ASSEMBLEIA GERAL DE SÓCIOS
CONVOCAÇÃO JUDICIAL
AÇÃO ESPECIAL
Sumário

I - Os eventuais vícios ou irregularidades que durante uma assembleia de sócios ocorram não justificam nem fundamentam pedido de convocação judicial de assembleia de sócios (art. 1057º do CPC).
II - O objecto do processo especial de convocação de assembleia de sócios esgota-se, caso proceda a pretensão, na promoção das diligências indispensáveis à realização e funcionamento de assembleia que se agenda, com a definição de determinada ordem de trabalhos, situando-se para lá desse objecto, e por isso extravasando o poder congnitivo e decisório do tribunal (no âmbito de tal processo), as vicissitudes e ocorrências de tal assembleia, seja no que se refere a decisões de quem preside ao acto quanto a impedimentos de voto de sócios, seja quanto a decisões (como no caso trazido em apelação) que a quem preside ao acto cabe tomar (mormente sobre questões respeitantes à representação dos sócios).
III - Homologada nos autos a transacção em que o requerente e a sociedade acordaram na sua realização com determinada ordem de trabalhos, vindo a assembleia a realizar-se e funcionar, ficou esgotado o objecto do processo (e alcançado o fim máximo que, através dele, o requerente poderia obter) – a invocada ilegalidade da decisão tomada pelo presidente da assembleia de não admitir a participar e intervir nela determinadas pessoas em representação do sócio aqui requerente apresenta-se como vicissitude que extravasa o objecto da acção.

Texto Integral

Apelação nº 2657/23.5T8STS-A.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Lina Castro Batista
Anabela Andrade Miranda


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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

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Apelante: AA (requerente).

Apelada: A..., Ld.ª (requerida).

Juízo de comércio de Santo Tirso (lugar de provimento de Juiz 6) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto.


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Na presente acção especial de convocação de assembleia que o requerente intentou pedindo a convocação da assembleia geral de sócios da sociedade requerida, A..., Ld.ª, com ordem de trabalhos que identifica, foi judicialmente homologada transacção celebrada entre o requerente e a sociedade requerida na qual as partes acordaram (além do demais) se realizasse em 19/10/2023 assembleia geral de sócios com ordem de trabalhos que identificaram e em local que especificaram, a presidir por administrador judicial a designar pelo tribunal.

Nomeado pelo tribunal o administrador para presidir à assembleia e indeferido pedido para o adiamento formulado por este, veio o requerente, em 25/10/2023, expor e impetrar (transcreve-se, integralmente, o requerimento):

‘1. Em 2023.10.03, foi celebrada uma transação homologada por sentença na mesma data proferido pelo Tribunal em que se determinou a data de 2023.10.19, pelas 10:30 horas, para a realização da assembleia geral de sócios a ter lugar no estabelecimento comercial da Ré, sito na Rua ..., ... Porto, com a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto 1: Deliberar sobre o relatório de gestão e as contas relativas ao exercício social de 2021 e sobre a proposta de aplicação de resultados gerados em tal exercício;

Ponto 2: Deliberar sobre o relatório e as contas do exercício de 2022;

Ponto 3: Deliberar sobre a aplicação de resultados;

Ponto 4: Apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade;

Ponto 5: Deliberar sobre a apresentação e prosseguimento da ação judicial que corre os seus termos no Juízo do Comércio de Santo Tirso sob o nº. 3153/22.3T8STS, incluindo a ratificação do processado, nomeadamente quanto:

1. Ao pedido de condenação da sócia-gerente no pagamento de uma indemnização à sociedade no montante de € 341.034,14, acrescido de juros de mora contabilizados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;

2. Ao pedido de condenação da Gerente no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que se venham a apurar após a entrada da ação, acrescidos dos respetivos juros de mora até efetivo e integral pagamento;

3. A exclusão judicial da sócia-gerente com fundamento nos factos descritos na petição inicial apresentada pela sociedade contra a primeira, posteriores à deliberação tomada em 2022.07.29; e

4. A nomeação de BB para representação da sociedade no âmbito da referida ação judicial, na qualidade de seu representante especial;

Ponto 6: Deliberar sobre a manutenção, resolução ou revogação do contrato de arrendamento que tem por objeto as instalações da sociedade sitas na Rua ..., Porto

2. Em face da referida transação, o Tribunal nomeou o Dr. CC para desempenhar as funções de presidente da mesa da assembleia geral cuja realização determinou.

3. Contudo, mediante requerimento datado de 2023.10.18, o referido Dr. CC apresentou um requerimento ao processo a requerer o adiamento da assembleia geral de sócios.

4. Para fundamentar um tal pedido, o referido administrador judicial invocou como fundamento o facto de apenas nesse dia lhe terem sido remetidos pelo Tribunal os documentos referentes à Assembleia Geral de Sócios.

5. Em face do pedido de adiamento então formulado, o Autor mediante requerimento com a referência nº. 46848185, datado de 2023.10.18, opôs-se ao aludido pedido de adiamento da assembleia geral de sócios.

6. Para justificar um tal pedido, o Autor invocou a necessidade de obter uma deliberação sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos, relativo ao prosseguimento e ratificação do processado da ação de exclusão de sócia, pendente no Juiz 7, do Juízo de Comércio de Santo Tirso, sob o nº. 3153/22.3T8STS.

