CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
DEFEITOS DA OBRA
Sumário

I – Não pode concluir-se que o dono de uma obra, no âmbito de um contrato de empreitada, declara a sua resolução definitiva, se ele, mesmo impedindo a empreiteira de continuar imediatamente os trabalhos, a interpela sucessivamente para eliminar diversos defeitos que lhe elenca e que já se verificavam, em ordem a que outros trabalhos só continuem depois disso.
II – É a empreiteira que incorre em incumprimento definitivo do contrato, quando recursa voltar à obra e providenciar pela eliminação dos defeitos denunciados.

Texto Integral

PROC. N.º 14604/22.7T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto - Juiz 5

REL. N.º 845
Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira
1º Adjunto: Juiz Desembargador Lina Castro Baptista
2º Adjunto: Juiz Desembargador Rodrigues Pires

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
1 - RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., 3.º H, Porto, intentou a presente acção declarativa comum contra A..., LDA, com sede na Rua ..., Porto, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €35.205,64, acrescida de juros de mora civis, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou ter celebrado com a ré um contrato de empreitada para reconstrução de uma moradia. Porém, afirmou que a ré não completou os trabalhos contratados, tendo recebido o pagamento por obras que não realizou. Além disso, parte dos trabalhos realizados não foram executados de acordo com as boas regras de construção.
Regularmente citada veio a ré contestar, impugnando os fundamentos do pedido e pronunciando-se pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador.
Realizou-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais, no termo da qual foi proferida sentença que julgou a acção procedente a acção e condenou a ré no pagamento ao autor da quantia de 35,173, 33 € (trinta e cinco mil, cento e setenta e três euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento
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É desta decisão que vem interposto recurso, pela ré, que o termina formulando as seguintes conclusões:
a) Os factos provados em 7 e 22 devem ser apreciados tendo em conta o depoimento de parte do Autor, AA, prestado na sessão de 20.09.2023, de 00:08:14 a 00:24:26 das testemunhas, do depoimento de parte do legal representante da Ré A..., Lda, BB, prestado na sessão de 20.09.2023, de 00:08:14 a 00:14:36, nas declarações da testemunha, CC, prestadas na sessão de 21.11.2023, entre as 10h19 e as 10h34, de 00:11:54 a 00:20:45:00, nas declarações da testemunha, DD, prestadas na sessão de 21.11.2023, entre as 10h19 e as 10h34, de 00:09:50 a 00:10:04
b) No dia 06/09/2019 não houve qualquer suspensão dos trabalhos por parte do Autor e sim uma extinção do vínculo contratual, uma vez que, nessa data o Autor não solicitou a suspensão dos trabalhos, para reorganizar a empreitada, tendo procedido à comunicação de “retirada” da Ré da obra, com carácter definitivo.
c) A circunstância de “obrigar” à retirada da Ré, de materiais e de equipamentos configura uma ruptura de vínculo.
d) O Autor “expulsou” a Ré da obra no dia 06/09/2019, sem sustentação.
e) O Autor não provou ter reclamado de defeitos no decurso dos meses de Março, Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto,
f) A a primeira comunicação de defeitos do Autor, ocorre no final de Setembro, quando a Ré já havia sido alvo de uma “rescisão unilateral” por parte do Autor
g) O facto provado 7) deve ser alterado, passando a ter a seguinte redação:
7. Sendo que no dia 06/09/2019, a pedido do autor, a ré deixou de efectuar qualquer trabalho no local em causa, por ordem unilateral do Autor
h) Em consequência da alteração do facto provado 7) deverá o facto provado 8) sofrer alteração, em virtude de a rescisão do Autor ter já operado e não podermos estar em face de uma continuidade da obra, devendo este facto passar a ter a seguinte redacção:
8. Após essa data, as partes reuniram, tendo apenas nessa data a Ré tido conhecimento de eventuais defeitos da obra e tendo assumido compromisso de ponderar aceitar nova empreitada.
i) O facto provado 22) deve ser alvo de alteração, passando a ter a seguinte redação:
22. O Autor apenas comunicou, pela primeira vez, defeitos à Ré no dia 30/09/2019, durante uma reunião ocorrida no local da obra, após operada a rescisão unilateral pelo Autor.
