MEDIDA DE COAÇÃO
PERIGOS ENUNCIADOS NO ART.204º DO CPP
GRAVIDADE DO COMPORTAMENTO DO ARGUIDO
Sumário

Bem se sabendo que “é a existência, em concreto, de qualquer dos perigos enunciados no artº 204º e não a gravidade do crime indiciariamente cometido, que fundamenta a imposição de medidas de coacção” (Paula Marques Carvalho, As medidas de coacção e de garantia patrimonial, pág. 50), a natureza dos factos indiciariamente praticados pelo arguido não pode deixar de ser tida em conta na apreciação a fazer.
Bem se sabe também que a gravidade do comportamento do arguido não pode justificar só por si a aplicação da medida de coacção mais grave, mas essa gravidade é relevante, desde logo porque torna a prisão preventiva mais proporcional a essa gravidade e à sanção que previsivelmente será aplicada, tal como se prevê no artº 193º, nº 1, do C.P.P..
Se o tipo de crime em causa, só por si, não pode levar à conclusão de que existe qualquer dos perigos referidos, as circunstâncias que rodearam a sua prática podem conduzir a que se conclua pela verificação de qualquer desses perigos.

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

O arguido AA foi sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, no âmbito do qual foi proferido o seguinte despacho:

“São os seguintes os factos da promoção do Ministério Público que se julgam fortemente indiciados:

1. No dia 13 de janeiro de 2023, cerca das 22h00, BB, AA e CC, acordaram entre si dirigirem-se à residência de DD e de EE a fim de, através de sevícias físicas perpetradas nestes últimos e da utilização de um objeto dotado de lâmina aparentando tratar-se de faca pontimola, os primeiros introduzirem-se ilegitimamente naquela residência e fazerem sua quantia monetária, superior a €102,00, que DD e EE guardavam numa bolsa onde anteriormente BB se tinha apercebido ser o local onde aqueles ocultavam os rendimentos que angariavam.

2. Assim, na execução deste plano em que todos acordaram previamente, pelas 22h30 do mesmo dia, BB, AA - o qual colocou um gorro que lhe ocultava a cara e que tinha dois buracos para os olhos - e CC deslocaram-se ao primeiro andar da casa situada no n.º …, da Rua …, …, no Município de …, domicílio de DD e de EE.

3. Aí chegados, AA e CC posicionaram-se ocultos da vista da porta de entrada, da janela da cozinha e da porta do quarto, enquanto que BB, aproveitando a circunstância de ser visita da casa e objeto da confiança de EE, acercou-se da porta de entrada e bateu algumas vezes.

4. Através da janela da cozinha EE avistou BB razão pela qual abriu a porta.

5. De imediato, na execução daquele plano, AA exibiu a EE o objeto aparentando tratar-se de faca pontimola com a lâmina visível.

6. Como consequência direta e necessária desta conduta, EE começou a gritar.

7. De imediato, BB e AA empurraram o corpo de EE para o interior da residência, introduzindo-se, de seguida, os três arguidos na habitação, tudo contra a vontade de EE.

8. BB e AA dirigiram-se então ao quarto onde a primeira sabia que se encontrava guardada a aludida bolsa permanecendo CC junto ao hall de entrada a fim de acautelar a chegada de terceiros.

9. Assim que se apercebeu da permanência de BB e de AA no interior da habitação, DD dirigiu-se a AA, mas este, a fim de possibilitar que a arguida BB retirasse a bolsa, empunhou na mão direita a faca aparentando ser pontimola e, com a lâmina visível, desferiu vários golpes, introduzindo a lâmina da faca por duas vezes no abdómen de DD bem como outras tantas vezes nos seus braços, ao mesmo tempo que lhe dizia “onde está o dinheiro?”

10. Neste circunstancialismo, BB levantou a parte de cima de um sommier, retirou uma bolsa contendo no seu interior uma quantia de, pelo menos, €400,00, em notas do BCE, pertença de DD e de EE, e encaminhou-se para a porta a fim de fazer sua aquela quantia monetária.

11. No entanto, EE agarrou o corpo de BB e tentou retirar-lhe a bolsa momento em que, na execução daquele plano, CC dirigiu-se a EE e manietou-a pelo pescoço, apertando-o, até que lhe falharam as forças e soltou BB.

12. De imediato, BB saiu da habitação, seguida por AA e por CC, fazendo todos como sua a quantia monetária de, pelo menos, €400,00, bem como a bolsa, tudo pertença de DD e EE.

13. Como consequência da conduta de CC, que atuou na execução do plano em que todos os arguidos previamente acordaram, EE sofreu esganadura do pescoço e dores.

14. Por sua vez, como consequência da conduta de AA, que atuou na execução do plano em que todos os arguidos previamente acordaram, DD sofreu “feridas com hemorragia ativa” na “fossa ilíaca direita e região torácico abdominal esquerda” “e nos membros superiores”, “líquido livre no abdómen de maior intensidade à volta do ângulo hepático esquerdo” “com cerca de 400cc de sangue” pelo que careceu de intervenção cirúrgica levada a cabo no Hospital de … para laparotomia mediana onde se apuraram várias lacerações do meso do ileon, uma delas com hemorragia ativa e perfuração do delgado com cerca de 2cm.