7. Em face dos referidos requerimentos, o Tribunal, através do despacho com a referência nº. 452954650, datado de 2023.10.19, indeferiu o pedido adiamento formulado pelo administrador judicial, referindo, mais concretamente, que: “porque o que esteve na origem deste (alegado) pedido se reconduz a ato imperfeitamente executado pelos serviços do tribunal (serviços externos), mas porque está em causa a realização de uma assembleia de sócios designada (em transação homologada pelo Tribunal) de comum acordo pelas partes nestes autos para o dia de hoje, inexistindo idêntico acordo para o seu adiamento, entende-se dever manter a data/hora já designada, podendo, no decurso dos trabalhos, ser deliberada/decidida a sua suspensão e designado novo dia para a sua continuação. E caso haja necessidade de suspender os trabalhos, entende-se igualmente que a continuação da assembleia geral de sócios ocorrer em dia útil da próxima semana, sugerindo-se desde já o dia 24 do corrente mês de outubro, pelas 10h30m” (negrito e sublinhado nossos).

8. De referir a este propósito que em face do requerimento que havia apresentado e apesar de inexistir qualquer despacho por parte do Tribunal, o administrador judicial, pura e simplesmente, não compareceu na hora aprazada para a reunião da assembleia geral.

9. De igual modo, não se encontrava presente a sócia DD, por si ou através do seu representante, encontrando-se, por isso, o estabelecimento comercial da Ré encerrado e sem que fosse possível aceder ao seu interior.

10. Deste modo, em face da ausência quer do administrador judicial, quer da sócia DD, o ora signatário contactou telefonicamente o Dr. CC e o Dr. EE – este na qualidade de mandatário da referida sócia –, dando-lhes conta da prolação do aludido despacho e solicitando a respetiva presença nas instalações da sociedade, por forma a que fosse possível dar início à assembleia geral.

11. Deste modo, apesar de a assembleia geral de sócios estar agendada para as 10:30 horas, do dia 19 de outubro, a mesma apenas teve início quando eram 12:10 horas, conforme ata que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Docº. nº. 1).

12. Na referida assembleia geral esteve presente a Dra. FF, em representação do Autor, que exibiu a carta mandadeira por este subscrita em 2023.10.11 e a qual já havia sido remetida por correio registado para o Dr. CC.

13. No referido documento de representação, o aqui Autor conferiu poderes de representação na assembleia geral, não só à mandatária presente na assembleia geral, mas também ao aqui subscritor e ainda ao Dr. GG.

14. Ora, analisado o referido instrumento de representação, o Dr. CC – na qualidade de presidente da mesa nomeado pelo Tribunal – concluiu pela validade do instrumento de representação e, consequentemente, admitiu a intervenção da Dra. FF na Assembleia Geral de Sócios em causa.

15. Após o início dos trabalhos, o Dr. CC declarou que:

Atendendo ao facto de ter sido notificado, no dia de ontem, pelas 16h00, pelo Tribunal da sua nomeação e fundamentalmente, da documentação inerente aos trabalhos desta Assembleia Geral, não tendo tempo para uma cabal análise dos mesmos, e tendo ouvido os Advogados, representantes dos sócios, presentes, decide sugerir a suspensão destes trabalhos e designar nova data, por acordo dos presentes para a sua continuação.’

16. Em face dos argumentos invocados pelo referido administrador judicial, os representantes dos sócios – Dra. FF e Dr. EE –, acolhendo os motivos invocados pelos Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral, deliberaram por unanimidade a suspensão dos trabalhos e a sua continuação em 2023.10.24, no mesmo local e hora.

17. Sucede, porém, que no dia de hoje o Autor fez-se representar na assembleia geral de sócios através do mandatário subscritor do presente requerimento que, por forma a que não subsistissem dúvidas quanto à regularidade da representação entregou uma nova carta mandadeira – assinada pelo Autor – em que expressamente conferiu poderes para representação aos Drs. FF, GG e o aqui subscritor para participarem na assembleia geral a realizar na presente data.

18. Contudo, antes de se entrar no ponto 1 da ordem de trabalhos, o representante da sócia DD pediu a palavra e no uso da mesma formulou o seguinte requerimento:

a sócia DD, titular de uma quota com o valor nominal de dois mil e quinhentos euros, tendo por finalidade verificar a validade e regularidade do instrumento de representação outorgado pelo sócio AA e consequentemente o direito à participação da pessoa que se arroga seu representante nesta assembleia, requer ao abrigo do disposto nºs. 1 e 2 do artigo 290° CSC, aplicável ao caso por força do disposto do número 7 do artigo 214° do mesmo código, facultar-lhe ainda antes do início da ordem do dia, a consulta do instrumento de representação/carta hoje entregue ao Presidente da Mesa para comprovar os poderes de representação alegadamente conferidos pelo identificado sócio para a presente assembleia e bem assim conceder-lhe uma suspensão dos trabalhos pelo período de dez minutos para que possa levar a efeito a aludida verificação. Acrescentou que pontua ainda que a recusa injustificada da informação ora requerida será causa para declaração de anulabilidade de todas as deliberações que vierem a ser tomadas com os votos favoráveis de que o sócio ausente é titular, direito esse que a sócia ora requerente exercerá no prazo legal.”,

conforme ata que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Docº. nº. 2).

19. Requerimento este que foi admitido pelo presidente da mesa que assim determinou a suspensão da assembleia, com vista a permitir a análise do documento de representação por parte do representante da sócia DD.

