REQUERENTE DE APOIO JUDICIÁRIO
FORMULÁRIO
PRETENSÃO DE NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DE PRAZO
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I - Quando o requerente de apoio judiciário assinala no respectivo formulário as opções “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” e “pagamento da compensação de defensor oficioso” com o objectivo de apresentar recurso de contra-ordenação, torna manifesta a sua pretensão de nomeação de Patrono.
II - Consequentemente, é de aplicar a interrupção do prazo constante do disposto no artigo 24.º, n.ºs 4 e 5 al. a), da a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
No Juízo Local Criminal de Santa Cruz do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, foi proferido despacho, com o seguinte teor:
«Assim sendo, não se admite o recurso apresentado, por extemporâneo.»
- do recurso -
Inconformado, recorreu AA formulando as seguintes conclusões:
« 1.ª O Tribunal a quo, ao considerar extemporânea a impugnação judicial, rejeitando-a, não efetuou uma correta interpretação das normas jurídicas que constituem o fundamento do recurso, mormente o n.º 1 do artigo 1.º, o n.º 2 do artigo 2.º, o n.º 1 do artigo 6.º, o n.º 1 do artigo 7.º, o n.º 1 do artigo 8.º, o n.º 1 do artigo 16.º e os n.ºs 4 e 5 do artigo 24.º, todos da Lei, ex vi n.ºs 1 e 2 do artigo 20.º da CRP.
2.ª Se é certo que, ao requerer apoio judiciário, o Recorrente, apresentando-se como “Arguido” - em linha com as inúmeras referências que a essa qualidade dele se faz na decisão administrativa – para “Intervir - Impugnação de decisão – Processo de Contraordenação …DSAV/DAC”, selecionou a modalidade “pagamento da compensação de defensor oficioso” ao invés de “nomeação e pagamento da compensação de patrono”, não haveria como o Tribunal a quo convencer-se que o fito daquele requerimento visaria a atribuição de Advogado ao abrigo da proteção jurídica reconhecida ao Recorrente em face da sua insuficiência económica.
3.ª Em bom rigor, a modalidade de “pagamento da compensação de defensor oficioso” sempre importaria, a ser concedida, a nomeação de um Advogado ao Recorrente, com o pagamento da correspondente compensação, tal qual sucede com a modalidade “nomeação e pagamento da compensação de patrono”.
4.ª Teria sido mais avisado, da parte do Recorrente, selecionar a modalidade “nomeação e pagamento da compensação de patrono” ao invés da modalidade “pagamento da compensação de defensor ofícioso”? Sem dúvida.
5.ª Ter-se-á o Recorrente deixado induzir em erro pelo facto da decisão administrativa a ele se referir como Arguido para assim se identificar no requerimento para concessão de apoio judiciário e, em consequência, selecionar aquela segunda modalidade, mais em linha com essa qualidade processual, do que aquela primeira? Parece evidente.
6.ª Tanto assim é que a Segurança Social corrigiu, oficiosamente, aquela escolha ao emitir a decisão final de concessão de apoio judiciário, desta passando a constar a modalidade de “nomeação e pagamento de compensação de patrono (…) ao invés da modalidade de pagamento de compensação de defensor oficioso, por ser a (…) aplicável à qualidade do requerente no âmbito da finalidade do apoio judiciário (…) propor impugnação judicial”.
7.ª Em idêntico sentido propugnou o Ministério Público pois não vislumbrou “qualquer irregularidade no pedido e/ou na nomeação de patrono ao arguido”, pois a Segurança Social “interpretou (a nosso ver bem) o que realmente pretendia o arguido, e deferiu-lhe o pedido nas modalidades que melhor se ajustavam (…)” (negrito e sublinhado nossos).
8.ª Tendo a notificação do Recorrente, para impugnação judicial da decisão administrativa, ocorrido a 23-03-2023, e sendo o prazo para o efeito de 20 dias (cfr. artigo 60.º do Decreto-Lei), este findaria a 21-04-2023, contando que os dias 25 e 26 de Março de 2023, e os dias 1, 2, 7, 8, 9, 15 e 16 de Abril de 2023 foram “não úteis”.
9.ª Mas esse prazo interrompeu-se a 10-04-2023, com a apresentação do requerimento de apoio judiciário à autoridade administrativa, reiniciando a sua contagem a 14-04-2023, dia seguinte ao da nomeação de Advogado [cfr. alínea b) do artigo 279.º do Código Civil].