15. BB, AA e CC agiram, conforme acima descrito, voluntária, livre e conscientemente, na execução de um plano por todos previamente delineado, com o propósito comum concretizado de molestar o corpo de DD e de EE bem como de lhes produzir as lesões físicas verificadas, a fim de, introduzindo-se contra a vontade destes no seu domicílio e da utilização de um objeto dotado de lâmina aparentando tratar-se de uma faca pontimola, fazerem sua quantia monetária superior a €102,00 bem sabendo que atuavam contra a vontade DD e de EE, seus proprietários e habitantes naquela residência, o que todos os arguidos representaram, quiseram e conseguiram.

16. Os três arguidos bem sabiam que todas estas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal, que podiam e deviam ter observado.

*

Mais resultou indiciado:

O arguido CC trabalha numa empresa de montagem e desmontagem de palcos, auferindo o montante de 5€/hora e trabalha ainda em mudanças de casa, auferindo o montante de 8€/hora e pernoita, alternando as dormidas entre a casa da namorada e a casa da avó.

O arguido AA declarou trabalhar na construção civil e auferir entre 800€ a 1000€ por mês, reside com a mãe, com a namorada e o filho destes, com 2 anos de idade e com o seu enteado.

Tem o 11º ano de escolaridade incompleto e está inscrito na Escola … para retomar os estudos e terminar a escolaridade obrigatória.

Factos Não indiciados: Inexistem.

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Os indícios de que os arguidos praticaram estes factos resultam dos meios de prova comunicados, a saber:

Por reconhecimento:

- Auto de reconhecimento, de fls. 244 e 245.

Documental:

- Relatório de inspeção judiciária, de fls. 52 a 90;

- Auto de apreensão, de fls. 91;

- Pulseira da triagem de DD, de fls. 97;

- Fotos de AA, de fls. 115 e 116;

- Documentação clínica, de fls. 148 e 152;

- Informação de diligências a fls. 225 e 226;

- CRC dos arguidos, de fls. 206 a 210;

- Impressão do sistema Citius do despacho de acusação e sentença proferidos no processo n.º 203/17.9… quanto ao arguido AA, de fls. 211 a 214 – para melhor compreensão da factualidade em causa;

- Impressão do sistema Citius da sentença proferida no processo n.º 7/21.4… quanto ao arguido CC, de fls. 215 a 223 – para melhor compreensão da factualidade em causa;

- Impressão do sistema Citius do auto de 1.º interrogatório judicial de arguido detido e do despacho de acusação quanto ao arguido CC no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 135/23.1…, cuja audiência de julgamento se encontra a decorrer, onde o mesmo foi declarado fortemente indiciado e acusado de um crime de roubo, previsto e punido, pelo art.º 210.º n.º 1 do Código Penal.

Testemunhal:

- Autos de inquirição de EE, de fls. 92 a 94;

- DD, de fls. 98 a 102.

- FF, de fls. 246 e 247

- Declarações do arguido CC em auto de interrogatório de fls. 237 a 112.

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- Declarações do arguido CC quanto aos factos e condições pessoais.

- Declarações do arguido AA relativamente às suas condições pessoais.

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O Tribunal formou a sua convicção face ao teor de todos os elementos probatórios acima descritos, conjugados entre si e com as regras da experiência e da normalidade da vida, para formular as suas conclusões sobre a matéria factual em apreço.

Veja-se em pormenor.

O arguido CC desejou prestar declarações, pese embora as declarações que prestou em sede de 1º interrogatório sejam contraditórias, em alguns pontos, comparadas com as declarações que prestou na Esquadra da Polícia Judiciária.

Deste modo, começou por referir que no dia 13 de Janeiro encontrava-se com o arguido AA no restaurante … quando a arguida BB telefonou a este último dizendo-lhe que precisava de falar com ambos.

Após se encontrarem com a arguida, junto ao supermercado …, a mesma disse-lhes que tinha um plano para os 3 que consistia em deslocarem-se à residência de umas pessoas que ela conhecia para lhe subtraírem dinheiro e produto estupefaciente.

Aduz que a arguida lhes confidenciou que as vítimas não iam apresentar grande resistência, pelo que os três decidiram deslocar-se ao local que a arguida lhes indicou.

Chegados ao local, a arguida BB bateu à porta da residência de EE e o arguido CC escondeu-se do lado esquerdo da porta e o arguido AA escondeu-se do lado direito.

Após EE ter aberto a porta refere AA e BB dirigiram-se para o quarto do namorado de EE tendo ouvido vidros a partir e percebido que havia alguma confusão, porém, o mesmo atesta que ficou na sala sozinho sem fazer nada.

Aduz que não viu qualquer faca nem facadas.

Remata que, entretanto, a arguida BB saiu do quarto levando uma bolsa e que AA foi atrás desta, juntamente com DD e aí apercebeu-se que este último « tinha duas pingas de sangue, nada de especial».

