AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
INCIDENTE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIRO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
Sumário

I - Não constitui ampliação de um pedido de condenações várias e de indemnização fundado na cobrança de preços superiores aos anunciados, num supermercado, relativamente a determinados produtos concretamente especificados, um novo pedido que não se estende a outros danos provocados por essa actuação, mas se justifica por actuações paralelas que possam ter ocorrido em relação a outros produtos, no período dos 5 anos anteriores.
II - Não merece provimento um incidente de intervenção provocada, a título principal ou acessório, de uma seguradora que não se sabe quem seja, em razão de um contrato de seguro que não se sabe se existe e que não é obrigatório e cuja existência é negada por quem nele haveria de figurar como segurado.

Texto Integral

PROC. Nº 1852/23.1T8PNF-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 2

REL. N.º 849
Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira
Juíza Desembargadora Alexandra Pelayo
Juíza Desembargadora Anabela Dias da Silva

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1 – RELATÓRIO
(Transcrição do despacho recorrido, adequado e esclarecedor)
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“Veio a [autora] Citizens´ Voice Consumer Advocacy Association requerer a ampliação do pedido, nos seguintes termos:
1. declarar que a ré especulou nos preços das embalagens de diversos produtos no período dos últimos cinco anos a contar do momento da entrada da ação em juízo, para além das embalagens que já foram possíveis de identificar com precisão no pedido primitivo, tudo na sucursal ré.
2. declarar que a ré publicitou enganosamente os preços das embalagens de diversos produtos no período dos últimos cinco anos a contar do momento da entrada da ação em juízo, para além das embalagens que já foram possíveis de identificar com precisão no pedido primitivo, tudo na sucursal ré, e
Relativamente ao pedido J.1. do petitório, ampliar o mesmo no sentido de que para além dos produtos constantes no pedido primitivo, seja fixado os danos que resultou do sobrepreço, por intermédio de um juízo de equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, determinado por cada produto vendido por um preço superior ao fixado nos letreiros elaborados pela ré, nos últimos cinco anos, tudo na sucursal melhor identificada no artigo 20 da petição inicial.
Sustenta a Autora que se trata de uma ampliação do pedido primitivo na modalidade de desenvolvimento deste, mas que em todo o caso seria sempre uma consequência do direito que se pretende ver reconhecido no pedido primitivo, ainda que agora com um quantum diferente, por força e um necessário maior número de produtos.
Em consequência, requer ainda a Autora a modificação da causa de pedir, por forma a que, para além dos factos constante na petição inicial, sejam aditados à petição inicial os seguintes factos:
1. a ré vendeu embalagens de vários produtos, que de momento não são identificados, mas possíveis de identificar, a um preço superior ao que constava nos letreiros elaborados por si, isto nos últimos cinco anos.
2. o comportamento da ré descrito na petição inicial é aquele que a ré adota para com todos os consumidores, seus clientes, os aqui autores populares, e que consubstancia em publicidade enganosa e numa prática comercial desleal e restritiva da concorrência, as quais se entrecruzem, de modo secante, na defesa do consumidor e que tem vindo a ser reiterado nos últimos cinco anos.
3. a ré especulou nos preços das embalagens de diversos produtos, de momento não identificados, mas possíveis de identificar, nos últimos cinco anos.
4. a ré publicitou enganosamente o preço das embalagens de diversos produtos, de momento não identificados, mas possíveis de identificar, nos últimos cinco anos.
A Ré pronunciou-se no sentido de que a modificação da causa de pedir e a ampliação do pedido obedecem a requisitos diferentes, conforme resulta com meridiana clareza dos n.ºs 1 e 2 do art.º 265.º do CPC. Assim, na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor (n.º 1 do art.º 265.º do CPC); o pedido, por seu lado, pode ser ampliado pelo autor até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (n.º 2 do art.º 265.º do CPC).
Quanto à causa de pedir, a Ré não deu nem dá o seu acordo à modificação da causa de pedir. A ampliação ora requerida apenas poderia ser admitida se fosse o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. E não é”
O tribunal decidiu nos seguintes termos:
“No caso vertente, pretende a Autora, não só ampliar o pedido, como a causa de pedir inicialmente invocada, o que, na falta de acordo, só poderia ter lugar em consequência de confissão feita pela Ré e aceita pela Autora, o que não é o caso.