10.ª O novo prazo para apresentação de impugnação judicial – concretizada a 03-05-2023 - findaria a 15-05-2023, conquanto os dias 15, 16, 22, 23, 25, 29 e 30 de Abril de 2023, e os dias 1, 6, 7, 13 e 14 de Maio de 2023 foram “não úteis”.
11.ª Essa apresentação foi, pois, tempestiva e, isso, ainda que do requerimento de apoio judiciário não constasse, ab initio, a modalidade “nomeação e pagamento de compensação de patrono”, pois, pese embora o Recorrente não a tenha selecionado, por lapso ou erro de apreciação/avaliação, potenciado pela qualidade assumida no processo administrativo, a verdade é que não deixaria de desejar a nomeação, mais do que patrono ou defensor, de Advogado para sua defesa, resultando claro desse requerimento a finalidade a que se destinava o apoio judiciário (impugnar decisão administrativa), para o que entendeu necessitar do auxílio de profissional do foro.
12.ª A decisão do Tribunal a quo, ao conceder prevalência a uma questão formal em detrimento da questão substancial, faz perigar o desígnio constitucional de acesso ao Direito e aos Tribunais àqueles que, como o Recorrente, não dispõe de suficiência económica para defesa dos seus direitos e interesses? Receia-se que sim.
13.ª O erro constante do requerimento para concessão de apoio judiciário – no fundo, crê-se, um lapso de escrita, passível de retificação, nos termos do artigo 249.º do CC, como o viria a ser oficiosamente pela Segurança Social -, não poderia levar o Tribunal a quo a convencer-se que a pretensão do Recorrente seria outra, ao apresentar aquele requerimento, que não a nomeação de um Advogado para garantir aquele desígnio constitucional, beneficiando da interrupção do prazo, nos termos do n.º 4 e da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei.
14.ª A Sentença recorrida deverá, pois, ser anulada por douto Acórdão que determine, em consequência, a devolução dos autos ao Tribunal a quo para decisão do caso.»
- da resposta -
Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo que «o Recurso apresentado pelo Arguido/recorrente é tempestivo, pelo que deve o presente recurso ser julgado procedente, e nessa sequência ser admitido o recurso interposto pelo Recorrente».
Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido de «que o recurso interposto pelo Recorrente AA deve ser julgado procedente e, consequentemente, o Despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que admita a Impugnação Judicial da Decisão Administrativa.»
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta ao parecer reiterando o teor das conclusões do recurso.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, a única questão a decidir é saber se o recurso de impugnação judicial foi apresentado extemporaneamente devendo, por essa razão, ser rejeitado.
FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida é fruto da seguinte fundamentação:
«Compulsados os autos, verifica-se que o Recorrente foi notificado da decisão administrativa em 23.03.2023 (cf. fls. 65-A).
No dia 05.04.2023, o Recorrente requereu apoio judiciário junto da Segurança Social, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação de defensor oficioso (cf. fls. 68 a 71).
No dia 03.05.2023 o Recorrente impugnou judicialmente a decisão administrativa (cf. fls. 77 a 90), tendo juntado, para o efeito, a decisão da Segurança Social no sentido do deferimento do apoio judiciário na primeira modalidade referida e na modalidade de «Nomeação e pagamento de compensação de patrono».
Recebido o expediente, o Ministério Público promoveu o indeferimento do recurso, por extemporâneo.
Solicitada informação à Segurança Social no que concerne à modalidade concedida de «Nomeação e pagamento de compensação de patrono» (uma vez que a mesma não havia sido requerida pelo Recorrente- cf. fls. 93), veio tal Instituto referir que a modalidade concedida correspondia à correta para a finalidade do apoio judiciário, i.e., impugnação judicial (cf. fls. 111).
Cumpre apreciar e decidir.
Estipula o artigo 24.º, n.ºs 4 e 5, da Lei nº 34/2004 de 29 de julho (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais), que:
«4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.»
No presente caso, verifica-se que a modalidade requerida pelo Recorrente não foi a de nomeação de patrono, embora tenha sido esta a que lhe foi atribuída.
Ora, a lei é expressa em referir que há a interrupção do prazo quando o requerente pretende a nomeação de patrono.
No requerimento referido, repete-se, não foi essa a modalidade de apoio judiciário indicada ou pretendida, pois, se assim fosse, teria sido a selecionada.
Como tal, não poderá o Recorrente beneficiar da interrupção do prazo.»
