CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário

Não revelando se as condenações impostas ao arguido deveriam ou não do certificado de registo criminal constar, mormente por legalmente se impor o seu cancelamento (nos termos do artigo 11º, da Lei nº 37/2015, de 05/05) e, neste caso, estar vedado ter(em) influência na determinação da medida da pena, não se podendo delas retirar qualquer efeito – cfr., por todos, o Ac. da Relação de Évora de 27/09/2022, Proc. nº 570/20.7GBLLE.E1, que pode ser lido em www.dgsi.pt., a narração factual acolhida na decisão recorrida é manifestamente insuficiente
Importa em relação a cada condenação a menção dos elementos relativos ao crime ou crimes, data de cometimento, pena aplicada, datas da respetiva condenação e do trânsito em julgado da sentença ou acórdão e bem assim da sua extinção, por fundamental para a dosimetria da pena e eventual aplicação de uma pena de substituição.
A não descrição destes elementos implica a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a), impondo-se seja o julgador da 1ª instância a reparar esta enfermidade.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o nº 9/18.8GBRMZ, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido AA condenado, por sentença de 27/10/2020, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01, na pena de 2 anos de prisão (efectiva).

2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1.º O objecto do presente recurso, restringe-se ao facto do Douto Tribunal Singular ter decidido em sentença, condenar o arguido: AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido nos termos do art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena efectiva de 2 anos de prisão.

2.º O arguido pretende recorrer da sentença, por não concordar com a mesma.

3.º Vicio da Sentença – Omissão de Pronúncia – alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal do C.P.P., e, alínea a) n.º2 do artigo 410.º do C.P.P. - nulidade processual e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - por omissão de pronúncia relativamente às particularidades e condições pessoais do Arguido – e ainda, por o Tribunal a quo aquando da aplicação da medida concreta da pena, ter desconsiderado essas mesmas condições socioeconómicas.

4.º Erro de Direito - Medida da Pena - artigos 40.º e 71.º do Código Penal - O Tribunal a quo, ao condenar o arguido na pena única de 2 de prisão, tomou uma decisão sem fundamentar quais as circunstâncias, quais as razões, ou quais as explicações que, em concreto, relevaram para a tomada daquela decisão, sendo assim excessiva e severa a pena de prisão aplicada, muito acima do meio abstracto da moldura penal, não tendo sido consideradas as circunstâncias favoráveis ao arguido.

5.º No que Tange à nulidade processual, por omissão de pronuncia, verifica-se que o Tribunal à quo, por douto despacho de 9.6.2020, requereu a emissão de Relatório Social junto da DGRS, com o seguinte fundamento “considerando os antecedentes criminais do arguido, afigura-se útil e necessário à correcta determinação de uma eventual sanção a aplicar ao arguido a realização de relatório social nos termos do artigo 370.º do CPP, o qual, visando alcançar o desiderato da célere tramitação dos presentes autos, deverá ser solicitado desde já. Nestes termos, solicite à DGRSP a elaboração de relatório social do arguido AA.”

6.º A Delegação Regional de Reinserção do Sul e Ilhas, antes da leitura da sentença, emitiu o relatório no qual se relevam as seguintes conclusões. “Atualmente reside com a progenitora e tem desenvolvido atividade laboral, ainda que de forma irregular. Apresenta condenações anteriores por ilicitude semelhante à dos presentes autos, as quais parecem não ter sido dissuasoras de comportamentos de igual natureza. Segundo referido, já efetuou diligências para a aquisição de licença de condução, sem sucesso. - Face ao exposto, avalia-se que em caso de condenação reunirá condições para a execução de medida de na comunidade, a qual deverá contemplar a supervisão por parte destes serviços e sujeita à obrigação de efetuar todas as diligências necessárias para a aquisição de licença de condução, com comprovativos aos autos”

7.º Ora aquando da emissão da Sentença o Tribunal à quo, não se pronunciou sobre um relatório que oficiosamente requereu.