A pretendida ampliação do pedido, respeitante a produtos diversos dos mencionados na causa de pedir e no pedido que constituem o objeto do presente litígio (m. ids. no art.º 1.º da Pi), não configura o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, por não estar virtualmente contido no âmbito do pedido inicial e na causa de pedir da ação, constituindo, outrossim, uma cumulação de pedidos, não contemplada pelos art.ºs 261.º a 265.º do Cód. Processo Civil, que poderia ter sido formulada no articulado inicial, pese embora com recurso a invocação de novos factos.
Porque assim, indefere-se o requerido.”
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Além disso, a autora requereu “a intervenção principal provocada da seguradora com a qual a Ré celebrou contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual que cubra os riscos decorrentes das instalações e das atividades exercidas nos seus estabelecimentos, à luz do disposto no art.º 316.º, n.º 2, do Cód. Processo Civil, ou caso o tribunal assim não o entenda, a intervenção acessória da seguradora, nos termos do art.º 321.º, n.º 1, do Cód. Processo Civil.
A ré negou ter celebrado qualquer contrato de seguro apto a cobrir os danos reclamados pela autora.
Decidiu o tribunal: “O incidente de intervenção principal provocada pressupõe a existência de uma situação de litisconsórcio voluntário ou necessário.
In casu, não ocorre preterição de litisconsórcio necessário, e, atenta a razão invocada pela Ré, afigura-se inexistir uma situação de litisconsórcio voluntário.
Nestes termos, indefere-se o requerido chamamento para intervenção.”
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De ambos os despachos vem interposto recurso, culminando nas seguintes conclusões:
“(…) 4.
a. a ampliação do pedido J.1. requerida é uma ampliação desse pedido (primitivo) na modalidade do seu desenvolvimento ou, quanto muito, uma consequência do direito que se pretende ver reconhecido no pedido primitivo;
b. é possível a modificação da causa de pedir nos termos e pelas razões requeridas;
c. deve ser admitida a prova requerida pelos autores, no sentido do tribunal a quo ordenar a ré, ora apelada, a juntar aos autos a cópia do seguro de responsabilidade civil que contratou para se aferir se efetivamente não cobre os riscos emergentes do presente processo tal como a ré alega (sem provar);
d. é possível requer a intervenção provocada da seguradora da ré.
5. Os apelantes argumentam que a ampliação do pedido, conforme descrito nos artigos §§2 e 3 da petição inicial, é uma consequência direta e lógica do pedido original, baseado na mesma causa de pedir.
6. Segundo o artigo 265 (2) do CPC, a ampliação do pedido é permitida até ao encerramento da discussão em primeira instância, desde que seja um desenvolvimento ou consequência do pedido original.
7. A ampliação do pedido é considerada distinta da cumulação de pedidos, uma vez que se mantém dentro da mesma causa de pedir, expandindo a pretensão inicial para abranger mais elementos sem alterar a essência da ação.
8. Argumenta-se que o pedido ampliado está intrinsecamente ligado ao ato ilícito original (especulação de preços e publicidade enganosa), mantendo-se assim conexo ao pedido inicial.
9. Enfatiza-se que os pedidos, tanto inicial quanto ampliado, visam abordar a mesma questão jurídica, embora o ampliado inclua mais produtos, mas todos ligados ao mesmo complexo de factos.
10.A ampliação visa resolver o maior número de questões relacionadas no mesmo processo, promovendo eficiência e redução de custos processuais, alinhando-se com o princípio da economia processual.
11.Mesmo que a ampliação implique a alegação de factos novos, se estes são conhecidos após os articulados e estão relacionados com a causa original, a ampliação deve ser permitida.
12.Destaca-se que a ampliação do pedido é fundamental para assegurar uma reparação abrangente dos danos causados aos consumidores pelos atos ilícitos da ré.
13.A posição dos apelantes está alinhada com a interpretação jurídica estabelecida e com os princípios do direito, assegurando uma abordagem justa e equitativa ao caso, tal como a doutrina e jurisprudência citada em §2 supra, para onde se remete.
14.No §2 supra, que aqui se dá como reproduzido, visam os apelantes demonstrar que a ampliação do pedido nos termos propostos é não só admissível, mas também necessária para uma resolução abrangente e justa da disputa em questão, respeitando os princípios do direito e a jurisprudência existente.
15.A ré admite, no artigo 144 da sua contestação, que promove frequentemente alterações nos preços dos bens comercializados, incluindo a realização de campanhas promocionais. Este fato confesso pela ré é aceite pelos autores como indicativo de uma prática habitual de alteração de preços nos termos e com as limitações melhor detalhadas no §3 supra, para onde se remete.