Nos autos está em causa a impugnação judicial da decisão administrativa da ... que o condenou no pagamento da coima única de €100,00.
Neste recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa não estão em discussão os fundamentos dessa impugnação mas, tão-só, o juízo de extemporaneidade que o Tribunal a quo proferiu, determinando em conformidade a rejeição liminar da pretensão do recorrente.
Atentemos, então, aos factos.
1. O Recorrente foi notificado da decisão administrativa em 23.03.2023 (AR de fls. 65-A v.º).
2. No dia 05.04.2023, o Recorrente requereu apoio judiciário junto da Segurança Social, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação de defensor oficioso (cf. fls. 68 a 71).
3. No dia 03.05.2023 o Recorrente impugnou judicialmente a decisão administrativa (cf. fls. 77 a 90), tendo juntado, para o efeito, a decisão da Segurança Social no sentido do deferimento do apoio judiciário na primeira modalidade referida e na modalidade de «Nomeação e pagamento de compensação de patrono».
4. Em 13.04.2023 foi deferida a nomeação de Patrono ao arguido com o propósito de apresentar a impugnação judicial no processo … DSAC/DAC
O diploma que nos situa na questão a decidir é a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a qual estabelece o regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, comummente conhecido como Apoio Judiciário.
Nos termos do Art.º 24.º desse diploma foi estabelecido o princípio geral de autonomia do procedimento administrativo de concessão do dito apoio judiciário nas suas diversas modalidades, consignando-se que «1 - O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.»
As excepções relevantes são as constantes dos números 4 e 5 importando saber se têm cabimento no caso que nos ocupa. Dizem tais preceitos que:
«4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.»
O Tribunal a quo focou-se no aspecto formal do pedido de apoio judiciário para fundamentar a sua decisão.
Há, porém, que ir um pouco mais longe na interpretação dessa formalidade.
O requerimento de pedido de protecção jurídica foi apresentado pelo próprio Recorrente. É feito com base num formulário e, inquestionavelmente, o mesmo apenas apôs duas cruzes no campo 4.2, sinalizando a pretensão de apoio judiciário nas modalidades de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” e “pagamento da compensação de defensor oficioso”.
Uma primeira, e mais superficial, leitura daqui retirará a intenção do então requerente ser desonerado dos encargos que a sua impugnação judicial da decisão administrativa de condenação no âmbito de um processo de contra-ordenação viessem a gerar.
Porém, caso o Instituto da Segurança-Social não procedesse à nomeação de Patrono, o Recorrente ao mesmo não teria direito, uma vez que a referida impugnação judicial não é merecedora de uma nomeação, obrigatória, de Defensor, que se impusesse ao Tribunal.
Contrariamente ao processo penal, no qual o Arguido tem que estar necessariamente representado por Defensor a partir da acusação ou quando intervém em determinados actos concretos, impondo-se à autoridade judiciária providenciar pela nomeação de tal Defensor caso o Arguido não se apresente com Mandatário constituído para o efeito, em sede de processo de impugnação judicial nos ilícitos de mera ordenação social, tal obrigação não existe.
Consequentemente, não faria sentido ao Recorrente pedir à Segurança Social o pagamento da compensação de defensor oficioso se não pretendesse, igualmente, a nomeação desse mesmo defensor. O que o Recorrente não domina é a terminologia que distingue a figura do Patrono da do Defensor Oficioso ou teria, desse modo, colocado a cruz no quadrado acima, correspondendo assim ao rigor dos termos. Em termos comuns, o que o Recorrente queria era um Advogado, e ser dispensado de lhe pagar por não ter meios para tanto.
Este é o único entendimento possível, a retirar do requerimento apresentado. Tanto assim que o ISS decidiu em conformidade, procedendo a tal nomeação, indo ao encontro da pretensão do Requerente.
Consequentemente, entende-se ser de aplicar a previsão do citado artigo 24.º, n.ºs 4 e 5 al. a), e julgar interrompido o prazo da impugnação judicial da decisão administrativa. Dessa forma, deixa de ser possível sustentar a decisão recorrida, a qual fica carente de fundamento.
DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogar a decisão de rejeição por extemporaneidade do recurso de impugnação judicial apresentado por AA, ordenando-se o prosseguimento dos autos, nomeadamente com prolacção de despacho liminar que conheça das demais questões relativas à admissibilidade de tal impugnação e demais trâmites.
Sem custas.

Lisboa, 23 de Abril de 2024
Rui Coelho
Maria José Machado
Ester Pacheco dos Santos