j) Os factos provados em 9) devem ser apreciados tendo em conta depoimento de parte do legal representante da Ré A..., Lda, BB, prestado na sessão de 20.09.2023, de 00:12:52 a 00:14:36, CC, prestadas na sessão de 21.11.2023 de 00:20:29 a 20:45:00, depoimento de parte do legal representante da Ré A..., Lda, BB, prestado na sessão de 20.09.2023 00:17:34 a 00:25:59
k) No dia 04/10/2019 não operou qualquer recusa da Ré em retomar trabalhos suspensos por si ou pelo Autor.
l) No documento 2 junto com a PI retira-se que a Ré se refere de forma clara e inequívoca a seguinte expressão “o senhor cancelou esta obra... sem nenhum motivo aparente e fora dos limites do razoável...”
m) O facto provado 9) deve também ser alvo de alteração, passando a ter a seguinte redação:
9. A ré, no dia 04/10/2019 comunicou ao Autor que este resolveu o contrato no dia 06 de Setembro de 2019 e que não era sua intenção celebrar um novo contrato em novas condições, relativamente ao mesmo imóvel.
n) Os factos provados em 10, 22, 23 e 24 devem ser apreciados tendo em conta declarações da testemunha, EE, prestadas na sessão de 26.10.2023, 00:22:53 e 00:37:41, nas declarações da testemunha, CC, prestadas na sessão de 21.11.2023, de 00:11:54, nas declarações da testemunha, DD, prestadas na sessão de 21.11.2023 a 00:10:04 , depoimento de parte do legal representante da Ré A..., Lda, BB, prestado na sessão de 20.09.2023, de 00:06:01 a 00:08:56
o) Após a expulsão da obra por parte do Autor configurou-se um cenário de extinção do vínculo contratual, por ordem voluntária, directa e vontade exclusiva do Autor.
p) Não se considera provado que a Ré não tenha procurado fazer qualquer alteração aos trabalhos realizados, em prazo fixado para o efeito, pelo Autor, porquanto a Ré foi impedida de aceder à obra após o dia 6 de Setembro de 2019.
q) O(s) facto provado 10, 22 e 23 e 24 devem também ser alvo de alteração, passando a ter a seguinte redação:
- 10. O Autor remeteu a primeira comunicação de defeitos, pela via escrita, à Ré, apenas, em 08/10/2019, mais de um mês depois de resolvido verbalmente e perante autoridade policial o contrato de empreitada celebrado;
- 22. O Autor comunicou tais defeitos, de forma verbal, apenas em 30/09/2019, durante uma reunião ocorrida no local do imóvel, 24 dias depois de operada a resolução contratual por si decidida e implementada;
- 23. A Ré foi impedida de realizar qualquer trabalho com efeito a partir de 06/09/2019, não tendo adotado nenhum comportamento de recusa durante a vigência da empreitada.
r) Face à ausência de denúncia de defeitos, no período de vigência do contrato deverá o Facto provado sob número 24 ser eliminado ou substituído passando a ter a seguinte redacção:
- 24. O autor concedeu à ré o prazo de 15 dias, para refazer os defeitos, após resolução unilateral do contrato da sua parte, tendo a missiva de 08/10/2019 sido remetida após a quebra de vínculo por parte do dono de obra.
s) Quanto ao conjunto de factos não provados, embora o seu elenco não decorra do teor da sentença em crise, foi feita prova relativamente àqueles que se relacionam diretamente com a defesa alegada e formulada na contestação e que contraria os factos provados em 7,8 e 9.
t) O Autor resolveu unilateralmente o contrato no dia 06/09/2019, cenário contrariado pela sentença em crise ao dar como provados os factos provados n.º 8, 9, 10, 23 e 24.
u) O Tribunal a quo esquece o depoimento do agente de autoridade, chamado ao local no dia 06/09/2019, que contraria a tese de que o Autor promoveu uma suspensão dos trabalhos.
v) Tal documento, não obstante ter sido impugnado, deveria ter sido alvo de incorporação e apreciação, porquanto se trata de um documento autêntico, emitido por órgão de polícia criminal no âmbito de suas funções, que reproduz no documento denominado “declaração” o conteúdo da participação ali mencionada – NPP ....
w) A não genuinidade do mesmo não foi alegada.
x) Uma vez que a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade, nos termos do artigo 372º do Código Civil, e tal aqui não ocorreu, deveria o referido documento 2, junto com a contestação, aliado aos depoimentos e testemunhos prestados, ter sido apreciado pelo Tribunal a quo de forma diversa, uma vez que, nos termos do artigo 371 nº 1 do Código Civil, os documentos autênticos “fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”
y) Conteúdo corroborado e confirmado pelo agente policial FF, nas declarações prestadas na sessão de 21.11.2023 de 00:00:01 a 00:05:05, que deverá ser valorado
z) A sentença deveria ter aplicado o regime da revogação e/ou desistência por parte do Autor
aa) Se os defeitos puderem ser suprimidos o dono de obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados o dono pode exigir nova construção.”