20. Retomados os trabalhos, o representante da sócia DD apresentou o seguinte requerimento:

Tornando em consideração:

a) que o documento de representação invocado pelo ilustre advogado que aqui se arroga representante do sacio AA, está datado de vinte de Outubro de dois mil e vinte e três e foi hoje entregue em mão ao Sr. Presidente de Mesa;

b) na primeira sessão desta Assembleia, quando questionada pelo Sr. Presidente da Mesa sobre as circunstancias da elaboração e subscrição do documento de representação então exibido com vista à participação nesta Assembleia, foi produzido e subscrito, a ilustre advogada que então compareceu, em representação daquele sócio esclareceu que, muito embora tal não tenha ocorrido na sua presença, a subscrição teria sido efectuado pelo sócio AA, no seu escritório e na presença de colega que integra a sociedade de advogados a pertence;

c) o declarado em juízo pelo sócio AA na sessão de julgamento realizada em onze de Setembro último, no âmbito do processo nº 2431/2022.6T8STS, do Juízo de Comercio de Santo Tirso - Juiz Sete (depoimento prestado a partir da Republica Federativa do Brasil, via plataforma WEBEX e constante da respectiva gravação) – mormente que se encontrava na sua residência sita no Brasil e que não se iria descolocar proximamente a Portugal;

d) que o sócio AA em requerimento que fez juntar em vinte e dois de Setembro último, ao processo número 2657/2023.5T8STS (de que resultou a convocação desta assembleia geral) confirmou a sua residência habitual no Brasil e declarou a sua impossibilidade de, por tal motivo, comparecer no Juízo de Comercial de Santo Tirso no dia três de Outubro do corrente ano;

e) que o sócio AA interveio na diligência realizada no referido dia três, no âmbito do mencionado processo nº 2657/2023.5T8STS a partir do Brasil e novamente com recurso à plataforma WEBEX, como consta certificado na respectiva acta; e

f) que o sócio AA não se deslocou nem se encontra em Portugal pelo menos desde o dia dez de Setembro do corrente ano; resulta insofismável que os dois documentos invocados para intervenção nesta assembleia em representação do sócio AA, não foram por ele subscritos nas datas que deles constam.

Mais se verifica, num outro plano que as assinaturas apostas em tais documentos de representação como sendo a do sócio AA não coincidem com a que consta no documento de identificação deste, acrescendo que tais documentos não contem qualquer certificação da fidedignidade da mesma sendo ainda facto que, atento à sua não permanência em território nacional nas datas que constam nos documentos em questão e ausência de qualquer comprovação de que os mesmos foram por si elaborados e subscritos no Brasil, e subsequentemente expedidos para as pessoas designadas como seus representantes, tais assinaturas não são da sua autoria.

Atento nos sinalizados contexto e desconformidades, é de concluir que os documentos de representação entregues com vista à participação nesta assembleia geral em sua representação contem duas assinaturas que não são da autoria do sócio AA, nem foram feitas pelo seu punho. Trata-se, por conseguinte, de documento inquinados de falsidade que determina a invalidade das supostas declarações neles contidas e inviabiliza qualquer possibilidade de participação nesta assembleia com base neles.

Para além disso, as aludidas circunstancias constituem fundamento suficiente para que a sócia DD, comunique os factos ao Ministério Publico para que se proceda às necessárias averiguações e, comprovando-se o relatado (mormente a desconformidade na autoria das assinaturas), se inicie procedimento criminal tendente a concluir pela comissão de eventuais crimes de falsificação de documentos e de participação fraudulenta em assembleia social e a determinar os respectivo autor ou autores - acto que, na sequencia, irá praticar.

Doutro passo, a falsidade das assinaturas aqui em crise e, consequentemente dos documentos em que estão apostas é, à luz do que prescrevem os artigos 56° e 58 do CSC, também fundamento para declaração de invalidade das deliberações que vierem a ser tomadas no decorrer dos trabalhos desta assembleia com os votos do sócio AA.

Acresce que o sócio AA não será pessoa das relações ou do conhecimento pessoal do Sr. Presidente da Mesa pelo que este não estará atento o ora alegado e salvo melhor juízo em condições de verificar a autenticidade das ditas assinaturas e, por conseguinte, permitir a participação dos seus supostos representantes nos trabalhos desta assembleia.

Assim, com fundamento no que até aqui se expôs e atento o disposto dos artigos 248° e 249° do CSC, a sócia DD requer ao Presidente da Mesa, se digne não admitir o Exmo. Senhor Dr. HH, ou qualquer outra das pessoas mencionadas nas cartas de representação aqui em questão a participar nesta assembleia para discutir e votar os pontos da ordem do dia em representação do sócio AA ou qualquer outra qualidade, assim desde já manifestado a sua oposição a tal