Nega que tivesse apertado o pescoço a EE, referindo que a viu deitada no chão a espumar-se e se abeirou desta e lhe deu duas pancadas na cara para ver se estava bem.

Por último, após abandonarem a residência de EE e DD, a arguida BB retirou o dinheiro que a bolsa de EE continha e deu 200,00 euros a cada um dos arguidos em notas e mais umas moedas para comprarem cigarros.

Ora, analisada toda a prova junta aos autos, não pode o Tribunal dar total credibilidade à versão apresentada pelo arguido CC, uma vez que, as declarações que prestou junto da Polícia Judiciária apresentam diferentes contornos.

Em 1º lugar, só após ser confrontado com as declarações que prestou na PJ é que o mesmo admitiu que o arguido AA saiu do seu veículo e já entrou na residência de EE com a face tapada.

Ao Tribunal, o arguido atesta que não viu qualquer faca aos restantes arguidos. Das declarações que prestou à PJ já afirma que o arguido AA entrou na residência munido de faca e ainda acrescenta que, também, a arguida BB se encontrava munida de uma navalha.

Porém, pese embora as declarações que o arguido CC prestou não corroborem todos os factos apresentados pelo Ministério Público, o Tribunal considera-os todos fortemente indiciados.

Desde logo, atentem-se aos teores das inquirições prestadas por EE e DD que na sua globalidade são consentâneas entre si e credíveis à luz das regras da experiência comum.

Com efeito, EE refere que no dia 13.01.2024 bateram-lhe à porta e viu, através da janela, que se tratava da arguida BB e após lhe abrir a porta deparou-se que se encontrava junto a esta dois indivíduos, um deles encapuzado, com a face tapada e munido de uma navalha apontando-a à testemunha, forçando a sua entrada.

Nesse instante, explica que os três entraram na sua habitação e a arguida BB dirigiu-se, de imediato, ao seu quarto e sabendo que a testemunha guardava lá o seu dinheiro retirou-lhe uma bolsa com 300,00 euros. Apercebendo-se disso atesta que ainda tentou recuperar a bolsa, porém, o indivíduo (que não conhece) agarrou-a pelo pescoço e perdeu os sentidos.

Veja-se a fls 245 o auto de reconhecimento que, posteriormente, a ofendida identifica esse individuo como sendo o arguido CC.

Em relação aos factos relativos a DD só presenciou que este tentou que os arguidos não entrassem na habitação e ainda os viu agarrados, porém, como perdeu os sentidos ao tentar recuperar a bolsa, não conseguiu presenciar o que efectivamente aconteceu.

Remata que quando recuperou os sentidos viu o companheiro com sangue e pediu socorro.

Ora, para além desta versão se apresentar credível e coerente, a mesma é corroborada não só pelo teor da inquirição de DD, como pela demais prova junta aos autos.

Com efeito, DD explica que se encontrava no interior do seu quarto quando ouve EE a gritar e, acto contínuo, um individuo encapuzado, ou seja, o arguido AA dirige-se a este munido de uma faca e diz-lhe «onde está o dinheiro?» desferindo-lhe várias facadas que o atingiram no abdómen.

Mais aduz que viu a arguida levantar o colchão da cama e retirar de lá uma bolsa que continha dinheiro.

Deste modo, entende o Tribunal que todos os factos apresentados pelo Digno Magistrado do Ministério Público se encontram indiciados

Sublinha-se que as testemunhas, para além de não terem qualquer motivo para ludibriar o Tribunal, foram as próprias que chamaram as autoridades e as versões de ambas são consentâneas e coerentes entre si.

Relativamente à intenção dos arguidos quanto aos factos dados como indiciados, a mesma resulta das regras da experiência e da normalidade da vida, ante a análise comportamental da sua conduta, além de que o próprio arguido CC admitiu que os três sabiam e planearam deslocar-se à habitação dos ofendidos com o fito de subtrair dinheiro e produto estupefaciente.

As condições pessoais dos arguidos resultaram das próprias declarações.

Assim agindo, e nesta fase embrionária do processo, incorreram os arguidos na prática de um crime de roubo agravado, previsto e punido, pelo art.º 210.º n.ºs 1 e 2, al. b) por referência: ao n.º 3 e à al. f), do n.º 1 e à al. f) do n.º 2, tudo do art.º 204.º, do Código Penal.

Das exigências cautelares:

Cumpre, agora, apurar se existe necessidade de aplicação de uma medida de coacção em simultâneo com o TIR já prestado.

À luz dos princípios constitucionais conformadores do sistema processual penal, as medidas de coacção, enquanto restrições à liberdade de alguém que se presume inocente (artigo 32.º, n.º 2 da CRP), não são, nem podem ser, uma forma de antecipação da responsabilização e punição penal e só se justificam como meio de tutela de necessidades de natureza cautelar – art. 191º, n.º 1 CPP, ínsitas às finalidades últimas do processo penal: a realização da justiça, através da descoberta da verdade material de um modo processualmente válido, e o restabelecimento da paz jurídica.