bb) E após, não sendo os defeitos eliminados ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato (Cfr. artigo 1222º do CC).
cc) Este cenário nunca sucedeu.
dd) A Ré foi “expulsa” da obra pelo Autor, tendo este retirado à empresa as chaves do acesso ao imóvel, ordenado a retirada de bens materiais e impedido os funcionários de voltarem a aceder à habitação alvo de remodelação.
ee) E este cenário factual configura uma resolução pelo dono de obra ou desistência
ff) Atente-se a este propósito no Acordão da Relação do Porto, proferido em 24/10/2005, em que é relator Fonseca Ramos, onde se lê “I - Se o dono da obra escreve ao empreiteiro uma carta em que considera não estar ela a ser executada nos termos acordados e, sem mais, lhe ordena que se retire da obra, está a resolver o contrato de empreitada e não a desistir da empreitada.”
gg) Tribunal a quo deveria ter decidido de forma diversa aplicando regime jurídico diverso ao comportamento da Ré, optando pela figura da resolução e/ou desistência, por parte do dono de obra, admitindo e decretando relativamente aos defeitos alegados pelo Autor a exclusão da responsabilidade da Ré empreiteira, nos termos do artigo n.º 1219º do Código Civil, uma vez que resulta provado que nunca existiu qualquer reclamação ou qualquer comunicação de denúncia dos mesmos, nos termos do artigo 1220º do Código Civil, prévia à expulsão da obra, efectiva e definitiva, por parte do Autor, conforme resulta da prova produzida em audiência.
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O A juntou resposta ao recurso, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foi depois recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.

Cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo de eventuais questões que sejam de conhecimento oficioso.
Assim, a questão a resolver, extraída de tais conclusões, traduz-se em decidir:
1 – da alteração da decisão sobre a matéria de facto, quanto aos pontos 7, 8, 9,10 e 22, 23 e 24 dos factos provados
2 – da alteração da decisão, eventualmente em função da alteração da matéria de facto.
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Decisão sobre a matéria de facto, constante da sentença:
1. O A. e a Ré celebraram, em 19 de Março de 2018, um contrato de denominado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, mediante o qual esta se obrigou “a realizar as obras de «Trabalhos de beneficiação de Habitação» na Av. ..., ... Porto; constantes no orçamento com a Ref.ª MV-…, de 28-02-2018 (…), que se encontra assinado por ambas as partes (…), incluindo os trabalhos preparatórios ou complementares que forem necessários à sua execução, utilizando materiais de boa qualidade, de acordo com as normas e regulamentos aplicáveis”;
2. Pelo “preço global (…) de €76.746,42 (setenta e seis mil, setecentos e quarenta e seis euros e quarenta e dois cêntimos) com as taxas de I.V.A. às taxas legais incluídas, nos seguintes termos:
a) 30% no início dos trabalhos;
b) 30% após execução de 30% dos trabalhos (Auto de Medição);
c) 30% após execução de 60% dos trabalhos (Auto de Medição);
d) 10% na data de fecho de obra”;
3. Sendo a Ré “totalmente responsável pela correcta execução de todos os trabalhos da empreitada pelo que lhe serão imputáveis todas as deficiências, erros ou anomalias relativos à execução dos trabalhos e à qualidade dos materiais utilizados”;
4. Sendo responsabilidade da Ré “todos os encargos com fornecimento de materiais, equipamentos e mão-de-obra necessários à execução da empreitada que nela se obriga todas as normas e regulamentos em vigor, designadamente em termos de higiene, saúde e segurança”;
5. Devendo os trabalhos ser executados no prazo de 5 meses;
6. A Ré iniciou a obra no dia 19/03/2019;
7. Sendo que no dia 06/09/2019, a pedido do autor, a ré deixou de efectuar qualquer trabalho no local em causa, alegando aquele má execução de parte dos trabalhos, bem como atrasos na mesma;
8. Após essa data, as partes reuniram, tendo o autor dado a oportunidade à ré de proceder à reparação dos trabalhos mal executados, bem como continuar a obra;
9. A ré, no 04/10/2019, comunicou ao autor que não pretendia continuar a realizar qualquer trabalho na obra em causa.
10. Tendo o autor remetido à ré, com a data de 08/10/2019, carta, que aquele recebeu;
11. Dos trabalhos contratados, a ré apenas executou o correspondente a €22.453,33;
12. Sendo que, ainda nessa mesma data, o autor já tinha entregue à Ré a quantia global de €44.938,97, paga da seguinte forma:
a) €10.138,97, por transferência bancária, no dia 18/03/2019;
b) €12.800,00, em numerário, no dia 19/03/2019;
c) €22.000,00, em numerário, no dia 17/06/2019.