16.Conforme o artigo 152 da contestação, a ré reconhece que, após o término das campanhas promocionais, deveria haver a substituição das etiquetas promocionais por etiquetas com preços atualizados nos termos e com as limitações melhor detalhadas no §3 supra, para onde se remete.
17.A ré confessa no artigo 155 da sua contestação que, em algumas situações, os preços dos produtos não são atualizados imediatamente após o término das promoções, levando a cobranças de preços superiores aos anunciados.
Os autores aceitam parcialmente esta confissão, concordando que houve situações de sobrepreço, mas rejeitam a justificação de serem situações estatisticamente insignificantes ou resultantes de esquecimento ou 354 de 390
18.A confissão da ré, segundo os autores, corrobora a alegação inicial de que a ré pratica a cobrança de valores superiores aos anunciados, expandindo a gama de produtos afetados para além daqueles identificados na petição inicial.
19.A aceitação parcial dos fatos confessos pela ré permite a modificação da causa de pedir com base no artigo 265 (1) do CPC.
20.Sem prejuízo, os autores, ora apelantes, argumentam que a prática da ré de não atualizar os preços imediatamente constitui uma extensão lógica do comportamento já alegado na petição inicial.
21.Os apelantes requereram, como meio de prova, a cópia do contrato de seguro de responsabilidade civil da ré para verificar se este cobre os riscos emergentes no processo, por forma a que fosse decidido o incidente provado da seguradora da ré.
22.O tribunal a quo recusou o acesso a este meio de prova, o que, na visão dos apelantes, constitui um erro, pois a prova é pertinente, foi solicitada tempestivamente e é crucial para a decisão do caso.
23.Aliás, num olha mais atento, o tribunal a quo não terá efetivamente recusado esse meio de prova, em vez disso recusou a parte do articulado em que os autores requeriam essa prova e fê-lo, salvo o devido respeito, sem estribo legal uma vez que que é admissível, neste fase do processo, que os autores requeiram meios de prova, nomeadamente perante factos trazidos superveniente pela ré aos autos.
24.Os autores defendem, portanto, que o acesso ao contrato de seguro é fundamental para a justa resolução do litígio e que o tribunal a quo deveria, em primeira linha, ter apreciado tal requerimento (e não rejeitar o articulado, como fez) e depois admitir esse meio de provar, ordenando à ré a junção do aludido contrato, pelas razões de direito melhor depuradas em §4 supra, e que aqui se dão como reproduzidas.
25.O tribunal a quo indeferiu o incidente de intervenção principal provocada, baseando-se na alegação da ré de que o contrato de seguro não cobre os riscos do presente caso, sem investigar ou considerar a prova requerida pelos autores.
26.Argumentam os apelantes que o tribunal a quo deveria ter analisado o contrato de seguro antes de tomar sua decisão, ao invés de aceitar sem questionar as alegações da ré, ora apelada.
27.Os autores solicitaram a intervenção da seguradora no processo, baseando-se na possibilidade de existir um litisconsórcio voluntário e na responsabilidade solidária entre a ré e a seguradora.
28.Defendem que a intervenção deve ser principal e não acessória, com base no artigo 321 (1) do CPC, que estabelece a intervenção acessória como subsidiária em relação à intervenção principal.
29.Argumentam que o objetivo social do contrato de seguro seria alcançado se a seguradora assumisse a obrigação de pagar o montante do ressarcimento pelo ilícito extracontratual, reforçando a necessidade de sua intervenção no processo.
30.Apesar do princípio da estabilidade da instância (cf. artigo 260, do CPC), os autores argumentam que existem exceções que permitem a intervenção de litisconsortes necessários ou voluntários após a citação inicial.
31.De acordo com o artigo 316 (1) e (2) do CPC, os autores têm legitimidade para chamar a seguradora como litisconsorte da ré, dada a alegada transferência de responsabilidade civil para a seguradora.
32.Sustentam que o incidente foi suscitado tempestivamente, antes de qualquer despacho que encerrasse a fase dos articulados, conforme interpretado pela jurisprudência e doutrina.
33.Acreditam que a seguradora deveria intervir no processo para defender a posição de que o contrato de seguro não cobre os riscos deste processo.
34.Em resumo, os autores argumentam que a intervenção da seguradora é necessária e justificada, tanto pela possibilidade de um litisconsórcio voluntário quanto pela relevância do contrato de seguro na determinação da responsabilidade e na cobertura dos riscos emergentes do caso. Sustentam que o tribunal deveria ter permitido a intervenção da seguradora e considerado as provas solicitadas pelos autores, o que não foi feito.