8.º Ao não se pronunciar sobre o relatório, não se pronunciou necessariamente sobre as condições pessoais, particulares e socioeconómicas do arguido, e assim, padece a sentença do Vicio da Sentença – Omissão de Pronúncia e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal do C.P.P., e, alínea a) n.º2 do artigo 410.º do C.P.P

9.º No que tange ao Erro de Direito - Medida da Pena - artigos 40.º e 71.º do Código Penal, diz-se que O Tribunal a quo, ao condenar o arguido na pena única de 2 de prisão, tomou uma decisão sem fundamentar quais as circunstâncias, quais as razões, ou quais as explicações que, em concreto, relevaram para a tomada daquela decisão, sendo assim excessiva e severa a pena de prisão aplicada, muito acima do meio abstracto da moldura penal, não tendo sido consideradas as circunstâncias favoráveis ao arguido.

10.º A pena aplicada ao arguido é injusta, desadequada, desproporcionada e extremamente elevada, o que não se aceita.

11.º O tribunal à quo, apenas atendeu ao certificado de registo criminal do recorrente.

12.º O Tribunal à quo, não atendeu a que:

-o recorrente não foi interveniente em qualquer acidente de viação -o recorrente ser relativamente jovem

-o recorrente desempenhar actividade profissional

-o recorrente mostra-se social, laboral e familiarmente inserido

13.º Assim encontram-se violados os artigos 40,º e 71.º do C.P.

14.º A pena de prisão efetiva aplicada é desproporcionada e desadequada, quando a lei prevê a possibilidade de penas de substituição, que se revelam suficientes e adequadas a satisfazer as finalidades de prevenção.

15.º A pena de prisão efetiva aplicada excede a necessária à proteção dos bens jurídicos e não considera a função ressocializadora da pena.

16.º Não foram adequadamente considerados os fatores a que a lei manda atender em sede de atenuação geral da pena.

17.º O Tribunal a quo afastou as penas de substituição – do artigo 45.º do Código Penal (multa de substituição), do artigo 48.º do Código Penal (prestação de trabalho a favor da comunidade) e o mecanismo ainda previsto no artigo 43.º (regime de permanência na habitação) do Código Penal.

18.º. Muito mal andou o Tribunal a quo, porquanto a opção pela pena de prisão (pena principal) não esgota o processo tendente à determinação da medida da pena.

19.º O Tribunal a quo entendeu mal que nenhuma das penas de substituição legalmente previstas responde de forma adequada e suficiente às finalidades da punição.

20.º A sentença recorrida não cumpre cabalmente a fundamentação que tem de presidir em matéria de semelhante melindre como é a que se prende com a liberdade dos cidadãos.

21.º O Tribunal a quo não se pronunciou concretamente sobre a substituição da pena de prisão, tendo em vista o leque de penas de substituição que a lei estabelece, o que deve ser feito respeitando a hierarquia legal das penas de tal natureza,

22.º Impõe-se assim, a revogação da decisão proferida nos autos, e a sua substituição por PENA DE PRISÃO COM SUSPENSÃO NA SUA EXECUÇÃO pelo período mínimo legal.

23.º Ou, caso assim se não entenda, a suspensão da execução da PENA DE PRISÃO PELO PERÍODO MÍNIMO LEGAL, CONDICIONADA À OBSERVÂNCIA DE REGRAS DE CONDUTA.

24.º Ou, caso ainda assim se não entenda, a substituição da decisão proferida nos autos, por PENA SUBSTITUTIVA NÃO PRIVATIVA DA LIBERDADE, DESIGNADAMENTE A DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE.

TERMOS EM QUE DEVERÁ, em consequência do exposto supra, deve ser dado provimento ao recurso e por conseguinte:

a) Ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por PENA DE PRISÃO COM SUSPENSÃO NA SUA EXECUÇÃO pelo período mínimo legal.

ou, assim não se entenda

b) Ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO PELO PERÍODO MÍNIMO LEGAL, CONDICIONADA À OBSERVÂNCIA DE REGRAS DE CONDUTA.

ou, assim, não se entenda,

c) Ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por PENA SUBSTITUTIVA NÃO PRIVATIVA DA LIBERDADE, DESIGNADAMENTE A DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão revidenda.