13. Dos trabalhos efectuados pela ré, os seguintes apresentam os problemas que se enunciam:
a) O traçado das tubagens não segue trajectos perpendiculares e paralelos às paredes, conforme se encontrava desenhado no projecto;
b) a maioria das tubagens encontra-se instalada nos pavimentos, enquanto que no projecto está indicado que as mesmas devem andar nas paredes;
c) Existem cruzamentos e as distâncias regulamentares entre a tubagem das instalações eléctricas e as restantes especialidades não são respeitados;
d) As caixas de aparelhagem estão fixadas às paredes com gesso e não com cimento;
e) As caixas de aparelhagem onde será necessário efectuar derivações devem ser caixas fundas e não caixas simples;
f) As caixas deveriam estar equipadas com bucins nas ligações aos tubos;
g) Existem tubos de 16mm de diâmetro com 6 condutores, situação não regulamentar;
h) A eletrificação do quadro elétrico deveria ser efetuada em fábrica, segundo o caderno de encargos, e não em obra;
i) Os circuitos que já se encontram ligados estão efectuados de uma forma atamancada;
j) A aparelhagem não está de acordo com o caderno de encargos;
k) Os quadros eléctricos não foram electrificados em fábrica;
l) A restante aparelhagem resume-se a caixas embutidas nas paredes que de acordo com o projecto deveriam ser da marca “...”, mas que no local não foi possível confirmar a marca;
m) Parede entre quarto e closet sem suporte ou apoio no piso (parede rachada);
n) Tubo utilizado no transporte de água potável para a habitação, PPR 025 quando estava previsto PEAD 032 (estava previsto ainda que o tubo que abastece a cozinha na sua longitude seria de PPR 032, o que não acontece);
o) O traçado utilizado para as tubagens não corresponde ao desenhado, tornando no futuro o projecto de águas inviável na sua consulta;
p) Ligação da base do duche ao tubo de escoamento estrangulado reduzindo drasticamente o fluxo de água;
q) Saídas da alimentação de água quente e fria nos 2 lavatórios tapadas (a casa de banho do 1.º andar já está coberta por azulejo);
r) Rede de aquecimento com tubagem de dimensões não apropriadas e com inclinações descendentes e com tubos multicolor na mesma extensão;
s) No pavimento do 1.º piso, que é em madeira, o traçado das condutas é irregular, sem declives constantes (há situações de descida esubida para contornar vigas), o que altera o normal funcionamento futuro dos aparelhos de aquecimento;
t) Nas tubagens ainda à vista, os acessórios de ligação são de cor e tipo de material diferente dos das condutas;
u) Colocação de tubos perfurados de drenagem sem respeitar o descrito no projecto (ausência de tela pitonada, manta geotêxtil), verificando-se que colocaram o tubo e brita por cima;
14. Em obra encontra-se instalado um tubo de drenagem corrugado perfurado, que serve de drenagem de terras no exterior.
15. Este tubo está assente sobre o terreno, sendo que, de acordo com as boas práticas de construção, deveria ser aplicado embebido numa camada de brita e todo este conjunto seria por sua vez “abraçada” por uma manta geotêxtil, a qual ficaria em contacto com as terras;
16. Canalização do gás colocado fora do traçado indicado no projecto;
17. Lages de cobertura com pendentes mal feitas;
18. Alguma água das chuvas permanece sobre as telas, porque as pendentes executadas não permitem um escoamento total das águas;
19. As lajes da cobertura têm apenas 10cm de espaço disponível para preenchimento com roofmate de 8cm, manta geotêxtil e godo, o que não é suficiente para assegurar a impermeabilização do espaço;
20. Rebentamento da parede de suporte à porta de entrada junto ao passeio, com inutilização dessa porta;
21. A localização de todas as caixas (contadores e afins) colocados na parede do muro da casa não é a correcta, não respeitando o projecto;
22. O autor comunicou tais defeitos à ré, por telefone, por email e também no dia 30/09/2019, durante uma reunião de vistoria na obra;
23. Sem que a ré tenha procurado fazer qualquer alteração aos trabalhos realizados;
24. Na referida carta de 08/10/2019, o autor concedeu à ré o prazo de 15 dias para proceder à eliminação dos defeitos em causa;
25. Na retificação das situações supra identificados, o autor despendeu a quantia global de €12.720,00;
26. Tendo recorrido a terceiros, tendo em conta o facto de pretender concluir os trabalhos, tendo já sido ultrapassado o prazo convencionado, sendo que, sem a rectificação daqueles defeitos, as obras não deveriam avançar, sob pena de aumentarem os prejuízos do autor.