21. Na sequência de tal requerimento, o representante do Autor apresentou a sua oposição, referindo que:

Na sequência do requerimento apresentado pelo ilustre representante da sócia DD cumpre referir que nos termos do artigo 249° nº4 CSC, para representação em determinada assembleia geral é bastante urna carta dirigida ao respectivo Presidente da Mesa, inexistindo qualquer obrigação legal à certificação ou reconhecimento de assinaturas a que expressamente se fez referência no requerimento a que ora se responde. Por outro lado, não se pode deixar de frisar que os fundamentos invocados para arguir a falsidade de assinatura constante no documento de representação ora entregue tem por base supostos depoimentos prestados em processos judiciais que precedem a presente assembleia geral em mais de um mês, de igual modo a intervenção a que se fez referencia no âmbito da acção de convocação judicial que determinou a realização da presente assembleia foi efectuada através de mandatário e aqui representante, não tendo o sócio AA sido ouvido nessa oportunidade, por conseguinte, inexistindo qualquer fundamento para a arguição da falsidade de assinaturas que agora vem arguir pela sócia DD. Ademais, importa frisar que a não admissão da participação do aqui representante na presente assembleia geral consubstancia urna violação do direito do sócio de participar nas assembleias gerais o que por si só invalida toda e qualquer deliberação que venha a ser tomada no âmbito desta assembleia. De igual modo e tal como referido pelo ilustre representante da sócia DD, o facto de o Sr. AA não pertencer às relações do Sr. Presidente da Mesa, inviabiliza de facto que este possa concluir pela falsidade da assinatura constante do documento de representação. Nessa medida, a questão da alegada falsidade da assinatura não poderá ser motivo ou fundamento para inviabilizar a participação na presente assembleia, com efeito a forma que a sócia DD terá para fazer valer o direito a que ser arroga, nomeadamente o pedido de exclusão do ora representante, terá de ser objecto de apreciação em sede de acção a intentar contra a sociedade com vista à eventual impugnação da deliberação que vier a ser tomada na presente assembleia. Reiterando-se ainda que a assinatura que contrariamente ao que refere o ilustre representante da sócia DD corresponde efectivamente à assinatura do sócio AA. Em face do exposto requer-se ao Presidente da Mesa, se digne a indeferir o requerimento da sócia DD.

22. Apesar da oposição manifestada pelo representante do Autor e de inexistirem quaisquer indícios do alegado pela representante da sócia DD, certo é que o Presidente da Mesa decidiu expulsar o representante do Autor da referida assembleia geral, dizendo, mais concretamente, que:

Não tendo o próprio forma de verificar a conformidade da assinatura aposta no instrumento de representação ora junto pelo sócio AA, ponderadas todas as razões invocadas pelos representantes dos sócios nos seus requerimentos, determina a não admissão do referenciado documento de representação, e consequentemente a não participação do Dr. HH enquanto representante do sócio AA.” (negrito e sublinhado nossos).

23. Em face de tal decisão, o representante do Autor tentou, ainda assim, fazer ver da ilicitude da decisão tomada referindo que:

Apesar da decisão do Sr. Presidente da Mesa, certo é que a carta mandadeira que lhe foi entregue no passado dia dezanove de Outubro que confere poderes, não só para essa data mas também para a continuação da assembleia que aí foi acordada, não só foi entregue presencialmente, como lhe foi remetido por correio pelo sócio AA, pelo que se lamenta a decisão ora tomada que levará à impugnação de toda e qualquer deliberação tomada nesta assembleia geral.

Sendo absolutamente incompreensíveis os fundamentos invocados pelo Sr. Presidente da Mesa.

24. Contudo e não obstante a decisão do Presidente da Mesa se reportar apenas ao instrumento de representação entregue na presente data, certo é que o mesmo tinha já em seu poder uma carta de representação entregue aquando da primeira data e que conferia poderes, entre outros ao ora signatário, e que permitiu a participação da Dra. FF, em representação da sócio AA.

25. Pelo que existisse alguma irregularidade do documento de representação – o que não se verifica –, o signatário sempre estaria habilitado a participar na assembleia geral em virtude da carta mandadeira anteriormente entregue.

26. Não obstante isto, certo é que o administrador judicial nomeado pelo Tribunal manteve a sua decisão e não admitiu a participação do representante do sócio na assembleia geral.

27. Estatui o artº. 249º., nº. 4 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) que para a representação em determinada assembleia geral, quer esta reúna em primeira ou segunda data, é bastante uma carta dirigida ao respetivo presidente.

28. O legislador societário acolheu no mencionado normativo legal, o tradicional instrumento de representação em assembleia geral – a designada carta mandadeira – , ou seja, uma simples carta dirigida ao presidente da assembleia na qual o sócio se pretende fazer representar.

29. A denominada carta mandadeira consubstancia uma modalidade simplificada de procuração, que por isso tem o seu alcance restrito à representação em determinada assembleia, inexistindo qualquer exigência legal ao reconhecimento da assinatura.

30. Pelo que, pura e simplesmente, o Presidente da Mesa não poderia excluir o representante do sócio com o argumento de não conseguir comprovar que a assinatura que consta da carta de representação pertence ao sócio AA.

31. A este propósito, dispõe o artº. 260º. do Código Civil (CC), norma que regula a justificação dos poderes representativos, que o terceiro a quem se dirige uma declaração em nome de outrem pode exigir que o representante faça prova dos seus poderes dentro de um prazo razoável, sob pena de a declaração não produzir efeitos.

32. De onde resulta que, no limite, o Presidente da Mesa apenas poderia exigir que fosse feita prova dos poderes de representação e, apenas caso tal não se verificasse, poderia não admitir a participação do requerente.

33. Ao que acresce que, no caso sub judice, o Presidente da mesa admitiu a participação da Dra. FF na data em que se iniciou a assembleia geral – em 2023.10.19 –, com base numa carta mandadeira que também conferia poderes ao aqui signatário e que era igualmente válida para a continuação ocorrida na presente data, tal como dispõe o artº. 249º., nº. 4 do CSC.

34. E, posteriormente rejeita a participação do aqui signatário, quer com base na carta mandadeira apresentada em 2023.10.19, quer da apresentada em 2023.10.24.

35. Quando, na verdade, ambos os instrumentos de representação cumprem os requisitos legalmente estabelecimentos pelo Código das Sociedades Comerciais.