Como corolário do estatuído pelo artigo 193.º do CPP, a doutrina tem seguido o entendimento de que são três os princípios aí erigidos como indispensáveis à aplicação das medidas de coacção:

- O princípio da adequação, nos termos do qual se exige que a medida a seleccionar deve ser a mais ajustada às exigências cautelares requeridas pelo caso concreto;

- O princípio da proporcionalidade, dita que a medida deve atender à gravidade do crime e às sanções que se prevê venham a ser aplicadas.

- O princípio da subsidiariedade, determina que a medida de prisão preventiva, como a mais grave da escala, só em última instância deve ser utilizada, ou seja, quando as demais forem julgadas inadequadas ou insuficientes para a situação concreta – critério da última ratio (S. Santos e Leal H., Código de Processo Penal, Anotado, Rei dos Livros, I, pág. 957.)

A todos acresce, ainda, o princípio da legalidade, previsto no artigo 191.º, n.º 1 CPP e cujo corolário lógico é o da tipicidade e o carácter taxativo das medidas elencadas na lei.

Para além dos princípios gerais enformadores da aplicação de uma medida de coacção, a lei processual penal exige, ainda, para a generalidade das medidas que mais gravemente afectam direitos fundamentais dos arguidos que, das diligências efectuadas nos autos, resultem fortes indícios da prática do ilícito criminal subjacente à reacção penal.

Ora, indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, e conforme às regras da experiência e da vida, pelo método indutivo, se obtém a conclusão firme, segura e sólida de um outro facto (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/09/2007, proferido no processo n.º 07P4588, disponível em www.dgsi.pt).

A par, e a acrescer aos pressupostos previstos para cada uma das medidas de coacção do catálogo legal, há que apurar se, em concreto se verificam os requisitos elencados no art. 204º CPP, no momento da respectiva aplicação, quais sejam:

“a) Fuga ou perigo de fuga;

b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;

c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas”.

A este propósito importa começar por referir que o decretamento de uma qualquer medida de coacção, com excepção do termo de identidade e residência, está sujeito aos requisitos enunciados no artigo 204.º do Código de Processo Penal, os quais se devem verificar em concreto, ainda que não sejam cumulativos. Ou seja, basta a ocorrência de um destes pressupostos para justificar a restrição cautelar das liberdades fundamentais de um cidadão.

Aqui chegados, importa apurar das concretas exigências cautelares que os presentes autos requerem em relação à arguida.

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- Quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa com factos da mesma natureza:

O perigo de continuação da actividade criminosa verifica-se sempre que existam factos ou circunstâncias, que não sejam simplesmente conjecturais, donde resulte que em face da personalidade do arguido e circunstâncias dos factos seja formulado um juízo de prognose que aponta com forte probabilidade para a prática de factos crime.

Trata-se de uma conduta que tem de ser expectável com certa intensidade e tal perigo existe quando se verifica a demonstração lógica e racional segundo as máximas da experiência no caso concreto tendo por base elementos objectivos onde se possa inferir que o arguido em liberdade continuaria a actividade criminosa com factos da mesma espécie.

No caso concreto é intenso o perigo de continuação da actividade criminosa.

Em relação ao arguido CC, pese embora não esteja averbada qualquer condenação pela prática de crimes desta natureza, não pode o Tribunal abster-se do conhecimento de que este arguido se encontra a ser julgado pela prática do crime de roubo, à ordem do processo135/23.1…, e que inclusivamente a 23.02.2023, foi-lhe determinado o cumprimento da medida de coacção de apresentações periódicas a fim de colmatar o perigo da continuação da actividade criminosa e, volvidos alguns meses, encontra-se, de novo, indiciado pelo mesmo crime.

Não descuramos que a conduta deste arguido não é tão grave quando comparada com os restantes arguidos, ainda assim, como o mesmo admitiu sabia que ia à habitação dos ofendidos com o fito de lhes subtrair dinheiro e que o arguido AA se encontrava munido de uma faca.

E apercebendo-se que AA teria desferido uma facada ao ofendido DD, o mesmo não interrompeu a sua conduta e abandonado o local. Não, o arguido vendo que EE tinha agarrado a arguida BB, ainda lhe apertou o pescoço fazendo com que a mesma desmaiasse.

Os factos são graves e não perspectivamos que o arguido CC não continue a cometer crimes desta natureza. Além de que o fez, desta vez e segundo o próprio, pela módica quantia de 200 euros.

Ora, dizem-nos as regras da experiência que quem pratica um roubo para lucrar 200,00 euros, não se abstém dessas condutas assim sem mais. Sem, pelo menos por ora, cumprir um estatuto coactivo apertado e que o obrigue a não praticar crimes.

No que concerne ao arguido AA e apesar de não lhe serem conhecidas condenações de idêntica natureza, a sua conduta foi muito grave e reveladora de que o mesmo continuará a praticar estes crimes se não for alvo de um travão.

Repare-se na ligeireza da sua conduta e do seu discernimento. Bastou-lhe a arguida BB dizer-lhe para se deslocarem a uma habitação de cidadãos que não conhecia, que não sabia o que lá ia encontrar, mas que iria receber algum dinheiro para o mesmo aceitar e munindo-se de uma faca e tapando a face entrar na habitação dos ofendidos.