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A ora apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos 7, 8, 9,10 e 22, 23 e 24 dados por provados.
Especifica o sentido da decisão alternativa que pretende e aponta os meios de prova que devem justificar uma diferente decisão, concretizando suficientemente, quanto aos depoimentos gravados, os segmentos a merecerem diferente julgamento.
Cumprem, em suma, o regime processual estabelecido no art. 640º do CPC, pelo que se deve conhecer da impugnação oferecida.
Haverá, pois, de conhecer-se de tal impugnação.
É inequívoco que o litígio entre as partes surge a propósito de um típico contrato de empreitada, no âmbito do qual a ré, ora apelante, enquanto empreiteira, deveria realizar uma obra de beneficiação de uma habitação do autor. Para além disso, também se mostra incontroverso que, tendo a obra começado em 19/3/2019, ali deixou a ré de executar qualquer trabalho em 6/9/2019.
Nessa fase, por um lado, o autor já havia pago €44.938,97, mas a ré só executara o correspondente a €22.453,33; por outro, os trabalhos realizados apresentavam uma variedade de desvios em relação ao que deles se esperava, tal como descrito nos itens 13 a 21.
Porquanto esse não é o objecto do presente recurso, podemos ter por adquirido que tais desvios constituem efectivos defeitos da obra, pois que as intervenções descritas, os materiais aplicados e o resultado dos trabalhos deveriam ser diferentes, para que a obra cumprisse o que havia sido contratado e se mostrasse adequada ao fim a que era destinada.
A controvérsia que se mantém nesta fase do processo, não incide sobre a identificação de tais defeitos, mas sobre as condições em que cessou a relação contratual entre as partes.
Assim, o tribunal deu por provado, em suma, que
- a 6/9/2019 a ré cessou os trabalhos, porque o autor lhe apontou a má execução no que estava feito e o atraso da obra;
- que o autor comunicou tais defeitos à ré, por telefone, por email e também no dia 30/09/2019, durante uma reunião de vistoria na obra
- que as partes reuniram, tendo o autor dado à ré a oportunidade de proceder à reparação dos trabalhos mal executados e de continuar a obra;
- que a ré nada fez;
- que foi a ré quem, a 4/10/2019, comunicou ao autor que não iria realizar qualquer outro trabalho naquela obra;
- que, em 8/10/2019, o autor remeteu à ré a carta que constitui o doc. nº 6 junto com a pi., onde o autor elencou os defeitos, enunciou a rescisão do contrato pela ré, a 4/10/2019, exigiu a eliminação de defeitos, em 15 dias, e a medição dos trabalhos executados, para cálculo da quantia a ser-lhe devolvida.
Diferentemente, a ré pretende que se dê por provada outra versão dos factos:
- que, no dia 6/9/2019 foi o autor que ordenou que a ré cessasse os trabalhos na obra;
- que só no dia 30/09/2019, durante uma reunião ocorrida no local da obra, o Autor comunicou defeitos à Ré;
- que não foi a ré que, a 4/10/2019 comunicou que não continuaria os trabalhos, mas sim que fora o próprio autor, a 6/9/2019 quem resolvera o contrato, não sendo intenção da ré celebrar um novo contrato em novas condições, relativamente ao mesmo imóvel.
- que só em 8/10/2019 foram denunciados defeitos, por escrito;
- que a ré foi impedida de realizar qualquer trabalho, a partir de 06/09/2019;
- que, em 8/10/2019, já o autor havia resolvido o contrato.
Um dos meios de prova referidos pelo tribunal e pela apelante é o email de 4/10/2019.
Neste, junto com a p.i. como doc. nº 2, a ré afirmou que havia sido expulsa da obra, em 6/10/2019; que, em reunião de dia 30/9, havia ponderado “reformular” a obra, mas que o comportamento do autor e familiares, com ameaças diversas (que descreveu), levavam a que concluísse não haver motivos nem condições para retomar a obra.
