LEI DA AMNISTIA
ART.9º
Nº1
DO CC
CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
Sumário

É pacificamente aceite que as leis da amnistia não comportam analogia, nem interpretação extensiva, mas como qualquer lei, na respectiva interpretação deve ser tido em conta o que dispõe o artº 9º, nº 1, do Cód. Civil:
É certo que a lei utiliza o vocábulo condenado, mas isso não impede que se conclua tratar-se de imprecisão de linguagem que de forma alguma expressa a vontade do legislador.
A interpretação que aqui se defende é, aliás, a única que se coaduna com o nº 2 do artº 128º do Cód. Penal, do qual resulta que a amnistia tanto se aplica antes como depois da condenação e, por consequência lógica, de igual modo se deve entender quando se trata da sua não aplicação, a não ser que o legislador se expresse de forma clara e sem sombra de dúvidas em sentido diverso.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez está excluído da amnistia concedida pela Lei nº 38-A/2023, de 02/08, independentemente da fase processual em que os autos respetivos se encontrem.
O artigo 7º da Lei nº 38-A/2023, de 02/08, muito embora utilize a expressão “condenados, exclui a aplicação da amnistia em causa a todos os agentes que forem autores do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tenham, ou não, sido já "condenados".

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

No âmbito do presente processo foi proferido o seguinte despacho:

“Através da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto o legislador procedeu ao perdão de diversas penas e à amnistia de algumas infracções criminais.

A amnistia concedida é aplicável a ilícitos praticados até 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do crime (art. 2º nº 1 do diploma legal).

No que importa ao caso dos autos, lê-se no art. 4º da referida lei que são amnistiadas as infracções penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa.

Segundo o art. 128º nº 2 do Código Penal a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança.

O presente procedimento criminal corre por conta de um crime de condução em estado de embriaguez, ilícito punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias (art. 292º nº 1 do CP).

Os factos em causa nos presentes autos datam de 01/01/2023 (fls. 59).

Nessa data a arguida contava 24 anos de idade.

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Por fim, o caso dos autos não se enquadra em qualquer das excepções previstas no art. 7º da Lei nº 38-A/2023.

Com efeito, o art. 7º nº 1 al. d) § ii) exclui a aplicação da amnistia concedida naquela Lei 38-A/2023, no que concerne a casos de condução de veículo em estado de embriaguez, nos seguintes termos:

Artigo 7.º

Exceções

1 — Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei:

(...)

d) No âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por:

(...)

ii) Crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos artigos 291.º e 292.º do Código Penal.

Da norma decorre pois (no que importa ao caso) que da amnistia (instituto que, de acordo com o supramencionado art. 128º nº 2 do CP, é aplicável tanto a condenados como a casos em que não houve ainda condenação) fica excluído quem tenha sido condenado pelo crime em causa — não tendo havido condenação não há exclusão de aplicação da amnistia.

*

Contra o que acaba de concluir-se antecipamos pelo menos alguns argumentos.

Desde logo, a solução aparenta gerar alguma incongruência lógica, amnistiando-se certos arguidos e outros não consoante, apenas, aquilo que, à revelia da sua actuação foi a marcha processual (ou, até mesmo, podendo beneficiar da amnistia quem tenha um contributo obstaculizante do processo). O argumento não convence. Com efeito, esta diferença é uma decorrência inerente à natureza dos institutos da amnistia e do perdão em causa. Pense-se, por exemplo, no caso de um arguido que, por causa de uma marcha processual mais célere, já expiou integralmente uma pena de prisão por conta de um crime que depois é amnistiado, e um arguido que por qualquer motivo (estar foragido, por exemplo) não iniciou o cumprimento de uma pena igual a vê, agora, ser apagada do ordenamento em virtude da amnistia.

Parece desigual mas, dada a sua natureza e o modo como funciona, é consequência inevitável de toda e qualquer amnistia (e, mutatis mutandis, também de qualquer perdão de penas).