Mas mais, o arguido não se contentando em entrar deste modo na habitação dos ofendidos, ainda desferiu várias facadas na zona do abdómen a DD, perguntando-lhe onde estava o dinheiro.

Com efeito, o ofendido foi intervencionado face às ditas facadas, mas não nos podemos esquecer que uma facada na zona do abdómen pode conduzir à morte.

Assim, face à gravidade dos factos e à leviandade que o arguido AA apresentou, não tem o Tribunal qualquer prognose positiva para afirmar que se tratou de um acto isolado. O perigo da continuação da actividade criminosa deste arguido é muito elevada.

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Das medidas de coacção

Chegados a este ponto, importa determinar qual a concreta medida de coacção a aplicar.

Adianta-se, desde já, que as medidas não privativas da liberdade não são aptas a obstar à continuidade da actividade criminosa, em face do supra exposto.

Assim, em face da absoluta necessidade de aplicação de uma medida de coacção privativa da liberdade, concatenada com o juízo altamente provável dos arguidos serem condenados numa pena de prisão efectiva, face à gravidade dos factos e às intensas exigências cautelares evidentes nos autos, deverão os arguidos CC e AA, por ora, aguardar o desfecho do processo sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva.

Atendendo a que se desconhece as condições de vida do arguido CC, não é possível por ora ponderarmos a viabilidade do mesmo ficar sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação.

Em relação ao arguido AA consideramos que, face à gravidade dos factos, a obrigação de permanência na habitação não é apta a colmatar o intenso perigo aqui existente nem que o mesmo a iria cumprir integralmente.

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DECISÃO.

Nestes termos, o Tribunal decide que os arguidos AA e CC nos termos das disposições conjugadas dos artigos 191º, 192º, 193º, 194º, 196º, 202.º, al. a) e b) e 204º, al. c),todos do CPP, determina-se que os arguidos aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos, para além do Termo de identidade e Residência já prestado nos presentes autos, à medida de coacção de prisão preventiva.”

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Inconformado com o referido despacho, dele recorreu o arguido AA, tendo terminado a motivação e recurso com as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso tem como objeto toda a matéria do despacho que aplicou a medida de coação de prisão preventiva ao recorrente.

2. O despacho recorrido aplicou ao Arguido AA a medida de coação de prisão preventiva, considerando fortemente indiciada a prática de um crime de roubo agravado previsto e punido pelo art.º 210.º n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao n.º 3 e à al. f) do n.º 1 e à al. f) do n.º 2, 204.º todos do Código Penal.

3. Não obstante os factos considerados indiciados, a aplicação da prisão preventiva só é admissível se estiverem preenchidos, em concreto, os pressupostos objetivos estabelecidos nos arts.º 193.º n.º 2, 202.º, n.º 1, e pelo menos um dos do art.º 204.º, todos do CPP.

4. Com efeito, a aplicação das medidas de coação, pautada pelo princípio constitucional de presunção de inocência, deve respeitar os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e menor intervenção possível.

5. Sustenta a MM.ª Juiz a quo que se verifica o perigo de continuação da atividade criminosa elencado na al. c) do art.º 204.º do CPP, assim justificando a verificação dos pressupostos legais para aplicação da medida de coação de prisão preventiva.

6. Resulta do despacho recorrido que, a conclusão da MM.ª Juiz a quo, quanto à verificação do perigo de continuação da atividade criminosa, assenta no tipo de crime cuja prática considerou indiciada – roubo agravado, o que é de todo ilegal.

7. Repare-se que, relativamente ao co-arguido CC, a verificação do perigo de continuação da atividade criminosa resulta de factos concretos: estar indiciados pela prática de crimes da mesma natureza, até já estar a ser julgado por um crime da mesma natureza, e por mesmo já sujeito a uma medida de coação de apresentação periódica por crime da mesma natureza, continuou a praticar o crime de roubo – compreendendo-se o raciocínio do Tribunal para considerar verificado tal perigo

8. Relativamente ao recorrente, considerando que:

Não tem qualquer antecedente criminal por crime de idêntica natureza;

Não está a ser julgado por crime de idêntica natureza, nem qualquer outro;

Não está a ser investigado noutro processo por crime de idêntica natureza;

Nunca esteve sujeito a medida de coação para obstar à prática de crimes de roubo ou furto;

Está familiarmente e laborarem-te inserido como resulta da factualidade considerada indiciada;

9. Não se entende, nem se aceita as conclusões do despacho recorrido de que se verifica tal perigo, e que não poderá considerar-se um ato isolado.

10. Não existem factos considerados indiciados que permitam inferir, como erradamente considerou o Tribunal a quo, que no caso concreto tendo por base elementos objectivos onde se possa inferir que o arguido em liberdade continuaria a actividade criminosa com factos da mesma espécie.

11. O Tribunal a quo, não tem elementos objetivos que permitam inferir que o arguido em liberdade continuará a atividade criminosa.

12. Não resulta de qualquer forma fundamentado o considerado perigo de continuação da atividade criminosa, não resulta sustentado por qualquer factualidade.