Por sua vez, por carta de 8/10/2019, o autor descreveu defeitos identificados na obra, fixou à ré o prazo de 15 dias para a sua eliminação e acrescentou: “Por outro lado, face à rescisão unilateral do Contrato (…) comunicada por V. Exas por email datado de 04/10/2019, cumpre solicitar que, para além da eliminação dos defeitos de obra e desconformidades, diligenciem a elaboração de auto de medição que permita aferir a quantia que haja a devolver ao Segundo Outogante”.
Relativamente ao ocorrido no dia 6/9/2019, mostra-se junta uma “Declaração” elaborada por um agente da PSP, na qual relata o seguinte:
“Para os devidos efeitos se declara que em 2019-09-06, foi elaborada neste Departamento Policial, pelo Agente ..., do efetivo da 6. Esquadra, participação onde constam os seguintes factos:
O Agente acima indicado deslocou-se à Av. ..., ... - Porto, onde havia noticia de ali estarem a correr desentendimento entre empreiteiro e proprietário da habitação. No local, apresentou o proprietário da habitação em remodelação, a informar que, tinha rescindido por incumprimento de contrato a remodelação da sua habitação, pretendendo que a CC responsável pela empresa de remodelação lhe devolvesse a chave da habitação bem como o livro de obras.
Contactada CC, a mesma informou que não havia problema nenhum em entregar a chave da habitação, bem como o livro de obras o que efetuou na presença do Agente indicado.
De referir que CC, na minha presença desta Policia, efetuou a entrega da chave da habitação, bem como o livro de obras em branco.
Relativamente a este assunto foi elaborada participação, nesta unidade policial, com o NPP em epígrafe.”
Constata-se que a sentença recorrida é completamente omissa quanto à motivação da sua decisão relativamente à comprovação da factualidade em análise. O tribunal nem se refere aos documentos que se enunciaram antes, nem a qualquer meio de prova produzido em audiência (depoimentos testemunhais ou declarações de parte) em que se tenha baseado para o seu juízo probatório.
Nestas circunstâncias, poderia parecer oportuno aplicar a solução prevista na al. d) do nº 2 do art. 662º do CPC, determinando-se que o tribunal recorrido expressasse devidamente as razões da sua convicção.
Cremos, todavia, que no caso em apreço essa não será a melhor solução, pois que além de vir a enfrentar, com probabilidade, o resultado previsto na al. d) do nº 3 do mesmo artigo, a deficiência da sentença, nesta parte, não impediu a reacção da ré, impugnando a decisão nos termos que teve por pertinentes. Nem impedirá este tribunal de sindicar tal decisão.
Iremos, pois, com base na prova produzida e registada em gravação áudio, além da documental já referida, apreciar o recurso tal como vem interposto.
A este propósito, começaremos por rejeitar a tese da apelante quanto à natureza de documento autêntico, que reconhece na declaração do agente da PSP que, no dia 6/9, compareceu no local. Aquele documento traduz uma mera declaração escrita do seu autor, que, complementada pelo depoimento de FF, se limita a traduzir a percepção do seu autor quanto ao que acontecia. E, assim, traduz apenas a percepção do agente da PSP de que “o proprietário da habitação em remodelação, a informar que, tinha rescindido por incumprimento de contrato a remodelação da sua habitação, pretendendo que a CC responsável pela empresa de remodelação lhe devolvesse a chave da habitação.”
Todavia, nem dessa declaração, nem do depoimento de FF, resulta que qualquer dos agentes da PSP tivesse qualquer conhecimento sobre as circunstâncias do negócio ou sobre as causas daquela situação de conflito. Assim, como é óbvio, o teor desta declaração nenhuma prova opera quer quanto aos pressupostos ou ao efeito resolutivo de qualquer atitude do autor em relação ao contrato, quer quanto à existência efectiva de um incumprimento contratual que o motivasse.
Assim, o que resulta inequívoco é exclusivamente o teor do item 7 dos factos provados.
Acresce que a factualidade impugnada pela ré, nesse item e nos demais, acaba por não ser efectivamente posta em causa pela apelante.
Com efeito, o que a apelante pretende é que se atribua uma diferente interpretação e um diferente significado jurídico aos factos dados por provados sob os itens 7º a 10º e 22º a 24º, porquanto a factualidade que pretende ver enunciada é, na essência, precisamente a mesma que foi dada por provada na sentença.