*

Um outro contra-argumento de apelo à congruência lógica nos ocorre: o legislador amnistiou crimes aos quais, aplicando as regras de exclusão do art. 7º, não perdoaria a pena? Fará sentido? Foi essa a solução da lei? A resposta parece ser, numa primeira abordagem, negativa. Mas a verdade é que o disposto noutras normas da Lei nº 38-A/2023 leva incontroversamente à conclusão que em certos casos esta mesma foi escolha do legislador. Pense-se, por exemplo, em todos os casos de concurso de vários crimes amnistiados em que o condenado sofre, em cúmulo jurídico, pena de 130 dias (ou mais) de multa, ou prisão superior a um ano. No primeiro caso (multa), de acordo com a Lei nº 38-A/2023, são amnistiados todos os crimes, e por isso extinguem-se por amnistia todas as penas — mas, se não intercedesse a amnistia, o legislador não permitiria qualquer perdão à pena (art. 3º nº 2 al. a) e nº 4 do diploma). No segundo caso (prisão), extinguem-se também in totum as consequências penais em virtude da amnistia — mas se não operasse a amnistia a prisão única do concurso de crimes só seria perdoada até um ano. A conclusão inelutável é precisamente essa: em certos casos a Lei nº 38-A/2023 amnistiou os crimes, mas nem por isso aquela lei permitiria o perdão (integral, no caso da prisão) das respectivas penas.

Ou seja, o que à partida seria um argumento convincente, por a solução oposta aparentar levar a um resultado “contraditório”, acaba desarmado pela constatação de que essa mesmo foi, incontroversamente, a linha de raciocínio escolhida pelo legislador para certos casos.

Contra o que se conclui pode arguir-se, por outro lado, que o legislador terá usado a expressão condenados apenas porque usou de “pouco cuidado” no rigor legislativo, pois na verdade quereria referir-se a todos os casos que se reportem aos crimes excluídos independentemente do momento processual da acção penal. Não somos insensíveis a tal argumento , mas em nosso entender o mesmo também não colhe. Ab initio, a palavra condenados nem sequer é aquela que nos parece a mais natural, em termos de linguagem, que seria usada se fosse essa a intenção do legislador. Querendo-se excluir da amnistia os autores de todos crimes do art. 7º parece-nos que seria uma escolha de linguagem mais natural ter-se usado, precisamente, a palavra autores; Ou querendo-se excluir todos os crimes mencionados no art. 7º parece-nos que seria mais natural o legislador ter consagrado algo de semelhante a “O perdão a amnistia previstos na presente lei não têm aplicação aos crimes de...”. Todavia, parece-nos que para interpretar a letra da lei é desnecessário recorrer a estas considerações, que tanto de subjectivo têm. E assim porque se o legislador em várias das alíneas do art. 7º usou a expressão condenados noutras não usou essa expressão: as alíneas j), k) e l) daquele art. 7º não mencionam condenados.

Mais, na al. l) o legislador escolheu precisamente a palavra autores (em vez de condenados) para esclarecer quem fica excluído do perdão e amnistia. Deste contraponto extrai-se que, tanto quanto resulta do teor do art. 7º, a opção do legislador pela palavra condenados foi consciente e intencional.

