MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
ART.3º
Nº1
AL.E) DA LEI 65/2003
Sumário

Sendo a descrição factual transmitida pelo estado de emissão suficiente para se compreender o que é imputado ao requerido, estando o mesmo aí referenciado como autor dos factos, entende-se que não ocorre qualquer violação do artº 3º, nº 1, al. e), da Lei 65/2003 de 23/8 .

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

O Ministério Público junto deste tribunal da Relação veio, nos termos do disposto nos artºs 1º, nº 1, 2º, nºs 1 e 3, 4º, 15º, nºs 1 e 2, 16º, nº 1, e 18º, nº 2, da L. 65/2003 de 23/8 (lei a que pertencerão todos os artigos referidos no presente acórdão, sem menção expressa em contrário), promover a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido pelas autoridades francesas contra o cidadão:

AA, de nacionalidade …, nascido em ../…/2004, em …, …, portador do passaporte …, filho de BB e de CC, portador do cartão de residência permanente nº …, residente em …, no alojamento de trabalho em …, com morada oficial em … (doravante designado por requerido).

Em síntese, alegou o Ministério Público:

- a detenção do requerido foi determinada em 13/2/2024 pelo juiz de instrução do tribunal judicial da comarca de Lyon, no processo do Ministério Público …, instrução …, tendo o m.d.e. sido assinado em 28/2/2024 pelo mesmo tribunal.

- o m.d.e. destina-se a procedimento criminal em França, por virtude do requerido se encontrar indiciado como autor de dois crimes, (ofensas corporais graves e homicídio) relativos a factos ocorridos em 13/2/2023, em Lyon, França, puníveis pelo código penal francês com pena máxima de 5 anos de prisão.

- os factos indiciados são os seguintes:

No dia 13/2/2023, a polícia interveio na sequência de uma briga na estação ferroviária de Perrache, em Lyon. As imagens de CCTV mostram o requerido no chão, atacado pelo cão de DD e agredido por este último, EE e outra pessoa. Ameaçou-os com uma faca e esfaqueou EE nos antebraços, o que provou uma incapacidade total de 8 dias, no máximo.

A versão dos factos não eram as mesmas. DD, ferido, mas não incapacitado, declarou ter tentado, juntamente com EE, separar um transeunte e um jovem que discutiam entre si. O requerido afirmou que tinha usado a faca apenas para se defender porque se sentia em inferioridade numérica e tinha medo do cão, admitindo ter esfaqueado uma vez DD e ter batido noutro indivíduo. O quarto indivíduo, FF, que se encontrava em fuga deste os eventos, foi detido a 8 de Junho de 2023 e admitiu um mínimo dos factos de que era acusado. Afirmou ainda que foi vítima dos actos do requerido.

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Em 27/3/2024 procedeu-se à audição do requerido nos termos do artº 18º, não tendo o mesmo renunciado à regra da especialidade e tendo-se oposto à solicitada entrega.

Nessa sequência foi-lhe concedido o solicitado prazo de 10 dias para deduzir oposição, tendo sido determinado que aguardasse o desenrolar do processo, para além da prestação de t.i.r., sujeito às obrigações de se apresentar semanalmente na entidade policial da área da sua residência e de não se ausentar do … sem prévia autorização deste tribunal.

No prazo que lhe foi concedido, veio o requerido apresentar oposição escrita, referindo que:

- tem agora 19 anos e à data dos factos tinha 18;

- está integrado social e profissionalmente, trabalhando como servente de pedreiro;

- o m.d.e. não observa a al. e) do nº 1 do artº 3º porque não é clara a indiciação quanto ao modo e participação nos factos;

- é omissa quanto à alegada violação das medidas de coacção.

O Ministério Público pronunciou-se sobre a oposição deduzida, tendo alegado que tudo o referido na mesma não é susceptível de impedir a satisfação da solicitada entrega.

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APRECIAÇÃO

A única questão que importa decidir é a de se saber se estão preenchidos os requisitos para se satisfazer a solicitada entrega ou se, pelo contrário, ocorre qualquer circunstância que tal impeça.