Assim, o que cumpre reinterpretar é a situação de 6/9, o sentido da reunião ocorrida a 30/9, o sentido do email de 4/10 e da carta de 8/10, pois que a verificação desses actos e o seu conteúdo não é posto em causa pela própria apelante.
Concretamente, quanto ao item 7º, a apelante pretende que se dê por provado que foi o autor que ordenou que a ré cessasse os trabalhos na obra; e é precisamente isso que está dado por provado, ao que acresce a alegação das razões então invocadas pelo autor. Já inferir, a partir disso, que foi o autor que expulsou a ré da obra, ou que aquela atitude operou uma resolução do contrato é matéria conclusiva, que não deve ser incluída no elenco dos factos.
Quanto à reunião do dia 30/9, nenhuma dúvida há que ocorreu e que, nesta, o autor denunciou verbalmente diversos defeitos. Daí ter de manter-se o teor do item 22º, tal como o do item 8º. Apurar o efeito disso é questão que só num momento sucessivo cumpre resolver
Quanto ao item 9º, nenhuma dúvida há sobre o email dirigido pela ré ao autor e ao seu teor, tal como acontece com o carta de 8/10/2019, referida no item 10º, donde dever ser mantida também a decisão comprovativa subjacente ao item 24º, sendo que não ocorre qualquer dúvida quanto à ré nada mais ter executado, como descrito no item 23º.
Assim, ainda, a concatenação dos actos de comunicação entre as partes, em 6/9, 30/9, 4/10 e 8/10 e o significado dessas comunicação é um acto de interpretação que não cabe levar ao elenco de factos provados, como pretende a ré ao requerer que se dê por provado ter sido ela que, a 4/10/2019, comunicou que não continuaria os trabalhos, mas porquanto fora o próprio autor, a 6/9/2019 quem resolveu o contrato.
Por outro lado, que só em 8/10/2019 foram denunciados defeitos, por escrito, e que a ré foi impedida de realizar qualquer trabalho, a partir de 06/09/2019, são factos que já constam da matéria provada, não carecendo de ser acrescentados.
Já afirmação de que, em 8/10/2019, o autor já havia resolvido o contrato é uma afirmação conclusiva, que só pode proceder de uma subsunção jurídica, e que não pode ser acrescida ao elenco dos factos provados, como se de um facto natural se tratasse.
Conclui-se, pois, que o elenco dos factos provados se deve manter nos precisos termos em que veio fixado na sentença sob recurso.
Todavia, e aí reside a essência do recurso da apelante, isso não significa que deva ter-se necessariamente por adquirida, sem mais, a solução jurídica decretada pelo tribunal recorrido.
Com efeito, apesar de apontar a sua discordância ao elenco dos factos provados, o que se verifica que a apelante pretende discutir é o significado dos factos apurados - que verdadeiramente não assumem controvérsia - para efeitos de que se determine quem incorreu em incumprimento do contrato e deu causa à sua ruptura definitiva.
É que, com base nos factos apurados, o tribunal concluiu que foi a ré que incorreu no incumprimento do contrato. Porém, e sem ter de divergir dessa mesma factualidade, entende a apelante que foi o autor que incorreu no incumprimento do contrato, ao declarar a sua resolução injustificada, em 6/9.
É isso que importa discutir de seguida, perante uma base factual que permite essa mesma discussão independentemente de qualquer alteração que, como se referiu, não se justifica.
O que a apelante pretendia, embora inadequadamente, era transpor esta discussão para uma fase anterior, qual seja a da própria fixação da matéria de facto apurada. Porém, em sede de fixação dos factos que devem constituir uma das premissas da decisão, não têm cabimento conclusões a inferir dos próprios factos. Isso deve ser deixado para um momento ulterior, como fez o tribunal recorrido e como agora cabe fazer.
Desenvolvendo tal tarefa, entendeu o tribunal recorrido que o incumprimento definitivo do contrato coincidiu com a recusa da ré em desenvolver qualquer operação de eliminação de defeitos no prazo de 15 dias, comunicado na carta de 8/10. Recusa essa, de resto, previamente anunciada no email da ré, enviado ao autor em 4/10.
A tese da ré, que sustenta no mesmo elenco de factos – apesar de lhes ter proposto alterações injustficadas, maxime por conclusiva– é a de que o autor já antes havia incorrido em incumprimento definitivo do contrato, ao impedir a ré de continuar na obra no dia 6/9/2019, designadamente aquando as circunstâncias que até motivaram o chamamento da polícia ao local.