*

Ainda um outro argumento contrário se suscita: fará sentido que o legislador tenha expressamente excluído da amnistia os autores das contraordenações praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo (al. l) do art. 7º) e não exclua os autores de um crime com contornos semelhantes? Amnistia-se a infracção maior (o crime) mas não a menor (a contraordenação)? Também não somos insensíveis ao argumento e diremos mesmo que, não fosse o que se assinala em seguida, o subscreveríamos . Sucede que a opção de se amnistiar o crime e não a contraordenação é, no caso da Lei 38-A/2023, a regra: em todos os casos de crimes que foram amnistiados em que exista comportamento relacionado ou semelhante (mas menos grave) punido como mera contra-ordenação que tutele os mesmos bens jurídicos, o legislador amnistiou o crime mas não a contraordenação. Com efeito, a Lei 38-A/2023 amnistiou todas as infracções penais (salvo as excluídas no art. 7º) cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa e não amnistiou nenhuma contraordenação (apenas perdoou sanções acessórias de certas contraordenações). Em decorrência, pense-se em casos de infracções de regras de segurança rodoviária: o crime (comportamento mais grave) de condução sem habilitação legal do art. 3º nº 1 do Decreto-lei nº 2/98 foi amnistiado, mas uma mera contraordenação leve (comportamento menos grave) correspondente, por exemplo, a um excesso de velocidade já não o foi. E (entrando já no campo de abrangência do perdão concedido na lei em causa) resultados semelhantes a esta regra não se verificam apenas no contraponto entre contraordenações e crimes. O mesmo sucede com crimes, mais graves, que exigiram a aplicação de prisão substituída ou suspensa, cujas penas são perdoadas quando não são perdoadas multas, aplicadas por infracções menos graves, caso a multa seja superior a 120 dias (art. 3º nº 2 da Lei 38-A/2023). Do que se conclui o seguinte: o argumento de que não fará sentido lógico ter-se amnistiado o crime mas não uma contraordenação relacionada ou semelhante seria, em circunstâncias habituais, um argumento forte contra o entendimento que perfilhamos. Todavia, na economia da Lei 38-A/2023 esse argumento não nos convence, uma vez que esta lei adoptou precisamente, e propositadamente, essa solução como regra. Não nos cabe, evidentemente, dizer se a escolha do legislador foi melhor ou pior, mas parece-nos que a constatação seguinte será insofismável: dentro dos pressupostos dos seus arts. 4º e 7º, a Lei 38-A/2023 amnistiou todos os crimes e não amnistiou nenhuma contraordenação que tutele os mesmos bens jurídicos. Assim sendo, não nos parece que a teleologia inerente àquela lei leve à conclusão de que deve também considerar-se excluído do perdão quem não é excluído pela letra da lei.

Ou seja, uma vez que a teleologia que perpassa a lei é no sentido de amnistiar crimes e não amnistiar contraordenações, entendemos que não pode concluir-se no sentido de que, ao contrário dessa solução geral, afinal está excluído da amnistia quem a letra da lei não exclui.

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Posto o que antecede, voltemos ao início.

O art. 4º da Lei 38-A/2023 estatui que são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa.

O crime em causa nos autos é punido com pena não superior a 1 ano de prisão ou 120 dias de multa.

Do art. 7º nº 1 do diploma decorre que não beneficiam do perdão e da amnistia previstos naquela lei (...) no âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por (...) crimes de (...) condução de veículo em estado de embriaguez.

A arguida não foi condenada pelo crime em causa nos autos. Em decorrência, o caso dos autos não está excluído, na letra da lei, da amnistia concedida.

Do mesmo modo, não vemos que, considerando o restante teor e a teleologia da lei em questão, o caso dos autos deva, sem apoio na letra da lei, considerar-se excluído da amnistia.

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Pelo que supra fica exposto, declaro extinto, por amnistia, o procedimento criminal dos presentes autos.”

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Inconformado com o referido despacho, dele recorreu o Ministério Público, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso é interposto do despacho que aplicou a amnistia ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º do Código Penal, na interpretação de que o art. 7.º, n.º 1, al. d), ponto ii) da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08, com a expressão condenados só exclui o perdão de penas, extinguindo o procedimento criminal contra o arguido;

2. A Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto veio instituir o perdão e amnistia de algumas infracções e penas por ocasião da Jornada Mundial da Juventude realizada em Portugal, mas como medida excepcional de clemência que é, concedida pelo Estado, visa sempre omrespeito pelos princípios do Estado de Direito, aplicando-se apenas a situações que se consideram de menor gravidade;

3. Isso mesmo teve o legislador em consideração, não só quando balizou no tempo os ilícitos, fixando que sua prática até às 00h00 de 19 de Junho de 2023, mas também, a idade do infractor/autor/condenado à data da prática dos factos, 30 anos- cfr. artigo 2.º da referida Lei e também quando estabeleceu limites, quer no tocante ao perdão de penas, conforme decorre do artigo 3.º, quer no tocante às infracções penais amnistiáveis, fixando o limite máximo da pena em 1 ano de prisão ou 120 dias de multa, previsto no seu artigo 4.º;