35.Destarte, pugna-se pela procedência do recurso in totum.
§7 Pedido
Neste termos e ex vi do alegado supra, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser concedida apelação, assim, revogada a decisão recorrida, admitindo a ampliação do pedido, admitindo a modificação da causa, admitindo o meio de prova requerido, sendo ordenado que a ré, ora apelada, venha juntar o aludido contrato de seguro, ser admitida a intervenção provocada da seguradora, uma vez verificado que o contrato cobre os riscos da ré emergentes deste processo. *
A R. ofereceu resposta ao recurso. Defendeu a sua rejeição, por as conclusões não indicarem as normas violadas, serem ininteligíveis e constituírem reprodução da alegação. Alegou que o enunciado nas conclusões 15 a 17 é matéria não constante do requerimento apreciado pelo tribunal recorrido, pelo que não pode ser invocado nesta sede. Pronunciou-se pela confirmação da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.
Cumpre apreciá-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO

Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
Cumpre verificar se, deve ser admitido o recurso, face ao oposto pela ré. Nesse caso, cumpre decidir se é admissível a ampliação do pedido e a intervenção principal pretendidas pela autora.
Em qualquer caso, cumpre afirmar que não se identificam os obstáculos à admissão do pedido, que a recorrida aponta. Com efeito, não se nos afigura que as conclusões configurem mera reprodução das alegações, deixando por concretizar as questões a decidir, tanto mais que estas, no caso, são simples. Sem prejuízo é certo que ali se isolam e repetem alguns elementos já anteriormente referidos que, na perspectiva da apelante, concretizam as questões a decidir. Porém, trata-se de um método que não destitui o recurso de conclusões. Por outro lado, rejeita-se que sejam ininteligíveis, tal como o demonstra a própria resposta que lhes foi oferecida revela, pois que as compreendeu sem dificuldades.
Por outro lado, a não identificação, em sede de conclusões, das normas que sustentam a pretensão recursiva, sendo o incumprimento de um ónus processual (art. 639º, nº 2 al. a) do CPC) daria apenas origem a um convite a aperfeiçoamento e não á rejeição do recurso. Entendemos, todavia, ser desnecessário dar à parte uma nova oportunidade para realizar aquilo que, em tempo oportuno, não logrou fazer competentemente.
O terceiro obstáculo oposto – “o enunciado nas conclusões 15 a 17 é matéria não constante do requerimento apreciado” – será apreciado em sede de mérito do recurso, sendo caso disso.
Sobre a ampliação do pedido, dispõe o art. 265º do CPC, nos seus nºs 1 e 2
1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Na petição inicial, a autora foi clara quanto à conformação da causa de pedir e do pedido: “Neste processo, discute-se o preço das embalagens de batata branca conservada, da marca ..., 700 g, alho seco inteiro descascados, marca ..., 130 g, bolachas cookie tradicional, marca ..., 150 g, e queijo flamengo fatiado, marca ..., 200 g. 2º. É o preço anunciado pela ré para as supra referidas embalagens e o que efetivamente depois foi cobrado aos consumidores e que resultou, para estes, num prejuízo provocado pelo sobrepreço aplicado de forma ilícita que é a causa deste processo.”
Em coerência com tal conformação da causa da acção, a autora referiu (em suma) o seu pedido à especulação e à publicitação enganosa dos preços desses específicos produtos, nisso sustentando um pedido indemnizatório a favor d’ “os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas ilícitas, no que respeita ao sobrepreço, seja a titulo doloso ou negligente, em montante global.”
Requerendo a ampliação do pedido, pretende a autora “a condenação da ré, no seguinte:
“1. declarar que a ré, especulou nos preços das embalagens de diversos produtos no período dos últimos cinco anos a contar do momento da entrada da ação em juízo, para além das embalagens que já foram possíveis de identificar com precisão no pedido primitivo, tudo na sucursal ré.
2. declarar que a ré, publicitou enganosamente os preços das embalagens de diversos produtos no período dos últimos cinco anos a contar do momento da entrada da ação em juízo, para além das embalagens que já foram possíveis de identificar com precisão no pedido primitivo, tudo na sucursal ré.”
E ainda que, “Relativamente ao pedido J.1. do petitório, ampliar o mesmo no sentido de que para além dos produtos constantes no pedido primitivo, seja fixado os danos que resultou do sobrepreço, por intermédio de um juízo de equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, determinado por cada produto vendido por um preço superior ao fixado nos letreiros elaborados pela ré, nos últimos cinco anos, tudo na sucursal melhor identificada no artigo 20 da petição inicial.”
