ORDEM DE SUSPENSÃO DE MOVIMENTOS BANCÁRIOS
MOVIMENTOS FINANCEIROS SUSPEITOS
COMBATE AO BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I – Os despachos judiciais prolatados não determinaram a suspensão de movimentos a débito e a crédito nas contas bancárias da recorrente, tal ordem foi do Ministério Público. O tribunal a quo limitou-se a confirmar judicialmente tal ordem de suspensão e só tem que especificar o seguinte: Identificar os elementos que são objecto da medida, especificando as pessoas e entidades abrangidas e, consoante os casos, os seguintes elementos: i) O tipo de operações ou de transações ocasionais; ii) As contas ou as outras relações de negócio; iii) As faculdades específicas e os canais de distribuição.
II - O valor da Justiça, o combate e a perseguição aos movimentos financeiros de proveniência ilícita, designadamente transferências de dinheiro, impõem-se e sobrepõem-se aos eventuais prejuízos causados pela suspensão da movimentação de contas bancárias.
III - Esta ordem de suspensão é cautelar, tomada para evitar o descaminho de quantias financeiras envolvidas em movimentos financeiros suspeitos. A notificação ao titular das contas não pode exceder o peso e a medida certos de modo a não prejudicar o combate ao branqueamento de capitais e a realização da Justiça.
IV - Tendo em conta que (i) os despachos em causa se limitam a confirmar judicialmente a ordem de suspensão do MP, (ii) a natureza preventiva e repressiva do combate ao branqueamento de capitais e (iii) a circunstância do juiz a quo ter integralmente cumprido o disposto na al. b), do n.º 3, do art.º 48.º, da Lei n.º 83/2017, de 18.08; não se vislumbra qualquer nulidade por insuficiência de inquérito ou por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, nem inconstitucionalidade por falta de fundamentação e/ou violação do contraditório.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
No Juiz 7 do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa foi proferido o seguinte despacho:
“A medida de SOB foi confirmada por Juiz de Instrução Criminal em 10-05-2023 determinando-se a notificação dos titulares das contas visadas após trinta dias, nos termos do artigo 49.º, n.º 3, da Lei n.º 83/2017, de 18-08 (fls. 191 e 192).
Por despacho de 25-07-2023 foi determinada a prorrogação das medidas em curso, ordenando-se que se procedessem às habituais notificações (fls. 224).
Por não ter sido dado cumprimento ao judicialmente determinado o Ministério Público diligenciou pela notificação ao visado (fls. 244 e 245), tendo sido expedida notificação em 24-08-2023.
O visado requereu a notificação das promoções para sujeitar a sua conta a «congelamento de fundos»; do despacho que determinou a sujeição da sua conta a «congelamento de fundos» e os fundamentos inerentes à medida decretada nos autos (fls. 256 a 258).
A fls. 260 o Ministério Público pronunciou-se no sentido de o requerente já ter sido notificado nos termos do artigo 49.º, n.º 3, da Lei n.º 83/2017, de 18-08, e de que, estando os autos em segredo de justiça, de que não é possível permitir o acesso aos mesmos pelo visado, que tão pouco é arguido.
A fls. 278 a 282, o requerente invocou uma nulidade por insuficiência de inquérito por, em síntese, não ter sido notificado ao abrigo do artigo 49.º, n.º 3, da Lei n.º 83/2017, de 18-08, querendo ser notificado da decisão fundamentada ou, subsidiariamente, da promoção do Ministério Público para a qual se remete.
O Ministério Público pronunciou-se a fls. 294 e 295, aludindo, uma vez mais, ao facto de o processo estar em segredo de justiça, pelo que o requerente não pode ter acesso ao mesmo, tão pouco sendo arguido, e que já se procedeu à sua notificação ao abrigo do artigo 49.º, n.º 3, da Lei n.º 83/2017, de 18-08, nada impondo que seja o requerente notificado de uma promoção do Ministério Público em processo sujeito a segredo de justiça.
Por tal, o Ministério Público promove que se julgue não verificada a nulidade invocada e opõe-se a que seja enviado ao requerente a promoção subjacente à confirmação da SOB.
Notificado para, querendo, se pronunciar, o requerente, em suma, manteve a sua pretensão (fls. 213 a 215).
