviar mensagens, pois este nunca disse que alguém usou o respectivo instagram (tendo inclusivamente o arguido dito ao menor para não dizer a ninguém as conversas que tinha com ele – não obstante, a dado momento o menor contou aos pais, esclarecendo que não o fez antes “porque as conversas eram um bocado chatas para eles verem.” e, perguntado, confirmou que teve medo da reacção dos pais), afirma que o arguido sabia sua a idade, pois jogava nos iniciados do … e o arguido era ….

BB afirma que chegou a pedir ao arguido para parar, não mandar vídeos e chegou a bloqueá-lo nas aludidas aplicações, pois, apesar dos avisos, este não parou de enviar ou de manter as conversas, designadamente a pedir fotos do pénis do menor e vídeos a masturbar-se - que nunca enviou.

Confirma que o arguido o convidava para ir com ele ao …, mas que nunca o acompanhou.

Confirma igualmente o teor das mensagens de fls. 7 e seguintes do apenso: que as expressões / perguntas “já mediste? mede lá” se referiam ao pénis; que este referia muitas vezes a expressão “se me mentes …”, acrescentando, como era entendido pelo menor, que se mentisse se ia arrepender, ganhava um inimigo e para não dar vistas (ou seja, a designação dada às mensagens que são lidas pelo seu destinatário, mas a que este não responde e que surgem na aplicação do remetente “como vistas” / lidas). Acrescentando que o arguido ficava zangado pelo menor não responder, confirma a menção a vídeos pornográficos, as conversas sobre se os colegas de equipa se masturbavam, sobre a comparação entre os pénis do menor e dos colegas de equipa, no que toca ao tamanho (“várias vezes”).

Confrontando com a mensagem para si enviada pelo arguido “quando ‘tás para eu te dar um treino?”, não se recorda em concreto da mesma, mas acha que isso diz respeito à masturbação.

Não se recorda o contexto, mas sabe que o arguido lhe pedia abraços e que sentia incomodado com isso, desconhecendo a razão porque os queria, nega alguma vez ter recebido do arguido, vídeos com crianças.

Sem contextualizar refere que um amigo (EE) via o arguido junto à escola que o menor frequentava e que a alcunha deste era …, confirma igualmente que o arguido lhe disse que era olheiro do …, não se recordando do contexto em que o fez.

Não se recorda, mas admite ter convidado o arguido para almoçar e que lhe pagava o almoço e admite ter pedido um vídeo ao arguido, inicialmente não se recordava sobre o quê, mas depois afirma que seria um vídeo de sexo, ficando em silêncio quanto à razão porque o pediu. Afirma que chegou a dizer a medida do seu pénis ao arguido, porque este não parava de perguntar e para que ele parasse, respondeu, admitindo ter receio que o arguido lhe fizesse alguma coisa, “no futebol e sem ser no futebol”, depois bloqueou-o nas redes sociais e nunca mais desbloqueou, acrescentando que dizia que tinha “batido” (referindo-se a masturbar-se), mas que não o tinha feito, era só para findar com a conversa.

Ouvido, CC, com relevo, refere ter conhecido o arguido num jogo no …, quando tinha entre 10 / 11 anos, tendo conhecimento de que o arguido é …, pois o mesmo lhe terá dito tal facto.

Refere que, após, através do Instagram, o arguido lhe enviou uma foto do perfil dele (arguido), mandou mensagem e o ofendido aceitou o pedido naquela rede social, não se recordando se têm amizade no Facebook, mas que o arguido lhe facultou o contacto telefónico para o WhatsApp, sendo que no início falavam de futebol e do dia-a-dia e umas semanas o arguido começou com outras conversas - talvez um mês depois – mais íntimas, sobre o ofendido e que também queria estar com este.

Concretiza, após pergunta, que o arguido falou de masturbação - perguntou se eu batia à punheta? mas não respondi. – Questionado, confirma que o arguido lhe perguntou se arregaçava o pénis e que lhe pedia fotos e áudios, tendo chegado a enviar uma foto com a blusa que o arguido lhe ofereceu e uma outra; tendo o arguido enviado ao ofendido uma ou duas fotos dele, vestido, com amigos num bar.

Concretiza que, numa ocasião, o arguido lhe enviou uma foto de uma criança do sexo masculino, em cuecas e sem mostrar a cara, que pensa ter talvez 11 / 12 anos (pois não usava fraldas e não se recorda de ter pelos públicos), o que foi entendido pelo ofendido, sem que o arguido o tenha dito, como um pedido para que aquele enviasse uma foto igual.

Dos contactos tidos com o arguido, refere o ofendido CC que o viu no … num jogo em que este participava e que o viu ao pé da escola – Básica … -, duas vezes, apesar de o arguido ter lá ido mais vezes – pois o mesmo mandava mensagem a dizer que estava a chegar à escola -, só apareceu nessas duas ocasiões, tendo tirado uma selfie num dos dias e, no outro, o arguido ter-lhe-á oferecido uma blusa.

Apesar de o ofendido achar que era só conversa (“só de boca”), o arguido informou-o que era olheiro do … e chantageava aquele exigindo que mandasse fotos e fizesse outras coisas, como publicar a foto que este colocara no Instagram, caso contrário, não era chamado, não ia fazer testes, tendo o arguido chegado a mandar ao ofendido uma foto de um grupo (onde falavam da temática de ser chamado a outros clubes).

O ofendido afirma que o arguido lhe perguntava se dormia nu e queria saber se o mesmo se masturbava, não se recordando se pedia para se masturbasse, nega ter recebido do arguido vídeos pornográficos; referindo não saber se lhe falou de sémen (quando perguntado), para depois, quando questionado sobre se falavam de “leite” responder afirmativamente, que o arguido perguntava se o ofendido deitava (“leite”), ao que este não respondia, mas que terá dito ao arguido que contaria à polícia e que faria queixa.

Afirma ainda que o arguido nunca lhe disse que havia perfis falsos ou a se passar por ele. Desconhece se o arguido tem alguma alcunha e no seu telemóvel tinha-o identificado como “melhor …”.

Confirma as mensagens de fls. 60 a 71 e de fls. 96-137, designadamente sobre beijos, linguados, namoradas e as fotos de fls. 138 são na escola, concretizando que o lugar do costume referido nas mensagens corresponde ao gradeamento da escola – que se vê nas aludidas fotografias. Afirma que não queria estar com o arguido porque o achava um “bocado irritante, não gostava dele, estava a toda a hora a mandar mensagem, não me deixava em paz, mandava mensagem a toda a hora, o dia inteiro. e eu não queria.” e que quando informava o arguido de que ia à polícia, este lhe respondia que era bom e que o estava a ajudar, no que era entendido por aquele como uma forma de lhe “dar a volta”.

DD, afirma conhecer o arguido por este lhe enviar mensagens no Instagram [na sequência de o ofendido ter publicado uma história do … (clube de futebol) naquela rede e o arguido lhe ter perguntado se não o tinha visto, daí as mensagens subsequentes e pedido de amizade que pensa ter sido feito por este] e que pessoalmente só esteve com o mesmo uma vez numa loja, onde se cumprimentaram, além de o ver, por vezes quando ambos iam para as respectivas escolas e o ofendido se encontrava na passadeira da ….

O ofendido desconhecia que o arguido era …, circunstância que lhe foi referida pelo próprio, pois falavam de futebol, negando alguma vez terem falado sobre sexo, masturbação, terem trocado imagens ou vídeos, apesar de o arguido pedir fotos ao ofendido – que este nunca enviou -, e de convidar muitas vezes para ir lá visitar, para ir ao bar do … e para ir ao … comer um gelado que ele pagava – pedidos a que o ofendido nunca acedeu, afirmando sempre que estava acompanhado.

Nas aludidas conversas, o ofendido menciona que o arguido lhe questionava por vezes onde estava, se estava só em casa ou se ia só para casa, tendo-se oferecido para lhe dar explicações de físico – química. Confirma as mensagens de 87 a 90 do aludido apenso em que o arguido o chamava de loirinho e lhe perguntava se este estava sozinho, perguntas de que o ofendido não gostava. Além de afirmar que não gostava de abraços, como pedidos pelo arguido, por entender que não era normal, “só o meu pai, eu não o conhecia de lado nenhum.” Tendo pensado, quando questionado, de que o arguido podia gostar de rapazes ou de homens, esclarecendo que a alcunha deste era … e que alguns dos seus amigos diziam que este era gay.

Afirma que o arguido também lhe referiu ser olheiro do … e que o bloqueou nas redes sociais por este estar sempre a mandar mensagens.

EE refere conhecer o arguido por este lhe ter mandado mensagem no Instagram depois de um jogo do …, nos iniciados, pensa que em Outubro de 2020, mas que já sabia que ele era …, tendo, inclusivamente, após aquele pedido de amizade, arbitrado um jogo em que o ofendido interveio. Refere que falavam de futebol e que o arguido lhe perguntava se se masturbava, para “contar o tempo que demorava” e se via vídeos, além de o arguido lhe dizer para medir o pénis, perguntar se os pénis dos colegas eram grandes ou pequenos. O que levava o ofendido a responder que não via vídeos e que não lhe interessava se se masturbava.

O arguido uma vez enviou um vídeo pornográfico ao ofendido, em Novembro de 2021, contendo um casal heterossexual e pedia videochamadas, que chegou a realizar, pelo que o ofendido viu que era o arguido e nas quais mantinham conversas normais.

Refere saber que o arguido enviou foto do órgão genital dele ao GG, pois este tirou print e mostrou-o presencialmente ao ofendido e partilhou no grupo da equipa “…” do …. Afirma saber que era o arguido porque aparecia a identificação do Instagram AA e este estava com as calças e com a blusa dos …, com as quais o ofendido já vira o arguido vestido noutros stories do Intagram partilhados pelo mesmo, referindo-se à fotografia de fls. 286 que lhe foi exibida.

Afirma que foi almoçar sozinho com o arguido uma vez ao …, noutra ocasião foi comer um gelado, tendo este pago a conta (e que quando tentou pagar o gelado, o arguido não aceitou receber o dinheiro), além de ter ido outras duas vezes comer gelado com o arguido, uma acompanhado de HHH e outra por III, qualificando as conversas, em todos os momentos, como normais e que apesar de nas redes socias já terem ocorrido conversas de teor sexual nunca confrontou o arguido com as mesmas e que foi sempre de livre vontade a tais encontros, informando os pais que ia com um amigo sem identificar o arguido, por este ser mais velho.

Alude ao facto de, por vezes, quando saía da escola encontrar o arguido que o queria acompanhar até casa, o que fez por cerca de dez vezes, a pé, mas que em algumas ocasiões fingia não ver o arguido ou alterou o seu percurso, por não querer falar ou ser acompanhado por este, razão pela qual depois o arguido lhe mandava mensagens a perguntar se não o tinha visto ou se não queria companhia para casa. Mais afirma que quis parar com as mensagens, pois já estava farto do arguido, ao que este lhe terá pedido que não parasse de falar, que se ia matar, chegando a enviar a foto de um braço com cortes e sangue, pousado sobre uma mesa, (o ofendido refere que não tirou print da aludida fotografia por se tratar de foto de uma única visualização), confirmando que quando não respondia no Instagram, o arguido lhe mandava mensagens no WhattsApp, que ficava triste e zangado pela falta de respostas, enviando emojis a chorar ou com palavrões.

GG, refere conhecer o arguido através de um amigo, no contexto do futebol, o que ocorreu em 2021, quando era iniciado, não sabe quando em concreto, altura em que este lhe terá pedido amizade no Instagram, mas que também usava o WhatsApp para se contactarem, não se recorda quem deu contacto a quem. Alude ao facto de falarem sobre jogos. Não se recorda de conversas desapropriadas ou de questões sobre o tamanho do pénis do ofendido ou dos colegas, ou de ter recebido ou enviado vídeos pornográficos.

Recorda, no entanto, ter recebido do arguido, pelas mensagens privadas do Instagram, uma fotografia deste despido das calças para baixo, a mostrar o pénis, acha que tinha o fato dos … (já sabia, então, que o arguido era …) e que lhe terá pedido para enviar também uma fotografia. Na óptica do ofendido, a fotografia retratava o arguido, porque foi enviada do perfil do mesmo, com a farda de … e nunca lhe foi dito que a conta do Instagram do arguido era usada por outras pessoas.

Refere que tirou printscreen à foto e a exibiu ao EE, não se recorda de a ter partilhado no grupo da equipa ou se a exibiu a outras pessoas.

Inicialmente referiu que a foto teria sido tirada ao pé de uma sanita e que o arguido não estava a segurar o pénis, nem este estava erecto, no entanto, confrontado com a fotografia de fls. 286 confirmou ser esta a fotografia a que fizera alusão, como tendo recebido daquele.

Nega terem existido mais propostas e não se recorda se bloqueou o arguido nas redes sociais, mas nunca mais falou com o mesmo, mas que nunca lhe deu confiança para estas mensagens.

II, afirma jogar futebol no … e conhecer o arguido porque era … dos seus jogos, há cerca de 2 anos, desde 2020. Refere acha que já “se seguiam no Instagram” e que, na sequência de ter sido expulso de um jogo, o arguido lhe enviou mensagem a dizer para ter mais calma.

Após, falavam da bola, mas o arguido perguntava coisas de que o ofendido não gostava, como tê-lo questionado se ia ver jogo que aquele ia apitar, ao que o mesmo respondeu que não, o arguido fez menção a “relações sexuais e outras palavras: vais pinar.”

Recordando-se que respondeu que não, que era novo e não fazia disso, tendo ficado “um bocado chocado e a pensar porque é que ele se estava a tentar meter nos meus assuntos pessoais.”

Aponta ainda uma outra situação, que julga ter ocorrido em Fevereiro de 2022, em que o arguido lhe perguntou se ia ver um jogo, ao que o ofendido respondeu que estava na escola, tendo o primeiro perguntado se este se estava a masturbar. Em resposta o ofendido declarou que estava na escola e que o arguido não tinha nada a ver com isso.

Após o arguido ter começado com estas conversas, o ofendido disse-lhe que não queria mais conversas sem ser a relação jogador – … e que ele respeitasse, não tendo bloqueado as redes sociais, simplesmente deixou de responder. O que não impediu o arguido de afirmar (ameaçar na terminologia do ofendido) que deixava de apitar os seus jogos.

Nega qualquer troca ou pedido de envio de vídeos, fotografias íntimas, pornográficas. Confirma as mensagens de fls. 29 / 30 do apenso I, que refere não concluir que foi o arguido, mas que foram enviadas do instagram deste, a pessoa na foto do perfil AA era o arguido e que se recorde este nunca se queixou que outra pessoa usasse tal perfil. Ainda sobre este aspecto, quando questionado, referiu que os assuntos que falavam, designadamente sobre futebol ou quando foi ver um jogo a …, onde o arguido se encontrava presente, e lhe mandou mensagens sobre a namorada que também lá estaria nesse local, o fez pensar que era o arguido e não outra pessoa a mandar as mensagens. Conclusão que alcança pela conversa e por sítios onde viu o arguido.

Confirma as mensagens do dia 08.08.2021 – fls. 31 – dia do seu aniversário, sobre papar uma gaja por cada ano, o que não o deixou incomodado “porque de toda a gente que eu falo “papo umas gajas” não tem sentido sexual, é mais beijos na boca e assim.” Não obstante não se sentir incomodado com esta mensagem (com as anteriores, sim), nunca deu autorização ou confiança para falar disto com o arguido.

Confirma o teor das mensagens de fls. 36 / 37 – de 14.11.2021 e de fls. 38.

JJ, indica conhecer o arguido desde 2020, nas redes sociais e por este arbitrar alguns jogos do ofendido, que jogava futebol no …, nos iniciados.

Inicialmente o arguido também lhe terá mandado mensagens no WhattsApp, desconhecendo como obteve o seu contacto, a informar que era … do … e se o ofendido estaria interessado, ao que este respondeu que não. Após cerca de três meses, já através do Instagram, o arguido voltou a contactar o ofendido com a conversa do … e que se este estivesse interessado e mandasse algum vídeo ou foto ele conseguia arranjar vaga. Mas não eram fotos ou vídeos do ofendido a jogar, segundo este, eram fotos do

respectivo pénis, tendo, inclusivamente, perguntado as medidas do mesmo. Solicitações a que o ofendido não acedeu.

Nega que o arguido lhe tenha pedido para se masturbar, mas afirmava que lhe podia enviar fotos e vídeos para pensar numas miúdas, numas raparigas. Ao que o ofendido nunca acedeu. Não obstante, afirma que o arguido lhe pediu um vídeo e que depois enviou o próprio arguido um vídeo instantâneo do Instagram, reproduzindo o que pretendia que o ofendido fizesse: em que o arguido se encontrava despido da parte de baixo e com as mãos “estava a bater uma”, encontrando-se o pénis erecto. Afirma que era o arguido no vídeo porque este disse que ia mandar um vídeo dele para que o ofendido lhe mandasse igual. Revela que se sentiu incomodado porque o arguido estava sempre a pedir e o ofendido não se sentia bem a enviar Além de apontar que o arguido não lhe era nada, mas que o ameaçava que se não mandasse poderia expulsá-lo nos jogos.

O aludido vídeo terá sido enviado ao ofendido antes do seu aniversário no ano de 2020.

Afirma que nunca enviou fotos nem vídeos, nem falou com ninguém sobre esta situação, com excepção do primo, PP, a quem contou que o arguido “andava sempre a cair em cima, a pedir e que andava a ameaçar.” – confrontado afirma ser a mensagem de fls. 25. Confirmando, após ser questionado, que eram vídeos do seu corpo despido.

Perguntado como se sentia com estas questões, afirmou que se sentia ameaçado, incomodado e que deixou de comer como comia.

PP, refere conhecer o arguido há cerca de ¾ anos, por ser … e porque este “começou a meter-se comigo no Instagram e depois começou a pedir telefone para falar no WhatsApp”, tendo-o visto pessoalmente nos jogos que ele apitava, pois, o ofendido jogava no ….

Refere que o arguido lhe disse que era … do … e até enviou ao ofendido fotos com dados de meninos da idade deste e que conhecia do futebol, solicitou dados pessoais, tendo o ofendido facultado o nome completo e data de nascimento. Questionado, afirma ter acreditado, pois “tinha 9 anos, não tinha tanta noção como agora.”

Confirma ter feito uma videochamada com o arguido, na qual falaram de futebol. Mas que após essa videochamada, pediu outra e terá perguntado se o ofendido batia punhetas e se enviava um vídeo, ao que este respondeu que o arguido não tinha nada a ver e que não enviava.

Que se recorde o arguido só lhe pediu um vídeo, nunca viu vídeos do arguido e que apesar de bloqueado, continuava a mandar mensagens ao ofendido para o desbloquear que precisava falar. Relata num grupo do Instagram de que fazia parte, juntamente com o seu primo JJ e as respectivas namoradas, a namorada deste último enviou um vídeo que lhe teria sido enviado pelo arguido, em que era possível ver o aludido JJ “a mexer na pilinha, pelo menos era o quarto do meu primo.”

Recorda vagamente a conversa de fls. 25, com a qual foi confrontado.

KK, afirma saber quem é o arguido, por ser um … e também um … do …, com quem convivia presencialmente e que conhece desde 2017 / 2016, do futebol e das férias desportivas.

Segundo crê começou a falar com o arguido nas redes sociais no Verão de 2018, sobre futebol e o que iam fazer nas férias desportivas. No entanto, o tema das conversas alterou, pois quando o ofendido precisava de ajuda nalguma coisa e pedia ao arguido, este começava a dizer que queria alguma coisa em troca, de coisas, pedia-me vídeos e fotos das partes íntimas.

