MEDIDAS DE COACÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
PRINCÍPIO REBUS SIC STANTIBUS
Sumário

As decisões judiciais que aplicam medidas de coacção transitam em julgado, mas compreende-se que, face a prováveis modificações das circunstâncias que as determinam e ao princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, neste domínio, a eficácia do caso julgado se faça depender da rigorosa manutenção dos pressupostos da respectiva decisão, isto é, rebus sic stantibus.
Do referido princípio rebus sic stantibus decorre, por um lado, que permanecendo inalterados os pressupostos e as exigências cautelares que as determinaram, as medidas de coacção não podem ser revistas e, por outro, se, aquando do reexame dos seus pressupostos, não se verificarem circunstâncias supervenientes que alterem as exigências cautelares, basta a referência à persistência do condicionalismo que justificou a medida, para fundamentar a decisão da sua manutenção (cfr. Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Portuguesa, 3a Edição, Pág. 550).

Texto Integral

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal da Relação de Évora:
Inconformados com a decisão que determinou, que os arguidos ora recorrentes AA e BB aguardassem os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva, (medida coactiva que lhes foi aplicada no dia 15 de Dezembro de 2023), interpuseram recurso da mesma, concluindo as respectivas motivações pela formulação das seguintes conclusões:

“a) 1. Os arguidos, ora recorrentes requereram a substituição da medida de coação a que estão sujeitos prisão preventiva, por uma medida de coação menos gravosa - obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE), nos termos do disposto no artigo 212.º do Código de Processo Penal.

2. Por despacho datado de 04-01-2024 o tribunal indeferiu a requerida substituição de medida de coação de prisão preventiva e determinou a manutenção da medida de coação já aplicada.

3. O Tribunal a quo não ponderou os factos enunciados no requerimento de alteração da medida de coação.

4. Nem considerou que foram enunciados novos factos e junto aos autos documentação que não havia sido junta e por via disso não foi apreciada.

5. Assim como não ponderou que os arguidos requereram a tomada de declarações, o que ainda não foi apreciado.

6. Tendo inclusive deixado de subsistir os apontados perigos de fuga, perturbação do decurso do inquérito, continuação da actividade criminosa e não se verificando o alarme social.

7. Assim, face ao requerido deveria a medida de coacção ter sido alterada de prisão preventiva, para obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.

8. Desde logo porquanto ao co - arguido CC foi determinado ao abrigo do disposto nos artigos 198.º e 200.º, n.º 1, c) e d) do Código de Processo Penal não contactar com os restantes arguidos e com pessoas ligadas ao consumo de produtos de estupefacientes; não frequentar locais conotados com o consumo de produtos estupefacientes e apresentar-se três vezes por semana, às segundas, quartas e sextas-feiras no OPC da área da residência,

9. Sendo certo que o arguido CC vem indiciado em co-autoria da prática dos mesmos factos que são indiciados aos arguidos aqui recorrentes.

10. Não se compreendendo como é que o Tribunal a quo considera que no que concerne ao arguido CC, a prova até agora recolhida não permite assegurar qual o papel deste arguido com os demais, sendo certo que este vem indiciado pela prática dos mesmos factos que os arguidos aqui recorrentes. Aliás indiciariamente desempenhará um papel mais ativo dos que o dos arguidos, até porque procede à recolha do dinheiro.

11. Ao que acresce que o arguido CC é militar do exército e como tal é-lhe exigível uma maior censurabilidade dos indícios que contra o mesmo militam, pois não nos podemos esquecer que o mesmo representa em termos militares o Estado Português, porém foi-lhe aplicada uma medida de coação não privativa da liberdade.

12. Motivo pelo qual os arguidos ora recorrentes não se conformam com o despacho de que ora se recorre.

13. O despacho recorrido viola assim o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade consagrados no artigo 193.º do Código de Processo Penal.

14. Por seu turno o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso como escopo evitar resultados desproporcionais e injustos, baseado em valores fundamentais conflitantes, ou seja, o reconhecimento e a aplicação do princípio permitem vislumbrar a circunstância de que o propósito constitucional de proteger determinados valores fundamentais deve ceder quando a observância intransigente.

15. Da decisão recorrida resulta que não se verificou igualdade, nem tão pouco proporcionalidade nas medidas de coação aplicadas aos arguidos ora recorrentes em comparação com a medida de coação aplicada ao co -arguido CC.

16. Termos em que deverá a decisão recorrida ser revogada por violação do disposto no artigo 13.º da Constituição e bem assim dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade consagrados no artigo 193.º do Código de Processo Penal.

17. Motivos pelos quais e face ao supra exposto invoca-se desde já a inconstitucionalidade da decisão recorrida para efeito de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional.