36. Situação agravada pelo facto de a assembleia geral ter sido convocada judicialmente a pedido do Autor, representando em juízo nada mais, nada menos de que pelo aqui signatário.

37. Assim, sendo forçoso concluir que o Presidente da Mesa impediu o Autor de se fazer representar e participar na assembleia geral de sócios em causa, violando, assim, o disposto no artº. 248º., nº. 5 do CSC, segundo o qual:

Nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por disposição do contrato, de participar na assembleia, ainda que esteja impedido de exercer o direito de voto”.

38. Em face do que vem exposto, ao impedir a participação do sócio na assembleia geral, em manifesta violação das normas legais supra indicadas, o Presidente da Mesa impediu o normal funcionamento da assembleia.

39. Impedindo, em particular, que fossem tomadas quaisquer deliberações quanto ao Ponto 5 da ordem de trabalhos, referente à deliberação de exclusão da sócia DD pelos factos por esta praticados posteriormente à deliberação tomada na assembleia geral de sócios realizada em 2022.07.29 e que fosse e consequente pedido de indemnização civil formulado contra a mesma por parte da sociedade.

40. Deste modo, em face da atuação do Presidente da Mesa que, de forma ilícita e injustificada, impediu a participação do sócio AA na assembleia geral regularmente convocada pelo Tribunal, impõe-se ao Tribunal o agendamento de nova data para a realização da assembleia geral com vista à apreciação e deliberação dos pontos 1 a 5 da ordem de trabalhos, dado que nenhuma deliberação foi tomada nesse âmbito.

Nestes termos e demais de Direito, requer-se a V. Exa. que, nos termos do artº. 1057º. do CPC se digne a determinar agendamento de nova data para a realização da assembleia geral com vista à apreciação e deliberação dos pontos 1 a 5 da ordem de trabalhos.’

Apreciando o requerido, proferiu o tribunal o seguinte despacho:

Salvo o devido respeito, os presentes autos terminaram por transação, homologada por sentença proferida em 3.10.2023, conforme dispõe o art. 277º, al. d) do CPC.

Tal significa que se esgotou o poder jurisdicional relativamente à matéria tratada nos autos, nos termos do art. 613º do CPC.

E ainda que tal não releve, precisamente por força do esgotamento do poder jurisdicional, quer-nos parecer que a assembleia geral de sócios foi já realizada, precisamente em execução da indicada transação homologada por sentença. Eventuais irregularidades desta não podem ser decididas nestes autos nem conduzir, salvo o devido respeito, a nova decisão sobre o mérito desta ação (ora para designar outra data para a realização de uma nova assembleia geral de sócios), pois nesta foi, insiste-se, homologada a transação outorgada pelas partes, no sentido da convocação de uma assembleia geral de sócios, que terá decorrido nos dias 19.10.2023 e 24.10.2023.

Em face do exposto, indefere-se o requerido em 25.10.2023, mostrando-se por isso desnecessária a notificação da Ré para se pronunciar, querendo, sobre o ali requerido (art. 3º, n.º 3 do CPC).

Apela o requerente, pretendendo a revogação do despacho e sua substituição por outro que ‘designe nova data para a realização da assembleia geral de sócios relativamente aos pontos 4 e 5 da ordem de trabalhos fixada em sede de transação judicial’, terminado as suas alegações pela formulação das seguintes (falhas de concisão) conclusões:

I- O presente recurso vem interposto do despacho com a referência nº. 453295213, datado de 2023.10.30, através do qual o Tribunal a quo indeferiu o pedido de agendamento de nova data para a realização da assembleia geral de sócios com vista à discussão e votação dos pontos da ordem de trabalhos que não foram objeto de discussão e votação na assembleia geral de sócios realizada entre os dias 19 e 24 de outubro;

II- Para tanto considerou o Tribunal de primeira instância que com a homologação da transação celebrada entre as partes se esgotou o poder jurisdicional, pelo que eventuais irregularidades na realização da assembleia não podem ser objeto de apreciação nos presentes autos;

III- Ora, dispõe o artº. 1057º., nº. 1 do CPC que se a convocação da assembleia geral puder efetuar-se judicialmente, ou quando, por qualquer forma, ilicitamente se impeça a sua realização ou o seu funcionamento, o interessado pode requerer ao juiz a sua convocação,

IV- Resulta do referido normativo legal que a ação de convocação judicial abarca não só os casos em que a lei prevê expressamente a obrigatoriedade de convocação da assembleia geral, nomeadamente para suprir a inércia dos órgãos societários, mas também as situações em que apesar de regularmente convocada a mesma foi ilicitamente impedida de se realizar ou de funcionar de forma regular;

V- Com efeito, a ação de convocação judicial de assembleia geral visa assegurar a efetividade do direito do sócio de participar na vida da sociedade e que se concretiza não só na possibilidade de requerer a realização de uma assembleia geral de sócios, de requerer a introdução de assuntos na ordem do dia, mas também de participar nas discussões e deliberações a tomar em sede de assembleia geral;

VI- Direito este que se encontra expressa consagração no artº. 21º., nº. 1, alínea b) do CSC, nos termos do qual todo o sócio tem direito a participar nas deliberações de sócios, sem prejuízo das restrições previstas na lei;

VII- Este direito de o sócio participar nas assembleias gerais apenas fica assegurado pela possibilidade de recorrer à mencionada ação especial de convocação judicial quer nas situações em que a assembleia geral não se inicie ou conclua, quer nas situações em que, apesar de a assembleia se ter realizado, o sócio seja ilicitamente impedido de participar e que, por isso, não sejam apreciados alguns dos pontos contantes da ordem de trabalhos;