Afirmando ter enviado dois vídeos em que estava a mexer com o respectivo pénis, em dias distintos, quando estava em casa, no quarto. Recorda que um foi em 2020, no verão e que o outro terá sido depois, também no Verão. Concretizando que o arguido sabia a sua idade, por se conhecerem do …, e porque lhe dizia quando fazia anos e quantos anos fazia. Confrontado com os prints / fotos do vídeo de fls. 275 reconhece os lençóis, a cor e “o meu ursinho”. Confirmando que fez dois vídeos sempre com os mesmos lençóis, além de confirmar a data constante de um dos prints.

Concretiza que pedia ajuda nos jogos, pois os amigos conseguiam e o ofendido não os conseguia fazer e, nessa sequência, o arguido pedia alguma coisa em troca. Além de lhe falar sobre arregaçar o pénis, lhe ter enviado dois vídeos, que o ofendido visualizou e que reproduziam o arguido a mexer no seu próprio pénis.

Afirma que falava muitas vezes com o arguido, que o bloqueava muitas vezes e que da última vez nunca mais desbloqueou, pois os pais descobriram e disseram para bloquear.

Confirma conversas e fotografias de fls. 50, 52, 60, 62, 63, 64 (sendo que a conversa de arregaçar – argaçar como está escrito no original – nem sabia o que era pois tinha oito anos, não sabia do que o arguido estava a falar ou a perguntar, mas agora já sabe. Confirma igualmente o teor das mensagens de fls. 65, esclarece que a fls. 72 “se eu ganhar faço a ti, se tu ganhares, fazes a mim.”, se referia aos jogos “se eu ganhasse ele fazia o que eu queria e se ele ganhasse eu fazia o que ele queria.”, de que são exemplo o texto de fls. 69 - o que é para fazer um ao outro, um jogo de palavras e escolhem coisas: não se recordando o que escolheu, mas afirmando não saber o que o arguido pretendia ou queria dizer.

Confirma que enviou ao arguido uma foto de uma mulher sem roupa, mas que a mesma lhe tinha sido enviada primeiro por este.

HH, refere conhecer o arguido por ter jogado futebol no …e este, por ser …, apitava os seus jogos.

Alude ao facto de falarem nas redes sociais: WhatsApp e Instagram, maioritariamente sobre futebol, desde 2018/2019 e que em 2020 o arguido terá começado a perguntar ao ofendido se este já tinha namoradas, se se masturbava, sobre “comer outra pessoa”. Não perguntava sobre actos sexuais, ou se o ofendido fodia ou sobre sexo anal / oral. Confirma que o arguido lhe proferiu a expressão “queres ma chupar?”, que entendeu como sendo a gozar, o mesmo quanto às expressões “queres que te enfie no cu?”, ir-te ao cuzinho, enrabar. Questionado refere que considerava que era a gozar pis não pensava noutras coisas, nem se sentia incomodado, não deixando de referir que “chateava muito”.

Confirma que o arguido lhe chamou gay e que às vezes chamava de volta, que lhe pediu foto do braço, uma vez que o partira, não se recordando se, nessa altura, falou sobre masturbação.

Considera que o arguido sabia a sua idade, pois jogam por escalões.

Não lhe pediu ou enviou vídeos e fotos pornográficas, nem o considerava um amigo, “amigo é o que está comigo na escola, não falava com ele todos os dias.”

Confirma que a fls. 105 do apenso I se encontra foto de perfil do arguido e que não tem dúvidas que era ele quem falava.

Confirma as mensagens de fls. 112, sublinhadas a lápis, afirmando que também diz tais coisas aos seus amigos. Esclarece que a menção ao músculo do meio se refere ao pénis e as mensagens “leite há bruta” (sic), “Punhetas para cima”, as de fls. 116 “pus a picha”, as de fls. 118 “punhetas no aeroporto”, referindo que deve ter ido de férias e o arguido deve ter dito uma piada. Interpreta a expressão“fodias”, “então e não se foda?” como relações sexuais.

No tocante às frases de fls. 125 / 126 - 09.08 “ queres-ma chupar, cala-te e chupa-ma” entendia que eram a brincar, que tem este tipo de conversa com outras pessoas na vida real (mas não na vida virtual). O mesmo quanto á expressão de dia 10.08 “enfie no cu”. Confirma que a fls. 127 / 128 tal se refere a masturbação e a conversa de fls. 139 / 141 – já bateste outra vez. cala-te e papa com ele. chupa e bebe o leite. Não se recorda do teor da conversa de fls. 135 – 07.09.2021.

Alude ao facto de o arguido falar sobre masturbação antes dos jogos falou, dizia que dava sorte. Que não pedia ao ofendido para o fazer, o arguido dizia que fazia que era bom.

Confirma a mensagem de fls. 146 – batesses uma antes e uma depois e fazia jogo na boa.

Refere que nunca teve conversas presenciais porque nunca esteve com o arguido.

Que o arguido falou sobre ter medo que alguns pais fossem à Guarda Nacional Republicana e se o ofendido soubesses de algo que lhe dissesse.

Questionado sobre se “alimentava” a conversa de fls. 160 / 162 – vai-te para o crl – se for o teu: Respondeu que não alimentava, respondia.

LL, revela conhecer o arguido há 4 anos porque este costumava arbitrar os jogos do ofendido e lhe mandou mensagens a dizer que podia ir ao … se lhe mandasse dados, o que o mesmo enviou: morada, nome completo, nome dos pais.

No Instagram falavam de futebol, mas o arguido questionava se o ofendido já fazia coisas com o pénis. A primeira vez que perguntou disse que não e na segunda, noutro momento, disse que sim, para que o arguido não o chateasse e quando o arguido chateava muito bloqueava-o nas redes sociais.

Recorda ter ficado incomodado quando o arguido pedia para que se masturbasse.

No tocante a fls. 250 e seguintes refere que as conversas ali referidas ocorreram por whatsapp. Confirma o teor de – fls. 252 / 253, de 03.08. Quanto à expressão chupamos? não sabe o que queria dizer, mas pensa que não era para aplicar.

Confirma mensagem em que que o arguido lhe falou em apontar aos … do …, que a oportunidade seria sexta – feira se o ofendido lhe mandasse sms todos os dias para falarem e pede para desbloquear para mostrar lista que ia mandar para o ….

O ofendido refere que tinha medo do arguido, que este o violasse, mas que nunca lhe pediu que se masturbasse ou enviasse vídeos, apesar de ter visto uma foto em que o arguido estava com a mão no pénis, a segurá-lo, e trajava uma blusa vermelha e umas calças azuis, não se recordando se este tinha as calças pelo joelho ou só zona do fecho aberta. Concretizando que reconheceu arguido porque viu escrito em cima “AA”.

Ouvido em audiência de discussão e julgamento, FF conhece o arguido por ser amigo do seu primo e por ser … de futebol, que o ofendido pratica, além do futsal. Refere que facultou o seu número de telemóvel ao arguido quando se encontravam a jogar futebol no … (onde residem os seus avós e onde por vezes vai jogar), há cerca de dois anos – pois já se encontrava na escola ….

Alude ao facto de terem trocado mensagens, normais e algum tempo depois o arguido ter-lhe-á referido que era … do … e que se fosse para ir ao … tinha que ser amigo dele e estar com ele (ir jogar futebol perto do campo só o ofendido e o arguido). Que o arguido, por WhattsApp, lhe pediu um abracinho e uma foto, tendo achado o pedido de foto normal, mas o abracinho deixou o ofendido “de pé atrás”, por ser um rapaz mais velho, por isso recusou. Confirma que chegou a encontrar-se com o arguido, mas não foi só, apesar de não ter tido medo de ir ao encontro do mesmo.

Não se recorda se o arguido o convidou para almoçar ou lanchar, mas julga que não. Não sabe ao certo, mas julga que esteve mais algumas vezes com o arguido no …, poucas vezes, mas por acaso. Alude ao facto de não ser costume o arguido assistir aos treinos no …, mas às vezes ia.

QQ, pai de CC e que refere não conhecer o arguido pessoalmente, tendo conhecimento da existência deste após ter visto mensagens trocadas entre o mesmo e o filho CC, à data com 11 anos. Mensagens que o assustaram pois, segundo recorda, nelas o arguido dizia que CC era giro, queria áudios e pics (fotografias), caso contrário não levava o menor ao …, revela não ter aprofundado saber se o filho terá enviado quaisquer ficheiros.

Deu conta ao Tribunal de que, antes de descobrir as mensagens do arguido para o seu filho, este lhe teria perguntado o que era masturbação, ao que teria respondido que o mesmo era muito novo e que apesar de o mesmo ser muito brincalhão, na época em que trocava mensagens com o arguido se isolava, apresentava-se muito fechado / refugiado no quarto, tendo pensado que aquilo era só uma fase. Revela ainda que o filho lhe terá dito que não falou com a testemunha sobre o assunto, pois teve receio da reacção desta em relação ao arguido, mas que depois da conversa sente o filho aliviado, mais solto, mais normal, porque desabafou, encontrando-o bem e tendo resolvido as coisas em família que fez o papel de psicólogo.

Confrontado com fls. 138 confirma que é uma foto do filho, que parece visualizar as grades da escola, da qual aquele não tinha autorização para sair (esclarecendo que a escola tem porteiro). Reitera por múltiplas vezes que se apercebeu, viu muitas mensagens apagadas.

Mais refere que apresentou queixa, que confirma, dois ou três dias após tomar conhecimento da existência das mensagens e que a sua intenção era ir resolver a questão ao …, onde lhe disseram que vivia o arguido, até porque depois começou a falar com outros pais e com dirigentes do Clube …, onde o filho jogava, sendo informado de que o arguido tinha sido visto a rondar escolas, o que determinou que entre a testemunha e outros pais tivessem começado a “controlar” as escolas, a passar ronda, a ver se estava tudo bem.

RR, mãe do menor BB, afirma conhecer o arguido pois o filho joga futebol e este é … de futebol. Refere que na semana das férias escolares, em Abril de 2021, uma quarta-feira em que se encontrava de folga e o filho estava a jogar online com um amigo, o terá ouvido dizer a este: “ele está sempre a perguntar o tamanho do pénis”. Uma vez que à data o menor tinha 12 anos, abriu a porta e foi saber quem é que fazia essa pergunta, ao que o menor respondeu que era o … AA, , que apitara o jogo na semana anterior, mas que não o fazia só ao filho da testemunha.

Nessa sequência, tendo aguardado que o marido chegasse a casa, viram as mensagens trocadas, por WhattsApp e Instagram, na sequência do que o filho se apresentou muito envergonhado justificando que havia coisas que tinha inventado. Revela ter levado algum tempo a ler todas as mensagens, que eram muitas e cujo conteúdo a deixou nauseada, enojada. Refere que quando o menor não respondia no WhattsApp o arguido lhe mandava mensagem normal a pedir que aquele lhe respondesse. No dia seguinte falou com outros pais de colegas do filho, dando conta do sucedido, alertando se sabiam, se se tinham apercebido e aí p, nessa conversa, se apercebeu de que havia mais mensagens com outros meninos, alguns em que o conteúdo não era tão explícito como o era com o BB, mas entende que era nítida a abordagem sexual, revelada em “quer fazer, quer ver”, já que quanto a outros meninos eram beijinhos e abraços, talvez por serem mais novos.

Afirma que leu mensagens em que o arguido se apresentava como … do … e que essa circunstância fez com que, segundo relata, o treinador do filho, com quem falou, lhe dissesse que não estranhava a presença com demasiada frequência do arguido no campo, durante os treinos, tendo igualmente associado tal facto aos pedidos de contactos dos atletas.

Afirma que passados alguns dias após a queixa junto da Polícia Judiciária, o arguido terá enviado ao menor se falou com alguém ou mostrou mensagens, concluindo “espero bem que não, senão ganhas aqui um inimigo e vais-te arrepender.”

No que toca a mudanças de comportamento do menor BB, revela que este sempre foi a pé de e para a escola, mas que começou a pedir à testemunha para o ir buscar sobretudo à hora de almoço. Após ter apresentado queixa e questionar o menor sobre se esta mudança tinha algo que ver com o arguido, aquele ter-lhe-á dito que o arguido também fazia esse percurso e que se cruzavam, o que deixou de ocorrer quando o arguido foi detido. Confirma ter visto fotos da sua casa nas mensagens enviadas pelo arguido. Questionada pela defesa do arguido, considera que era perceptível que o arguido estava a querer ter algum contacto com o menor, já que afirmava que queria ajudar o BB a evoluir sexualmente.

SS, pai de FF, revela conhecer o arguido do …, de onde também é natural, além de saber que este é … de futebol. A testemunha é director do clube …, em …, onde via o arguido, que frequentava as instalações do clube fora do contexto de jogo, durante os treinos, pelas 18h30 /19h00, no futsal e ao café. Revela que este andava sempre só e não é comum as pessoas “de fora” irem aos treinos – que têm lugar todos os dias úteis entre as 18h00 e as 21h00.

Refere que o arguido nunca se apresentou perante si como … do … mas que nas mensagens que enviou aa FF, que a testemunha leu, mencionava tal facto. Não obstante, revela que o treinador UU terá facultado alguns dados de jogadores em específico ao arguido, por este lhe ter pedido.

Alude ao facto de fazer controlo parental ao telemóvel e de já ter visto mensagens do arguido para o seu filho, como por exemplo “já não és meu amigo”, “ignoras-me”, que apesar de as ter achado estranhas, não lhes deu importância. Afirma que a dada altura o arguido lhe terá pedido para ir almoçar com o FF, o que a testemunha negou e ficou “alerta” com a situação. Refere que as mensagens recebidas pelo filho, por parte do arguido, o foram do mesmo número de telemóvel que a testemunha conhecia a este e que era possível ver a foto do arguido. Confirma ter visto as mensagens de fls. 79 a 81 e que após ter falado com o menor, seu filho, este terá dito que se sentia incomodado e que quando terá ido a casa da avó, no …, na mesma rua onde reside o arguido, este quis ficar só com o mesmo.

TT é mãe do menor DD e refere conhecer o arguido por ser … de futebol.

No que respeita à situação dos autos, refere que nas férias da Páscoa de 2021 foi contactada pela mãe de um dos colegas do filho a alertar para ver se o filho tinha mensagens do arguido. Refere que visualizou as mensagens enviadas. Refere que o filho costumava ir a pé para a escola, que chegou a ver o arguido duas vezes em frente ao …, tendo-o visto igualmente a assistir a alguns treinos, o que estranhou por este residir no …, se deslocar de autocarro e o ter visto por volta das 19h30 / 19h45. Afirma que o filho ficou apreensivo, até porque na escola falaram deste tema e que pediu para ir ao psicólogo.

UU, treinador da formação do … desde o ano de 2017, conhecendo o arguido por ser … de futebol, com quem tem boa relação treinador / árbitro.

Esclarece que acompanha a mesma equipa desde que eram do escalão “traquinas”, nascidos, então, em 2009, e que agora são já do escalão de iniciados. Questionado, refere que julgava que o arguido era … do … por este lhe ter dito e pedido elementos dos atletas, refere que facultou nome, posição, idade e mais tarde a altura, o peso e o contacto dos encarregados de educação – o que fez com autorização da coordenação (PP) e dos pais.

VV, referiu ser o coordenador distrital em … do recrutamento do …, conhece o arguido da arbitragem e que este o terá contactado para dar informações sobre jogadores (que recebem todas as informações e depois vão validá-las – a testemunha e outros dois colegas). Explica que têm observadores, 2.ºs observadores e informadores (estes últimos podem ser qualquer pessoa e podem, até, enviar informações directamente para o Clube, apesar de sujeito depois à aludida validação. Desconhece o modo de remuneração das informações prestadas. Explicita que actualmente todos os clubes são informados da identidade dos observadores e que quando há interesse num jogador é enviada uma comunicação ao Clube na qual este joga e depois são contactados os encarregados de educação (cujo contacto em regra é facultado pelos clubes). Refere que os dados referentes à data de nascimento e nomes são de acesso público na federação portuguesa de futebol e que nunca contactam directamente com atletas menores de idade – proibição que resulta de um regulamento interno.

XX, mãe do menor HH, declarou não conhecer o arguido e que o seu conhecimento do que se discute nos autos, adveio, num primeiro momento de um contacto estabelecido pela Polícia Judiciária, dando conta de que o filho seria vítima num processo que envolve um ….

Alude ao facto de o filho ter desvalorizado a questão da troca de mensagens, não quis falar sobre o assunto e que a própria e o marido não perceberam bem a dimensão das coisas, o que só ocorreu quando leram a acusação. Reitera que não aprofundou a questão junto do filho, que este achou pior a sua ida ao DIAP para prestar declarações do que as mensagens e respectivo teor (o que considera normal, por ser mais difícil responder a um adulto do que a um ecrã, mas igualmente por se sentir constrangido com as perguntas feitas e desacompanhado dos progenitores). Refere que o filho sempre quis que o assunto acabasse. Que o filho continua a jogar futebol no ….

BBB, pai do menor HH, refere que recebeu um contacto da Polícia Judiciária a alertar para uma situação que associou a um caso de pedofilia no ….

Refere que o filho é uma criança muito reservada em todos os aspectos, bom aluno, bom miúdo, mas a quem é difícil extrair informação, mesmo sobre a escola e que desvaloriza os factos em discussão nos autos. Alude ao facto de ter tomado conhecimento do teor das mensagens quando foi notificado da acusação e que considerou as mensagens, toda a linguagem, bastante ofensiva, baixa, rude, brejeira, que em casa não tem este tipo de linguagem, mas que sabe que na escola e no futebol, sim, mesmo entre adultos. Refere nunca se ter apercebido de nada, que não conhece o arguido, pois não aprecia ambiente dos campos de futebol que é hostil e com bares à porta.

Alude ao facto de o filho ter visto a acusação, não negar o seu teor, mas não aprofundar, nem falar sobre o tema, recusou receber apoio psicológico proposto pelos pais, pensa que por vergonha social, por não querer mais falar sobre o tema com adultos sobre um assunto da sua intimidade e que queria pôr pedra no assunto. Negou receber apoios psicológico e leu todas as mensagens, não esperando que o filho não se tivesse resguardado.

CCC declarou conhecer o arguido por ser maestro da banda onde este foi músico (entre 2017 e 2020) e revelou que o mesmo era um aluno que cumpria com as suas obrigações, que sempre se voluntariou mais do que os outros alunos, sempre assíduo nos ensaios, revelando dificuldades na aprendizagem porque imaturo e mais infantil.

Não obstante, refere que o arguido participava de várias actividades, na música, nos bombeiros, no futebol. Que era excelente com os colegas e que todos, direcção e funcionários, adoravam o arguido. Razão pela qual todos estranharam o presente processo, já que nunca viram nada de estranho, até porque a banda do … tem cerca de 70 membros, com a média de idades nos dezasseis anos. Declarou que quando o arguido resolver esta situação vai ser amigo do mesmo pois não tem nenhum preconceito com esta situação.

JJJ conhece o arguido por ser 2.º Comandante dos bombeiros do …, considerando aquele enquanto pessoa e … como prestável e leal, revelando alguma infantilidade. Questionado, refere que as funções do arguido como … eram as de …

DDD referiu conhecer o arguido por ser filho do treinador do …, que fazia parte da sua equipa técnica pelo que o arguido os acompanhava. Considera que o arguido é uma pessoa correcta, amiga do seu amigo, sempre prestável e pronta a ajudar, mas que era um menino, fazia tudo como os mais novos.

EEE que é árbitro da associação de futebol de … desde 2020 e daí conhecer o arguido, que considera bom colega, sempre bem disposto, que nunca desconfiou de nada, tendo inclusivamente levado o arguido a almoçar em sua casa. A testemunha refere não contactar com atletas, tomar banho no balneário destinado aos árbitros e que o arguido revela uma maturidade adequada, acrescentando “ele tem 19 / 20 anos, nós temos 30, mas adequadíssima à idade dele, com as devidas distâncias”.