18. O despacho recorrido viola ainda o disposto no artigo 212.º do Código Processo Penal circunstâncias que determinaram a aplicação da medida de coação de prisão preventiva deixaram de existir e que do requerido e dos documentos juntos aos autos resulta que a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica prevista no artigo 201.º, n.º 1 e n.º 3 do Código de Processo Penal mostra-se adequada e proporcional às exigências cautelares dos presentes autos, respeitando todos os princípios já enunciados e eliminando os perigos supra enunciados.

19. Andou mal o tribunal ao não ponderar que as medidas de coação a aplicar em concreto devem ser as necessárias e adequadas às exigências cautelares que a factualidade dos autos requer, conforme consagram os artigos 193.º do Código de Processo Penal e artigo 18.º da Constituição.

20. O Tribunal a quo violou ainda os princípios da proibição do excesso, da necessidade e da adequação, porque mesmo que hipoteticamente os pressupostos perigos fossem verdadeiros, a prisão domiciliária com vigilância eletrónica era mais do que suficiente para os eliminar.

21. E viola ainda o principio da subsidiariedade nos termos do disposto no artigo 193.º n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Penal, ou seja as medidas de coação detentivas só podem ser aplicadas quando as outras se revelam insuficientes e no caso em apreço a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, seria mais que suficiente para afastar os perigos alegados.

22. Assim como os princípios constitucionais consagrados nos artigos 27.º, 28.º, n.º 2 e 32º, n.º 2 da nossa Constituição.

23. Termos em que e face ao supra exposto deverá o despacho recorrido ser revogado e em consequência deverá a medida de coação de prisão preventiva ser substituída pela medida obrigação de permanência na habitação, sujeita a fiscalização através de meios técnicos de controlo à distância (vigilância electrónica), nos termos dos artigos 200°, n°.1 als. b), c) e d) e 201° do C.P.P.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar o despacho recorrido e consequentemente substituir a medida de coação de prisão preventiva pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, assim se fazendo Justiça!”

O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.

Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido do não provimento do recurso.

Os recorrentes, notificados nos termos e para os efeitos previstos no art.º 417º, nº 2 do CPP, quedaram-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar.

Colhidos os vistos e efectuada a conferência prevista no art.º 419º do CPP, cumpre apreciar e decidir.

A DECISÃO RECORRIDA

O despacho proferido pelo Exmo. Juiz do Juízo de Instrução Criminal de … - Juiz … que constitui o objecto do presente recurso, e no que ora revela, é do seguinte teor:

“Vêm os arguidos AA e BB requer a substituição da medida de coacção de prisão preventiva a que se encontram sujeitos pela obrigação de permanência na habitação fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do disposto no artigo 201.º, do Código de Processo Penal

*

O Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se, promovendo se indeferisse a requerida substituição da medida de coacção de prisão preventiva.

*

De harmonia com o disposto no art.º 212.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o juiz substitui uma medida de coacção por outra menos gravosa quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção.

Após a prolação da decisão, a 15 de Dezembro de 2023, de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva aos arguidos requerentes, não foram trazidos aos autos novos elementos, por um lado, com a virtualidade de alterar a forte indiciação relativamente à prática, pelos mesmos, do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º do DL 15/93, nem por outro, capazes de evidenciar a mitigação de qualquer um dos concretos perigos verificados, e melhor explanados no despacho para aplicação das medidas de coacção, supra referido, proferido, reitere-se, no passado dia 15 de Dezembro de 2023.

Sem prescindir e conforme já foi referido no dito despacho, a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação não impede que os arguidos transacionem o produto estupefaciente a partir da mesma.

Em face do exposto, e sem necessidade de mais considerações, indefere-se a requerida substituição da medida de coacção da prisão preventiva a aplicada aos arguidos AA e BB pela medida de obrigação de permanência na habitação fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância.

Notifique.”

Vejamos:

O despacho que ora se impugna trata de uma situação de reapreciação da medida de coacção a que os arguidos se encontram sujeitos, decorrente de requerimento formulado pelos mesmos no sentido da respectiva modificação.

No Despacho recorrido, consideraram-se inalterados os pressupostos de facto e de direito que levaram a sujeição dos arguidos à medida de coacção de prisão preventiva.

Quid juris?

Dispõe o art.º 212º do C.P.P. (revogação e substituição das medidas):

“1. As medidas de coacção são imediatamente revogadas por despacho do juiz sempre que se verificar:

a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou

b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.

2. (.)

3.Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.

4. (.)".