5. Neste Tribunal da Relação, A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer como se transcreve:

Recurso do arguido da sentença condenatória.

Nada vislumbramos que obste ao seu conhecimento de mérito.

Ora o recorrente quer na alegação quer nas suas conclusões afirma que:

“O objecto do presente recurso, restringe-se ao facto do Douto Tribunal Singular ter decidido em sentença, condenar o arguido:

AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido nos termos do art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena efectiva de 2 anos de Prisão”

Mas, na verdade, o recurso não se restringe apenas à condenação pela prática do crime mencionada e à pena aplicada.

Pois que o recorrente vem invocar

“Vicio da Sentença – Omissão de Pronúncia – alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal do C.P.P., e, alínea a) n.º2 do artigo 410.º do C.P.P. – nulidade processual e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - por omissão de pronúncia relativamente às particularidades e condições pessoais do Arguido – e ainda, por o Tribunal a quo aquando da aplicação da medida concreta da pena, ter desconsiderado essas mesmas condições socioeconómicas e ter solicitado relatório social não se pronunciou sobre ele.”

“Erro de Direito - Medida da Pena - artigos 40.º e 71.º do Código Penal - O Tribunal a quo, ao condenar o arguido na pena única de 2 de prisão, tomou uma decisão sem fundamentar quais as circunstâncias, quais as razões, ou quais as explicações que, em concreto, relevaram para a tomada daquela decisão, sendo assim excessiva e severa a pena de prisão aplicada, muito acima do meio abstracto da moldura penal, não tendo O Tribunal à quo, não atendeu a que:

-o recorrente não foi interveniente em qualquer acidente de viação

-o recorrente ser relativamente jovem

-o recorrente desempenhar actividade profissional

-o recorrente mostra-se social, laboral e familiarmente inserido

Assim encontram-se violados os artigos 40.º e 71.º do C.P.

A pena de prisão efetiva aplicada é desproporcionada e desadequada, quando a lei prevê a possibilidade de penas de substituição, que se revelam suficientes e adequadas a satisfazer as finalidades de prevenção.

A pena de prisão efetiva aplicada excede a necessária à proteção dos bens jurídicos e não considera a função ressocializadora da pena.

Não foram adequadamente considerados os fatores a que a lei manda atender em sede de atenuação geral da pena.

O Tribunal a quo afastou as penas de substituição – do artigo 45.º do Código Penal (multa de substituição), do artigo 48.º do Código Penal (prestação de trabalho a favor da comunidade) e o mecanismo ainda previsto no artigo 43.º (regime de permanência na habitação) do Código Penal.

“O Tribunal a quo não se pronunciou concretamente sobre a substituição da pena de prisão, tendo em vista o leque de penas de substituição que a lei estabelece, o que deve ser feito respeitando a hierarquia legal das penas de tal natureza…”

Peticiona-se assim a revogação da decisão proferida nos autos, e a sua substituição por PENA DE PRISÃO COM SUSPENSÃO NA SUA EXECUÇÃO pelo período mínimo legal, ou a suspensão da execução da PENA DE PRISÃO PELO PERÍODO MÍNIMO LEGAL, CONDICIONADA À OBSERVÂNCIA DE REGRAS DE CONDUTA, ou, caso ainda assim se não entenda, a substituição da decisão proferida nos autos por PENA SUBSTITUTIVA NÃO PRIVATIVA DA LIBERDADE, DESIGNADAMENTE A DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE.

Das conclusões do Recurso, resumimo-las a três questões, sobre as quais também nos pronunciaremos sucintamente:

1ª - Omissão de pronúncia quanto às condições pessoais do arguido e não referência ao relatório solicitado:

Não é verdade, salvo o devido respeito, a sentença refere-se ao relatório!

E com base nele pronuncia-se sobre as condições pessoais do arguido:

“Como o arguido não compareceu à audiência de julgamento e também não justificou a sua falta, não se afigurou possível colher mais informações sobre as suas condições económicas e pessoais que aquelas que resultam do relatório social de Ref. …”

O arguido tem o 9.º ano de escolaridade.