MM, médico psiquiatra, referiu conhecer o arguido no contexto de uma consulta médica / entrevista clínica, ocorrida já após a detenção do arguido, afirmando, a este propósito, que, do ponto de vista da sexologia, os elementos apurados revelam que o arguido manifesta interesse pelo sexo feminino, nunca teve actividade sexual com mulheres e com o comportamento sexual do mesmo se resume a masturbação, visualização de vídeos online, tendo negado interesse por menores, apontando dificuldades de relacionamento e uma percepção errada de sexualidade / sexologia em consequência dos vídeos que visualiza. Revela que o arguido dividia quarto com a irmã e que nunca foram apurados comportamentos por esta, que se revela prestável para os outros, gosta de raparigas, mas não é capaz de iniciar conversa, namoro ou revelar iniciativa sexual. Numa perspectiva clínica o arguido revela falta de educação na área da sexologia, correndo o risco de abusar e de ser abusado. Que as dificuldades em perceber a sexualidade decorrem do facto de aquilo que sabe sobre o tema ser através da pornografia. A testemunha refere ter lido a acusação, nada podendo afirmar quanto à intencionalidade do arguido, pois refere que não se podem negar pensamentos sexuais de crianças e adolescentes, já que todos pensam, mas que nestas fases as experiências existem e não são todas abusivas. Não obstante, refere que não lhe parece que o arguido tenha mais ou menos intencionalidade que os outros, tal como grupos de amigos na conversa. Entende que o arguido não pareceu estar a ocultar questões, em contexto de consulta, compreendia a medida de coacção aplicada, revelava capacidade de moldagem, aprendizagem, mas com necessidade de orientação adequada. Considera que as conversas que leu revelam um ambiente masculino, com palavrões, comentários homofóbicos. Quando questionado quanto às idades dos ofendidos (8 / 9 / 14 anos) refere não se ter apercebido dessas idades tão precoces, mas que o acesso à internet é cada vez mais precoce, e mesmo com supervisão, as partilhas de amigos ocorrem e as conversas podem acontecer cada vez mais precocemente.

Aponta para um diagnóstico ao arguido – perturbação do desenvolvimento intelectual, ou insuficiência intelectual que equipara ao conhecido por atraso mental. Referindo que a idade intelectual do arguido é inferior, logo será aproximada das idades das pessoas com quem trocava mensagens (que identifica nos 12 / 13 anos).

Considera que os testes psicométricos (testes psicológicos de perturbação do desenvolvimento intelectual e que são uma forma de avaliação da inteligência) no caso do arguido irão estar abaixo do esperado na idade deste. Não pode afirmar que não existe ou existe risco de incorrer em novas práticas, já que o arguido tem família, está inserido na comunidade, mas agora tem a consciência de que a sua accão é negativa, tendo potencial para se modelar, ajustar.

Na sua óptica, o arguido não tem delírios, nem persecuções, não há psicose; não há psicopatologia (sinais e sintomas de doença mental, não tem perturbação depressiva ou bipolar), não há comportamento parafílico desviante (refere que havendo troca de mensagens com menores de idade, não tem interesses específicos por essas crianças). Não tem qualquer patologia ao nível da psiquiatria.

Considera que à data dos factos o arguido achou que estava a falar sobre sexo e a compartilhar experiências com outros miúdos e que, com 15 / 16 / 17 anos, não tinha o desenvolvimento intelectual adequado à idade. Mas alude ao facto de com um diagnóstico pleno de intervenção com educação sexual, dirigido para o consentimento entre pessoas adultos poder haver alteração da idade mental do arguido, que percebe porque aconteceu a medida de coacção e porque não deve voltar a acontecer, revelando factores positivos como a boa capacidade social, bem visto pela comunidade, valorizando muito que os outros o valorizem, necessitando de ser empoderado na sua sexualidade com mulheres adultas.

A testemunha não realizou testes específicos ao arguido, antes efectuou uma entrevista clínica, na qual também estiveram presentes os progenitores do arguido, elencou a história sexual daquele, os aspectos relacionado com a masturbação e com a pornografia – descrição que o arguido faz do acto sexual corresponde à descrição de filmes pornográficos e é de criança.

No que respeita às mensagens que leu na acusação interpreta as perguntas sobre se um menor estaria em casa sozinho pelo facto de, mesmo débil, ter a noção de que o sexo não é falado e para o menor não ser apanhado.

AAA, treinador de futebol do …, refere conhecer HH por ter sido seu atleta no ano anterior e conhecer o arguido por ser … de futebol, nunca se tendo apresentado perante si como …; como também nunca falou com HH ou com o progenitor deste sobre a temática deste processo, do qual tem conhecimento porque alguns pais foram ao Clube e à Associação falar sobre a troca de mensagens entre menores e/ atletas e o arguido. Afirma que, no seu caso, troca mensagens com os pais, com quem tem um grupo para tal efeito.

ZZ, psicóloga numa clínica em … referiu não conhecer qualquer dos ofendidos ou o arguido e o seu depoimento acabou por não ter relevância, na medida em que lhe foram formuladas perguntas genéricas sobre a sua área de especialidade, sem qualquer conexão com a especificidade dos factos em discussão nos presentes autos.

Após a inquirição do médico psiquiatra, conforme avançado pelo arguido, este pretendeu prestar declarações, referindo num primeiro momento que “quando fez isto das mensagens não estava em si, nunca pensou”. Confirma os dados referentes aos respectivos, número de telefone, email e perfil nas redes sociais. Revela que nas conversas do Instagram “com as alegadas vítimas” por vezes estes facultavam vídeos, outras vezes pediam ao arguido que enviasse, o que este fazia.

Confirma ter enviado mensagens a BB, as constantes da acusação, pois o menor falava dessas coisas e “não sabe onde é que estava com a cabeça”, referindo que as conversas sobre bater e ajudar a aumentar o leite ia buscar à internet; nega ter enviado vídeos àquele com indivíduos do sexo masculino a manterem relações sexuais entre si, até porque não viu desse tipo de vídeo; pensa que não questionou o menor sobre se já tinha mantido actos semelhantes aos do vídeo; confirma ter enviado fotografia da casa de BB a este porque passou ali e confirmou se era aquela. Segunda pensa o menor não se sentia incomodado com as suas conversas, pois falava normalmente.

Quanto a CC confirma as mensagens constantes da acusação, refere que este lhe pediu uma camisola de … fotografia com uma criança do sexo masculino em cuecas, a não ser que tenha sido alguma imagem de grupos e possa ter enviado por engano. Admite que pode ter dito ao menor que se não lhe enviasse fotos e não lhe respondesse este não era chamado ao …, pois o mesmo já estava referenciado.

Revelou as idades dos jogadores nos diversos escalões de futebol. Refere que era … do …, o que sempre afirmou perante terceiros, tendo falado com os responsáveis KKK e OO que o inseriram o grupo de recrutamento, referindo que mandava registos dos jogos, pedia a treinadores nome, data de nascimento, contactos dos pais, que apontava num ficheiro excel.

Refere que auferia cerca de € 400.00 / mês na arbitragem, acrescido dos valores que recebia do … e como …. Alude ao facto de ter treinos de …, em …, às terças e quintas – feiras às 20h00.

Confirma as mensagens que enviou a DD e que as alusões a estarem chateados se prendiam com se terem chateado num jogo.

Refere que FF lhe dava abracinhos mesmo sem o arguido lhe pedir.

Nega ter enviado vídeos ou fotos a EE ou quaisquer mensagens escritas como as relatadas na acusação e que os pedidos para se encontrarem no … ou no … era de ambos, e que o menor falava da namorada e de futebol. Nunca lhe tendo dito que se sentia desconfortável.

Nega ter enviado fotografias a GG ou ter-lhe solicitado que este as enviasse.

No que respeita às trocas de mensagens com HH considera que as mesmas eram brincadeiras, que já se conheciam há algum tempo e que falavam naqueles termos um para o outro.

Quanto a II, confirma as mensagens transcritas na acusação, mas pensa que não lhe perguntou se aquele estava a manipular o pénis. Negando, igualmente as mensagens para JJ e que terá visto um vídeo enviado por uma namorada deste de um rapaz a masturbar-se, que apagou, justificando tal envio com a vontade da aludida namorada em afastar o arguido de JJ.

Já no que toca a KK pensa que terá sido o menor a enviar-lhe uma foto de uma mulher despida e que se enviou foi porque este pediu, nega ter-lhe enviado vídeos onde manipulava (o próprio arguido) o pénis.

O arguido revela que algumas mensagens foram enviadas por si a LL, mas outras não, as da primeira semana de agosto de 2021, não sabendo explicar como tal aconteceu, mas que já aconteceu mexerem nas contas de umas primas suas e só soube disto quando recebeu a acusação.

O arguido afirma que não tinha estas conversas em público, pois pessoalmente não gosta de falar, nem teria tais conversas com os pais presentes ou perante adultos e que se soubesse que os pais dos menores estivessem ao lado destes, provavelmente não enviaria as mensagens, pois são mais velhos e, como tal, não iam perceber as brincadeiras dos mais novos. Afirma que as brincadeiras acabam quando um não quer e que não parou com as brincadeiras com os menores porque estes continuavam a falar. Confirma que conhecia os ofendidos do futebol e que a maior parte eram iniciados (14/15 anos), sendo o escalão abaixo dos infantis (12/13 anos). Afirma ter começado a apitar jogos com 14 anos e apesar de apitar jogos de escalões mais velhos não tinha estas conversas com os jogadores destes escalões, pois “não tinha ligação com eles”, mas que sempre se deu com pessoal mais novo, na escola não tinha relação de confiança com os colegas, pois cada um era de um sítio diferente. Afirma ser heterossexual e ter começado a namorar uma rapariga por volta dos 14 anos, mas que nunca teve relações sexuais. Admite que se masturbava e que via vídeos pornográficos entre adultos heterossexuais.

Considera que os ofendidos nunca o bloquearam nas redes socias, admitindo que tal pudesse ter ocorrido por uma hora.

Afirma que nos … faz escalas de 12 horas, que era … e fazia transferências intra-hospitalares. Também fazia voluntariado na colónia de férias da Câmara Municipal, na parte do desporto ajudava no museu, além de colaborar nas férias desportivas, entre os seus 14 e 18 anos, um mês a dois meses no Verão, e duas semanas na Páscoa e no Natal.

Admite que tinha um disco externo que foi apreendido e que quanto aos ficheiros …1 e …2 não sabe quem são as pessoas nele retratadas, que alguém o enviou para o seu telemóvel anterior e como o arguido mudou de telemóvel guardou ficheiros no disco externo, nunca tendo visto esse ficheiro que terá sido enviado nalgum grupo e foi logo guardado na galeria.

Confrontado com a fotografia de fls. 286 refere que soube que a mesma andou a circular, mas que não é o próprio na foto, mas pensa que será uma fotografia nos bombeiros, confirmando que existem cortinas da mesma cor que as retratadas naquela nas camaratas e noutros locais.

Em suma, o arguido confirma o envio da grande maioria das mensagens, no entanto, procura oferecer um contexto às mesmas, assente, por um lado, na inexperiência e desconhecimento do próprio arguido, que, com as mesmas, quereria saber mais sobre sexualidade e, por outro, na circunstância de os próprios menores fazerem perguntas sobre tal temática, solicitarem vídeos e fotografias pornográficas. Aliás, quando confrontado com o teor das mensagens, remete, em regra, para um contexto, afirmando que respondia a algo, ou que o menor lhe teria perguntado algo sobre essa temática.

Nega pedir fotografias ou vídeos dos próprios menores, nus ou a masturbarem-se ou ter enviado ficheiros em que se encontrasse nu e / ou a masturbar-se, aos menores. Nega igualmente obter qualquer satisfação sexual com as conversas mantidas com os menores, asseverando que só pretendia saber do funcionamento das questões relacionadas com sexo e queria saber o que era normal.

Não justifica, no entanto, porque o fazia junto de menores de idade, pessoas que saberiam menor do que o próprio. Reiterando uma e outra vez não ser homossexual, nem ter interesse sexual em crianças e jovens do sexo masculino.

Estes os depoimentos e declarações prestados, cumprindo consignar que o Tribunal ficou efectivamente convencido de que as mensagens, vídeos e fotos em discussão nos autos foram remetidos através do número de telemóvel utilizado pelo arguido, designadamente através do WhatsApp ou do perfil deste no Instagram e Facebook – na verdade, as regras da experiência comum dizem-nos que um número de telemóvel e um perfil de uma rede social estão associados a determinada pessoa, que os utilizará, em regra após colocação de um código de acesso, ou no próprio telemóvel ou na aplicação / rede social, a que não é alheia a circunstância de o próprio arguido admitir o envio da maior parte das mensagens transcritas nos autos (com excepção de algumas enviadas a LL), negar a maior parte das mensagens cuja menção resulta das declarações dos arguidos e em que não há suporte físico das mesmas, não avançando com qualquer explicação plausível, credível para que algumas mensagens tenham sido remetidas do seu telemóvel, mas não por si.

Além do que, o Tribunal considerou que as mensagens não transcritas nos autos, mas referenciadas pelos menores nas suas declarações, designadamente quanto ao pedido de envio de vídeos e de fotos, incluindo despidos ou a masturbar-se, ou quanto à recepção por parte destes de vídeos do arguido, consigo em actos sexuais solitários, ou com terceiros a manterem relações sexuais, se mostram plenamente provadas, conforme se verá infra.

Resultando de todo o teor das declarações destes menores a certeza de que o interlocutor nas conversas, todas, era o arguido e não qualquer outra pessoa, seja porque a conversa coincidia com outras conversas que mantiveram anteriormente, ou com locais onde se encontraram (arguido e ofendidos), seja porque o arguido nunca comunicou qualquer questão relacionada com o uso abusivo, por terceiros, das suas redes sociais ou telemóvel, que, de todo o modo não explica e sempre se teria apercebido (não esqueçamos que ao ritmo que o arguido enviava mensagens – as constantes dos autos, que haverá outras – raramente se separava do respectivo telefone).

A versão do arguido não merece aceitação, ainda que reduzida a uma parte dos factos que não admite, importando ter em mente que ao refutar mensagens transcritas com base em tal argumento, visará lançar a dúvida (que o Tribunal não tem) quanto às mensagens que assentam em prova testemunhal.

Como não merece aceitação as demais explicações por si avançadas quanto ao desconhecimento que possuía das questões sexuais, do seu interesse em saber mais, nem se afigura como poderia contribuir para afastar a sua suposta ignorância neste campo, saber o tamanho dos pénis dos menores, a comparação entre os pénis destes com quem demonstradamente trocou mensagens e outros colegas de equipa destes.

Aliás, do confronto entre aquilo que foi dito pelo arguido e aquilo que resulta transcrito nos autos, o tal contexto a que o arguido sempre aludiu nas suas declarações, manifestamente este contexto é desfavorável e incongruente com a versão avançada por aquele. De facto, o que se extrai das conversas que o arguido manteve com BB, CC, EE, GG, II, JJ, KK e LL, revela uma persistência em manter conversas de cariz sexual, algumas delas claramente contra a vontade dos menores, veja-se o caso de BB e de CC que declaradamente pedem que o arguido pare com as ditas conversas, mas este, a pretexto de os querer ajudar, vitimizando-se, quando afirma que só quer ajudar e o tratam deste modo (pedindo que pare, ou sem responder ou até mesmo em grande número, bloqueando o arguido nas redes) prossegue com conversas sobre masturbação, insiste que os ajuda (quando estes não pediram ajuda alguma, em momento algum).

Insiste também em dizer-lhes que meçam os seus pénis, pede informações sobre os pénis dos colegas de equipa, elaborando se são maiores ou mais pequenos, “provocando”, a dado passo, os menores, como quando afirma que não sabe se o pénis destes é maior ou menor que o dos outros, ou quando diz a BB que como este é mais pequeno que os outros, também poderia ter um pénis mais pequeno. Diálogos que enceta sempre com o intuito, notório, de obter informação, fotografias, vídeos. E se nalguns casos não os pede directamente, como nestes acabados de mencionar, em que vai envolvendo os menores numa teia de comentários, de conversas, de provocação de alguma competição com os demais colegas, de modo a que estes lhe enviem fotos ou vídeos (comprovativos do tamanho do pénis). Noutros casos solicita directamente o envio de vídeos e envia, ele próprio, vídeos e fotos suas, como é o caso de KK ou de JJ.

E a circunstância de algumas mensagens não se mostrarem transcritas nos autos não obsta às conclusões a que se alude, ou às que se fará alusão de seguida, na medida que os menores prestaram depoimentos sérios, credíveis, sem qualquer animosidade em relação ao arguido, sem tentarem corresponder ao que lhes era perguntado de modo a prejudicar o arguido. Na realidade, tratam-se de inquirições difíceis, de exposição da intimidade dos jovens (abalada já pela vergonha das conversas e comportamentos que suportaram ao arguido), perante adultos e num contexto judicial, obviamente de tensão e algum nervosismo. Ora, mas não obstante tais circunstâncias e sem se olvidar que muitas vezes as perguntas efectuadas aos menores acabam por ser mais fechadas, circunscritas; certo é que, a espaços, todos complementaram e espontaneamente acrescentaram substância aos seus depoimentos.

Na verdade, individualmente, cada um dos ofendidos confirmou as expressões que lhe foram dirigidas pelo arguido e, bem assim, os comportamentos deste, o que fizeram com desprendimento e com contexto, pelo que mereceram a credibilidade do Tribunal.

Vejamos que, no que toca aos menores cujas mensagens se acham transcritas nos autos, factos 3. a 9. referentes a BB, factos 10. a 17. referentes a CC, 18. a 24. respeitantes aDD, 31. relativas a FF, 34. a 67. respeitantes a HH, 68. a 71. relativas a II, 78. a 81. referentes a KK e 82. a 88. respeitantes a LL, cumpre consignar que a prova desses factos se dá, precisamente pela transcrição / perícia constante dos autos e, bem assim pelas declarações dos próprios ofendidos (não se ignorando que o arguido confirma as mensagens, com excepção de algumas dirigidas a LL, oferece é um contexto distinto para a sua interpretação). Já que aqueles declarações, dos menores, foram prestadas do aludido modo credível, seja porque conjugadas com as conversas efectuadas através dos meios / redes sociais ali indicadas e que constam de fls. 60 a 71, 93 a 95, 96-136, 493 a 495, 499 a 500 destes autos de fls. 7 a 13 verso, 79 a 81, 87 a 110 verso, do apenso (inquérito que se iniciou com o n.º 23/22.9JAEVR), com as quais os menores só foram confrontados (respectivamente com as mensagens que lhes diziam respeito) depois de exporem o teor das mesmas, seja porque não procuraram acompanhar acriticamente as perguntas que lhe eram efectuadas.

Ora, a credibilidade que estes depoimentos mereceram, transpõe-se para os factos 25. a 30. respeitantes a EE, 32. e 33. referentes a GG e 72. a 77. relativos de JJ, ofendidos que apesar de já não possuírem o registo das mensagens recebidas e enviadas, as revelaram ao Tribunal em moldes fidedignos e, sempre se consignará, relatando um modo de actuar do arguido, consentâneo com o modo plasmado nas mensagens cujo suporte físico se encontra nos autos. Não tendo o Tribunal qualquer dúvida de que os menores relatavam, todos, a verdade. Contrariamente ao arguido que, naturalmente, se procurou proteger das consequências do seus actos.