VIII- Aqui chegados, dispõe o artº. 613º. do CPC que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa,

IX- Sendo que a decisão se considera transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ou reclamação;

X- Nos termos do disposto no artº. 619º., nº. 1 do CPC, uma vez transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, verificando-se assim uma situação de caso julgado material,

XI- Formando-se caso julgado formal quando a decisão transitada em julgado incida, unicamente, sobre a relação processual, nos termos e do disposto no artº. 620º., nº. 1, do CPC;

XII- Por sua vez, o artº. 609º. do CPC impõe como limites à condenação a quantidade que se pediu e o objeto do que se pediu,

XIII- Devendo a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes obedecer às regras impostas para a alteração da causa pedir, nos termos do artº. 611º. do CPC;

XIV- Daquelas normas decorre que, no processo declarativo comum, as decisões dos tribunais, vertidas nas sentenças assumem carácter de imutabilidade logo que proferidas, não podendo ser alteradas pelo próprio tribunal a quo, quer quando não forem objeto de qualquer impugnação – por intermédio de recurso ou reclamação – quer quando, tendo-o sido, a decisão que tenha recaído sobre a referida impugnação não admita já qualquer outra forma de reação.

XV- Contudo, não é isto que acontece nos processos de jurisdição voluntária, tal como é o caso destes autos, conhecendo o regime regra da imutabilidade das decisões judiciais importantes derrogações nesse âmbito;

XVI- Com efeito, dispõe o artº. 987º. do CPC que nas providências a tomar, o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna,

XVII- O que implica que o Tribunal não esteja vinculado ao concreto pedido formulado pelas partes, antes tomando a decisão que no seu entender melhor acautelará os interesses em jogo;

XVIII- Por outro lado e no mesmo sentido, estatui o artº. 988º., nº. 1, do CPC, que, nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento, quer em circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, quer em factos anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância das partes ou por outro motivo ponderoso;

XIX- Este normativo legal estabelece, assim, como regra a tangibilidade do caso julgado, legitimando que a decisão transitada em julgado possa ser alterada por circunstâncias supervenientes;

XX- Deste modo, para que o Tribunal possa modificar a decisão anterior é necessário que se esteja perante uma decisão que, pela sua própria natureza, não admita alteração e que se verifique uma alteração das circunstâncias que estiveram na base da decisão, podendo para o efeito relevar a mera ignorância e conhecimento superveniente de um facto anterior à decisão;

XXI- Assim, contrariamente ao que se verifica no âmbito de ações com processo comum e ao que se pode ler na sentença ora recorrida, no caso dos processos de jurisdição voluntária – como a presente ação de convocação judicial de assembleia geral –, o poder jurisdicional não fica esgotado pela prolação da decisão que conheça do mérito da causa,

XXII- Pois que, uma vez mais se diga, é sempre possível ao Tribunal reapreciar a decisão proferida, ainda que a mesma se reconduza uma sentença homologatória de uma transação, reunidos que estejam os pressupostos estabelecidos pelo artº. 988º. do CPC;

XXIII- No caso sub judice, apesar de ter sido convocada a assembleia geral de sócios com a ordem de trabalhos acordada pelas partes, certo é que a ordem de trabalhos com a qual e para cuja apreciação foi convocada não foi esgotada, tendo havido diversos pontos da ordem de trabalhos que não foram objeto de apreciação;

XXIV- Deste modo, apesar de a assembleia geral ter sido convocada nos termos da transação celebrada nos autos, certo é que, por via da atuação do Presidente da Mesa nomeado pelo Tribunal ou não, não foram efetivamente levados a discussão todos os pontos que constavam da ordem de trabalhos fixada em sede de transação, e

XXV- Tendo o tribunal a quo tomado conhecimento disso mesmo pela junção pelo Recorrente da ata da sessão da reunião da assembleia geral de 2023.10.24, podia e devia ter designado nova data para a sua continuação, seja porque tal decisão se insere no objeto do processo, seja porque a decisão que designou a data de 2023.10.24 não esgotou o poder jurisdicional do tribunal e não transitou em julgado,

XXVI- Seja inclusivamente porque, mesmo que se considerasse para além do objeto do que foi pedido e decidido – o que não se concede -, era a solução mais conveniente e oportuna, pois permitia sem dano para quem quer que fosse concluir a assembleia geral cuja ordem de trabalhos não estava esgotada e evitava a necessidade de convocação – extrajudicial ou mesmo judicial – de nova assembleia geral para tratar dos mesmos assuntos desta que não se concluiu;

XXVII- Assim, inversamente ao que vem afirmado na decisão recorrida, não se pode concluir pelo cumprimento do objeto da ação, dado que este não se reconduz apenas à convocação da assembleia geral, mas antes ao efetivo exercício do direito do sócio de nela participar;

XXVIII- Tendo o Tribunal a quo seguido um critério estrito de legalidade, quando nos processos de jurisdição voluntária deve prevalecer a conveniência e a oportunidade;

XXIX- Seguindo as regras gerais do processo declarativo comum, quando aqui se aplicam as regras especiais dos processos de jurisdição voluntária que contrariem aquelas, como é o caso das dos artºs. 987º. e 988º. do CPC relativamente às dois artºs. 609º., 611º., 613º. e 619º. do mesmo Código;