O arguido faz trabalhos esporádicos na construção civil. Vive com a mãe em casa arrendada

O arguido faz trabalhos esporádicos na construção civil.”

2ª Erro de Direito quanto à pena aplicada, por excessiva e inadequada, com falta de valoração de elementos favoráveis ao arguido como o fato de ter atividade laboral, não ter sido interveniente em acidente de viação, estar inserido familiar e socialmente e ser relativamente jovem:

Na sentença encontram-se valoradas a culpa e as necessidades de prevenção geral e especial na escolha da pena concreta e, nomeadamente, a opção pela pena de prisão e a sua medida concreta, para o que foi ponderado, nomeadamente, em termos de prevenção especial os seus antecedentes criminais

O arguido já sofreu vinte e três condenações anteriores:

- uma pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário;

- nove pela prática de crimes condução sem habilitação legal;

- uma pela prática de um crime de furto;

- duas pela prática de crimes de furto de uso de veículo

- três pela prática de crimes roubo;

- uma pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração

- uma pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;

- uma pela prática de um crime de detenção de arma proibida;

- uma pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário;

- uma pela prática de um crime de passagem de moeda falsa;

- uma pela prática de um crime de dano;

- uma pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples,

E ainda ali se refere que o período em que não se verificaram crimes encontrava-se o recorrente a cumprir pena de prisão.

3ª Deveria a pena ter sido substituída pelas medidas requeridas que o tribunal afastou ou suspensa na sua execução devendo o julgador pronunciar-se sobre esta:

O Julgador pronunciou-se concretamente sobre o fato de que apenas a pena de prisão ter que ser efetiva, não sendo possível face ao cumprimento de outras penas anteriores, mesmo de prisão, não terem surtido efeito o dissuasor de afastar o recorrente de comportamentos criminais.

E daí a impossibilidade de efetuar um juízo de prognose positiva sobre a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão.

A título meramente exemplificativo: Acórdão da Relação de Évora proferido no proc. 290/22.8PAOLH.E1 de que foi Relator o Sr. Juiz Desembargador Fernando Pina proferido em 7/02/2023.

Termos em que entendemos que o recurso deverá se julgado improcedente.

Esta questão tem sido alvo de tanta jurisprudência unânime, que nos atrevemos a “sugerir” que se proferida decisão sob a forma sumária.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Verificação do vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), do CPP.

Falta de fundamentação da pena aplicada/dosimetria da pena/verificação dos pressupostos da aplicação de uma pena de substituição.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1) No dia 19/01/2018, pelas 19:00 horas, o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula …, na Estrada Nacional …, em ….

2) Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA não era titular de carta de condução, nem de qualquer outro documento que legalmente o habilitasse a conduzir aquele veículo na via pública.

3) O arguido conhecia as características da viatura e da via em que circulava, bem como da obrigatoriedade de possuir documento que o habilitasse à condução de viaturas automóveis.

4) Não obstante, quis conduzir nas circunstâncias supra descritas.

5) O arguido agiu bem sabendo e não podendo ignorar que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, tendo liberdade para se motivar de acordo com esse conhecimento.

6) O arguido tem o 9.º ano de escolaridade.

7) O arguido faz trabalhos esporádicos na construção civil.

8) Vive com a mãe em casa arrendada.

9) O arguido já sofreu vinte e três condenações anteriores:

- uma pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário;

- nove pela prática de crimes condução sem habilitação legal;

- uma pela prática de um crime de furto;

- duas pela prática de crimes de furto de uso de veículo;

- três pela prática de crimes roubo;

- uma pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração;

- uma pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;

- uma pela prática de um crime de detenção de arma proibida;

- uma pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário;

- uma pela prática de um crime de passagem de moeda falsa;

- uma pela prática de um crime de dano;

- uma pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples,

Tudo conforme certificado de registo criminal de fls. 200 a 218, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido.

Quanto aos factos não provados, inexistem.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

A convicção do Tribunal alicerçou-se na articulação de todos os meios de prova disponibilizados nos autos, devidamente combinados com as regras de experiência comum, bem como no depoimento da testemunha ouvida na audiência de julgamento.