13. A interpretação da Mm.ª Juiz a quo no que à verificação dos perigos elencados no art.º204.º julgou verificados é inconstitucional, porquanto colide com o principio da presunção de inocência do arguido constitucionalmente consagrada (artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

14. A medida de coação não constitui uma antecipação de cumprimento da pena que eventualmente venha a ser aplicada ao arguido, como claramente entendeu a MM.ª Juiz a quo no despacho recorrido, no sentido de vir a ser aplicada uma pena de prisão efetiva, quando a moldura penal abstrata permite a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução.

15. O despacho recorrido, aplicou a prisão preventiva ao arguido para a satisfação de finalidades de prevenção geral e mesmo de retribuição, finalidades essas que são completamente ilegítimas porque típicas das reações criminais e não meras exigências processuais de natureza cautelar.

16. Não se verificando o perigo enunciado no despacho recorrido, que sustentou a aplicação ao arguido da medida de coação, não se mostram verificados os pressupostos para aplicação da medida de coação de prisão preventiva (cfr. art.º 204.º do CPP), pelo que deverá o despacho recorrido ser revogado, sendo o recorrente restituído à liberdade.

17. Ainda que, por mera hipótese académica, sem conceder nem prescindir, se considere verificado o perigo referido pelo Tribunal a quo, não se verifica com a intensidade referida pelo Tribunal a quo, sendo desproporcional e desnecessária a medida de coação de prisão preventiva para fazer face a tal perigo.

18. O recorrente não tem antecedentes criminais pela prática de crime da mesma natureza, nem processos pendentes por crime da mesma natureza, e a prisão preventiva não pode ser repressiva nem de antecipação do cumprimento de pena, por se violar o princípio da presunção de inocência e por essa via o art.º 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

19. A aplicação das medidas de coação, pautada pelo princípio constitucional de presunção de inocência, deve respeitar os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e menor intervenção possível.

20. De igual forma, a prisão preventiva, enquanto medida de coação de natureza excecional e de aplicação subsidiária, só pode ser determinada quando as outras medidas se revelem inadequadas ou insuficientes, devendo ser dada prioridade às menos gravosas por ordem crescente (cfr. conjugadamente, o art.º 28.º n.º 2 da CRP e o art.º 193.º n.º 2, do CPP).

21. A MM.ª Juiz a quo não observou os princípios e regras subjacentes à aplicação da prisão preventiva, o que torna a mesma ilegal, por violação, entre outros, dos art.º s 28.º n.º 2 e 32.º n.º 2 da CRP, 191.º n.º 1, 193.º, 202.º e 204.º todos do CPP.

22. Entende o recorrente que a medida de coação aplicada não é necessária nem adequada às exigências cautelares que o caso concreto faz sentir, existindo a violação do princípio da necessidade e adequação. Pois que, deveria o Tribunal recorrido ter optado por uma medida não detentiva, porquanto:

23. O recorrente não tem antecedentes criminais pela prática de crime de idêntica natureza, está familiarmente e laboralmente inserido.

24. E ao contrário do entendimento da MM.ª Juiz de Instrução vertido no despacho recorrido, após o conhecimento da detenção do arguido, seria muito difícil senão mesmo impossível que o arguido continuasse a atividade criminosa, pra mais quando tem uma fonte de rendimento licita conforme resulta dos factos indiciados, pelo que nunca se justificaria a aplicação duma medida de coação privativa da liberdade.

25. Com o devido respeito, o tribunal a quo não respeitou o princípio da subsidiariedade, bem como o princípio da presunção de inocência consagrado no n.º 2, do art.º 32.º da CRP, de que aquele é uma emanação.

26. De facto, resulta inequívoco que as necessidades cautelares que a prisão preventiva pretende proteger, podiam ser igualmente alcançadas através de outras medidas de coação menos gravosas, nomeadamente e por ordem crescente, as constantes dos artigos 198.° (obrigação de apresentação periódica), 200.º (proibição de permanência, de ausência e de contactos) do CPP

27. Assim, no presente caso, com vista a acautelar o perigo de continuação da atividade criminosa, alegado no despacho recorrido, seria de aplicar ao arguido a medida de coação de obrigação de apresentações periódicas.

28. Pois que, o contacto com as autoridades policiais em sede de apresentação periódica é suficientemente dissuasor de qualquer conduta criminosa.

29. É imperativo que seja restituído o arguido à liberdade e substituída a medida de coação aplicada por a de obrigação de apresentações periódicas.

30. Pelo exposto deverá a decisão recorrida ser revogada, e ao abrigo das normas conjugadas dos artigos 191.º, n.º 1, 192.º, n.º 1, 193.º, n.º 1, 195.º, 198.º, n.º 1 todos do Código de Processo Penal, ficar o arguido sujeito ao seguinte regime coativo: a) Ao cumprimento das obrigações decorrentes do TIR que já prestou; b) Obrigação de se apresentar junto do OPC da sua área de residência.

