ART.417º
Nº2
DO CPP
OMISSÃO DA NOTIFICAÇÃO DO PARECER
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário

Em sede de recurso ordinário, assumindo o Ministério Público as vestes de titular da ação penal, é no princípio do contraditório que radica a razão de ser da necessidade de notificação (artigo 417.º, número 2) do parecer emitido pelo Ministério Público nos termos do artigo 416.º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Não tendo o Ministério Público junto do Tribunal ad quem acrescentado quaisquer contributos que a defesa desconhecesse, a notificação nos termos do artigo 417º, nº 2, do CPP ficaria esvaziada de utilidade, por não haver contraditório a cumprir, introduzindo apenas demora num recurso cujo processamento se quer célere.

Texto Integral

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
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I – RELATÓRIO

No Processo de Inquérito nº 39/22.5GACUB, por decisão proferida na sequência do primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, foram aplicadas aos arguidos AA, BB, CC, DD, EE, e FF, e outros, medidas de coação.

Discordando dessa Decisão, vieram os mencionados arguidos interpor recursos para este Tribunal da Relação de Évora.

Por Aresto deste Tribunal, datado de 19 de março de 2024, veio negar-se provimento aos recursos, confirmando-se o despacho recorrido.

Notificada que foi do referido Aresto, veio a arguida/recorrente DD, reclamar para a Conferência, arguindo a nulidade do decidido por este Tribunal, por violação do contraditório e peticionando como segue, tudo por não ter sido notificada do Parecer elaborado pela Sra. Procuradora-Geral Adjunta:

“Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se que, junto a presente aos autos para os devidos efeitos, se dignem declarar por verificada a nulidade insanável correspondente à omissão de notificação à Arguida do parecer do Ministério Público, a qual implica a consequente anulação do processado subsequente à omissão de tal acto processual e a necessidade de realização do acto omitido, seguindo-se os ulteriores trâmites legais até final.

Por sua vez, ao propugnar a interpretação e aplicação dos artigos 416.º, n.º 1 e 417.º, n.º 2, ambos do C.P.P., no sentido de permitir a emissão de parecer do Ministério Público junto de um tribunal superior sem que o arguido recorrente dele seja notificado, violou-se as garantias constitucionais de defesa da Arguida, o princípio do contraditório e da igualdade de armas, bem como ainda o direito a um processo justo e equitativo e à tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 32.º, n.º 1 e 5 e 20.º, n.º 1 e 4, ambos da C.R.P., padecendo a interpretação e aplicação de tais normas de inconstitucionalidade material, a qual desde já se deixa invocada para todos os efeitos legais”.

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Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe-se no n.º 2, do art.º 417.º, do Código de Processo Penal, que se, na vista a que se refere o artigo anterior, o Ministério Público não se limitar a apor o seu visto, o arguido e os demais sujeitos processuais afetados pela interposição do recurso são notificados para, querendo, responder no prazo de 10 dias.

Inciso normativo que importa conexionar com o que se diz no art.º 61.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, sob a epígrafe de Direitos e deveres processuais, onde se refere que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as exceções da lei, dos direitos de:

“b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete”.

Assegura-se neste último preceito legal a efetivação do princípio do contraditório, princípio com consagração Constitucional no artigo 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa onde se estatui que que o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.

Princípio do contraditório que mais não se traduz do que no dever de o juiz ouvir as razões das partes, em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão.

Considera a reclamante, no caso vertente, que a omissão de notificação do parecer elaborado pela Sra. Procuradora-Geral Adjunta - no sentido da improcedência dos recursos apresentados pelos seis arguidos, fazendo suas as considerações vertidas nas respostas apresentadas pelo Ministério Público junto da primeira instância – importa violação do antedito princípio, impedindo-se, dessa via, o arguido/recorrente de cabalmente se defender.

Aqui aportados, importa caracterizar o vício cometido por este Tribunal ao não ter notificado o arguido/recorrente do teor do parecer elaborado pela Sra. Procuradora-Geral Adjunta.

Como consabido, em matéria de nulidades vigora entre nós o princípio da legalidade - cfr. art.º 118.º, do Código de Processo Penal.

Princípio segundo o qual a violação ou inobservância das disposições da lei do processo só determina a nulidade do ato quando for expressamente cominada na lei.

Ora, percorrendo as disposições legais vigentes na lei processual penal sobre tal matéria, não descortinamos onde seja punida a falta alegadamente cometida como constituindo nulidade - ver arts. 119.º (nulidades insanáveis) e 120.º (nulidades dependentes de arguição).

Donde, a admitir-se o cometimento de uma falta, ter de se qualificar a mesma, não como se tratando de nulidade como pretende a reclamante, mas antes como constituindo uma irregularidade, a cair na estatuição do art.º 123.º, do mesmo compêndio adjetivo.

Ora a predita irregularidade deveria ser arguida pelo interessado no prazo de 3 dias após a notificação do Aresto deste Tribunal.

Como dos autos flui, a comunicação do acórdão em referência foi feita ao mandatário da arguida recorrente por via postal em 19.03.2024 e presume-se feita no terceiro dia posterior ao do seu envio - cfr. artigo 113.º do CPP - o que, no caso, corresponde ao dia 22.03.2024, dia útil.

Em 29.03.2024, a arguida recorrente endereça aos autos o requerimento agora em apreço, ou seja, para lá dos mencionados 3 dias.