Retornando ao modo de actuação do arguido sobre os menores, constata-se que este, não raras vezes, iniciava conversas com os menores às oito da manhã, sensivelmente, para as a terminar a horas tardias, à noite, sempre com exigências para que os menores lhe respondessem, não lhe dessem vistas, com as quais lidava muito mal, sendo transversal ao conteúdo das mensagens, as transcritas e as relatadas pelos menores, um constante clima velado de ameaça – ou porque era …, ou por que era … do … (e a forma relatada pela testemunha VV quanto à actuação dos observadores após ser referenciado um jogador de futebol, revelam que este, sem que isso se traduzisse num qualquer poder ou posição na estrutura daquele clube, poderia dar informações que levariam os ditos observadores a ir “validar” a qualidade do menor, sem que isso significasse qualquer certeza em irem fazer treinos ao …, mas, obtendo deste modo, uma aparência de importância – se comunicava informações aos observadores e estes apareciam a ver os jogadores, desconhecendo estes que se tratava de uma validação, ou seja, algo ainda muito embrionário em sede de recrutamento, naturalmente que estes acreditavam nesse poder do arguido em lhes abrir portas ao sonho de ser jogador de futebol, como relatado por alguns. Mas o comportamento do arguido, como já se referiu, também assentava num constante jogo de culpa e de vitimização, colocando-se sempre como um coitado que só queria ajudar os menores “a evoluírem” para serem homens e que era mal compreendido e mal interpretado quando estes, manifestamente incomodados, não lhe respondiam ou bloqueavam, vejamos a título de exemplo que KK, sempre que a conversa transcrita se encaminhava para o teor sexual, apesar de responder algumas vezes, acabava por bloquear o arguido nas redes sociais, demonstrativo, na óptica do Tribunal, da sua dificuldade em lidar com os sentimentos de pudor e de liberdade sexual, ainda em descobrimento, que aquelas conversas lhe provocavam.

Ora, e se neste contexto específico de cada um dos ofendidos, não é possível atribuir credibilidade à versão avançada pelo arguido, em detrimento da daqueles, a própria versão do arguido de que estaria a aprender, também a descobrir e que sempre se relacionou com pessoas mais novas, é incongruente com o seu próprio percurso de vida. Vejamos, se é certo que o Tribunal não sabe e não tem porque não acreditar que o arguido não tem qualquer experiência sexual com terceiros, também não deixa de ser verdade que resultou sobejamente demonstrado, das declarações do arguido, nesta parte credíveis, mas também das testemunhas por si arroladas e do teor do próprio relatório social, que o arguido é … desde os 14 anos, fazia parte da banda municipal do …, arbitrava e tinha colegas de arbitragem mais velhos, com quem fazia equipa, convivia, como relatado por SS, ainda que a espaços, com dirigentes do … de …, não se podendo retirar de toda esta vivência social, profissional e de lazer que o arguido se desse sempre e preferencialmente, como quis atestar, com indivíduos mais novos.

Antes pelo contrário, a fotografia que se retira ao ser social que é o arguido é a de que, é bem visto pelos seus pares e que esses pares são pessoas bem mais velhas, com quem convive amiúde.

Ora, tais apontamentos e conclusões, conjugados com as regras da experiência comum, só permitem o entendimento de que o arguido procurou, com aqueles factos objectivos, obter prazer sexual através das conversas que mantinha com os menores, os pedidos de envio de fotografias e de vídeos destes nus ou a masturbarem-se.

Obviamente que o Tribunal conclui que, ainda que oferecendo tratamento diferente a cada um dos ofendidos (com as excepções que infra se reproduzirão quanto aos factos não provados e ao não preenchimento de todos os elementos do tipo em relação a alguns dos ofendidos), quanto a uns agindo de forma mais afoita, em relação a outros apresentando-se como um amigo, adulto de referência para ajudar nas questões sexuais, todo o contexto das suas abordagens tem cariz sexual como acima descrito.

Deste modo, no tocante à ausência de interesse e de satisfação sexual no que respeita a crianças e jovens adolescentes do sexo masculino, o Tribunal não considerou credíveis as declarações do arguido. Em rigor, a circunstância de o arguido ter estado presencialmente com os menores, alguns em mais momentos do que outros, e nunca lhes ter feito nada, tocado, acariciado, agarrado, não prejudicam o entendimento de que as conversas e pedidos de vídeos e fotografias, além do envio de tais elementos pelo próprio arguido, visavam a satisfação dos instintos libidinosos deste.

A imagem que o arguido deixa impressa com o seu comportamento, os autos demonstram-no (a leitura exaustiva das mensagens e, bem assim, as declarações dos menores) é a de alguém que ainda está a ver o melhor modo de actuar, experimentando os menores, adoptando conversas de cariz sexual indesejadas pelos jovens, como foi por estes perfeitamente demonstrado em Tribunal, mas já antes, no decurso das próprias conversas, ao arguido, aproveitando o aludido abuso de poder, decorrente das suas funções (essencialmente … e …) e, bem assim, a confiança que procurava imprimir aos ofendidos (que os estava a ajudar, que se preocupava com estes, que tinham ali um amigo, “que eram manos”), aspectos que eram sentidos pelos menores como indesejadas, invasivas.

É neste contexto, oferecido pelo arguido, sem que os menores tenham maturidade suficiente para consentir ou, na maior parte dos casos, para compreender, que o arguido perturba e importuna os ofendidos, que se vêem sujeitos às investidas constantes e persistentes daquele, não se ignorando que, conforme relatado pelos menores, se estes não respondessem por uma das aplicações, o arguido logo enviava mensagens através de outras aplicações ou por mensagens (vulgo SMS) para o telemóvel.

Aqui se consignando que o Tribunal considerou nos factos provados as mensagens enviadas também pelos menores, o que resultou da defesa do arguido, e ofereceu o contexto das mesmas.

Revelando, assim, um comportamento (padrão) contínuo com perguntas íntimas não desejadas sobre o corpo ou vida privada dos menores, com piadas de cariz sexual, com o envio de fotografias e vídeos com alusões descaradamente sexuais, além de expor estes jovens a pornografia, enviando-lhe vídeos ou sugerindo / procurando fazê-lo com perguntas aos menores se queriam vídeos ou mais vídeos, mas sem que o Tribunal duvide de que a actuação do arguido, com as ressalvas que se farão infra, consubstanciam actividades e comportamentos sexuais por banda deste, designadamente quando exibe os seus órgãos genitais ou envia vídeos a masturbar-se, fazendo-o com fins predominantemente sexuais, através de meios susceptíveis de provocar excitação sexual a terceiros e idóneos a produzir dano no desenvolvimento harmonioso da sexualidade e imaturidade das crianças – resultando, do exposto nestes parágrafos, provados os factos elencados nos pontos 1., 2. e 3.

O Tribunal considerou demonstrada a idade dos ofendidos, à data dos factos, seja pela declaração dos mesmos, seja pelos assentos de nascimento juntos aos autos e que eram do conhecimento do arguido, como resulta das suas declarações, mas igualmente das suas funções como … que não podia deixar de saber em que escalão estas crianças jogavam.

Os factos provados 89., 90. e 91. resultam demonstrados pelo teor dos autos de apreensão de fls. 260/261, 284/285 e 289/290, da perícia de fls. 269 a 275 e acabaram por ser confirmados pelo arguido que, não obstante avançar com explicações pouco lógicas, admitiu que os aludidos aparelhos lhe pertenciam, mas que desconhecia a existência dos vídeos em causa ou os seus intervenientes. Ora, em face da oposição para o prosseguimento do julgamento quanto aos factos comunicados ao arguido, sobre os quais não cumpre produzir qualquer ponderação, não se pode deixar de referir que KK (consignando-se que dois dos ficheiros estão gravados com os nomes …1 e …2) admitiu expressamente ter enviado dois vídeos ao arguido e identificou-se a si próprio nos prints daqueles vídeos, constantes de fls. 261 (sendo peremptório em afirmar que se reconhece, aos lençóis da cama e ao “ursinho” de peluche que se visualiza ao lado do menor, na cama e concretizando que tais vídeos terão sido realizados e enviados ao arguido no Verão de 2020, quando o menor tinha 9 anos), daí que o Tribunal não tenha qualquer dúvida de que a criança que surge naqueles vídeos (dois originais e dois correspondendo a cópias parcelares daqueles primeiros) reproduzem a criança KK à data com 9 anos. E transpondo as características físicas do menor que se sabe ser KK para as características físicas do menor que se visualiza nos outros dois vídeos (e que são a mesma pessoa, pelo aspecto físico, além dos outros elementos: som de fundo do vídeo, cor dos lençóis e do cobertor, luminosidade do espaço retratado), constatamos que se trata de um vídeo de jovem da mesma faixa etária que aquele (não olvidando os parâmetros da escala de Tanner, aqui por comparação, mas com referência ao tamanho dos órgãos genitais, o estágio de desenvolvimento de pelos pubianos – quase inexistentes em ambos os vídeos.

O Tribunal também não teve dúvidas de que quatro dos vídeos se encontravam na pasta de partilha / de ficheiros enviados do Whattsapp, o que não quer dizer outra coisa que não seja que o arguido, contrariamente ao por si proferido, não recebeu estes ficheiros (ou não se limitou a recebê-los), antes o enviou para outra pessoas, o que fez por via daquele aplicação, não podendo deixar-se de entender que destinava os demais dois ficheiros (aliás, os originais completos dos vídeos que enviou) a esse mesmo envio, para terceiros, naturalmente, porquanto outra razão não se vislumbra para a partilha / divulgação de vídeos contendo menores a se masturbarem ou a manusearem o respectivo pénis.

Deste modo, o Tribunal concluiu que o arguido quis e conseguiu, através das conversas escritas, do envio de vídeos e fotos de cariz sexual, seja porque representando actos sexuais, seja porque exibindo órgãos genitais, seja porque os persuadia a se masturbarem, a medirem o pénis erecto, questionando sobre a vida privada destes e sobre a sua sexualidade, quis incomodar e perturbar os menores, constrangendo-os e fazendo-os suportar aquele tipo de contacto, virtual e através do telemóvel (não se deixando de consignar que o fazia, por este meio, com maior intrusão, porquanto o fazia a qualquer hora do dia e da noite, por vários meios – várias redes socias e SMS, quer os ofendidos estivessem na escola, acompanhados pelos pais, no dia de aniversário ou no dia de Natal), fê-lo, tudo, com a intenção (concretizada) de satisfazer os seus instintos sexuais e de obter prazer sexual, bem sabendo a idade dos ofendidos, que ofendia a sua intimidade e pudor, além de saber que os mesmos ainda se encontravam em desenvolvimento, pelo que não disponham das necessárias competências para saber lidar e evitar os contactos e investidas do arguido (factos provados 92.)

Os factos 95. a 112. resultam provados em face do teor da perícia à personalidade efectuada ao arguido, corroborada - as suas conclusões e modo de elaboração ou de alcance daquelas - pelos esclarecimentos prestados pela Sra. Perita em Tribunal, aqui se consignando, porque em sede de audiência de discussão e julgamento a questão foi levantada, que quer o relatório apresentado, quer os esclarecimentos prestados foram claros e precisos, nada obscuros ou contraditórios. Relatando a senhora perita, como o fez no relatório, o modo como as conclusões são alcançadas, em que consistem os exames realizados e o que visam apurar.

Aliás, aproveita-se o espaço para referir que, contrariamente à posição assumida pela defesa do arguido, o Tribunal não considerou mais claro, preciso ou mais condicente com a realidade do arguido, aquilo que foram as declarações do Dr. MM, médico psiquiatra que consultou uma única vez o arguido e já em contexto de reclusão e no decurso dos presentes autos.

Vejamos: não se esvaziam de importância as declarações prestadas pelo Dr. MM.

No entanto, não se pode deixar de apontar que o mesmo só consultou o arguido por uma única vez, que não realizou quaisquer outros meios de diagnóstico, designadamente aqueles que foram realizados pela Sra. Perita do INML e que, manifestamente, concluem em sentido diverso de algumas das características apontadas pela aludida testemunha, em concreto e com relevo, que este não possui qualquer perturbação do desenvolvimento intelectual, nem se enquadra no comummente designado atraso mental, nem que este possuirá uma idade mental inferior à idade real. Acresce ao que se deixa explanado que as explicações avançadas pela testemunha quanto à interpretação do teor e motivação das mensagens se encaixa nas explicações, pouco credíveis, avançadas pelo arguido e que terão sido reproduzidas por este à testemunha em contexto de entrevista / consulta psiquiátrica. Não se olvidando, porque com relevo, que não sabia em concreto que os ofendidos teriam também idades tão precoces (9 – 11 anos), além de que, avaliar o contexto das aludidas mensagens sem considerar aquilo que manifestamente foi reportado pelos ofendidos nos autos – designadamente quanto ao incómodo por estes sentido, o constante bloquear das conversas com o arguido nas redes sociais, os pedidos para que cessasse com as mensagens, somente com base no resumo de algumas mensagens e no que lhe foi dito pelo arguido, se afigura algo temerário e sem substrato científico. Além do que se afigura que tal interpretação, naturalmente, cabe ao Tribunal, nesta sede, mas que se invoca precisamente para compreender que algumas conclusões da testemunha, como as acima descritas, têm de falecer, por não assentarem em todas as premissas que confluiriam para a mesma.

Nem se pode admitir que as conversas mantidas pelo arguido ocorrem num ambiente masculino, com palavrões e comentários homofóbicos, na medida em que, manifestamente, é o arguido que, sistemática e persistentemente, aborda os menores com conversas de teor sexual e se estes, em algum momento, conforme decorre das conversas e assumido por alguns, solicitaram vídeos ao arguido, fizeram-no após a abordagem daquele (que era maior de idade e sabia a idade dos ofendidos) e após o envio, por parte deste, de vídeos e fotografias de teor pornográfico. O que se revela natural, por banda dos ofendidos, na medida em que se trata de tema que lhes suscita curiosidade, mas denota, igualmente o malefício decorrente das condutas do arguido ao impor um padrão quanto ao tipo e natureza dos vídeos, desadequado às idades dos ofendidos e aos quais estes não acederam por si, com os seus pares, movidos pela curiosidade natural à idade, antes por aquela perturbação e intromissão do arguido.

Não obstante o que se acaba de referir, naturalmente que se acolhem, as conclusões da aludida testemunha quando afirma que o arguido não padece de qualquer patologia do foro psiquiátrico.

De referir quanto aos progenitores dos menores, ouvidos em julgamento, que os seus depoimentos se mostram consentâneos com os autos de denúncia que apresentaram, com aquilo que visualizaram nos telemóveis dos filhos (aqui ofendidos) e com as próprias declarações destes, daí que mereçam credibilidade, especialmente no tocante às consequências que as condutas do arguido e o próprio processo provocaram nos filhos.

Quanto às testemunhas arroladas pelo arguido, não deixaram de merecer credibilidade, porquanto revelaram a percepção que cada uma tinha do arguido, no meio em que as mesmas se enquadram, futebol, banda de música, bombeiros, descrevendo-o como pessoa prestável e leal, mas não se descurando que as pessoas mais próximas, como DDD, JJJ e CCC procuraram caracterizar o arguido como alguém infantil, “um menino”, mais infantil e imaturo que os demais, características que se reputam como de protecção, na linha da defesa do arguido, afastadas pela testemunha EEE que, com acuidade, refere que, salvaguardadas as devidas distâncias (a testemunha teria 30 anos), o arguido tinha a maturidade adequadíssima à sua idade, mas também pelo teor do relatório pericial junto aos autos e contraditórias até com a multiplicidade de actividades que o arguido possuía, algumas de relevo e responsabilidade, como ser …, … e de …, ser monitor em colónias de férias, daí que, neste particular, não mereceram as aludidas declarações qualquer credibilidade.

De referir, neste particular, que a circunstância de estas testemunhas não terem assistido a qualquer comportamento desadequado por parte do arguido e que o tenham como bem inserido e bem visto nas comunidades em causa, nada invalida o juízo probatório que se alcançou, na medida em que os factos ocorreram sobretudo em contexto digital, sem testemunhas, [aqui se apontando o envio de muitas mensagens que não foi possível apreender, seja porque enviadas em modo de visualização única (permitidas em qualquer das redes sociais), seja porque enviadas em ficheiros terminados em .opus e que configuram áudios a que o Tribunal não teve acesso, seja porque, com os bloqueios efectuados pelos menores as mensagens eram apagadas, porque os próprios e o arguido apagavam os ditos ficheiros], a que se soma a falta de divulgação junto dos adultos, designadamente os progenitores dos menores, do envio / recepção das aludidas mensagens. Portanto, nada se estranha que o arguido seja bem visto socialmente, pois agia a coberto da internet e dos meios de comunicação ao seu alcance, que eram meios directos de acção sobre os menores, absolutamente expostos a este tipo de comportamentos. Sendo relevante apontar que os menores, entre si, falavam destas mensagens, destas fotografias e vídeos que o arguido lhes enviava, o que justifica a alcunha que quase todos referiram ser a do arguido – consentânea com a conclusão de que as ditas mensagens, vídeos e fotografias, continham cariz sexual do arguido sobre os ofendidos.

Analisou-se ainda de forma critica e ponderada os documentos juntos aos autos e supra elencados (autos de denúncia, termos de consentimento, fotografias, prints de conversas, prints do perfil do arguido no Facebook e Instagram, autos de apreensão e conteúdo dos itens apreendidos, disco externo e telemóveis, autos de diligência, informação do conselho de arbitragem, exame ao caderno de notas do arguido), de onde se extrai igualmente parte da referida factualidade.

Relativamente ao dolo e consciência da ilicitude, que já se aflorou acima, o Tribunal conjugou os meios de prova valorados positivamente nos termos supra expostos, com as regras da experiência comum e ainda com as declarações dos ofendidos. Pois que, sendo o dolo um elemento de índole subjectiva que pertence ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento (com exclusão de uma situação em que o agente admite a intenção directa) ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida, cabendo ao julgador – socorrendo-se, nomeadamente, de indícios objectivos, das regras de experiência comum e daquilo que constitui o princípio da normalidade – retirar desse contexto a intenção por ele revelada (factos 92. a 94.). Além do mais, a consciência da ilicitude e vontade de acção extraem-se quer das declarações dos ofendidos, quer do teor das mensagens analisadas, quer do próprio desenrolar dos eventos, não sendo credível outra actuação que não a deliberada ou sequer que o arguido desconhecesse a ilicitude do seu comportamento e a punibilidade do mesmo, do geral conhecimento dos cidadãos.

Quanto à inexistência de antecedentes criminais, teve o Tribunal em consideração o conteúdo do Certificado de Registo Criminal junto aos autos – facto provado 113.

No que respeita às condições socioeconómicas do arguido, o Tribunal considerou-as provadas atenta a verosimilhança das declarações do mesmo quanto a esta parte, e, bem assim, tendo em conta o relatório social junto aos autos, o qual foi elaborado de acordo com fontes e metodologias que se afiguram adequadas e aptas a revelar a factualidade que se descreve, tudo em conformidade com as regras da normalidade social e da experiência comum, aliadas às declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas por si arroladas. (facto provado 114.).

Os factos 115., 116. e 117. resultam demonstrados pelos documentos juntos pelo arguido, pelas declarações do próprio que não mereceu reparo neste particular e quanto ao último destes também nas declarações de LLL, supra resumidas.

Os factos não provados resultaram da ausência de produção de prova acerca dos mesmos, seja quanto à intencionalidade das condutas referentes aos menores EE, GG e II e HH, em relação aos quais o Tribunal deu como provadas as mensagens trocadas, mas que, em relação a HH, o teor das mesmas, mas não conclui nos mesmos termos que a acusação, dando como não provado que o arguido pretendesse constranger aquele a contacto de natureza sexual, lhe tivesse formulado qualquer proposta de teor sexual, com o fim de importunar aquele. Na verdade, os termos utilizados nas aludidas mensagens, por arguido e pelo menor, traduzem-se em palavrões, obscenidades, expressões vulgares e ordinárias que representam um uso socialmente ofensivo da linguagem e não obstante a alusão a termos sexuais, como “ir ao cuzinho”, “chupamos”, “queres leite”, no contexto em que foram proferidas não revelam qualquer proposta de teor sexual.

Aliás, HH que já nas mensagens trocadas se revelou sempre muito seguro de si, muito bem enquadrado (designadamente quando desvaloriza os dramas do arguido), também em sede de declarações para memória futura o fez, já que afirmou peremptoriamente que entendia as mensagens como uma brincadeira e que as respondia do mesmo modo, negando alimentar conversas ou ter picardias com o arguido, limitava-se a responder. Respostas que também usava com amigos seus, como esclareceu.