4. Foram tomadas várias opções legislativas quanto ao tipo de criminalidade visada, considerada de menor gravidade, mas mesmo dentro destas molduras penais mais baixas, foram excluídos determinados ilícitos por se considerar que não obstante a sua moldura penal abstracta ou sanção/pena concreta, atento o tipo de ilícito que subjaz, são mais gravosos e as necessidades de prevenção são muito superiores, não podendo ser objecto de clemência, como é o caso de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art 292.º do Código Penal;

5. Corresponde a uma necessidade de política criminal dada a elevada sinistralidade que ocorre na rede viária nacional, sendo premente a prevenção quer geral que especial, sendo de realçar que a condução sob o efeito do álcool, como contra-ordenação e como crime, nunca foi contemplada em qualquer lei de amnistia, o que sem dúvida revela a intenção do legislador em não classificar como de pouca gravidade tal comportamento estradal e uma continuidade na opção e pensamento legislativo;

6. Assim, só podemos entender a utilização da expressão “condenados”, na no art. 7.º, n.º 1, al. d), ponto ii) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, como imprecisa, uma escolha menos feliz, antes utilizada em sentido lato e genérico, mas cuja exclusão se refere quer a aplicação do instituto da amnistia quer do perdão;

7. O legislador não foi preciso na escolha de linguagem técnico-jurídica, devendo fazer-se uma interpretação declarativa do pensamento legislativo, conforme com o art 9.º do Código Civil, atendendo também ao elemento sistémico, teleológico, histórico e de continuidade da Lei;

8. Ademais, seria incongruente e ilógico, proibir-se a sua aplicação aos ilícitos contra-ordenacionais e o perdão de penas e permitir-se a aplicação do instituto da amnistia aos ilícitos que ainda não se encontrem julgados ou condenados;

9. Tal equivaleria a atribuir um efeito mais benévolo a uma situação objectivamente mais grave do que aquela outra em que tal entendimento foi expressamente afastado pelo legislador, o que é vedado ao intérprete, face aos princípios vigentes em matéria de interpretação da lei enunciados pelo art. 9º do C. Civil. Quer porque sem correspondência no texto legal (n.º2), quer pela presunção estabelecida no n.º3 do citado preceito;

10. Pelo que, não pode excluir-se a aplicabilidade da referida exclusão/proibição da amnistia aos agentes/autores/arguidos pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º do Código Penal, sendo que a interpretação levada a cabo no douto despacho recorrido é desconforme à letra da lei, ao pensamento legislativo, a princípios de coerência e, também, ao seu elemento sistémico, teleológico e histórico;

11. Destarte, deverá o presente despacho ser revogado, porquanto com a sua interpretação violou o Tribunal a quo, os critérios contidos nos arts. arts. 2.º, n.º 1, 4.º e 7.º, n.º 1, al. d), ponto ii) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto e art. 9.º do Código Civil;

12. Deve pois, tal decisão ser revogada e determinar-se o prosseguimento dos autos para julgamento, seguindo os seus ulteriores termos.

Assim decidindo, farão V. Ex.ªs a costumada Justiça!”

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O arguido não respondeu ao recurso.

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Neste tribunal da relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi oferecida resposta.

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APRECIAÇÃO

A única questão que importa apreciar é a de saber se por virtude da redacção dada ao artº 7.º, da Lei Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, na parte que refere “condenados”, a amnistia abrange os agentes da prática dos crimes aí referidos, designadamente, para o que aqui interessa, do crime de condução sob o efeito do álcool, que ainda não tenham sido condenados.