Insurgem-se os Recorrentes contra o facto de o tribunal a quo não lhes ter substituído a medida coactiva de prisão preventiva pela medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, já que, na sua tese, as exigências cautelares que determinaram a aplicação de tal medida se teriam esbatido, alicerçando as suas pretensões de ver a medida de coacção imposta substituída pela medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, nos seguintes argumentos – O Tribunal a quo não ponderou os factos enunciados no requerimento de alteração da medida de coação. Nem considerou que foram enunciados novos factos e junto aos autos documentação que não havia sido junta e por via disso não foi apreciada. Assim como não ponderou que os arguidos requereram a tomada de declarações, o que ainda não foi apreciado. Tendo inclusive deixado de subsistir os apontados perigos de fuga, perturbação do decurso do inquérito, continuação da actividade criminosa e não se verificando o alarme social. Da decisão recorrida resulta que não se verificou igualdade, nem tão pouco proporcionalidade nas medidas de coação aplicadas aos arguidos ora recorrentes em comparação com a medida de coação aplicada ao co - arguido CC.”

No despacho – ora recorrido – que recusou a substituição da medida coactiva de prisão preventiva pela medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, julgaram-se inalteradas as circunstâncias que haviam motivado a aplicação da medida coactiva de prisão preventiva, não se vislumbrando qualquer diminuição das exigências que justificassem alterar a mesma.

Ora, sindicando o despacho recorrido, com os elementos com que os presentes autos se mostram instruídos, conclui-se que se verificam, desde logo, todas as condições gerais de aplicação das medidas de coacção elencadas nos nºs 1 e 2 do art.º 192º do CPP: os Recorrentes foram previamente constituídos arguidos e não se vislumbram causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal.

Depois, há fortíssimos indícios de que os ora recorrentes praticaram um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22/01.

São, assim, os indícios dos autos fortes e sustentados, não merecendo, nesta parte, censura o despacho recorrido.

No caso vertente, e contrariamente ao sustentado pelos arguidos/recorrentes, não vislumbramos qualquer circunstância superveniente atenuativa das exigências cautelares que determinaram a aplicação aos arguidos/recorrentes da medida coactiva de prisão preventiva.

Na verdade, o único fundamento invocado pelos Arguidos/Recorrentes para justificarem a pretendida substituição da medida coactiva de prisão preventiva por outra menos gravosa é, afinal, a situação familiar e profissional dos ora recorrentes bem como a sua inserção social.

No entanto, tais condicionalismos não têm a virtuosidade de abalar os fundamentos que justificaram a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva e não podem ser invocadas como factores diminuidores das exigências cautelares que determinaram, aquando do primeiro interrogatório dos arguidos, da imposição da referida medida coactiva.

Efectivamente, a situação familiar e profissional dos ora Recorrentes bem como a sua inserção social não foram suficientes para os impedir de praticarem o crime em questão, pelo que tais circunstâncias – que já existiam à data do cometimento do crime – não podem agora ser invocadas como factores diminuidores das exigências cautelares que determinaram, aquando do primeiro interrogatório dos arguidos, a imposição da medida coactiva de prisão preventiva.

É que, “Enquanto não ocorrem alterações fundamentais na situação existente à data em que foi determinada a prisão preventiva, não pode o tribunal reformar essa decisão, sob pena de instabilidade jurídica decorrente de julgados contraditórios.” (Ac. Relação de Lisboa de 14-08-2001, in www.dgsi.pt:)

As decisões judiciais, que aplicam medidas de coacção transitam em julgado, mas compreende-se que, face a prováveis modificações das circunstâncias que as determinam e ao princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, neste domínio, a eficácia do caso julgado se faça depender da rigorosa manutenção dos pressupostos da respectiva decisão, isto é, rebus sic stantibus.

Do referido princípio rebus sic stantibus decorre, por um lado, que permanecendo inalterados os pressupostos e as exigências cautelares que as determinaram, as medidas de coacção não podem ser revistas e, por outro, se, aquando do reexame dos seus pressupostos, não se verificarem circunstâncias supervenientes que alterem as exigências cautelares, basta a referência à persistência do condicionalismo que justificou a medida, para fundamentar a decisão da sua manutenção (cfr. Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Portuguesa, 3a Edição, Pág. 550).

Pretendem os recorrentes a aplicação (alternativa à prisão preventiva) da obrigação de permanência na habitação sujeito a vigilância electrónica.

Liminarmente se dirá que essa medida se mostra, no caso concreto, desadequada e insuficiente, para acautelar perigo de continuação da actividade criminosa.

Atenta a natureza do ilícito indiciariamente imputado aos arguidos, a obrigação de permanência na habitação, como medida alternativa à prisão preventiva e com preferência sobre esta, não se mostra adequada à realização das finalidades cautelares visadas – perigo de continuação da actividade criminosa – já que nada impede a continuação da actividade de tráfico a partir de casa, mostrando-nos a experiência comum como são hoje fáceis os contactos e as deslocações de compradores e intermediários e como é forte a solicitação dos chorudos proventos económicos que tal tráfico proporciona.

No caso dos autos é manifesto que a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica é absolutamente ineficaz para prevenir o perigo de continuação da actividade criminosa.