Com efeito, dúvidas não há que, a 6/9, foi o autor que obstou a que a ré continuasse a executar trabalhos na obra. Isso é inequívoco e corresponde, em suma, ao que a apelante pretendia que se desse por provado, mas que se considerou que o próprio tribunal já dera por adquirido, por ser o que consta do item 7º dos factos provados.
No entanto, deve uma tal atitude do autor qualificar-se como uma resolução do contrato, isto é, uma manifestação de vontade tendente à cessação definitiva e permanente da execução do contrato?
A resposta a esta questão tem de ser negativa, pois que é inequívoco que, em 30/9, autor e ré reuniram e que logo então aquele lhe denunciou defeitos, pretendendo a sua eliminação.
Ou seja, apesar de a ré pretender interpretar a actuação do autor como uma resolução do contrato, em 6/9, defendendo que, por via da reunião de 30/9, apenas ponderou se haveria de celebrar um novo contrato, nada disso tem a mínima sustentação na concatenação dos factos, designadamente perante a sua presença numa reunião, em 30/9, onde o autor tratou de lhe denunciar defeitos que pretendia que fossem eliminados, antes de a obra prosseguir. A este propósito, regista-se que a ré nem sequer negou que lhe tivessem sido denunciados defeitos, apenas afirmando que, por escrito, eles só lhe foram comunicados a 8/10. Ou seja, sem ser por escrito, foram-nos pelo menos a 30/9, na referida reunião, cujo objecto, naturalmente, só poderia ser o da denúncia dos defeitos e a retoma dos trabalhos.
Aliás, isso mesmo é coerente com o teor da carta de 8/10, de teor inequívoco, e por via da qual o autor ainda interpelou a ré para, em 15 dias, eliminar os defeitos identificados e enumerados na própria carta. Então, apesar de, a 4/10, a ré já ter anunciado que não voltaria à obra, é o autor que insiste pela eliminação de tais defeitos o que, naturalmente, pressupõe a sobrevivência do contrato.
Neste quadro de circunstâncias, não podemos admitir como verdadeira a tese da ré, nos termos da qual, em 6/9, quando impediu a ré de continuar a trabalhar na obra, o autor tenha querido colocar um termo definitivo àquele contrato de empreitada. O que os factos ulteriores demonstram é que queria impedir que a obra prosseguisse antes de corrigido o longo elenco de defeitos identificados. É isso que demonstra a reunião de 30/9 e a carta de 8/10.
Pelo contrário, o teor do email de 4/10 já demonstra uma vontade da ré de não voltar à execução do contrato, o que se revelou definitivo com a total inoperância da ré, no âmbito da obra em questão, após a interpelação de 8/10.
Em suma, o devir dos factos, em que a própria ré participou, revelou com clareza suficiente que a atitude do autor, em 6/9/2019 não consubstanciou uma declaração definitiva de resolução do contrato, apta a traduzir a vontade daquele de que o contrato deixasse imediatamente de ser executado. Pretendeu, pelo contrário, que o contrato fosse cumprido, assumindo a ré a obrigação de eliminação dos defeitos que então se verificavam. Só perante a recusa da ré em voltar à obra, pelo email de 4/10, é que o autor reclamou a devolução do preço já pago em excesso.
Pelo seu lado, foi a ré que, recusando retomar os trabalhos, por interpretar que o autor já resolvera o contrato, mas sem fundamento quanto a essa interpretação, incorreu no incumprimento definitivo do contrato, por violação da obrigação que lhe era imposta pelo art. 1221º do C. Civil.
Nestas circunstâncias, cabia ao autor o direito à resolução do contrato, nos termos do art. 1222º do C. Civil.
Note-se que a apelante não discute nem a existência dos defeitos, nem a sua relevância, para discutir o direito à resolução do contrato, pelo autor. Discutiu, tão só e sem razão, como se viu, se havia sido o próprio autor a resolver o contrato.
Cabe, assim, concordar integralmente com a conclusão do tribunal recorrido, quando reconhece o direito do autor à resolução deste contrato.
Sucessivamente, a apelante não discute os efeitos decretados pelo tribunal a quo, como consequência do exercício, pelo autor, do seu direito à resolução do contrato. Por isso, nada cumpre decidir, neste recurso, a esse respeito.
Resta, em suma, concluir pelo não provimento da presente apelação, na confirmação integral da decisão recorrida.
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Sumariando (art. 663º, nº 7 do CPC):
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento à presente apelação, em razão do que confirmam a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Reg. e not.

Porto, 19 de Março de 2024
Rui Moreira
Lina Baptista
Rodrigues Pires