XXX- Na verdade, no âmbito de uma ação de convocação judicial de assembleia geral, o objeto da ação apenas se alcança e esgota com a efetiva discussão da totalidade dos pontos da ordem de trabalhos que tenham sido fixados aquando da prolação da sentença,

XXXI- Sendo perfeitamente admissível, que não tendo sido levados a discussão a totalidade dos pontos fixados na ordem de trabalhos, não por acordo dos sócios, mas antes contra a vontade de um deles e com atropelo das mais basilares regras de funcionamento da assembleia geral, o Tribunal possa determinar as medidas adequadas a garantir a efetividade do direito que se pretendeu acautelar com a apresentação da ação;

XXXII- Pelo que, é forçoso concluir que os factos objetivamente supervenientes, trazidos ao conhecimento do Tribunal por via do requerimento com a referência nº. 46916087, datado de 2023.10.24, impunham que o Tribunal a quo tivesse deferido o pedido de agendamento de nova data para a realização da assembleia geral tendo por objeto a discussão e votação dos temas que não foram objeto de apreciação na dita assembleia geral de sócios;

XXXIII- Não o tendo feito, o Tribunal a quo incorreu num clamoroso erro de julgamento, violando, assim, o disposto no artº. 988º. do CPC;

XXXIV- Por outro lado, não se pode deixar de frisar que o fundamento para a apresentação da ação de convocação judicial de assembleia geral foi precisamente dar cumprimento ao determinado pelo Tribunal no âmbito da ação de exclusão de sócia intentada pela Recorrida contra a sua sócia-gerente;

XXXV- Determinação essa que impunha que fosse junta uma ata comprovativa da tomada de uma deliberação, positiva ou negativa, sobre a apresentação e prosseguimento da ação judicial que corre os seus termos no Juízo do Comércio de Santo Tirso sob o nº. 3153/22.3T8STS;

XXXVI- Deliberação essa que, conforme resulta dos autos, não foi tomada, em sentido negativo ou positivo, após a ilícita exclusão do Recorrente da assembleia geral de sócios realizada em 24 de outubro;

XXXVII- Não tendo sido tomada qualquer deliberação positiva ou negativa, encontra-se, desde logo, afastada a possibilidade de o Recorrente socorrer-se da ação de anulação das deliberações sociais, prevista no artº. 59º. do CSC para fazer valer o seu direito, apenas lhe restando a possibilidade de requerer ou a realização de nova assembleia geral com o mesmo objeto ou requerer, uma vez mais, a convocação judicial de nova assembleia geral;

XXXVIII- Opções estas que manifestamente não se compadecem com o prazo concedido pelo Tribunal para juntar a ata ao mencionado processo judicial e que, inevitavelmente, acarretaria que o Tribunal deixe de conhecer e apreciar o pedido de indemnização civil que aí foi formulado contra a sócia-gerente, bem como os factos que servem de fundamento ao pedido de exclusão que não se encontram contemplados na deliberação de exclusão anteriormente tomada;

XXXIX- Assim, o entendimento do Tribunal a quo, vertido no despacho recorrido, coloca em causa o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artº. 20º., nº. 1 da CRP, nos termos do qual a todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos,

XL- Pelo que, também por aqui, andou mal o Tribunal a quo ao indeferir o pedido formulado pelo Recorrente no requerimento que fez juntar aos autos em 2023.10.24;

XLI- A tudo acresce que o administrador judicial nomeado pelo Tribunal – a quem se impunha que zelasse pelo regular funcionamento da assembleia geral –, pura e simplesmente, não foi capaz de garantir o cumprimento das regras societárias aplicáveis à sua realização;

XLII- Pois que, num primeiro momento, concluiu pela regularidade de representação do Recorrente em sede de assembleia geral, permitindo, dessa forma, a sua participação para efeitos de deliberação da suspensão da assembleia geral;

XLIII- Para, posteriormente, aquando da segunda sessão, repristinar a questão da regularidade de representação, dando o dito pelo não dito e excluindo, de forma completamente arbitrária e ilegal, o representante do Recorrente, impedindo, assim, que este pudesse participar na assembleia geral de sócios e, consequentemente, exercer o direito que expressamente lhe é atribuído por via do artº. 21º., nº. 1, alínea b), do CSC,

XLIV- Apresentando como fundamento de tal decisão o facto de a assinatura aposta na carta mandadeira não se encontrar reconhecia, referindo a este propósito que tal falta de reconhecimento impedia a confirmação da identidade da pessoa que subscreveu o referido instrumento de representação,

XLV- Situação esta que consubstancia uma clara violação do disposto no artº. 249º., nº. 4 do CSC, que determina que para representação em determinada assembleia, quer esta reúna em primeira ou segunda data, é bastante uma carta dirigida ao respetivo presidente.

Contra-alegou a sociedade pela improcedência da apelação e confirmação do despacho recorrido.


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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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Da delimitação do objecto do recurso.
Considerando, conjugadamente, a decisão recorrida e as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), a questão a decidir consiste em apreciar se, na situação dos autos (acção de convocação de assembleia de sócios), pode/deve o tribunal, com fundamento em vício/irregularidade imputado a decisão proferida pela pessoa que presidiu à assembleia realizada em execução da transacção judicialmente homologada, agendar nova assembleia.

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FUNDAMENTAÇÃO

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Fundamentação de facto

A factualidade a considerar é a que se mostra exposta no relatório precedente.