Ora, perante o exposto e atentando-se principalmente aos perigos que se pretende acautelar, (sendo certo que, basta a verificação de um deles – das situações previstas nas três alíneas do art.º 204.º do C.P.P.) designadamente, de continuação da actividade criminosa, é manifesto que as exigências cautelares impõem a sujeição dos arguidos a medida de coacção privativa da liberdade.

Por outro lado, considerando a circunstância de a presente investigação não estar concluída – havendo, para além do mais, inúmeras inquirições a efectuar, impõe-se concluir pela existência de um forte perigo de perturbação do inquérito ao nível da aquisição e produção da prova.

Verificando-se ser, ainda, expectável que os arguidos, se sujeitos a medida de coacção diversa da prisão preventiva, diligenciem pelo contacto com as testemunhas no sentido de prestarem depoimentos que os favoreçam e destruam quaisquer outros elementos de prova.

Já quanto aos perigos de fuga e de perturbação da ordem e da tranquilidade pública, que os recorrentes alegam não existir, cumpre dizer que tais perigos não constituíram fundamento para que lhes tivesse sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva

Em conclusão, e como bem sintetizou o Ministério Público (na sua resposta à motivação dos arguidos) – “…. Argumentam os recorrentes que a sua deslocação para outro núcleo familiar distante do local dos factos permitirá extinguir ou mitigar o perigo de fuga, o perigo de perturbação de inquérito, o perigo da continuação da atividade criminosa e o alarme social.

Em primeiro lugar, analisando os requerimentos dos arguidos, estamos perante uma mera alegação e não de qualquer facto concreto, já que os recorrentes em momento algum comprovaram nos autos a existência desse núcleo familiar e as correspondentes condições para a execução dessa medida.

Em segundo lugar, o Tribunal a quo não fundamentou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva com base no perigo de fuga e no perigo de alarme social.

E não estando em causa esses perigos, falece a argumentação dos recorrentes nessa parte.

Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa, o Ministério Público não tem dúvidas que o mesmo é real e efetivo e a medida de coação de obrigação de permanência da habitação não se mostra suficiente nem é adequada para afastar esse perigo.

Com efeito, decorre da prova que os arguidos se dedicam à venda de produtos estupefacientes praticamente diariamente, não tendo o Tribunal qualquer prognose que estes arguidos cessem a actividade que vêm desenvolvendo há largos meses.

Também as escutas e os demais elementos de prova são reveladores do anseio dos arguidos pelo dinheiro fácil obtido pela prática deste tipo de ilícito.

Igualmente os dados dos autos indiciam que a principal fonte de rendimentos dos arguidos corresponde à aquisição e revenda de produto estupefaciente.

Quanto ao perigo de perturbação do decurso do inquérito, resulta dos autos que esse perigo é concreto e efetivo.

Tal como fundamentado pelo Tribunal a quo, resultou da prova testemunhal que o arguido AA dirigiu-se a várias testemunhas coagindo-as de alterarem o respetivo depoimento.

Pelo que, entendemos a medida de coação de obrigação de permanência na habitação em lugar afastado do… não é suficiente nem adequada ao caso em concreto, considerando, por um lado, que a atividade de tráfico de estupefacientes poderia facilmente passar a ser realizada pelos arguidos recorrentes a partir das suas residências e, por outro lado, estes poderiam livremente (por meio de telemóveis e computadores) passar a contactar telefonicamente ou por meio de redes sociais com as testemunhas do processo, a fim de as dissuadir de prestar depoimentos que os prejudiquem.”

Assim, entendemos que só a prisão preventiva, e não qualquer das outras medidas de coacção previstas na lei, responde de forma adequada e suficientemente às exigências cautelares que o presente caso reclama e é proporcional à gravidade do crime indiciado e à sanção que é previsível vir a impor-se aos arguidos.

Não podia o Tribunal de 1.ª Instância, como bem decidiu, alterar a sua decisão anterior, sendo certo que não ocorre qualquer das circunstâncias em que a lei lhe permite fazê-lo.

E não se diga que tal conclusão é violadora do princípio do art.º 32.º, 27.º e 28.º da C.R.P., uma vez que, havendo fortes indícios de existir perigo de continuação da actividade criminosa e perigo de perturbação no decurso e sendo os factos imputados puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, é legalmente admissível e até se impõe a aplicação da medida de coacção de prisão, excepção ao princípio do direito à liberdade e segurança, também ele previsto e consagrado constitucionalmente.

Por assim ser, a decisão recorrida não merece qualquer censura.

DECISÃO

Face ao exposto, decide-se negar provimento ao recurso dos arguidos AA e BB, confirmando-se a decisão recorrida.

Fixa-se a taxa de justiça devida por cada um dos Recorrentes em 4 (quatro) UCs.

Évora, 23 / 04 / 2024