Não cabe tratar aqui da própria inteligibilidade de uma causa de pedir respeitante a “preços das embalagens de diversos produtos no período dos últimos cinco anos a contar do momento da entrada da ação em juízo, para além das embalagens que já foram possíveis de identificar com precisão no pedido primitivo”, designadamente para possibilitar à parte contrária o exercício de um elementar direito de defesa e contraditório.
Todavia, dispensando essa discussão, tem de concluir-se que o objecto do pedido de ampliação não constitui um desenvolvimento do pedido inicial . Um desenvolvimento do pedido inicial seria, por exemplo, a alegação de novos danos resultantes da actuação da ré em relação àqueles produtos indicados.
Porém, não é esse o caso. A autora, diferentemente, vem alegar a existência de outras condutas delituais da ré, causadoras de outros danos. Por isso mesmo, de resto, vem requerer também uma alteração da causa de pedir. Formula assim a sua pretensão: “… requer-se que a causa de pedir comporte, para além dos factos constante na petição inicial, sejam aditados à petição inicial os seguintes factos:
1. a ré vendeu embalagens de vários produtos, que de momento não são identificados, mas possíveis de identificar, a um preço superior ao que constava nos letreiros elaborados por si, isto nos últimos cinco anos.
2. o comportamento da ré descrito na petição inicial é aquele que a ré adota para com todos os consumidores, seus clientes, os aqui autores populares, e que consubstancia em publicidade enganosa e numa prática comercial desleal e restritiva da concorrência, as quais se entrecruzem, de modo secante, na defesa do consumidor e que tem vindo a ser reiterado nos últimos cinco anos.
3. a ré especulou nos preços das embalagens de diversos produtos, de momento não identificados, mas possíveis de identificar, nos últimos cinco anos.
4. a ré publicitou enganosamente o preço das embalagens de diversos produtos, de momento não identificados, mas possíveis de identificar, nos últimos cinco anos.”
Bem percebeu a autora que, com os factos constantes da petição inicial, não poderia sustentar o objecto da ampliação do pedido. E, por isso, tem por essencial que outra factualidade, além da inicialmente alegada, seja também discutida.
Tendo a apelante citado Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra Editora, pág. 93), na distinção entre o que seja uma ampliação do pedido e uma cumulação de pedidos (“A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado ato ou facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso.”), logo se verifica que a sua pretensão se subsume à segunda hipótese, que não a de um mero desenvolvimento do pedido inicial, pois que bem percebeu a necessidade de adição de todo um elenco de factos (ainda a averiguar) sem os quais o seu novo pedido não poderia ser suportado.
Verifica-se, pois, não ser admissível a pretensão da autora, em face do disposto no nº 2 do art. 265º do CPC.
Mas alega ainda a apelante que, no caso dos autos, a ampliação da causa de pedir sempre seria admissível, por resultar de confissão da ré, nos termos constantes dos arts. 144º, 152º e 155º, da respectiva contestação.
Acontece, porém, que em tal contestação a ré se pronunciou apenas em relação aos produtos especificamente apontados pela autora, na p.i., não podendo interpretar-se o teor daqueles artigos da contestação como a apelante o faz, ou seja, como estando ela a admitir uma actuação voluntária tendente à cobrança de preços superiores àqueles pelos quais está anunciada a venda de diversos produtos. Pelo contrário, nesses artigos da contestação, a ré explica a sua actuação, de forma a eliminar qualquer qualificação desta como culposa. E isso resulta claro da análise integral do segmento da contestação onde tais artigos se integram, não sendo admissível a extracção, isolamento e interpretação das afirmações constantes de tais artigos independentemente do contexto em que se mostram inseridos.
Por consequência, também se não preenche a previsão do art. 265º, nº 1 do CPC, como fundamento para o deferimento da pretensão da autora.
Improcederá a apelação nesta parte.
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De seguida (conclusões 21º e seguintes) vem a autora alegar ter requerido um meio de prova, cuja obtenção lhe foi indeferida. E pretender a revisão dessa situação.
Todavia, é errada essa sua versão do incidente processual em causa.
Com efeito, no seu requerimento de 15/10/2013, o que a autora faz é requerer a intervenção principal (provocada, pois) de uma seguradora que se venha a descobrir ter contratado com a ré um contrato de seguro cujo objecto seja a transmissão da responsabilidade pela indeminização.