Razão pela qual se impõe ter por sanada, convalidada, a irregularidade alegadamente cometida, nos termos do n.º 2, do artigo 123º do CPP.

Por essa simples razão, a reclamação não poderá deixar de ser desatendida.

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Acrescentaremos, ainda, que, como doutamente decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de janeiro de 2022, não pode admitir-se a reparação de irregularidades já sanadas sob pena de entorse no sistema:

“As irregularidades, essas, haverão de ser arguidas no próprio acto em que tiveram ocorrido, isso estando os interessados presentes. Não tendo assistido ao acto, devem os interessados suscitá-las «nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado» – art.º 123º n.º 1.

Podendo, ainda, reparar-se oficiosamente a irregularidade que possa afectar o valor do acto praticado no momento em que dela se tomar conhecimento. Desde que, naturalmente, ainda não sanada, sob risco de, a admitir-se reparação de irregularidades já sanadas, se introduzir grave entorse no sistema, qual seja a de, relativamente ao menos solene dos vícios formais se admitir, afinal, um regime de reparação não só mais permissivo do que o das nulidades relativas como equiparável, até, ao das nulidades insanáveis!” (1)

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Por fim, aduzimos ainda uma simples referência que, a ser considerada, desfaz a ocorrência da alegada irregularidade.

Como supra consignámos, no “Parecer” lavrado nos autos, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta limitou-se a fazer suas as considerações vertidas nas respostas apresentadas pelo Ministério Público junto da primeira instância e, por isso, pronunciou-se no sentido da improcedência dos recursos.

Estamos perante situação equivalente à que foi considerada no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 474/2007, onde se escreveu: “Mas, no caso concreto, o M.P. junto do tribunal de recurso limitou-se a escrever o seguinte: “Nada mais se nos oferece acrescentar ao que o Ministério Público já respondeu (na 1ª instância fls. 437-440 do 2º vol. e 490 a 491, do 3º vol.) nos dois recursos do assistente”. O M.P. no tribunal de recurso não contrariou, nem modificou, nem reforçou o ponto de vista do M.P. no tribunal recorrido, tendo expressamente declarado que nada mais tinha a acrescentar à resposta apresentada por este último magistrado. Esta posição é equivalente à aposição do simples visto, referida no artº 417º, nº 2, do C.P.P., e que se traduz na não utilização pelo M.P. junto do tribunal de recurso da possibilidade de proferir parecer sobre o objecto do recurso (vide, neste sentido GERMANO MARQUES DA SILVA, em “Curso de processo penal”, vol. III, pág. 357-358, da 2ª ed., da Editorial Verbo, e MAIA GONÇALVES, no “Código de Processo Penal anotado”, pág. 850, da 14ª ed., da Almedina). Equivalendo o descrito comportamento à não emissão de parecer, não foi exprimida uma nova opinião que justifique a concessão da possibilidade do exercício de contraditório, pelo que a interpretação normativa contida na decisão recorrida - “tendo o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de recurso se limitado a dizer que nada mais se lhe oferecia acrescentar à resposta apresentada pelo Magistrado do Ministério Público junto da instância recorrida ao recurso interposto pelo assistente, este não tem que ser notificado para, querendo, responder” - não atenta contra a exigência constitucional da existência de um processo equitativo, nomeadamente quanto ao respeito pelo princípio do contraditório (artº 20º, nº 4, da C.R.P.). Assim, deve ser negado provimento ao recurso interposto, relativamente a esta questão.”.

Tendo esta jurisprudência do Tribunal Constitucional em consideração não ocorre qualquer inconstitucionalidade da interpretação feita por este Tribunal da Relação de Évora do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.

Ao ter vista dos autos, nos termos do disposto no artigo 416º, nº 1, do CPP, a Digna Procuradora-Geral Adjunta limitou-se a acompanhar a posição e argumentação vertida pelo Ministério Público junto da 1ª instância na resposta aos recursos, sem acrescentar outros elementos.

Entendemos, por isso, que não se impunha o cumprimento do contraditório através da notificação do arguido nos termos previstos no artigo 417º, nº 2, do CPP.

Em sede de recurso ordinário, assumindo o Ministério Público as vestes de titular da ação penal, é no princípio do contraditório que radica a razão de ser da necessidade de notificação (artigo 417.º, número 2) do parecer emitido pelo Ministério Público nos termos do artigo 416.º, nº 1, do Código de Processo Penal (2).

Não tendo o Ministério Público junto deste Tribunal ad quem acrescentado quaisquer contributos que a defesa desconhecesse, a notificação nos termos do artigo 417º, nº 2, do CPP ficaria esvaziada de utilidade, por não haver contraditório a cumprir, introduzindo apenas demora num recurso cujo processamento se quer célere.

Nesta conformidade, porque não se impunha o cumprimento do disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não foi cometida qualquer irregularidade.

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DECISÃO:

Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em indeferir a reclamação apresentada.

Custas pela recorrente/reclamante, fixando-se em 2 Ucs a taxa de justiça devida.

DN.

O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).

Évora, 23 de abril de 2024

Jorge Antunes (Relator)

Artur Vargues (1º Adjunto)

Nuno Garcia (2º Adjunto)

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1 Cfr. Acórdão do STJ de 27.01.2022 – Relator: Conselheiro Eduardo Almeida Loureiro – acessível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/73ad50e5aadfd1ff802587e3003d0399?OpenDocument

2 Cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 469/97 e n.º 533/99, publicados no DR, 2.ª Série, de 16.10.1997, e de 22.11.1999.