31. Caso assim não se entenda, sempre se dirá, a submissão do recorrente à medida de coação de permanência na habitação com a utilização de meios técnicos de controlo à distância, prevista no art.º 201.º n.º1 e n.º3 do CPP, salvaguardaria o perigo enunciado no art.º 204.º al. c) do CPP, pois que, ao contrário do entendimento da Mm.ª Juiz, uma vez o recorrente obrigado a permanecer na sua habitação, iria cumprir a mesma, não seria possível dedicar-se à atividade criminosa de que vem indiciado, de resto não existe notícia de qualquer prática ilícita por parte do arguido na sua residência.

32. Por tudo o exposto, é imperativo que seja restituído o arguido à liberdade e substituída a medida de coação aplicada por a de obrigação de apresentações periódicas, ou, assim não se entendendo, por a obrigação de permanência na habitação.

33. O douto despacho recorrido fez incorreta apreciação da Lei e violou o art.º 32.º nº 2, e o art.º 27.º e o art.º 28.º da Constituição da República Pública, e os artigos 191.º, 193.º, 198.º, 201.º, 202.º e 204º do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogado.

34. O Recurso deverá ser instruído com:

a) Despacho recorrido;

b) Certificado registo criminal do arguido.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a decisão recorrida que decretou a prisão preventiva do recorrente, por não se verificarem os pressupostos para a sua aplicação, restituindo o arguido à liberdade;

Caso, assim não se entenda deverá a medida de coação de prisão preventiva ser substituída pela medida de obrigação de apresentação periódica prevista no art.º 198.º do CPP;

Assim não se entendendo, deverá a medida de coação de prisão preventiva ser substituída pela obrigação de permanência na habitação com a utilização de meios técnicos de controlo à distância, prevista no art.º 201.º n.º 1 e n.º 3 do CPP;

Assim se respeitando os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.

Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, fazendo-se a costumada JUSTIÇA! “

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O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões:

“1. O douto despacho recorrido não padece de quaisquer vícios ou nulidades.

2. Não foram violadas quaisquer normas substantivas ou adjetivas aplicáveis ao caso sub judice, bem pelo contrário, o douto despacho recorrido fez correta interpretação dos factos e aplicação das normas que se impunham.

3. Os factos dados como fortemente indiciados na decisão recorrida integram a prática pelo arguido AA, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo art.º 210.º n.ºs 1 e 2, al. b) por referência ao n.º 3 e à al. f), do n.º 1 e à al. f) do n.º 2, tudo do art.º 204.º do Código Penal.

4. Aquela factualidade, aliada à predisposição evidenciada pelo arguido AA para a prática dos factos fortemente indiciados nos autos e à desproporcionalidade das sevícias físicas que provocou a DD a fim de angariar pouco mais de €200,00, traduzem uma elevada probabilidade de, em concreto, AA continuar a atividade criminosa a fim de angariar dinheiro para o seu sustento – não obstante auferir entre €800,00 a €1.000,00 mensalmente da atividade profissional que desenvolve na construção civil – bem como de, acrescento, perturbar gravemente a ordem e tranquilidade públicas, em razão da natureza e das circunstâncias do crime bem como da personalidade do arguido que, com a sua conduta, exteriorizou qualidades dignas de séria reprovação penal.

5. Quaisquer medidas não detentivas, bem como a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, ainda que sujeita a vigilância eletrónica, são insuficientes porque ineficazes, para debelar os apontados perigos, tanto mais que o arguido é consumidor de estupefacientes e, pelo menos nos últimos seis a sete meses, vendeu cocaína a BB, sendo desadequada a aplicação, neste circunstancialismo, da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, ainda que sujeita a fiscalização através de meios de controlo à distância.

6. Assim, a medida coativa de prisão preventiva aplicada através do douto despacho recorrido mostra-se necessária e é a única que se revela adequada e suficiente a acautelar tais perigos, sendo ainda proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente serão impostas ao arguido.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.

Vossas excelências, porém, decidindo farão, como sempre, JUSTIÇA”

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Neste tribunal da relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi oferecida resposta.

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APRECIAÇÃO

A única questão que importa apreciar no presente recurso é a de saber se o recorrente deve aguardar o decurso do processo em prisão preventiva ou, ao contrário, se lhe deve ser aplicada outra, ou outras, medidas de coacção.

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O artº 204º do C.P.P. prevê os requisitos para a aplicação de qualquer medida de coacção, à excepção do termo de identidade e residência previsto no artº 196º do mesmo Código.

Assim, qualquer medida de coacção só pode ser aplicada se, em concreto, no momento da sua aplicação se verificar:

- Fuga ou perigo de fuga;

- Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

- Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.

Bem se sabendo que “é a existência, em concreto, de qualquer dos perigos enunciados no artº 204º e não a gravidade do crime indiciariamente cometido, que fundamenta a imposição de medidas de coacção” (Paula Marques Carvalho, As medidas de coacção e de garantia patrimonial, pág. 50), a natureza dos factos indiciariamente praticados pelo arguido não pode deixar de ser tida em conta na apreciação a fazer.

Bem se sabe também que a gravidade do comportamento do arguido não pode justificar só por si a aplicação da medida de coacção mais grave, mas essa gravidade é relevante, desde logo porque torna a prisão preventiva mais proporcional a essa gravidade e à sanção que previsivelmente será aplicada, tal como se prevê no artº 193º, nº 1, do C.P.P..