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Face aos documentos juntos aos autos, resulta o seguinte:

No dia 13/2/2023, a polícia interveio na sequência de uma briga na estação ferroviária de Perrache, em Lyon. As imagens de CCTV mostram o referido cidadão no chão, atacado pelo cão de DD e agredido por este último, EE e outra pessoa. Ameaçou-os com uma faca e esfaqueou EE nos antebraços, o que provou uma incapacidade total de 8 dias, no máximo.

A versão dos factos não eram as mesmas. DD, ferido, mas não incapacitado, declarou ter tentado, juntamente com EE, separar um transeunte e um jovem que discutiam entre si. O referido cidadão afirmou que tinha usado a faca apenas para se defender porque se sentia em inferioridade numérica e tinha medo do cão, admitindo ter esfaqueado uma vez DD e ter batido noutro indivíduo. O quarto indivíduo, FF, que se encontrava em fuga deste os eventos, foi detido a 8 de Junho de 2023 e admitiu um mínimo dos factos de que era acusado. Afirmou ainda que foi vítima dos actos do referido cidadão ….

Tal como, em parte, já se referiu no despacho judicial proferido aquando da audição do requerido, entende-se que os referidos factos poderão consubstanciar a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. no artº 145º, nº 1, al. a) e nº 2, com referência ao artº 132º,n ºs 1 e 2, al. h), e, eventualmente, também um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no artº 143º, nº 1, do Cód. Penal.

O referido crime de ofensa à integridade física qualificada é punível com pena de prisão até 4 anos e pelo Cód. Penal francês com pena de prisão até 5 anos.

Segundo o estado emissão, os referidos factos consubstanciam, pelo menos, um crime de ofensa corporal grave, punível com pena de prisão até 5 anos, pelo que o mesmo se enquadra no artº 2º, nº 2, al. o).

Os factos a que se reporta o m.d.e. não foram nem são objecto de procedimento criminal em Portugal.

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Nada mais resultou provado, designadamente o alegado pela requerido na oposição no que diz respeito à sua alegada inserção social e profissional, sendo certo que nenhuma prova foi oferecida quanto a isso.

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Conforme resulta do artº 1º, nº 2, da L. 65/2003 de 23/8 “o mandado de detenção europeu é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente lei e na Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho”.

Temos, portanto, que o m.d.e. só pode ser recusado se existirem causas obrigatórias de não execução do mesmo ou causas facultativas.

Não se vislumbra que exista qualquer causa de recusa obrigatória, tal como as mesmas se encontravam previstas no artº 11º.

Igualmente não se detecta qualquer causa de recusa facultativa prevista no artº 12º, nem, aliás, o requerido invoca qualquer delas.

Entende-se que não ocorre qualquer violação, do artº 3º, nº 1, al. e), pois que a descrição factual transmitida pelo estado de emissão é suficiente para se compreender o que é imputado ao requerido, estando o mesmo aí referenciado como autor dos factos.

Por outro lado, a omissão de eventual violação de medidas de coacção é inconsequente e não está prevista como requisito para se proceder à solicitada entrega.

A situação é clara e não merece quaisquer outras considerações, inexistindo qualquer causa de recusa da solicitada entrega, a qual deve ser deferida.

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DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes em autorizar a entrega de AA, de nacionalidade …, nascido em …/…/2004, em …, …, portador do passaporte …, filho de BB e de CC, portador do cartão de residência permanente nº …, residente em …, no alojamento de trabalho em …, com morada oficial em …, às autoridades francesas, juiz de instrução do tribunal judicial da comarca de Lyon, no processo do Ministério Público …, instrução ….

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Sem tributação.

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Notifique e comunique à autoridade judiciária emissora, P.G.R., gabinete Sirene.

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Após trânsito, emita mandados de detenção a fim de o requerido ser entregue às autoridades francesas.

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Évora, 23 de Abril de 2024

Nuno Garcia

António Condesso

Maria Margarida Bacelar