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Fundamentação de direito

O processo (de jurisdição voluntária) de convocação judicial de assembleia de sócios (art. 1057º do CPC) ‘abarca casos em que a lei comercial prevê expressamente a convocatória da assembleia geral, nomeadamente a inércia dos órgãos societários a quem cabe tal convocação, ou situações em que a assembleia geral, apesar de convocada, foi ilicitamente impedida de funcionar’; o processo não se dirige contra ninguém, nem contra quem se recusou a convocar a assembleia, nem contra quem impediu a sua realização ou funcionamento e, em caso de procedência, designa-se quem há-de exercer a função de presidente da assembleia e promovem-se as diligências indispensáveis a garantir a realização e funcionamento da assembleia, com indicação da respectiva ordem de trabalhos (seja a indicada pelo requerente, seja a que o juiz estabeleça em resultado das diligências instrutórias que realize).[1]

Decisivo à economia da decisão enfatizar que não preenche os pressupostos exigidos para a procedência do pedido de convocação judicial de assembleia de sócios a arguição de vício ou irregularidade que durante uma assembleia ocorra – os vícios que possam ser imputados a deliberações da assembleia ou a decisões de quem presida a tal acto não fundamentam a acção de convocação judicial de assembleia, antes constituindo fundamento para a impugnação da deliberação ou motivo para que, pelos meios próprios, se impugne a decisão de quem preside (mormente convocando a intervenção da assembleia e, em caso da sua manutenção, atacando a deliberação em acção a tanto destinada).

O objecto do processo especial de convocação de assembleia de sócios esgota-se, caso proceda a pretensão, na promoção das diligências indispensáveis à realização e funcionamento de assembleia que se agenda, com a definição de determinada ordem de trabalhos, situando-se para lá desse objecto, e por isso extravasando o poder congnitivo e decisório do tribunal (no âmbito de tal processo), as vicissitudes e ocorrências de tal assembleia, seja no que se refere a decisões de quem preside ao acto quanto a impedimentos de voto de sócios[2], seja quanto a decisões (como no caso trazido em apelação) que a quem preside ao acto cabe tomar (mormente sobre questões respeitantes à representação dos sócios).

Na situação dos autos, homologada a transacção em que o requerente e a sociedade acordaram na sua realização com determinada ordem de trabalhos, viria a assembleia a realizar-se e funcionar, assim ficando esgotado o objecto do processo (e alcançado o fim máximo que, através dele, o requerente poderia obter) – a invocada ilegalidade da decisão tomada pelo presidente da assembleia de não admitir a participar e intervir em tal assembleia determinadas pessoas em representação do sócio aqui requerente apresenta-se como vicissitude que extravasa o objecto da acção, que não pode nela ser atacada/impugnada (e sendo certo que não é fundamento válido do pedido de convocação judicial de assembleia de sócios).

De arredar, liminarmente, o argumento invocado pelo apelante de que se trata de vicissitude a ser atendida nos termos do art. 988º do CPC – argumento improcedente, pois sem recusar ao processo de convocação judicial de assembleia de sócio a sua natureza de jurisdição voluntária, observa-se que a decisão proferida pelo presidente da assembleia, ainda que inquinada por erro de direito (e por isso desconforme à lei), não integra o conceito de circunstância superveniente que deva no processo ser atendida à luz do art. 988º do CPC e justifique a prolação de nova decisão de mérito, pois como se disse é vicissitude que já está fora do objecto da acção (à semelhança de qualquer deliberação tomada em assembleia judicialmente que possa estar inquinada por vícios que determinem a sua anulabilidade ou nulidade).

O processo de convocação judicial de assembleia de sócios não tem por escopo tutelar os interesses de sócio afectados por decisão proferida por quem presida a determinada assembleia de sócios, antes e apenas tem por desígnio tutelar o direito do sócio a que a assembleia se realize e que na respectiva ordem de trabalhos sejam atendidas e consideradas matérias e questões que o mesmo pretenda ver apreciados e deliberados – para a tutela dos interesses do sócio que sejam afectados/violados por decisão tomada na assembleia, a ordem jurídica põe ao seu dispor (assim se lhe assegurando a tutela jurisdicional efectiva – o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos) meios de reacção e acções para a respectiva impugnação, diversos do processo de convocação judicial de assembleia.

De reconhecer, pois, o acerto da decisão apelada: para lá do esgotamento do poder jurisdicional, consequência da homologação da transacção, é de reconhecer que o eventual desacerto (desconformidade com a lei) de decisão proferida por quem presidiu à assembleia realizada em execução da sentença homologatória da transacção não integra o objecto do presente processo, não consubstanciando questão que nele possa ser suscitada, discutida e conhecida e dê lugar, de acordo com a lei substantiva, à convocação judicial de assembleia (como acima referido, os eventuais vícios ou irregularidades que durante uma assembleia de sócios ocorram não justificam nem fundamentam pedido de convocação judicial de assembleia de sócios).

Improcede, pois, a apelação, podendo sintetizar-se os argumentos decisórios (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições:

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DECISÃO

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Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em manter o despacho recorrido.

Custas pelo apelante.


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Porto, 19/03/2024
João Ramos Lopes
Lina Batista
Anabela Miranda

(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
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[1] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II (Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial), 2020, Reimpressão, pp. 505 e 506.
[2] Assim, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 6/11/2018 (Barateiro Martins) e do Supremo Tribunal de Justiça de 31/10/2019 (Bernardo Domingos), ambos proferidos no processo nº 198/18.2T8GRD, disponíveis no sítio www.dgsi.pt.