Mas ainda que este menor não manifestasse uma postura tão madura na abordagem das questões que lhe foram colocadas e não tivesse, pela sua menoridade, compreendido o alcance das mensagens do arguido, sempre diremos que numa análise objectiva feita pelo Tribunal das mensagens trocadas, não se descortina qualquer proposta de teor sexual ou qualquer constrangimento para prática de acto sexual. Vejamos que as aludidas expressões, contrariamente ao que vimos com outros menores e aqui se distingue a situação de HH da maior parte dos demais ofendidos, nunca são acompanhadas de pedidos de vídeos ou fotografias, com menções a ajudas a evoluir sexualmente; nem sequer pergunta a HH, como faz com os demais, quando aborda a temática, quanto tempo demora a se masturbar ou se expele muito sémen, ou lhe pede o tamanho do pénis ou comparação com os demais colegas. Além de nem lhe referir ou propor idas ao ….

Assim, em face deste contexto concreto, não se ignorando um “linguajar” vernáculo, taberneiro (ou do meio do futebol, como refere o próprio pai de HH, BBB), que pode chocar o ouvido ou a leitura, as aludidas mensagens não assumem dignidade penal.

O mesmo se afirmando quanto aos menores DD e FF, em que, seja pelo texto, seja pelo fim dos encontros ali propostos e não obstante a persistência no envio de mensagens, o uso de termos desenquadrados e demasiado carinhosos para a relação que tinha com os aludidos menores, não se afigura que o pedido de um abracinho, nos contextos em que foi formulado, revele que o arguido visava a prática dos actos sexuais previstos nas normas aplicáveis.

Os factos não provados e elencados sob os pontos d. a h. consideram-se não provados por não ter sido produzida prova de que os mesmos se concretizaram.

Assim, em face do que supra se elenca, considerou o Tribunal que o arguido AA praticou os factos nos exactos termos em que estes foram considerados provados.»

3. Conhecendo das questões colocadas no recurso

3.1 Vícios da decisão recorrida

Não obstante o recorrente imputar à decisão recorrida os vícios formais da «contradição insanável entre a fundamentação e a decisão» e do «erro notório na apreciação da prova», a motivação do recurso logo denuncia que o seu real inconformismo visa, antes, o modo como o Tribunal a quo apreciou e valorou os meios de prova produzidos em audiência de julgamento. E também, ainda, a qualificação jurídica feita sobre os factos (que entende não deveriam ter-se considerado) provados!

Ora, não é a isso que se reportam os vícios previstos no § 2.º do artigo 410.º CPP!

Estes vícios da decisão (que do ponto de vista procedimental constituem fundamentos de revista alargada), não se confundem com a invocação do erro de julgamento da questão de facto, ou seja, com a impugnação da matéria de facto em sentido amplo, com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, § 3.º e 4.º CPP (impugnação ampla); nem, ainda com a qualificação jurídica dos factos provados.

Efetivamente, na revista alargada (410.º, § 2.º CPP), diferentemente do que sucede na impugnação da matéria de facto em sentido amplo (412.º, § 3.º e 4.º CPP), os vícios da decisão deverão resultar do próprio texto da decisão recorrida, prescindindo-se da análise da prova concretamente produzida. Isto é, atém-se à conexão lógica do texto da decisão, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.

O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste na incompatibilidade - insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida -, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorre quando de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta; ou não justifica a decisão; ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal.

A contradição a que se reporta o artigo 410.º, § 2.º CPP é, pois, uma contradição entre os fundamentos da decisão ou entre estes e a própria decisão, nunca entre os meios probatórios em si mesmo considerados, ou entre a convicção formada pelo tribunal e aquela que, segundo o recorrente, devia prevalecer face às provas produzidas e verifica-se quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.

Já o erro notório na apreciação da prova, por seu turno, reporta-se a uma deficiência no apuramento da matéria de facto, o qual se depreende da conexão lógica do texto da decisão. Isto é, não emerge de uma qualquer deficiente avaliação dos meios de prova. Verifica-se quando da simples leitura do texto da decisão emerge um erro de raciocínio na apreciação das provas. Tendo, todavia, de tratar-se de um erro tão evidente que logo ressalta aos olhos de uma pessoa de diligência média. Tal sucedendo p. ex. quando as provas revelam, indubitavelmente, um sentido contrário à ilação delas tirada pelo tribunal, ou quando esta se revela racional e logicamente impossível, arbitrária, contraditória ou patentemente violadora das regras da experiência comum.

Ora, apesar da referência expressa feita no recurso a tais vícios, a verdade é que o recorrente nada alega que os concretize! Isto é, não indica onde é que no acórdão recorrido moram esses tais raciocínios ilógicos, arbitrários, contraditórios ou patentemente contrários às regras da experiência comum. E quando ensaia fazê-lo toma por referência uma matéria de facto que não está provada (mas que considera que deveria estar).

Certo é que no contexto devido, que acaba de ser traçado, tais vícios não se vislumbram no texto da decisão recorrida!

3.2 Erro de julgamento da questão de facto

Passemos, então, à impugnação ampla, alegando o recorrente não se conformar com o julgado nos pontos 5. e 7. (por se tratarem de imputações genéricas e neles haver indefinição temporal e circunstancial); 73. a 76. e 86.º (por ausência de balizamento temporal); 78., 79., 81. (kk – porquê dois crimes no mesmo dia?); e 90., 91., 93. e 94. (ausência de balizamento temporal). Antes, porém, convirá esclarecer o que parece não estar bem claro nos raciocínios (pretensamente) impugnatórios do julgamento de facto feito ao acórdão sob recurso.

A apreciação pelo Tribunal superior em matéria de impugnação ampla da matéria de facto não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova (documentada) produzida em audiência, ainda que cingida aos limites traçados pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto nos § 3.º e 4.º do artigo 412.º do CPP.

Quer-se dizer: o recurso não pressupõe todo um novo julgamento, com total reapreciação de todos os factos e de todos os meios de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida. Mas antes (e apenas) uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados.

Os recursos são (e são apenas) meios de corrigir concretos erros de julgamento. Isto é, o que a oralidade e a imediação dão ao Tribunal a quo, nunca poderá ser substituído pelo Tribunal ad quem, servindo este para corrigir ou remediar erros que sejam claramente identificados e que não tenham que ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade desta ou daquela ou do conjunto das testemunhas ou das declarações do arguido.

Tais erros a «remediar» ocorrerão v. g. quando o Tribunal recorrido ignorou um determinado meio de prova produzido sobre determinado facto (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou quando considerou provados certos factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludiram aos mesmos, ou afirmaram o contrário do que o Tribunal considerou conterem esses depoimentos.

Não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo Tribunal de 1.ª instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção (como em geral faz o recorrente). É, antes, necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa (artigo 412.º, § 3.º, al. b) CPP).

Neste exato sentido afirma o Supremo Tribunal de Justiça (3): «impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorretamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorretamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na ata, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exato sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.

Em suma: os recursos servem para despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, impondo-se ao recorrente o ónus de proceder a uma tripla especificação (artigo 412.º/3 CPP):

- a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – al. a) (devendo individualizadamente indicar-se os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados);

- a indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida – al. b) (id est indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de

obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida);

- a indicação das provas que devem ser renovadas – al. c).

Conforme resulta do disposto no artigo 431.º, al. b) CPP, havendo documentação da prova - como no caso se verifica -, a decisão do Tribunal de 1.ª instância só pode ser modificada se esta tiver sido impugnada, nos termos previstos no artigo 412.º, § 3.º CPP, com o requisito substancial de que tal prova tem que impor diversa apreciação probatória.

Ora, não é isso que sucede no caso em apreço, sendo patente a insuficiência das motivações do recorrente quanto ao cumprimento do indicado ónus, devendo nestas circunstâncias concluir-se, simplesmente pela sua inexistência. (4)

A mais disso as assinaladas incongruências, anotadas pelo recorrente, não impõem diversa apreciação, pelo que se mantém o decidido e fundamentado pelo Tribunal recorrido.

Não obstante, sempre se dirá que: a) Nos pontos 5. e 7. do acervo fáctico provado do acórdão não há quaisquer imputações genéricas, estando os factos respetivos temporalmente balizados, dado o seu início ali indicado (18/7/2019) e, necessariamente, pela data do primeiro interrogatório judicial do arguido (13/5/2022);

b) Nos pontos 73. a 76. e 86. do acervo fáctico provado não há também incerteza temporal, dada pelo início dos factos ali expressamente assinalada («após agosto de 2020» ou após «3/8/2020»). E, necessariamente também, pela data do primeiro interrogatório judicial do arguido (13/5/2022). Sendo o questionamento do número de crimes praticados matéria de qualificação jurídica (e não, evidentemente, de impugnação de facto – pelo que dela conheceremos adiante)!

c) Nos pontos 90., 91., 93. e 94. do acervo fáctico provado não há também incerteza temporal, a qual é apreensível, quanto ao facto 90. à data nele indicada e nos demais por referência ao período em que o arguido andou a interpelar os menores com telefonemas e enviou fotografias e vídeos (pelo menos aos menores em referência), que neste caso se situará no verão de 2020 e, seguramente, anteriormente à data do 1.º interrogatório (13/5/2022) - conforme melhor esclarece a motivação da decisão de facto. Neles se não encontra, pois, nenhuma afirmação conclusiva, genérica ou difusa, que suscite incerteza quando ao seu objeto, aos sujeitos envolvidos ou às circunstâncias de tempo.

Em suma: não ressalta dos termos da decisão recorrida que outra deveria ter sido a decisão sobre a matéria de facto. Em jeito de remate não deixaremos sem referência a dificuldade que temos em compreender a seguinte afirmação do recorrente: «nas declarações prestadas pelo ofendido JJ, na sessão 2022-10-28_15-11-00, minuto 00.35 ao minuto 00.53, do minuto 01.45 ao minuto 01.49, do minuto 02.51 ao minuto 05.20, o mesmo, apesar de todas as respostas serem basicamente sugeridas pelo Mm.º Juiz de Instrução e Digna Procuradora do MP, refere…»!

Esta é uma afirmação genérica, conclusiva e sobretudo desgarrada da devida concretização! Denotando, pelo menos, incompreensão perante a delicadeza do questionamento das testemunhas (menores vítimas) no contexto em referência (5). Seguramente que com isso nada se impugna!

3.3 Vulneração do princípio da livre apreciação da prova

Refere o recorrente a dado passo da motivação do seu recurso ter havido «violação do princípio da livre apreciação da prova»! Sem, contudo, concretizar o que preconizaria com tal afirmação!

Certo é que nas conclusões (as quais delimitam o objeto do recurso – artigo 412.º, § 1.º CPP) nada se refere a tal propósito!

Não obstante sempre se dirá que o princípio da livre apreciação da prova encontra menção própria no inciso que constitui o artigo 127.º CPP, ali se afirmando que: «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».

Este princípio integra um sistema de persuasão racional, segundo o qual a prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, antes deverá ser valorada na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os seus diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.

Constitui um esforço para alcançar a verdade material, uma tensão de objetividade, não se confundindo com livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva (de mera impressão), porque se realiza com arrimo a critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, objetivável e motivável. Assenta em pressupostos valorativos e obedece a critérios da experiência comum e da lógica da pessoa média suposta pela ordem jurídica, estando ainda vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório.

Não se cinge, pois, a um íntimo convencimento, instituindo a lei os mecanismos de motivação e de controlo, através da fundamentação da decisão de facto (cf. artigo 374.º, § 2.º CPP), dando corpo ao princípio da publicidade, em termos tais que o processo - e, portanto, a atividade probatória e demonstrativa -, deva ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo, e presumivelmente se convença como o julgador. (6)

«A liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos, e, portanto, em geral, suscetíveis de motivação e de controlo.» (7)

Trata-se de um princípio que se dirige exclusivamente ao juiz, único terceiro imparcial no julgamento do feito. Sendo ilegítimo inverter a posição dos sujeitos no processo, de molde a substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão. (8)

«O ato de julgar é do Tribunal, e tal ato tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objetivos para uma formação lógico-intuitiva.» (9)

A vigência deste princípio não constitui coisa bizantina ou excrescente, sendo, antes, uma aquisição moderna da civilização ocidental. Com ele se tendo superado o paradigma da prova legal ou tarifada (em que o valor das provas estava fixado a priori). Emergiu da França revolucionária com a instituição do sistema de júri em 1791 e logo tornado operacional, vindo depois a ser previsto, a partir de 1801 no Code D’Instruction Criminelle (o qual só veio a ser promulgado a 16 de novembro de 1808), vigorando nesse compêndio normativo até 1958, altura em que passou a integrar o Code de Procédure Pénale (artigo 342.º).

E surge em Portugal (et pour cause) na sequência da revolução liberal, integrado nas reformas judiciárias da primeira metade do séc. XIX (1832, 1836 e 1841).

Significou, também entre nós, a superação do valor tarifado das provas, possibilitando a valoração conjugada das provas com referência às circunstâncias concretas de cada caso, numa equilibrada conjugação dos modelos inquisitório e acusatório. No essencial: com ressalva das exceções deixou de haver regras fixas a definir o valor probatório a atribuir ou a não atribuir aos meios de prova disponíveis.

Justamente por ter passado a constituir um princípio estruturante comum ao direito processual dos países do nosso entorno cultural (mormente dos países da EU), é este também o critério seguido pelo TJUE.

3.4 In dubio pro reo

A propósito do alegado «grau de incerteza sobre a localização e/ou identificação espácio temporal» dos atos praticados pelo arguido, ou como faz p. ex. na conclusão 97.:

«há violação do princípio do in dubio pro reo se o Tribunal der como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido (mesmo que não tenha sentido a dúvida ou não a reconheça) se, do confronto com a prova produzida, se conclui que se impunha a existência de um estado de dúvida.» Também neste aspeto o recorrente não se detém a dar consistência ao argumento esgrimido! E contrariamente ao que vem pressuposto na objeção ou argumento recursivo, o princípio in dubio pro reo não significa dar relevância às dúvidas que o recorrente encontre na decisão recorrida ou na interpretação que faz da factualidade descrita e demonstrada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daí não resulta que, tendo havido versões díspares - e até contraditórias - sobre factos relevantes (como sucede neste caso entre declarações das testemunhas e conteúdo de elementos documentais e as declarações do arguido) -, este deva ser absolvido em obediência a tal princípio. Posto que a vulneração deste princípio pressupõe, antes, um estado de dúvida no espírito do julgador. Só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o Tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.

O que constatamos no presente caso, mormente através da motivação da decisão da matéria de facto provada, é que a prova – como já supra referido - foi livremente avaliada, segundo critérios objetivos e de acordo com as regras da experiência comum, não se evidenciando a existência de qualquer dúvida surgida no espírito do Tribunal sobre a existência dos factos que julgou provados, assentando os juízos formulados para além de qualquer dúvida razoável.

Com efeito, os raciocínios empreendidos e expostos pelo Tribunal recorrido, permitem conhecer o substrato racional da convicção formada, enfrentando o Tribunal as contradições das declarações do arguido com as das testemunhas, esclarecendo as razões porque se convenceu do modo que julgou.

Do texto da decisão recorrida não resulta, por um lado, que o Tribunal tenha dado como provados os factos que como tal especificou, tendo dúvidas sobre a verificação de algum ou alguns deles; e, por outro lado, do mesmo texto, conjugado com as regras da lógica, da ciência, da história e da experiência comum, logo esclarecendo, de modo racionalmente compreensível os seus raciocínios, não se detetando a existência de qualquer situação de dúvida. Certo sendo que tal princípio se não estende às dúvidas que assentem na mera opinião do recorrente.

Pelo que carece de razão também este fundamento do recurso.

3.5 Erro de julgamento de direito relativamente ao cometimento do crime de pornografia de menores

O recorrente considera que a factualidade em que assenta a imputação deste crime é conclusiva, genérica ou difusa, suscitando incerteza quando ao seu objeto, aos sujeitos envolvidos ou às circunstâncias de tempo. Os factos em referência são os seguintes:

«90. No dia 12 de Maio de 2022, com intenção de obter e de proporcionar a terceiros prazer sexual e satisfação dos instintos libidinosos, AA tinha com ele, um disco rígido externo, de marca “…”, de sua propriedade, dois ficheiros de vídeo, identificados como “..1” e “…2”, em que é visível uma criança do sexo masculino, com idade aparente inferior a 14 anos, a manipular o pénis, masturbando-se.

91. Em datas não apuradas, mas em quatro ocasiões, através da rede social whatsapp, e utilizando o telemóvel de marca …, modelo …, com os IMEI’S … e …, de sua propriedade, AA partilhou quatro ficheiros vídeo - em que é visível uma criança do sexo masculino, com idade aparente inferior a 14 anos, a manipular o pénis, masturbando-se -, com indivíduos de identidade não apurada, proporcionando-lhes prazer sexual e satisfação dos instintos libidinosos.

93. Ao deter e partilhar ficheiros vídeo em que eram visíveis menores a manipularem o pénis, AA agiu com o propósito concretizado de deter, partilhar e divulgar os referidos ficheiros, em formato de vídeo, a fim de obter e proporcionar a terceiros, maiores de idade, prazer sexual e satisfação de instintos libidinosos, o que fez com consciência de que as crianças que constavam dos mencionados ficheiros eram menores, com menos de 14 de idade, e de que os atos de cariz sexual infligidos aos mesmos põem em causa o seu são desenvolvimento da consciência sexual, de que ofendem os respetivos sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual e que lhes causam grande sofrimento físico e psíquico.

94. O arguido AA agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.»

Preceitua o artigo 176.º CP (na parte ora relevante), que:

«1 - Quem:

(…)

b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim;

c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior;

(…)

8 - Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo. (…).» E dispõe o artigo 177.º, § 1.º, al. c), que: «1 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima: […] c) For pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez.” e o n.º 7 do mencionado artigo dispõe que “As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º e 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos.»

O acórdão recorrido fez o seguinte raciocínio subsuntivo: (…) «os elementos objectivos deste tipo de crime, e no que releva para os autos, são:

(i) Que o agente pratique o acto sobre criança ou jovem (menor de 18 anos), sendo indiferente que o mesmo seja ou não sexualmente iniciado, que possua ou não capacidade para entender o acto sexual e mesmo que lhe caiba qualquer intervenção ou mesmo iniciativa quanto ao mesmo;

(ii) Que o agente utilize o menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim [alínea b) do n.º 1 do artigo 176.º];

(iii) Que o agente produza, distribua, importe, exporte, divulgue, exiba ou ceda, a qualquer título ou por qualquer meio fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, em que utilize menor;

(iv) Que o agente adquira, detenha ou aloje materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder; ou

v) Que o agente intencionalmente, adquira, detenha, aceda, obtenha ou facilite o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1.

Cumpre sempre analisar a alínea b) do n.º 1 do referido artigo 176.º, seja pela possibilidade de a esta ser subsumida a factualidade apurada, seja porque as alíneas c) e d) remetem para o ali disposto. Na referida alínea a) [e contrariamente ao que se verifica nas alíneas c) e d, como veremos infra)] criminaliza-se a utilização directa de menores de 18 anos, ou o seu aliciamento, para espectáculos, fotografias, filmes ou gravações pornográficas. Neste caso é a liberdade e autodeterminação sexual dos menores envolvidos que é posta em causa, através da actividade do agente, seja na intervenção directa nos factos seja no seu aliciamento pessoal para participarem nos mesmos.

Dir-se-á ainda, com relevo, que “A concreta identificação das vítimas não constitui elemento do tipo de pornografia de menores, já que, na situação, o que se discutiu em audiência foi a detenção e a divulgação de materiais pornográficos envolvendo menores, inerente à tutela antecipada do perigo associado a essa vertente, em razão do interesse, além do mais, de proteção da autodeterminação sexual de menores de dezoito anos, sejam eles quem forem – assim se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 17.03.2015, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Dr. Carlos Jorge Berguete (processo n.º 524/13.0JDLSB.E1, disponível no referido sítio).