Para a aplicação da medida de prisão preventiva – a mais gravosa das previstas da lei, por ser a mais restritiva da liberdade das pessoas – para além dos requisitos gerais têm que se verificar ainda outros pressupostos.

A excepcionalidade da prisão preventiva resulta de vários preceitos legais.

Desde logo, dispõe o artº 28º, nº 2, da C.R.P. que a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.

Trata-se de um dos corolários do princípio da presunção de inocência consagrado no artº 32º, nº 1, da C.R.P.

Não tendo o arguido sido sujeito ainda a uma decisão condenatória definitiva, devem os seus direitos fundamentais, e de entre eles, um dos mais importantes que é o direito à liberdade, ser coarctados apenas se tiverem verificados determinados requisitos que são manifestamente restritivos.

O carácter excepcional da medida de prisão preventiva resulta também dos artºs 202º e 193º, nº 2, do C.P.P, o qual atribui também carácter excepcional à medida de obrigação de permanência na habitação.

E se a medida de prisão preventiva já devia ser encarada como excepcional antes da reforma do C.P.P. introduzida pela L. 48/07 de 29/8, ainda mais excepcional deve agora ser entendida.

Por outro lado, com a introdução do nº 3 do artº 193º do C.P.P., operada pela referida L. 48/07 de 29/8, o legislador veio claramente demonstrar que, apesar do carácter excepcional de ambas as medidas de coacção referidas – prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação – deve ser dada preferência a esta última.

Na verdade, aí se dispõe que “quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ele se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares”.

Acresce ainda que com a nova redacção dada ao artº 193º, nº 1, do C.P.P., com o aditamento da palavra “necessárias” ficou mais claramente expresso o princípio da necessidade, assim definido no dizer do Prof. Paulo Albuquerque, Comentário ao C.P.P., pág. 547: “O princípio da necessidade consiste em que o fim visado pela concreta medida de coacção ou de garantia patrimonial decretada não pode ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido.”

Feitas estas considerações gerais, e não se olvidando que, conforme referido, as medidas de coacção restritivas da liberdade (prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação) devem ser aplicadas excepcionalmente, o que se constata é que bem andou a decisão recorrida em aplicar a prisão preventiva ao recorrente.

Como resulta do despacho recorrido entendeu-se que existia acentuado perigo de continuação da actividade criminosa, caso o arguido permanecesse em liberdade e, por isso, se lhe aplicou a prisão preventiva.

Ao contrário do que alega o recorrente, a conclusão de se verificava perigo de continuação da actividade criminosa não resultou do tipo de crime em causa – roubo agravado.

Não teve nada que ver com o tipo de crime, mas sim com as circunstâncias que rodearam a prática do crime, o que é bem diferente.

Se o tipo de crime em causa, só por si, não pode levar à conclusão de que existe qualquer dos perigos referidos (já lá vai há muito tempo a existência dos chamados “crimes incaucionávies”), as circunstâncias que rodearam a sua prática podem conduzir a que se conclua pela verificação de qualquer desses perigos, designadamente para o que interessa, perigo de continuação da actividade criminosa.

É que perante a “ligeireza”, “destreza” e violência com que o recorrente actuou, mais facilmente se conclui que se estiver em liberdade, há grande probabilidade de voltar a praticar factos com os dos autos.

A inexistência de antecedentes criminais ainda mais reforça essa conclusão, ao contrário do que pretende o recorrente. Se quem nunca teve qualquer contacto com o sistema judicial, actua como o arguido actuou, então é bem possível que volte a fazê-lo.

E a não aplicação de medida de coacção não restritiva da liberdade ainda faria acentuar mais o sentimento de impunidade por parte do arguido, bem se sabendo, contudo, que a prisão preventiva, não se destina a “prévio” cumprimento de pena de prisão.

O recorrente actuou como se fosse já um “experimentado” delinquente: planificação prévia da actuação, colocação prévia de gorro só com os “olhos abertos”, detenção de uma faca (aparentando ser de ponta e mola) e, principalmente, uso de grande violência, desnecessária perante as circunstâncias.

Tudo isto revela uma personalidade violenta, “destemida” e apta a reiterar factos como os dos autos ou outros ainda com consequências mais graves.

Qualquer medida de coacção que não a prisão preventiva não acautelaria convenientemente o perigo de continuação da atividade criminosa.

A obrigação de permanência na habitação, mesmo que com vigilância electrónica, não se adequa ao caso concreto, pois que como se sabe a referida medida é susceptível de fácil violação, ainda para mais quando se tem a perspectiva de condenação em pesada pena de prisão, face à moldura penal em causa.

A vigilância electrónica cuida de “avisar” a violação da medida, mas não previne essa violação, ao contrário do que acontece com a prisão preventiva que é muitíssimo menos susceptível de ser violada.

Assim sendo, bem andou a decisão recorrida.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente.

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Deverá o recorrente suportar as custas, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

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Évora, 23 de Abril de 2024

Nuno Garcia

Artur Vargues

Laura Goulart Maurício