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O referido artº 7º tem a seguinte redacção:

Exceções

1 - Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei:

a) No âmbito dos crimes contra as pessoas, os condenados por:

i) Crimes de homicídio e infanticídio, previstos nos artigos 131.º a 133.º e 136.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro;

ii) Crimes de violência doméstica e de maus-tratos, previstos nos artigos 152.º e 152.º-A do Código Penal;

iii) Crimes de ofensa à integridade física grave, de mutilação genital feminina, de tráfico de órgãos humanos e de ofensa à integridade física qualificada, previstos nos artigos 144.º, 144.º-A, 144.º-B e na alínea c) do n.º 1 do artigo 145.º do Código Penal;

iv) Crimes de coação, perseguição, casamento forçado, sequestro, escravidão, tráfico de pessoas, rapto e tomada de reféns, previstos nos artigos 154.º a 154.º-B e 158.º a 162.º do Código Penal;

v) Crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, previstos nos artigos 163.º a 176.º-B do Código Penal;

b) No âmbito dos crimes contra o património, os condenados:

i) Por crimes de abuso de confiança ou burla, nos termos dos artigos 205.º, 217.º e 218.º do Código Penal, quando cometidos através de falsificação de documentos, nos termos dos artigos 256.º a 258.º do Código Penal, e por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal;

ii) Por crime de extorsão, previsto no artigo 223.º do Código Penal;

c) No âmbito dos crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, os condenados por crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência e de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, incluindo na forma grave, previstos nos artigos 240.º, 243.º e 244.º do Código Penal;

d) No âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por:

i) Crimes de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, de incêndio florestal, danos contra a natureza e de poluição, previstos nos artigos 272.º, 274.º, 278.º e 279.º do Código Penal;

ii) Crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos artigos 291.º e 292.º do Código Penal;

iii) Crime de associação criminosa, previsto no artigo 299.º do Código Penal;

e) No âmbito dos crimes contra o Estado, os condenados por:

i) Crimes contra a soberania nacional e contra a realização do Estado de direito, previstos nas secções i e ii do capítulo i do título v do livro ii do Código Penal, incluindo o crime de tráfico de influência, previsto no artigo 335.º do Código Penal;

ii) Crimes de evasão e de motim de presos, previstos nos artigos 352.º e 354.º do Código Penal;

iii) Crime de branqueamento, previsto no artigo 368.º-A do Código Penal;

iv) Crimes de corrupção, previstos nos artigos 372.º a 374.º do Código Penal;

v) Crimes de peculato e de participação económica em negócio, previstos nos artigos 375.º e 377.º do Código Penal;

f) No âmbito dos crimes previstos em legislação avulsa, os condenados por:

i) Crimes de terrorismo, previstos na lei de combate ao terrorismo, aprovada pela Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto;

ii) Crimes previstos nos artigos 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, que cria o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no setor privado, dando cumprimento à Decisão Quadro 2003/568/JAI do Conselho, de 22 de julho de 2003;

iii) Crimes previstos nos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 10.º-A, 11.º e 12.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, que estabelece um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva;

iv) Crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, de desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado e de fraude na obtenção de crédito, previstos nos artigos 36.º, 37.º e 38.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, que altera o regime em vigor em matéria de infrações antieconómicas e contra a saúde pública;

v) Crimes previstos nos artigos 36.º e 37.º do Código de Justiça Militar, aprovado em anexo à Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro;

vi) Crime de tráfico e mediação de armas, previsto no artigo 87.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas e suas munições;

vii) Crimes previstos na Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que aprova a Lei do Cibercrime;

viii) Crime de auxílio à imigração ilegal, previsto no artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional;

ix) Crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;

x) Crimes previstos nos artigos 27.º a 34.º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança;

g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro;

h) Os condenados por crimes praticados enquanto titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas, designadamente aqueles previstos na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, que determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos cometam no exercício das suas funções;

i) Os condenados em pena relativamente indeterminada;

j) Os reincidentes;

k) Os membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários relativamente à prática, no exercício das suas funções, de infrações que constituam violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena;

l) Os autores das contraordenações praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.

2 - As medidas previstas na presente lei não se aplicam a condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções.

3 - A exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos.

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É pacificamente aceite que as leis da amnistia não comportam analogia, nem interpretação extensiva, mas como qualquer lei, na respectiva interpretação deve ser tido em conta o que dispõe o artº 9º, nº 1, do Cód. Civil:

Artigo 9.º

(Interpretação da lei)

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Ora, “tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada”, concluímos que o despacho recorrido não fez uma interpretação correcta da disposição legal em causa.