No mencionado Acórdão entendeu-se que “A natureza «pornográfica» dos atos referidos abrange menores em atividade sexuais, exibindo órgãos sexuais, ou em pose, posturas ou comportamentos suscetíveis de causar estímulo, excitação ou impulso sexual. (…)”

GARCIA, M. Miguez; CASTELA RIO, J. M. – CÓDIGO PENAL. PARTE GERAL E ESPECIAL – com notas e comentários. 2.ª Edição. Coimbra: Edições Almedina, SA, 2015. Depósito Legal 398712/15, pg. 774, anotação 5. ao citado artigo, referem que “Será pornográfica a representação grosseira da sexualidade que faz das pessoas um qualquer objecto despersonalizado para fins predominantemente sexuais. Trata-se do desempenho da actividade sexual reduzida aos seus elementos externos, por forma explícita, real ou simulada.”

Aqui se concretizando que “releva para a caracterização da pornografia infantil o material pornográfico que retrata ou representa visivelmente uma pessoa real que aparente ser um menor (todo o menor de 18 anos) implicada ou coenvolvida numa conduta sexualmente explícita. Tem-se também em vista as representações realistas de menores existentes” (obra e autores citados, pg. 773, alínea b) da anotação 1.)

Prosseguindo, no que toca ao “elemento típico “espectáculo pornográfico” […]” este “pode envolver o menor na prática de actos sexuais de relevo, ou, tão só, na prática pelo menor de actos de exibicionismo ou de contacto de natureza sexual.”

De forma mais retumbante, e retornando ao conceito do que deve ser considerado pornográfico, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 12.10.2011, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Armindo Monteiro (processo n.º4/10.5GBFAR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt): “a pornografia, em sentido clássico, tem o significado de acto sexual chocante, aberrante, praticado em condições profundamente dissociadas do que é usual e conhecido, sem que se confunda como o mero erotismo.”

Eliane Rober Moraes, docente de ética na PUC –S. Paulo, intentando traçar a distinção e sobrelevar na controvérsia, pondera que o erotismo só sugere; a pornografia tudo mostra; do âmbito da pornografia está excluída uma nudez não apelativa presente por ex.º nas obras de arte pictóricas, de escultura ou gravuras”.

Por seu turno, LOPES, José Mouraz; MILHEIRO, Tiago Caiado – CRIMES SEXUAIS – Análise Substantiva e Processual. 1.ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora, SA. Dezembro 2015. Depósito Legal 402299/15. ISBN: 978-972-32-2359-0, pg. 191, traduzem “a natureza «pornográfica» dos actos […]” naquela que “abrange menores em actividades sexuais, exibindo órgãos sexuais, ou em pose, posturas ou comportamentos susceptíveis de causar estímulo, excitação ou impulso sexual”

ALBUQUERQUE, Paulo Sérgio Pinto de - Comentário do Código Penal: à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. – 3.ª Edição. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2015. DL 401487/15. ISBN: 9789725404898, pgs. 685 e 701, em anotação respectivamente aos artigos 171.º e 176.º, ambos do Código Penal admite ainda que o espectáculo pornográfico é o acto de representação de uma ou mais pessoas em comportamento sexualmente explícito, real ou simulado ou os órgãos sexuais de uma pessoa, para fins predominantemente sexuais.

Veja-se sobre esta temática, como referido no citado aresto, que as Nações Unidas definem pornografia infantil como sendo qualquer representação por qualquer meio de uma criança em actividades sexuais explícitas, reais ou simuladas ou qualquer representação das partes sexuais, de onde resulta que o conceito de pornografia infantil é amplo (cfr. art.º 2 .º, c) do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia, de 2002), inexistindo pois qualquer distinção entre objecto pornográfico e erótico-sensual.

Como se prossegue no citado aresto, não há, atenta esta definição, qualquer distinção entre objecto pornográfico e erótico-sensual, não se podendo, todavia, fazer apelo à moral ou pudor públicos. Nas palavras de Figueiredo Dias (obra citada, pg. 545) a “qualificação de um instrumento como pornográfico deve exprimir, segundo o seu conteúdo objectivo, que ele é idóneo, segundo as circunstâncias concretas da sua utilização, a excitar sexualmente a vítima, ultrapassando por isso notoriamente, em abstracto, os limites permitidos por um desenvolvimento sem entraves da personalidade do menor na esfera sexual. É deste modo (…) uma interpretação de acordo com o bem jurídico, não um apelo directo às representações axiológicas dominantes da comunidade em um momento dado (…)”.

Por sua vez, a utilização do menor implica, conforme decorre da enunciação normativa, utilizar a sua participação a qualquer tipo: como modelo, actor, interveniente na feitura ou edição, entre outros. O menor será utilizado quando é fotografado, filmado, gravado ou objecto de registo, independentemente do suporte em que fique registado em situações configuradas como pornográficas ou participa no espectáculo pornográfico.

Aliciar será todo o comportamento de que se socorre o agente do crime para motivar o menor a participar nos espectáculos, fotografias, filmes ou gravações pornográficas (dinheiro, prendas, promessas de trabalho ou outras promessas, ainda que falsas, entrega de bens em espécie, toda a conversa que convença o menor, mesmo que sem qualquer entrega ou promessa se bens monetários ou não monetários, incitamento, seduzir o menor, entre outros comportamentos que se subsumam a esta ideia de seduzir ou atrair o menor à prática dos factos elencados no normativo em análise).

LOPES, José Mouraz; MILHEIRO, Tiago Caiado, na citada obra e no que toca ao aliciamento, descrevem-no como qualquer conduta com aptidão para convencer um menor a assistir ou a praticar actividades sexuais, podendo ser levado a cabo por qualquer meio de comunicação, não se exigindo que seja presencial – pode ser verbal, por escrito, gestual, por telemóvel ou através de outros meios de comunicação, como sms, Facebook, redes sociais.

Defendendo-se que o uso do menor em espectáculo pornográfico pode envolver a prática pelo mesmo de actos sexuais de relevo (a acção, além da sua conotação sexual (acto sexual) deverá ser suficientemente relevante (de relevo) para ofender o livre desenvolvimento sexual da criança), actos de contacto de natureza sexual, actos exibicionistas ou apenas a sua presença física no meio dos outros intervenientes no espectáculo.

O crime de pornografia de menores é ainda praticado por quem produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, os referidos materiais e ainda quem adquirir ou detiver tais materiais com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder (alíneas c) e d) do n.º 1, do artigo 176.º do Código Penal), revelando-se serem actividades que assumem uma forma de tutela indirecta da liberdade e autodeterminação sexual.

Nestas alíneas tratam-se de condutas que, embora merecedoras de pena, não configuram uma situação imediata (directa) do bem jurídico liberdade e autodeterminação sexual, mas sim interesses do Estado que poderiam ficar lesados com a proliferação da pornografia, isso afirmam os citados autores, Mouraz Lopes e Milheiro, na obra identificada, pg. 219 a 221, em que explicam que, nestas alíneas, se trata “de travar a proliferação da divulgação de condutas que atentam contra a liberdade e autodeterminação sexual de crianças, elas sim violadoras de bens jurídicos pessoais.”

Prosseguindo: “Afigura-se-nos que para, além de uma tutela da liberdade e autodeterminação sexual do menor, proibindo todo o mercado de produção, distribuição, importação, exportação, divulgação, cedência de material pornográfico, também se procura através da incriminação em questão, evitar danos na esfera pessoal do menor, que decorre da sua associação ao mercado pornográfico, com as sequelas físicas, emotivas, de reputação e honra que daí advêm. Existe uma tutela antecipada do interesse superior da criança e do direito a ser acautelado o seu bem-estar físico e psíquico.”

Mais referem que: “Quando na alínea c) do n.º 1 se refere expressamente quem produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título fotografias, filmes ou gravações pornográficas que utilizem menores, a ação típica pretende cobrir todo o tipo de disseminação, sem contrapartidas, dos referidos materiais, aí se englobando a venda, o empréstimo, o aluguer ou qualquer outra forma de transmissão dos mesmos.

Por outro lado quando se refere, na mesma alínea, a quem produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio dos mesmos materiais, a ação típica pretende cobrir a divulgação dos materiais referidos por todos os meios de comunicação conhecidos, sejam publicações escritas, meios audiovisuais, mas também a divulgação por via telemática, ou seja, através de computadores, redes digitais (v.g.) internet), e telemóveis (v.g. envio de material pornográfico por e-mail, telemóvel, partilha no facebook, divulgação em blogs ou youtube etc). Assim, qualquer aparelho que registe o som e/ou imagens de fotografias, filmes ou gravações pornográficas contendo menores é um meio adequado a configurar o modo de praticar o crime.”

Em suma, ao nível da modalidade de acção, o preenchimento do tipo legal previsto na alínea c) compreende não só a distribuição, produção, importação ou exportação, mas também a mera divulgação, exibição ou cedência do material com as características acima identificada, ainda que sem contrapartidas; já a alínea d) contém uma intenção (“com o propósito”) de realização de actos que não integram aquele tipo (distribuição, importação, exportação, divulgação, exibição ou cedência dos materiais previstos na alínea b) também do n.º 1 da disposição em causa), a serem praticados por uma acção futura do agente, ou seja, trata-se de um crime de intenção, de crime de acto cortado, ou crime cortado em dois actos.

Ao nível do tipo subjectivo, exige-se que o agente actue, em relação aos sobreditos elementos, dolosamente, ainda que em qualquer das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal.

Reportando-nos ao caso em apreço constata-se que o arguido detinha quatro ficheiros de vídeo, sendo dois dos vídeos cópias parcelares de outros dois vídeos identificados como …1 e …2 que detinha no disco externo com a identificação 1. SRC/Part2/Fotos/FOTOS TELE/outros7…1.mp4; e 2. SRC/Part2/fotos FOTOS TELE/outros/…2.mp4” e que os mesmos consubstanciam dois menores (o mesmo menor em quatro desses vídeos e que se apurou ser KK, à data com 9 anos de idade, e outro menor nos outros dois vídeos, com características físicas similares às do primeiro – tamanho do pénis, ausência de pelos púbicos -, daí que se afira que se trata de menor na mesma faixa etária que o anterior) a manipularem o pénis, zona que se encontrava, naturalmente, desnuda, que se enquadram nos materiais a que alude a alínea b) do artigo 176.º, n.º do Código Penal e que configuram vídeo de conteúdo sexual explícito.

Resultou igualmente provado que os aludidos quatro vídeos se encontram na pasta de vídeos enviados da aplicação WhatsApp – Whatsapp/media/whatsappVideo/sent/ - no telemóvel …, propriedade do arguido e que lhe foi apreendido, o que significa dizer que o arguido (contrariamente ao que afirma quanto a só ter recebido tais vídeos de pessoa que desconhece e de nem os ter visto) os enviou a algum ou alguns dos seus contactos, não identificados, pois os vídeos estão arquivados na pasta de envio da aplicação WhatsApp utilizada por este e fê-lo necessariamente de modo intencional, bem sabendo que os vídeos diziam respeito a KK e a outro menor na mesma faixa etária que o primeiro.

Mais se consideram verificadas as agravações previstas no artigo 177.º, n.º 1, alínea c) e n.º 7, já que, manifestamente, os menores tinham menos de 14 anos e, por via disso, pelo menos um ter seguramente nove anos, se afigura serem uma vítima especialmente vulnerável em razão da idade.

Não resultou, no entanto, provado que, pese embora resulte que o arguido recebeu, guardou e enviou ficheiros vídeo através da aplicação WhatsApp, mantivesse na sua posse os ficheiros com o propósito específico de os vir a distribuir, importar, exportar, divulgar exibir ou ceder. Entende-se, deste modo, que não se mostra preenchida a alínea d), do n.º 1, do artigo 176.º.

Chamando-se à colação, no entendimento que ora se explana, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 23.06.2020, em que foi Relatora a Exma. Sra. Juíza Desembargadora Dra. Ana Brito, processo n.º 8225/18.6T9LSB.E1, [citando Faria Costa] quando alude à intenção de divulgação e cedência, assente na “instalação de programas de partilhas de ficheiros (...). Ou seja, o agente do crime ao disponibilizar ficheiros com material pornográfico neste tipo de sistemas, sabe que outro utilizador da rede, que use o mesmo software, pode visualizar, ou copiar ficheiros contendo material pornográfico, tal como ele o poderá fazer de outros computadores. (...)”, que não ficou demonstrado que o arguido detivesse.

Por outro lado, não se pondera sequer a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 176.º, que dispõe que “Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até 2 anos.”, quanto à detenção de dois vídeos (…1 e …2) no disco externo pertencente ao arguido, porquanto no citado Acórdão se decidiu que, em situação similar à dos autos, em que o arguido detém ficheiros num dispositivo e partilha esses mesmos ficheiros na aplicação WhatsApp que “Estando provado que o arguido detinha ficheiros informáticos com conteúdo de pornografia infantil que enviou a terceiros e, ao mesmo tempo, detinha outros ficheiros com igual conteúdo que não enviou a terceiros, deve considerar-se que não praticou em concurso efectivo um crime p. e p. no artº 176º, nº 1, al. c), do C.P. e um crime p. e p. no artº 176º, nº 5, do mesmo Código, mas tão só um crime da al. c) do nº 1 do artº 176º do C.P..”, posição com a qual não se encontram fundamentos para discordar.

Por último, é de salientar que o arguido actuou, em todas as situações, a título de dolo directo, conforme surge conceptualizado no artigo 14.º, n.º 1 do Código Penal.

Não se mostram verificadas causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, o que significa que a acusação é, neste particular, procedente.»

Releva relembrar o que se anotou na fundamentação da decisão de facto neste conspecto:

Os factos provados 89., 90. e 91. resultam demonstrados pelo teor dos autos de apreensão de fls. 260/261, 284/285 e 289/290, da perícia de fls. 269 a 275 e acabaram por ser confirmados pelo arguido que, não obstante avançar com explicações pouco lógicas, admitiu que os aludidos aparelhos lhe pertenciam, mas que desconhecia a existência dos vídeos em causa ou os seus intervenientes. Ora, em face da oposição para o prosseguimento do julgamento quanto aos factos comunicados ao arguido, sobre os quais não cumpre produzir qualquer ponderação, não se pode deixar de referir que KK (consignando-se que dois dos ficheiros estão gravados com os nomes …1 e …2) admitiu expressamente ter enviado dois vídeos ao arguido e identificou-se a si próprio nos prints daqueles vídeos, constantes de fls. 261 (sendo peremptório em afirmar que se reconhece, aos lençóis da cama e ao “ursinho” de peluche que se visualiza ao lado do menor, na cama e concretizando que tais vídeos terão sido realizados e enviados ao arguido no Verão de 2020, quando o menor tinha 9 anos), daí que o Tribunal não tenha qualquer dúvida de que a criança que surge naqueles vídeos (dois originais e dois correspondendo a cópias parcelares daqueles primeiros) reproduzem a criança KK à data com 9 anos. E transpondo as características físicas do menor que se sabe ser KK para as características físicas do menor que se visualiza nos outros dois vídeos (e que são a mesma pessoa, pelo aspecto físico, além dos outros elementos: som de fundo do vídeo, cor dos lençóis e do cobertor, luminosidade do espaço retratado), constatamos que se trata de um vídeo de jovem da mesma faixa etária que aquele (não olvidando os parâmetros da escala de Tanner, aqui por comparação, mas com referência ao tamanho dos órgãos genitais, o estágio de desenvolvimento de pelos pubianos – quase inexistentes em ambos os vídeos. O Tribunal também não teve dúvidas de que quatro dos vídeos se encontravam na pasta de partilha / de ficheiros enviados do Whattsapp, o que não quer dizer outra coisa que não seja que o arguido, contrariamente ao por si proferido, não recebeu estes ficheiros (ou não se limitou a recebê-los), antes o enviou para outra pessoas, o que fez por via daquele aplicação, não podendo deixar-se de entender que destinava os demais dois ficheiros (aliás, os originais completos dos vídeos que enviou) a esse mesmo envio, para terceiros, naturalmente, porquanto outra razão não se vislumbra para a partilha / divulgação de vídeos contendo menores a se masturbarem ou a manusearem o respectivo pénis.» E acerca das objeções trazidas pelo recorrente refere o Ministério Público, na resposta ao recurso, que: «Acresce que esses mesmos quatro ficheiros, como resulta de fls. 269 a 275 dos autos, foram encontrados na pasta de partilha/de ficheiros enviados do Whattsapp, o que significa que esses ficheiros foram, efetivamente, partilhados pelo arguido e não copiados dessa aplicação.

A circunstância desses vídeos terem sido encontrados na pasta partilha de ficheiros significa que foram efetivamente partilhados, no caso pelo arguido, e em resultado dessa partilha a aplicação Whattsapp guardou o registo dessa mesma partilha, que foi encontrado.

Esse modo de funcionamento da aplicação Whattsapp pode ser confirmado através de várias fontes abertas.

A partilha desses ficheiros não consiste, pois, em suposições, como alega o arguido, mas encontra-se fundada nos registos encontrados e nas características própria do funcionamento da aplicação em causa.»

Já referimos supra as razões pelas quais não consideramos que os pontos 90. a 94. dos factos provados contenham afirmações conclusivas, genéricas ou difusas, de molde a suscitar incerteza quando ao seu objeto, aos sujeitos envolvidos ou às circunstâncias de tempo. Sendo no mais, absolutamente evidente - conforme muito bem se indica no acórdão recorrido (só se não repetindo o já extratado por inútil) -, que a atuação do arguido, talqualmente se mostra provada, integra os elementos objetivos e subjetivos do crime em referência, bem assim como as respetivas circunstâncias agravantes.

3.5.1 Erro de julgamento de direito relativamente ao crime de abuso sexual de crianças

O recorrente começa por afirmar na conclusão 18. que:

«18. Quanto ao crime de abuso sexual de crianças nas pessoas dos ofendidos BB, CC, EE, JJ, KK e LL, entendeu o Tribunal recorrido que não se mostraria preenchida a alínea a), do n.º 3, do art.º 171.º do CP, que nos remeteria para os atos praticados ao abrigo do art.º 170.º do mesmo diploma legal, porquanto a factualidade assente não permitir tal subsunção, contudo, e desvalorizando a idade do recorrente à data dos factos, vem o Acórdão recorrido referir que não operando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, deveria o arguido ser condenado pela prática do crime de abuso sexual de crianças, quanto aos ofendidos acima mencionados, previstos e punidos pelo art.º 171.º, n.º 3, al. b) do Código Penal.» E depois conclui na conclusão 19. que:

«19. Contudo, na própria decisão condenatória, veio o Tribunal a quo condenar, efetivamente, o recorrente pela prática do crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea c) do Código Penal, sendo ofendidos BB, CC, EE, JJ, KK e LL, nas penas fixadas no Acórdão recorrido, por cada um dos ofendidos.»

Breve: conforme bem assinala na sua resposta o Ministério Público, basta atentar na fundamentação do acórdão recorrido, da qual claramente resulta - entre fls. 131 e 132 – que: o Tribunal Colectivo considerou que a factualidade julgada provada, relativamente os factos de que foi vítima BB, preenche a al. b), do nº 3, do artº 171º, do Cód. Penal e não a al. “c”, desse mesmo preceito legal como, manifestamente por lapso, o Tribunal Colectivo inscreveu no dispositivo do Acórdão.

Com efeito, relativamente aos factos praticados contra BB o arguido encontrava-se acusado pelas als. a) e b), do nº 3, do artº 171º, do Cód. Penal.

Na sua fundamentação, o Tribunal Colectivo afastou o preenchimento da al. a) e julgou verificada a al. b), do nº 3, do artº 171º, do Cód. Penal.

Em nenhum momento o Acórdão discute o preenchimento da al. c), dessa norma pela factualidade julgada provada. Nem essa questão foi suscitada no decurso do julgamento por qualquer dos sujeitos processuais.