O arguido não compareceu à audiência de julgamento.

Assim, o Tribunal valorou o depoimento sério, isento e credível da testemunha BB, militar da GNR do Posto Territorial de …, que referiu ter dado ordem de paragem a um veículo automóvel ligeiro de passageiros que circulava na rotunda de …, em …, correspondente à Estrada Nacional n.º …, ao final da tarde do dia 19/01/2018, no âmbito de uma operação de fiscalização aleatória. Ao abordar o condutor do veículo, este logo declarou que não era titular de carta de condução.

Mais referiu que o arguido foi identificado mediante a exibição do cartão de cidadão.

O Tribunal também atendeu à informação retirada do sítio electrónico do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., a fls. 146, que confirmou que o arguido não era detentor de carta de condução para veículos ligeiros de passageiros.

Quanto aos factos atinentes ao conhecimento e vontade com que o arguido actuou, os mesmos extraíram-se dos respectivos factos objectivos, analisados à luz das regras da lógica e experiência comum, atentas as concretas circunstâncias do caso.

Face ao exposto, dão-se como provados todos os factos da acusação.

Como o arguido não compareceu à audiência de julgamento e também não justificou a sua falta, não se afigurou possível colher mais informações sobre as suas condições económicas e pessoais que aquelas que resultam do relatório social de Ref. ….

No que concerne aos antecedentes criminais do arguido, foi tido em conta o teor do Certificado do Registo Criminal, junto aos autos a fls. 200 a 218.

Apreciemos.

Nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Sustenta o recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto não teve em conta o teor do relatório social junto aos autos e, por isso não se pronunciou sobre as condições pessoais, particulares e socioeconómicas do arguido.

A nulidade da sentença por omissão de pronúncia – prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 379º, do CPP - como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos “pelas partes” na defesa das teses em presença – por todos, vd. Acs. do STJ de 23/10/2008, Proc. nº 08P2869 e de 09/02/2021, Proc. nº 7228/16.8GMR.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.

Percorrida a sentença em causa, resulta que o tribunal recorrido cuidou de apurar as condições pessoais, personalidade e situação económica do arguido, tendo, para tanto, solicitado à DGRSP a elaboração do pertinente relatório (e, vero é, que o arguido nunca compareceu às sessões da audiência de julgamento, não obstante se encontrar devidamente notificado), que foi apreciado e valorado, como se alcança da mesma peça, onde se pode ler: como o arguido não compareceu à audiência de julgamento e também não justificou a sua falta, não se afigurou possível colher mais informações sobre as suas condições económicas e pessoais que aquelas que resultam do relatório social de Ref. ….

Dos factos provados constam os que, sendo objectivos e com relevância para a decisão, entendeu o tribunal a quo extrair desse relatório (a saber: o arguido tem o 9.º ano de escolaridade; o arguido faz trabalhos esporádicos na construção civil; vive com a mãe em casa arrendada).

Inexiste, pois, a assinalada nulidade por omissão de pronúncia.

Verificação do vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), do CPP

A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, no que se denomina de “revista alargada”, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento – neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 05/06/2008, Proc. nº 06P3649 e Ac. do STJ de 14/05/2009, Proc. nº 1182/06.3PAALM.S1, in

www.dgsi.pt. - ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.

Entende o arguido que na decisão revidenda está presente o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, apontando a omissão que já configurara como integrando a retro apreciada nulidade.

Como vimos, o apontado vício, a que se reporta o artigo 410º, nº 2, alínea a), do CPP, só releva se resultar do texto (e do contexto) da decisão recorrida apreciado na sua globalidade, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. É um vício da decisão, não do julgamento, como frisa Maria João Antunes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro/Março de 1994, pág. 121.

E, verifica-se quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão.

Refere-se, por isso, à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito (e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova) e ocorre quando, nas palavras de Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Editorial Verbo, 2000, pág. 340, “a matéria de facto se apresenta como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito” porque o Tribunal “deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão” - Ac. do STJ de 03/07/2002, Proc. nº 1748/02-5ª; a insuficiência “decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão”, ou seja, quando da decisão revidenda resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição – Ac. do STJ de 18/03/2004, Proc. nº 03P3566, em www.dgsi.pt e Ac. do STJ de 21/06/2007, Proc. nº 07P2268.

Ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto, enquanto vício desta, com as consequências a que conduz – o reenvio do processo para novo julgamento quando não for possível decidir da causa, conforme consagra o nº 1, do artigo 426º, do CPP - não se identifica nem com a eventual insuficiência da prova produzida para se poder ter por assente a factualidade apurada pelo tribunal recorrido, nem com a dos factos provados para a decisão que está em causa, antes concerne à impossibilidade de permitir uma qualquer decisão segundo as várias soluções plausíveis para a questão. Se os factos provados permitem uma decisão, ainda que com orientação diferente da prosseguida, não estamos perante a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mas, eventualmente, face a erro de julgamento e de subsunção dos factos provados ao direito.

Pois bem.

Como já se disse, o tribunal recorrido apurou, no que a propósito resulta, a materialidade que estava disponível no relatório social, não se impondo que mais fosse investigar, sendo certo que para o efeito, o arguido não só não colaborou, como em absoluto se desinteressou.

Face ao que, improcede também o recurso neste segmento.

No entanto, percorrendo a sentença sob crítica, constata-se que na mesma, no que concerne aos antecedentes criminais do arguido, apenas se narra (ponto 9 dos factos provados):

O arguido já sofreu vinte e três condenações anteriores:

- uma pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário;

- nove pela prática de crimes condução sem habilitação legal;

- uma pela prática de um crime de furto;

- duas pela prática de crimes de furto de uso de veículo;

- três pela prática de crimes roubo;

- uma pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração;

- uma pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;

- uma pela prática de um crime de detenção de arma proibida;

- uma pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário;

- uma pela prática de um crime de passagem de moeda falsa;

- uma pela prática de um crime de dano;

- uma pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples,

Tudo conforme certificado de registo criminal de fls. 200 a 218, para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido.

Esta narração factual acolhida na decisão recorrida é manifestamente insuficiente, desde logo por não revelar se as condenações em causa deveriam ou não do certificado de registo criminal constar, mormente por legalmente se impor o seu cancelamento (nos termos do artigo 11º, da Lei nº 37/2015, de 05/05) e, neste caso, estar vedado ter(em) influência na determinação da medida da pena, não se podendo delas retirar qualquer efeito – cfr., por todos, o Ac. da Relação de Évora de 27/09/2022, Proc. nº 570/20.7GBLLE.E1, que pode ser lido em www.dgsi.pt.

Importa em relação a cada condenação a menção dos elementos relativos ao crime ou crimes, data de cometimento, pena aplicada, datas da respetiva condenação e do trânsito em julgado da sentença ou acórdão e bem assim da sua extinção, por fundamental para a dosimetria da pena e eventual aplicação de uma pena de substituição.

A não descrição destes elementos implica a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a), impondo-se seja o julgador da 1ª instância a reparar esta enfermidade.

Assim sendo, o recurso merece parcial provimento, ainda que por fundamento diferente dos constantes da respectiva motivação, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nas mesmas.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso pelo arguido AA interposto, ainda que por razões diversas das aduzidas na respectiva motivação e, em consequência:

A) Declaram nula a sentença recorrida, por inobservância do disposto no artigo 374º, nº 2, atento o estabelecido no artigo 379º, nº 1, alínea a), ambos do CPP, a qual deve ser reformulada pelo mesmo tribunal, sendo proferida nova decisão onde se supra o apontado vício de falta de fundamentação no que tange à mencionada factualidade descrita no ponto 9 dos factos provados;

B) Não conhecem das demais questões suscitadas pelo recorrente, por se mostrarem prejudicadas, sendo que, proferida que seja nova sentença, pretendendo o recorrente que tais questões (e/ou outras relativas a esta nova peça) sejam apreciadas, terá de ser interposto o pertinente recurso.

Sem tributação.

Évora, 23 de Abril de 2024

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(Jorge Antunes)

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(Maria Filomena Soares)