Com efeito, pretendeu-se assinalar a vinda do Papa a Portugal por ocasião das JMJ de modo a conceder benefício aos jovens, contribuindo, assim, para uma sua melhor reintegração social.

Esse objectivo só é plenamente atingido concedendo o benefício (perdão ou amnistia propriamente dita) a todos os jovens, independentemente de terem sido, ou não, já condenados.

Por isso, o mesmo se deve entender quando se trata de saber quem fica excluído da aplicação da amnistia (lato sensu), sob pena de se contribuir para a reintegração social apenas relativamente aqueles que ainda não foram condenados, sendo certo que a demora na condenação pode ocorrer por razões completamente alheias ao autor da infracção.

É certo que a lei utiliza o vocábulo condenado, mas isso não impede que se conclua tratar-se de imprecisão de linguagem que de forma alguma expressa a vontade do legislador.

Como já se tem referido, a Lei da amnistia parece ter utilizado o mesmo vocábulo utilizado na também recente Lei 9/2020 de 10/4, olvidando que esta última se referia apenas a perdão da pena e, portanto, necessariamente só a condenados.

Existe ainda outro argumento decisivo: não faz qualquer sentido, e contraria de forma flagrante a unidade do sistema jurídico, entender-se que relativamente às contra-ordenações praticadas sob a influência do álcool, por força da redacção dada à al. i) do referido artº 7º, nº 1 (“autores”), estão todos excluídos da amnistia e quanto ao crime de condução sob o efeito do álcool apenas os condenados estão excluídos.

Ou seja: preenchidos os demais requisitos, quem conduzir com uma t.a.s., por exemplo, de 0,6 g/l não beneficia (nunca) da amnistia, mas quem conduzir com uma t.a.s., por exemplo, de 2,00 g/l pode beneficiar, desde que ainda não tenha sido condenado.

Não pode ser assim!

Nem nunca tal pode ter estado na mente do legislador.

A interpretação que aqui se defende é, aliás, a única que se coaduna com o nº 2 do artº 128º do Cód. Penal, do qual resulta que a amnistia tanto se aplica antes como depois da condenação e, por consequência lógica, de igual modo se deve entender quando se trata da sua não aplicação, a não ser que o legislador se expresse de forma clara e sem sombra de dúvidas em sentido diverso.

Por outro lado, nunca em anteriores leis de amnistia se fez qualquer distinção entre condenados e não condenados, sendo certo que o artº 2º, nº 2, da Lei n.º 29/99, de 12/5 e o artº 9º, nº 3, da L. 15/94 de 11/5, aludem a “condenados”, mas aí tratava-se apenas de exclusão do perdão e não da amnistia propriamente dita.

No sentido do aqui sustentado, já decidiu o acórdão da rel. de Coimbra de 24/1/2024, assim sumariado:

I- Não obstante no artigo 7.º n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, o Legislador ter usado o vocábulo «condenado», a letra da Lei terá de ser interpretada de forma coerente com o processo legislativo, com o elemento histórico e com a unidade do sistema jurídico.

II- Não se encontra amnistiado o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, relativamente ao qual o agente não foi ainda julgado.

De igual modo decidiu o acórdão desta relação de 5/3/2024 ( relatado pela ora Exmª Juiz adjunta Laura Goulart Maurício) assim sumariado:

I- O crime de condução de veículo em estado de embriaguez está excluído da amnistia concedida pela Lei nº 38-A/2023, de 02/08, independentemente da fase processual em que os autos respetivos se encontrem.

II - O artigo 7º da Lei nº 38-A/2023, de 02/08, muito embora utilize a expressão “condenados” (“não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei ... os condenados por ... crimes … de condução de veículo em estado de embriaguez”), exclui a aplicação da amnistia em causa a todos os agentes que forem autores do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tenham, ou não, sido já “condenados”.

Temos, assim, que o presente recurso deve ser julgado procedente.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso procedente, revogando-se, assim, o despacho recorrido.

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Sem tributação.

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Évora, 23 de Abril de 2024

Nuno Garcia

Maria Margarida Bacelar

Laura Goulart Maurício