A menção à al. “c”, nessa parte do dispositivo constitui um claro lapso.

A própria decisão recorrida – o Acórdão proferido nos autos - é claro no sentido de que os factos julgados provados preenchem todos os elementos do tipo do crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 3, al. b), do Cód. Penal, pelo que não ocorre o vício de contradição entre a fundamentação e a decisão.

Como já mencionado, trata-se de um mero lapso de escrita que pode ser corrigido mesmo em sede de recurso. Devendo, pois, proceder-se à correcção do respectivo dispositivo, nos pontos “j.” e “k.”. e mencionar-se “al. b)” onde consta “al. c)”.»

Trata-se, como visto, de um lapso de escrita nas als. j. e k. do dispositivo do acórdão. O qual é manifestamente evidente, porquanto o dispositivo não é mais que a síntese do que se decidiu – do que consta da fundamentação. E o que ali consta relativamente ao ilícito em referência nas aludidas als. j. e k. do dispositivo foi que o arguido praticou sobre ofendido BB:

- um crime de abuso sexual de crianças, previsto no artigo 171.º, § 3.º, al. b) CP, fixando-se-lhe a pena de 7 meses de prisão (al. j);

- três crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, § 3.º, al. b) CP, fixando-se-lhe a pena, por cada um deles, de 8 meses de prisão (al. k) – o que se constata conferindo a fundamentação do acórdão a pp. 159 e 160 do ficheiro .pdf constante do Citius.

Esse lapsus calami (erro de escrita) é tão evidente (tão clamoroso) quanto aquele que consta do recurso do arguido, mas agora sob a pena do seu patrono, concretamente na epígrafe que introduz o segmento relativo ao «CRIME DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS – Art.º 176.º, n.º 1, al. c) e n.º 8 com referência ao art.º 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7, ambos do Código Penal.»

Também neste caso se trata - como é bom de ver - de manifesto lapso de escrita, porquanto o crime de abuso sexual de crianças consta do artigo 171.º do compêndio normativo indicado - e não do artigo 176.º! O que importa é reconhecer que a assinalada imprecisão descritiva, constante do dispositivo do acórdão recorrido, constituindo um notório lapsus calami, deverá ser corrigido nos termos e ao abrigo do previsto no artigo 380.º, § 1.º, al. b) CPP. O que este Tribunal determinará.

3.5.2 Crimes praticados no mesmo dia não têm autonomia

Semeado avulsamente pelo escrito recursivo, alude-se por 9 vezes ao facto de não se saber se determinados crimes foram praticados no mesmo dia ou em dias distintos, como se isso (a mera separação temporal de um dia) fosse critério da unidade ou pluralidade de crimes cometidos!

Refere p. ex. a conclusão 94., que:

«A referência temporal mínima é da maior relevância para individualização dos ciclos de abuso sexual ou estabelecer a conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente que pratica múltiplos comportamentos reiterados que se prolongam no tempo.»

Ora, não é assim.

Em primeiro lugar: de um modo genérico poderá dizer-se que um crime é um comportamento humano correspondente a uma previsão normativa, com conhecimento dos seus elementos constitutivos e vontade de o praticar.

Em segundo lugar, o critério da unidade ou pluralidade da ação criminosa é o previsto no § 1.º do artigo 30.º CP, onde se dispõe que:

«O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.»

Nem sempre o preenchimento plúrimo de tipos de ilícito constitui um concurso efetivo de crimes, tratando-se de um concurso meramente aparente: um mero concurso de normas. O concurso aparente de crimes surge quando os factos praticados, ainda que preenchendo formalmente uma pluralidade de tipos criminais (ou do mesmo tipo de crime), a punição por apenas um deles se mostra suficiente para a punição do complexo factual a que todos se reportam. Tal emerge quando há entre as normas respetivas uma relação de especialidade, de subsidiariedade ou de consunção (10); ou se verificam os pressupostos do crime continuado (artigo 30.º, § 2.º CP). A referida relação de especialidade surge quando duas normas partilham os mesmos elementos típicos, mas uma delas tem ainda outros que a distinguem ou especializam (norma dominante lex specialis derrogat legi generali). Já a subsidiariedade põe em evidência as normas em termos de grau, integrando a norma dominante uma forma mais grave de violação do bem jurídico.

E na consunção o que se verifica é que um dado ilícito típico integra outro ilícito, contendo a punição pelo primeiro o desvalor ínsito nos dois crimes. É o que sucede quando um dos ilícitos constitui crime-meio e o outro o crime-fim, integrando-se neste a descrição típica e a estatuição da pena daquele, «de tal modo que valorá-los na sua integralidade significaria violação da proibição de dupla valoração.» (11)

No concernente ao crime continuado, para que se verifique é suposta uma reiteração de propósitos, na realização plúrima do mesmo crime ou de crimes que protejam essencialmente o mesmo bem jurídico, mas devida tal reiteração a um estado de coisas, exterior ao agente, de força criminógena, o qual, nessa medida lhe diminua a culpa. Essencial é que o agente haja sido influenciado por circunstâncias exteriores que facilitem a repetição dos atos criminosos.

São seus pressupostos:

- a realização plural do mesmo tipo de crime, ou de vários tipos que tutelem fundamentalmente o mesmo bem jurídico;

a homogeneidade na forma de execução, tradutora de unidade no injusto objetivo da ação desenvolvida;

- a lesão do mesmo bem jurídico ou ofensa de um mesmo valor;

- a unidade de dolo, inculcadora de unidade no injusto pessoal da ação, ou seja, significando que as diversas resoluções se devem manter adentro de uma linha psicológica continuada;

- a persistência de uma dada situação exógena que propicie uma mais fácil execução;

- a existência de uma certa conexão temporal, donde se presuma uma menor ou menos elaborada reflexão sobre a ação delituosa anterior, favorecedora de um repetido sucumbir.

Mostra-se igualmente arredada a possibilidade de em situações como a presente se poder mobilizar a figura do crime de trato sucessivo, como esclarece o Supremo Tribunal de Justiça. (12) Pois nestes casos, contrariamente ao que sucede no crime continuado, não se verifica qualquer diminuição de culpa, antes mera reiteração criminosa, reveladora de uma persistente resolução criminosa, mas que encerra uma culpa agravada, medida de acordo com o número de condutas realizadas e respetiva ilicitude.

No essencial as razões que ditam o afastamento da unificação criminosa através da figura do trato sucessivo, nos casos de condutas reiteradas de abuso sexual de crianças, radicam na desproporcionalidade das punições face aos critérios legais vigentes. O que não é pouco, na medida em que entendimento contrário constituiria um inconstitucional atropelo ao princípio constitucional respetivo.

A dogmática jurídica também não permite arrimo à categoria do crime exaurido, posto que este matricialmente se caracteriza pela circunstância de «o primeiro passo dado pelo agente na senda do iter criminis já constituir preenchimento do tipo». (13)

Em suma: a unificação jurisprudencial de várias condutas integradoras de tipos legais de cariz sexual num único crime constituirá sempre violação do princípio da legalidade. Donde, os diversos crimes de abuso sexual de criança deverão ser punidos (como foram) em concurso efetivo. (14)

3.6 Erro de julgamento de direito – desproporcionalidade da medida concreta das penas parcelares e da pena única

Especialmente nas conclusões 99., 100. e 104. o recorrente afirma que as penas concretas fixadas relativamente à prática de cada um dos crimes cometidos são desproporcionadas (querendo significar: «exageradas») face à moldura abstrata dos ilícitos respetivos. E na conclusão 106. faz a mesma observação relativamente à pena única.

Mais afirmando, conclusiva e infundadamente (por se não indicarem as premissas de tal conclusão) que:

«o tribunal recorrido pretendeu, erradamente, fazer do arguido um exemplo de punição face a muitos outros casos de pornografia e abuso sexual de menores que, aí sim, deveriam ser fortemente censurados e condenados.»

Evidencia nesta matéria o acórdão recorrido, que:

«Nesta sede, liminarmente, importa ter presente que o arguido nasceu em 30.06.2003, pelo que à data da prática dos primeiros factos tinha 16 anos e à data dos últimos contava 19 anos de idade.

O Decreto–Lei n.º 401/82, de 23.09 contém o regime penal especial para jovens com idades compreendidas entre os 16 e 20 anos.

Como decorre do seu artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 este regime «aplica-se a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime», sendo «considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21», tendo como consequência a aplicação da atenuação especial da pena nos termos dos artigos 72.º e 73.º do Código Penal.

A atenuação especial da pena aqui prevista depende apenas da verificação de um pressuposto material: ter o juiz «sérias razões para crer» que dela resultarão «vantagens para a reinserção social do jovem condenado», não havendo, no âmbito desta norma, lugar para considerações de culpa ou de defesa da sociedade.

O arguido não possui quaisquer antecedentes criminais.

Certo é que era (e é) jovem, reportando-se os primeiros factos a uma altura em que o arguido se encontrava um pouco acima do limiar da imputabilidade.

Embora a sua conduta seja altamente censurável, face à sua juventude, mas sendo certo que persistiu na sua conduta durante cerca de três anos, é de esperar que, os presentes autos lhe sirvam para ultrapassar e tomar consciência do seu comportamento e do rumo que deve imprimir à sua vida.

Neste contexto afigura-se que a atenuação especial da pena poderá acarretar reais vantagens para a sua reinserção social, o que aliás, surge reforçado pelo teor do relatório pericial efectuado, designadamente quanto ao risco baixo de violência sexual, não o onerando já, nesta fase da sua vida, com uma pena excessiva posto que a pena atenuada será, em nosso entender, suficiente para o alertar para a necessidade de maior responsabilização na conduta futura que adoptar. Não se ignora que o arguido não assumiu as condutas que adoptou, no entanto e ainda assim, o Tribunal entende haver vantagens para a sua reinserção a atenuação especial da pena.

Deve, assim, ser atenuada especialmente a pena a aplicar ao arguido AA.

Isto dito, resulta que:

- ao crime de pornografia de menores agravados, previsto e punidos pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea c), n.º 8 e 177.º, n.º 1, alínea c) e n.º 7 do Código Penal cabe a moldura punitiva abstracta de pena de prisão é de 1 anos e 6 meses a 7 anos e 6 meses (por aplicação do disposto no n.º 8 do citado artigo 177.º do Código Penal);

- ao crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal a moldura abstracta é de 1 mês até 3 anos;

Assim, em função da atenuação especial e da moldura dos crimes em causa, é reduzido, em ambos os crimes, o limite máximo de um terço e, no crime de pornografia de menores agravados, o limite mínimo é reduzido a um quinto, sendo que no crime de abuso sexual de crianças o limite mínimo já se mostra salvaguardado – cfr. artigo 73.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal, aplicável por via do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09.

Deste modo, ficamos com a seguinte moldura penal para cada um dos crimes:

- crime de pornografia de menores agravados - limite máximo de 5 (cinco) anos e o limite mínimo de 3 (meses) e 18 (dezoito) dias de prisão;

- crime de abuso sexual de crianças - limite mínimo de 1 (um) mês e máximo de 2 (dois) anos.

Verificada a prática por parte do arguido de um crime de pornografia de menores agravado, de quatro crimes de abuso sexual de crianças na pessoa de BB, de três crimes de abuso sexual de crianças na pessoa de CC, de um crime de abuso sexual de crianças na pessoa de EE, de três crimes de abuso sexual de crianças na pessoa de JJ, de cinco crimes de abuso sexual de crianças na pessoa de KK de dois crimes de abuso sexual de crianças na pessoa de LL, cabe agora extrair as respectivas consequências, ou seja, cabe aplicar a estatuição subsequente ao preenchimento do tipo incriminador em questão – uma pena, que sendo de prisão para todos os crimes não obriga ao Tribunal a qualquer escolha quanto à escolha da mesma.

Avançando, então, na operação de determinação das penas, fixando, para tanto, o respectivo quantum, atendendo para tal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, sendo que há-de o julgador considerar como limite intransponível, na determinação da medida concreta da pena, a culpa do agente manifestada no cometimento dos factos típicos (cfr. artigos 40.º, n.º 2, e 70.º, n.º 1, do Código Penal).

Assim, devem ser atendidas as seguintes circunstâncias no que se refere à determinação da medida concreta da pena, quanto ao arguido AA:

Contra o arguido, cumpre referir:

- O dolo intenso, porque directo em qualquer dos crimes;

- A ilicitude, a qual se afere – dentro da ilicitude dos tipos incriminadores em apreço – como sendo elevada (com especial enfoque, quanto ao crime de pornografia, á circunstância de o crime ter também sido praticado contra vítima especialmente vulnerável em face da sua idade), considerando ainda que as expressões por si utilizadas quanto aos ofendidos, nos crimes de abuso sexual de criança, os pedidos e envio de vídeos e fotografias têm uma carga sexual superior a mediana, com carga mais negativa para os menores com idade entre os 10 e 11 anos (pré-adolescentes).

A considerar a este mesmo propósito, temos que o valor dos bens visados com a prática dos aludidos crimes são de valor elevado, atendendo ainda ao número de menores abordados pelo arguido (6), as suas idades e, bem assim, o período de tempo durante o qual se prolongou a actuação do arguido, pelo menos durante cerca de três anos, ainda que não focasse, em todo esse período, a actuação num único ofendido.

- O modo de execução dos crimes revela que o arguido, usando das vantagens de os menores e seus progenitores baixarem a guarda quanto à utilização das redes sociais, os decidiu abordar a qualquer hora do dia e da noite, além de usar do facto de ser… de futebol e invocar a qualidade de … do …, para exercer influência e poder sobre os ofendidos, o que conseguiu;

- A conduta posterior aos factos, consignando-se que o arguido não revelou ter interiorizado o desvalor das suas condutas, desde logo pela desvalorização do teor das mensagens com as quais foi confrontado, além de procurar desviar a atenção do Tribunal para os ficheiros que detinha e partilhou com terceiros;

- As necessidades de prevenção geral, são elevadas, não apenas negativa, de intimidação, mas sobretudo positiva ou de integração, isto é de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação das normas ocorrida, fazem-se sentir, quer no que toca ao crime de pornografia, quer no que toca ao crime de abuso sexual de crianças, porque praticado em contexto de redes sociais e de telemóvel, principalmente no quadro actual da sociedade, com intensíssima intensidade, uma vez que tal tipo de crime tem vindo a causar grande perplexidade quanto à sua difusão, nomeadamente através da utilização dos meios tecnológicos actuais, os quais facilitadores do acesso a vias de comunicação que fogem ao controlo parental. Não se ignorando que maior é o grau de alarme quanto menor a faixa etária atingida, pois que maior a fragilidade das vítimas e maior o grau do efeito nefasto do crime no desenvolvimento normal da criança, nomeadamente no quadro do desenvolvimento equilibrado da sua autodeterminação sexual, aqui se reiterando que se trata de um tipo de crime que tem particular incidência (além do contexto familiar) em contextos escolares e desportivos, o qual é particularmente pernicioso para as vítimas porque o tipo de ambiente em que é perpetrado tende a perpetuar a conduta do agente do crime;

- As necessidades de prevenção especial, são elevadas e neste sentido temos que, apesar de o arguido não ter antecedentes criminais registados, e se mostrar inserido familiar e socialmente (circunstâncias que já ocorriam à data da prática dos factos), não demonstrou estar ciente da gravidade das suas condutas;

- No atinente à gravidade das consequências geradas pelos crimes (todos eles), não ficaram as mesmas demonstradas nos autos, embora cumpra salientar que em crimes de natureza sexual, as consequências para o desenvolvimento sexual pleno da vítima, tratando-se de uma criança / jovem, poderão vir a manifestar-se mais tarde.

Depõem a favor do arguido, como atenuantes:

- A sua idade.

- A sua inserção profissional e familiar.

- A inexistência de antecedentes criminais.

Ponderadas todas as circunstâncias acabadas de referir, o Tribunal decide aplicar ao arguido AA, pela prática:

- de um crime de pornografia de menores agravado, na pena de 2 anos e 6 meses;

- de quatro crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º n.º 3 alínea b) do Código Penal, sendo ofendido BB e por referência às condutas supra descritas (i) na pena de 7 meses de prisão, (ii) na pena de 8 meses de prisão; (iii) na pena de 8 meses de prisão e (iv) na pena de 8 meses de prisão;

- de três crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º n.º 3 alínea b) do Código Penal, sendo ofendido CC, na pena de 9 meses por cada um dos aludidos crimes;

- de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º n.º 3 alínea b) do Código Penal, sendo ofendido EE, na pena de 7 meses de prisão;

- de três crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º n.º 3 alínea b), do Código Penal, sendo ofendido JJ, na pena de 9 meses de prisão por cada um dos crimes;

- de cinco crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º n.º 3 alínea b) do Código Penal, sendo ofendido KK e por referência às condutas supra descritas (i) na pena de 10 meses de prisão e (ii), (iii), (iv) e (v) de 11 meses de prisão em relação a cada um dos demais crimes (afigurando-se de ser de diferenciar a pena aplicada pela prática destes crimes atenta a idade do menor à data dos factos, a maior proximidade geográfica do ofendido com o arguido, o número de mensagens que lhe foram remetidas pelo arguido, incluindo no dia de Natal);

- de dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º n.º 3 alínea b) do Código Penal, sendo ofendido LL, na pena de 5 meses de prisão.

Do cúmulo jurídico quanto às penas aplicadas ao arguido:

Determinada a medida concreta da pena dos vários crimes, cumpre averiguar da aplicabilidade do regime atinente à punição do concurso de crimes.

Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal há lugar à punição da conduta da arguida de acordo com o regime do concurso de crimes “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles”, determinando-se uma pena única que corresponderá aos vários crimes integrantes do concurso.

Assim, de acordo com a norma enunciada, exige-se que o agente tenha, através da sua conduta, tenha cometido vários crimes, determinando-se o número de crimes “pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente” (artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal).

Porque o arguido cometeu vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, deve ser condenado numa única pena, aferindo-se que a pena única a aplicar àquele tem como limite mínimo 2 anos e 6 meses e como limite máximo 15 (quinze) anos e 6 (seis) mês de prisão.

Ora, considerando todos os factos supra enunciados no que se refere à medida das penas parcelares aplicadas e que aqui damos por reproduzidos, considera-se ser de aplicar ao arguido, AA a pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão.»

E isso torna clara a sem razão do recorrente.

Importará, no entanto, lembrar que «também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico. O Tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da pena, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Assim, o recurso não visa, nem pretende aqui, eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao Tribunal de 1.ª instância enquanto componente individual do ato de julgar. A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada. (…)» (15)

E isto dito, não deixaremos de constatar que o Tribunal recorrido atentou acertadamente na moldura legal aplicável aos crimes em referência e às respetivas circunstâncias agravantes (que expressa e circunstanciadamente mencionou); considerando com a devida prudentia ser vantajoso para o arguido (para a reinserção social do arguido) aplicar-lhe – como aplicou efetivamente - o regime penal especial para os jovens adultos do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro. Bem como atentou nos contributos dos pareceres e informações técnicas de caracterização da pessoa do arguido e da sua inserção social. E depois graduou as penas correspondentes a cada um dos crimes, com referência a cada ato ilícito praticado, com referência a cada um dos ofendidos e com observância dos parâmetros normativos que as enquadram.

Finalmente, observando igualmente os princípios e regras relativos à graduação da pena única, resultante do cúmulo jurídico das penas correspondentes a cada um dos crimes integrados no concurso, fixou-a em medida contextualmente ajustada.

Na verdade, a mais da referência genérica à proporcionalidade, o recorrente não evidencia que razões de justiça imporiam alteração às medidas das penas parcelares ou à pena única. Nem nós as vislumbramos! Por isso concluiremos referindo que as penas parcelares se mostram proporcionadas à ilicitude de cada um dos ilícitos concretos, da medida da culpa do arguido no quadro circunstancial respetivo e das exigências de prevenção geral e das necessidades de prevenção especial. E, como assim, nada havendo que justifique qualquer alteração.