Todavia, alegando não poder conhecer qualquer contrato, ou saber de quem possa ser essa seguradora, requereu que a ré juntasse a correspondente apólice de seguro.
Subsidiariamente, requereu a intervenção de uma tal desconhecida seguradora, a título acessório, sem prejuízo de persistir no entendimento de que tal intervenção deve ocorrer a título principal.
A ré, pelo seu lado, negou a existência de qualquer contrato de seguro que cobrisse um tal risco, justificando-o com o facto de nem sequer ser obrigatório.
Sem prejuízo da dissertação sobre o significado e relevância social dos contratos de seguro, bem como sobre a tempestividade do seu pedido, certo é que nada alegou a autora que justifique a conclusão pela existência de um contrato de seguro obrigatório ou voluntário, que possa servir de fundamento à intervenção, nesta causa, de um terceiro.
Nestas circunstâncias, a ré limitou-se a impugnar a existência de um qualquer contrato que cubra o risco de ocorrência dos danos cuja indemnização vem peticionada.
O que está em questão não é, portanto, a produção de um qualquer meio de prova. É a chamada à lide de uma outra parte, um típico incidente de intervenção de terceiros.
Para que tal incidente obtenha provimento, como esclarecem A. Geraldes, P. Pimenta e L. de Sousa (CPC Anot., vol I, pg. 339), por conformar um procedimento de natureza declarativa, três fases têm de ser cumpridas: uma de alegação, uma de contraditório e uma de decisão.
Nas situações de intervenção de terceiros, maxime aquelas em que se pretende ma intervenção de uma seguradora, ou é o próprio requerente a alegar concretamente a existência de um contrato que complementa a causa de pedir e justifica a intervenção da seguradora, ou é o réu, segurado, que admite o contrato e com ele justifica a chamada da seguradora, porquanto tal tende à sua desresponsabilização imediata.
No caso, porém, o que se passa é que a autora não tem a mínima ideia sobre se existe algum contrato de seguro que leve a que se repercutam na respectiva seguradora eventuais efeitos ressarcitórios que o tribunal venha a impor à ré; para além disso, inexiste qualquer contrato de seguro tendente à cobertura dos danos resultantes de práticas contratuais delituosas da ré, como aquelas que a A. invoca; por fim, a própria ré nega que exista um tal contrato de seguro, o que implica que no caso de lhe ser atribuída qualquer responsabilidade indemnizatória não a haverá de dividir ou repercutir, em sede de condenação, com qualquer outra entidade.
De resto, mal se configura que exista algum contrato de seguro que possa ter por objecto danos resultantes de práticas delituosas voluntárias, isto é, ilícitas e dolosas, de um segurado, como pretende a autora ser a prática comercial da ré. O normal é, precisamente, o estabelecimento de cláusulas de excepção para tais casos.
Em qualquer caso, o que se constata é que do requerimento da autora não resulta qualquer factualidade que possa constituir fundamento para o provimento do incidente de intervenção de terreiros que iniciou: não resulta da sua alegação qualquer facto que permite concluir pela existência de um contrato de seguro com base no qual alguma seguradora tenha assumido responsabilidade pela indemnização dos danos alegados. Acresce que tal seguro não é obrigatório – o que a autora também não alega – e a ré rejeita que exista um tal contrato.
Temos, em suma, um incidente vazio de objecto e vazio de sujeitos.
Nestas circunstâncias, não é cabível a admissão de uma actuação instrutória meramente exploratória, por via da qual e só por via da qual a autora venha a tentar apurara, não apenas se é passível demonstrara a veracidade da sua alegação, mas até se é possível construir a sua própria alegação.
Nestas circunstâncias é totalmente insusceptível de crítica a decisão recorrida, que simplesmente indeferiu a pretensão da autora, por não ter por identificados quaisquer factos passíveis de considerar verificada uma situação de litisconsórcio obrigatório ou voluntário que, por consequência, pudessem justificar a convocação, para os autos, como interveniente, de qualquer seguradora.
Caberá concluir, também nesta parte, pela improcedência da apelação.
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Por todo o exposto, resta negar provimento ao presente recurso, na confirmação integral de cada uma das decisões recorridas.
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Sumário:
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento à apelação sob apreciação, na confirmação integral de cada uma das decisões recorridas.
Sem custas, apenas por delas estar isenta a apelante.
Registe e notifique.
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Porto, 19 de Março de 2024
Rui Moreira
Alexandra Pelayo
Anabela Dias da Silva