Em suma: o juízo efetuado no acórdão sob recurso relativamente às penas parcelares e à pena única corresponde, no essencial, ao juízo que cremos ajustado às exigências (comunitárias) que o caso concreto evidencia relativamente à prática de cada um dos ilícitos e às necessidades de ressocialização evidenciadas pelo arguido, que emergem das circunstâncias próprias do mesmo (artigo 40.º, § 1.º e 2.º CP), também bem caracterizadas no acórdão recorrido.

3.7 Inconstitucionalidade e desproporcionalidade da pena acessória de proibição do exercício de funções

Considera o recorrente que a aplicação de uma pena acessória de 10 anos de proibição de exercício de funções que envolva contacto regular com menores, nos termos do § 2.º, do art.º 69.º-B CP, é manifestamente desproporcional e desadequada, uma vez que esta corresponde praticamente no dobro da pena principal.

Acrescenta que a previsão da moldura abstrata da pena acessória prevista no artigo 69.º-B, § 2.º CP, é ela própria inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, § 2.º da Constituição).

Comecemos, então, por aferir da inconstitucionalidade da pena acessória prevista no § 2.º, do art.º 69.º-B CP, uma vez que a procedência desta questão se mostra prejudicial relativamente à primeiramente enunciada.

Efetivamente, por vezes, o legislador sente a necessidade de conferir uma mais ampla tutela aos bens jurídicos violados, para isso utilizando penas acessórias, com função coadjuvante - de complementaridade – da pena principal.

Como verdadeiras penas que são, também estas penas acessórias estão limitadas pela medida da culpa do arguido e, a mais da proteção dos bens jurídicos, gizam elas também a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.º CP).

No preceito do CP em referência (artigo 69.º-B, § 2.º) dispõe-se que:

«É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor.»

Antes de aferir se a pena acessória prevista no artigo 69.º-B CP, constitui uma solução excessivamente onerosa ou restritiva, em termos de vulnerar o princípio da proporcionalidade, na dimensão da proibição do excesso, importa afrontar a questão prévia da proibição constitucional da automaticidade da perda de direitos civis e profissionais.

A imperatividade da aplicação da pena acessória de proibição do exercício de funções por crimes contra a autodeterminação sexual, a que se reporta o § 2.º do artigo 69.º-B CP - por contraste com a prevista no § 1.º do mesmo retábulo -, suscita justamente o problema da sua compatibilização com a proibição constitucional dos efeitos automáticos das penas (artigo 30.º, § 4.º da Constituição), tendo o Tribunal Constitucional já em diversas ocasiões tido ocasião de se pronunciar sobre este temário, caracterizando os contornos dessa proibição nos seguintes termos: No acórdão n.º 239/2008: «Na verdade, ao estabelecer-se um nexo consequencial entre a aplicação duma pena e a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, alguns dos princípios que presidem à aplicação das penas devem também estar presentes na aplicação daquelas medidas, nomeadamente os princípios da culpa, da necessidade e da proporcionalidade, pelo que é imprescindível a mediação de um juízo que avalie os factos praticados e pondere a adequação e a necessidade de sujeição do condenado a essas medidas, não podendo as mesmas resultarem ope legis da simples condenação penal (vide, neste sentido, DAMIÃO DA CUNHA, em “Constituição Portuguesa anotada”, dirigida por Jorge Miranda e Rui Medeiros, tomo I, pág. 337-338, da ed. de 2005, da Coimbra Editora).» (n.º 2 da Fundamentação); Também no acórdão n.º 748/2014: «Ora, tal proibição, como é consabido, pretende impedir que haja um efeito automático de condenação penal nos direitos civis, profissionais e políticos do arguido. A sua justificação é simultaneamente a de obviar ao efeito estigmatizante e criminógeno das penas e de impedir a violação dos princípios da culpa e da proporcionalidade, que impõem uma ponderação, em concreto, da adequação do efeito em causa à gravidade do ilícito, afastando a possibilidade de penas fixas (cfr. o acórdão n.º 461/2000)» (n.º 4); Igualmente no acórdão n.º 132/2018: «É este o sentido em que deve ser lido o artigo 30.º, n.º 4, da CRP. Ou seja, e em síntese, ele “(…) não proíbe a consagração de penas que se traduzam na perda de direitos civis, mas sim que da simples condenação anterior o legislador retire automaticamente esse efeito, sem mediação do julgador” (acórdão n.º 53/2011; v. ainda o acórdão n.º 239/2008), “(…) com tal preceito constitucional pretendeu-se proibir que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis, efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos e pretendeu-se que assim fosse porque, em qualquer caso, essa produção de efeitos, meramente mecanicista, não atenderia afinal aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, princípios esses de todo inafastáveis de uma lei fundamental como a Constituição da República Portuguesa que tem por referente imediato a dignidade da pessoa humana” (acórdão n.º 284/89).» (n.º 2.2 da Fundamentação). E também no acórdão n.º 256/2020: «A proibição consagrada no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição deve, por identidade de razão, ser aplicada também às penas acessórias, e, de modo particular, à pena acessória de proibição do exercício de função: não só está em causa uma verdadeira “pena”, como os motivos de proibição da automaticidade dos efeitos das penas, nomeadamente no que se refere ao seu carácter estigmatizante, valem da mesma forma para as penas acessórias.» É, pois, inequívoca a vulneração da proibição constitucional da perda automática de direitos civis e profissionais em obrigatória decorrência da aplicação de uma pena (principal). No concernente à violação do princípio da proporcionalidade diremos que o mesmo tem raízes antigas, que remontam à Grécia clássica, constituindo hoje um princípio geral de direito. E é aplicável a todas as esferas do poder público, desde o legislativo, ao administrativo e ao judicial, tendo como subprincípios agregados a adequação, a necessidade (exigibilidade e subsidiariedade) e a proporcionalidade em sentido estrito (justa medida). O Tribunal Constitucional vem salientando, em diversa das suas decisões que o legislador dispõe de uma ampla margem de decisão quanto à eleição das condutas criminosas como quanto à proporcionalidade das respetivas sanções.(16) E relativamente ao princípio da proporcionalidade destas, o Tribunal só deverá censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, na medida em que isso contenda com a previsão do § 2.º do artigo 18.º da Constituição. Porquanto ir além disso significaria julgar a bondade da própria solução legislativa, desse modo invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável liberdade de conformação.

Como referido no acórdão n.º 651/2009, do Plenário do Tribunal Constitucional (ponto 5): «o princípio [da proporcionalidade ou da proibição do excesso] decorre antes do mais das próprias exigências do Estado de direito a que se refere o artigo 2.º da Constituição, por ser consequência dos valores de segurança nele inscritos.

Com o que a proibição do excesso tem uma sede material que se revela bem mais vasta do que aquela que é coberta pelas suas referências textuais explícitas, natural é que ela possa ser invocada como parâmetro constitucional em outras situações, que não apenas as referentes, nomeadamente, às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. É que o princípio vale, não apenas como limite constitucional das ações do legislador, mas como limite das atuações de todos os poderes públicos; e, quanto à função legislativa, não vinculará apenas aquela que se cifrar em instituição de restrições aos direitos, liberdades e garantias. Como os direitos fundamentais desempenham, no nosso ordenamento jurídico, também uma importante função valorativa ou objetiva, por certo que o princípio poderá ser invocado como instrumento de ponderação sempre que estiverem em causa valores jusfundamentais que entre si, objetivamente, conflituem. Ponto é, no entanto, que se tenha demonstrado previamente que, ainda nessas situações, o legislador, não agindo no âmbito da sua liberdade de conformação política, se encontrava constitucionalmente vinculado a decidir de um certo modo, e não de outro, o conflito entre os bens ou valores em colisão.»

Tendo o mesmo Tribunal decidido também no acórdão n.º 387/2012, ponto 9.1., que «as decisões que o Estado (lato sensu) toma têm de ter uma certa finalidade ou uma certa razão de ser, não podendo ser ilimitadas nem arbitrárias e que esta finalidade deve ser algo de detetável e compreensível para os seus destinatários. O princípio da proibição de excesso postula que entre o conteúdo da decisão do poder público e o fim por ela prosseguido haja sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma justa medida e encontra sede no artigo 2.º da Constituição. O Estado de direito não pode deixar de ser um Estado proporcional».

O Tribunal Constitucional tem procurado densificar o conteúdo desta «proporcionalidade», referindo p. ex. no seu acórdão n.º 632/2008, que: «O que seja o conteúdo rigoroso da proporcionalidade, textualmente referida na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, é questão suficientemente tratada pela jurisprudência do Tribunal. Com efeito, e como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 634/93 (referido também no Acórdão n.º 187/2001), a ideia de proporção ou proibição do excesso – que, em Estado de direito, vincula as ações de todos os poderes públicos – refere-se fundamentalmente à necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins: as ações estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos. Dizer isto é, no entanto, dizer pouco. Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93): (e, portanto, não equilibrados) para as pessoas a quem se destinem o

princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos). A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo exato a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da medida adotada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, “[t]rata-se…de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação “calibrada” – de justa medida – com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis”. A segunda precisão a acrescentar é relativa à ordem lógica de aplicação dos três subprincípios, que se devem relacionar entre si segundo uma regra de precedência do mais abstracto perante o mais concreto, ou mais próximo (pelo seu conteúdo) da necessária avaliação das circunstâncias específicas do caso da vida que se aprecia. Quer isto dizer, exactamente, o seguinte: o teste da proporcionalidade inicia-se logicamente com o recurso ao subprincípio da adequação. Nele, apenas se afere se um certo meio é, em abstracto e enquanto meio típico, idóneo ou apto para a realização de um certo fim. A formulação de um juízo negativo acerca da adequação prejudica logicamente a necessidade de aplicação dos outros testes. No entanto, se se não concluir pela inadequação típica do meio ao fim, haverá em seguida que recorrer ao exame da exigibilidade, também conhecido por necessidade de escolha do meio mais benigno. É este um exame mais ‘fino’, ou mais próximo das especificidades do caso concreto: através dele se avalia a existência – ou inexistência –, na situação da vida, de várias possibilidades (igualmente idóneas) para a realização do fim pretendido, de forma a que se saiba se, in casu, foi escolhida, como devia, a possibilidade mais benigna ou menos onerosa para os particulares. Caso se chegue à conclusão de que tal não sucedeu – o que é sempre possível, já que pode haver medidas que, embora tidas por adequadas, se não venham a revelar no entanto necessárias ou exigíveis –, fica logicamente prejudicada a inevitabilidade de recurso ao último teste de proporcionalidade. A terceira precisão a acrescentar relaciona-se com a particular dimensão que não pode deixar de ter o juízo de proporcionalidade (na sua aceção ampla), quando aplicado às decisões do legislador. Afirmou-se atrás que o princípio em causa vale, em Estado de direito, para as ações de todos os poderes públicos. Quer isto dizer que ele se aplicará tanto aos atos da função administrativa quanto aos atos da função legislativa, pois que, em qualquer caso, não pode o Estado (atuando através dos seus diferentes poderes) empregar meios que se revelem inadequados, desnecessários ou não ‘proporcionais’ face aos fins que pretende prosseguir. Certo é, porém, que o poder legislativo se distingue do poder administrativo precisamente pela liberdade que tem para, no quadro da Constituição, eleger as finalidades que hão de orientar as suas escolhas: disto mesmo aliás se fala, quando se fala em liberdade de conformação do legislador. Daqui decorre que o juízo de invalidade de uma certa medida legislativa, com fundamento em inobservância de qualquer um dos testes que compõem a proporcionalidade, se há de estribar sempre – como se disse no Acórdão n.º 187/2001 – em manifesto incumprimento, por parte do legislador, dos deveres que sobre ele impendem por força do princípio constitucional da proibição do excesso.»

Isto dito, importa agora aferir se a pena acessória prevista no artigo 69.º-B CP, constitui uma solução excessivamente onerosa ou restritiva, em termos de suscitar a questão de constitucionalidade, por vulneração do princípio da proporcionalidade na referida dimensão da proibição do excesso.

Para tal será necessário avaliar se a medida contida em tal pena acessória é necessária e ainda compatível com as exigências de proporcionalidade face aos direitos pessoais do condenado. Quando à sua necessidade, tendo em vista as suas finalidades preventivas, ela parece ser indiscutível. Já a proporcionalidade da sua medida (maxime do seu limite mínimo) é que nos parece questionável. Sendo consequente com as dimensões supra traçadas ao princípio da proporcionalidade, previsto como já referido no § 2.º do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, consideramos que em face da manifesta desproporcionalidade das reações previstas nos artigos 69.º-B do Código Penal (entre 5 e 20 anos), em face das penas (principais) significativamente menos severas dos crimes de abuso sexual de crianças e de pornografia de menores, (artigo 171.º e 176.º - ainda que com a agravação prevista no artigo 177.º, § 1.º, al. c) e § 7.º CP) -, talqualmente sustentam Mouraz Lopes e Tiago Milheiro (17), devendo recusar-se a sua aplicação, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação justamente do referido princípio da proporcionalidade, em linha com o que igualmente preconiza Paulo Pinto de Albuquerque. (18)

Nos termos expostos concluímos, pois, pela inconstitucionalidade material da norma aqui em referência, na medida em que pela obrigatoriedade da sua aplicação vulnera a proibição constitucional da perda automática de direitos civis e profissionais em decorrência de uma pena principal (artigo 30.º, § 4.º da Constituição), e também por não permitir uma graduação proporcional – não excessiva – da pena acessória em causa (artigo 18.º, § 2.º da Constituição). (19)

Termos em que com tais fundamentos recusamos a aplicação da referida pena acessória, determinando a consequente revogação (apenas nesta parte) do acórdão recorrido.

3.8 Vulneração do princípio da equidade na fixação dos montantes das indemnizações arbitradas às vítimas.

O recorrente considera serem «manifestamente desproporcionais e desadequados» os valores fixados às indemnizações arbitradas. Devendo estas ser fixadas de acordo com a equidade, significa que o seu valor deverá determinar-se de acordo com a culpa do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano. E sendo o arguido estudante e não tendo meios próprios que lhe permitam fazer face a tais pagamentos eles terá de ser efetuados pelos seus progenitores que, neste caso, serão os verdadeiros condenados, sem que tenham qualquer responsabilidade criminal. A mais disso não foi feita perícia à vítima para aferir da gravidade do dano. Antes de mais deve afirmar-se (relembrando), que evidentemente os pais do arguido nada têm de pagar seja a quem for, uma vez que não sendo responsáveis pelas indemnizações fixadas. No mais, conforme dispõe o artigo 400.º, § 2.º CPP, sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do Tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

Nos termos do disposto no artigo 44.º, § 1.º da Lei n.º 62/2013, de 26/8, a alçada dos tribunais da Relação em matéria cível é de 30 000€ e a dos tribunais de 1.ª instância é de 5 000€, sendo que por alçada se entende o «limite de valor até ao qual o tribunal julga sem recurso ordinário» (20).

Ora, no caso sub judice, os montantes arbitrados oficiosamente às indemnizações, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A CPP, em conexão com o artigo 16.º, § 1.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de dezembro, quedaram-se no intervalo entre 1 000€ (arbitrada a favor de EE) e 2 500€ (arbitrada a favor de KK).

E como assim, não excedendo os montantes fixados metade da alçada do Tribunal de 1.º instância (artigo 400.º, § 2.º CPP), não é legalmente admissível recurso neste particular. Pelo que o recurso nesta parte improcederá.

Termos em que com as ressalvas relativas à pena acessória (que por ser inconstitucional a norma que a prevê, será revogada), o recurso não é merecedor de provimento.

III – DISPOSITIVO

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em:

a) Nos termos referidos em 3.5.1 supra, determina-se que as alínea j. e k. do dispositivo do acórdão recorrido passem a ter a seguinte redação: «j. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea b), do Código Penal, sendo ofendido BB, na pena de 7 meses de prisão;

k. Condenar o arguido AA pela prática de três crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea b), do Código Penal, sendo ofendido BB, na pena, por cada um dos crimes, de 8 meses de prisão;»

b) Declarar inconstitucional a previsão normativa constante do § 2.º do artigo 69.º-B do Código Penal, por violação da proibição de automaticidade de perda e direitos civis e profissionais e do princípio da proporcionalidade, previstos nos artigos 30.º, § 4.º e 18.º, § 2.º da Constituição; e em consequência, revogar a pena acessória de proibição do exercício de funções por crimes contra a autodeterminação sexual, prevista justamente nesse § 2.º do artigo 69.º-B do Código Penal.

c) Não admitir o recurso relativamente aos montantes fixados em matéria de indemnização cíveis.

d) No demais, considerar o recurso não provido e, em consequência, manter o [ressalvada a correção referida em a)] decidido no douto acórdão recorrido.

e) Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s.

Évora, 23 de abril de 2024

J. F. Moreira das Neves (relator)

Maria Margarida Bacelar

Laura Goulart Maurício

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1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 Cf. acórdão do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995 (Fixação de Jurisprudência), publicado no DR, I-A, de 28/12/1995.

3 Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 3/2012, de 8mar2012, publicado no DR, I-A, de 18abr2012.

4 Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 259/2002, de 18/6/2002 (publicado no DR, II, de 13dez2002): «quando a deficiência de não se ter concretizado as especificações previstas nas alíneas a), b) e c), do n.º 3 do art. 412.º, do CPP, reside tanto na motivação como nas conclusões, não assiste ao recorrente o direito de apresentar uma segunda motivação, quando na primeira não indicou os fundamentos do recurso ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos.» O mesmo se considerou no acórdão n.º 140/2004, de 10mar2004 do mesmo Tribunal.

5 Sobre este temário poderá ver-se p. ex. João Ataíde Varela, Psicologia cognitiva, neurociência e prova testemunhal – Os novos desafios em processo penal (o caso especial dos crimes sexuais contra menores), revista JULGAR, n.º 52, Almedina, 2024, maxime pp. 276, 278, 283; e Luís Pires de Sousa, Prova testemunhal, Almedina, 2017, pp. 63 ss.

6 Neste sentido cf. João de Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Edições Ática, 1961, p. 302.

7 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Almedina, 2004 (reimpressão), pp. 202-203.

8 Cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24mar2004.

9 Acórdão citado do Tribunal Constitucional (n.º 198/2004, de 24mar2004).

10 De modo bastante claro e esquemático cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, Universidade Católica Editora, pp. 133/134 (anotação ao artigo 30.º).

11 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 3.ª ed., 2019, Gestlegal, pp. 1164.

12 Cf., entre outros, acórdão do STJ de 12set2009, proc 2745/09.0TDLSB-L1.S1, Cons. Raúl Borges; e acórdão STJ de 17set2014, proc. 595/12.6TSLV.E1.S1, Cons. Pires da Graça.

13 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9out2003, proc. 03P2851; e acórdão do mesmo Tribunal, de 17set2014, proc 595/12.6TASLV.E1.S1, Cons. Pires da Graça.

14 Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4mai2017, proc. 110/14.7JASTB.E1.S1, Cons. Helena Moniz.

15 Acórdão TRÉvora, de 22/4/2014, proc. n.º 291/13.7GEPTM.E1, Desemb. Ana Barata Brito. No mesmo sentido cf. acórdãos TRÉvora, de 29/5/2012, proc. 72/11.2PTFAR.E1, Desemb. António João Latas; e acórdão TRÉvora, de 16/6/2015, proc. 25/14.9GAAVS.E1, Desemb. Clemente Lima, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

16 Disponível em: www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/

17 José Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro, Crimes Sexuais – Análise Substantiva e Processual, 3.ª ed., 2021, Almedina, p. 320.

18 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2021, pp. 384/396.

19 Neste mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, a 19abr2022, no proc. 3007/16.2T9CSC-L1.5, de que foi relatora a Des. Sandra Oliveira Pinto.

20 Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. V, pp. 220.