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 49.º, n.º 3, da Lei n.º 83/2017, de 18-08, que «por solicitação do Ministério Público, a notificação das pessoas e entidades abrangidas, na decisão fundamentada do juiz de instrução que, pela primeira vez, confirme a suspensão temporária, pode ser diferida por um prazo máximo de 30 dias, caso entenda que tal notificação é suscetível de comprometer o resultado de diligências de investigação, a desenvolver no imediato».
Decidiu-se, no caso dos autos, por essa dilação inicial, sendo, desde o início, sempre judicialmente determinado que, findo o prazo em causa, devia o visado ser notificado.
Apenas por lapso da secretária é que tal não foi levado a cabo de imediato, mas foi oportunamente corrigido pelo Ministério Público, nos termos enunciados supra.
Os presentes autos encontram-se sujeitos a segredo de justiça e a fundamentação do despacho judicial de confirmação da SOB foi feito, no que concerne aos seus fundamentos de facto, por remissão para a promoção do Ministério Público que lhe antecedeu.
O artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, consagra que os actos decisórios são sempre fundamentados, de facto e de direito.
O requerente invoca a nulidade por insuficiência de inquérito, ao abrigo do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal⸻«a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade»⸻, mas tal respeita a ausência de actos obrigatórios de inquérito de cariz investigatório, conceito em que não se insere a notificação sob escrutínio, sendo, ao invés, o seu exemplo típico o da falta de interrogatório de arguido.
A vicissitude suscitada pelo requerente seria, por isso, em última instância, uma irregularidade, contudo, nota-se, que, como consta do histórico processual, a mesma foi sanada assim que o Ministério Público se apercebeu que não havia sido dado cumprimento à notificação judicialmente ordenada, nos termos do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
O que o requerente não concorda, em rigor, é que a fundamentação do despacho judicial tenha sido feita por remissão para a promoção do Ministério Público e que haja resistência do mesmo em que lhe seja notificada a promoção, mas tal é uma questão que não se confunde com a ausência de notificação, pois a decisão do Juiz de Instrução Criminal foi notificada ao requerente.
A sujeição do processo a segredo de justiça origina que a fundamentações dos actos decisórios, quando tenham os mesmos de ser comunicados a arguidos ou a terceiros, seja feita de modo a não claudicar as finalidades do próprio segredo de justiça.
Tal ocorreu nos presentes autos, e, uma vez levantado o segredo de justiça, terá o titular da conta visada, nos termos legais, conhecimento de todos os elementos que conduziram àquelas decisões.
O mesmo entendimento foi recentemente confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão datado de 13-07-2023, relatado pelo Desembargador Luís Almeida Gominho, proferido no processo n.º 192/22.8TELSB-B.L1, e onde, inter alia, se consignou que:
«III – 3.3.4.) Ora como se sustenta no acórdão desta mesma Secção de 06/10/2020, no processo n.º 261/20.9TELSB-A.L1-5: “A decisão do tribunal a quo, de confirmar judicialmente a ordem do MºPº, no sentido da suspensão de movimentos a débito e a crédito nas contas bancárias da recorrente só tem que especificar o seguinte: Identificar os elementos que são objecto da medida, especificando as pessoas e entidades abrangidas e, consoante os casos, os seguintes elementos: i) O tipo de operações ou de transações ocasionais; ii) As contas ou as outras relações de negócio; iii) As faculdades específicas e os canais de distribuição.”. Ou seja, não se impõe uma explanação das razões de facto e de direito ao nível do defendido pelo Recorrente. Sendo que nesse plano, o que acima se deixou transcrito não deixa de observar os requisitos apontados. Como no aresto citado mais se alude em justificação dessa interpretação, “outra coisa não podia fazer o juiz a quo. Sob pena de pôr em risco o combate ao branqueamento, a legislação não lhe permitia descrever em concreto as actividades e os sujeitos suspeitos. O valor da Justiça, o combate e a perseguição aos movimentos financeiros de proveniência ilícita, designadamente transferências de dinheiro, impõem-se e sobrepõem-se aos eventuais prejuízos causados pela suspensão da movimentação de contas bancárias. Esta ordem de suspensão é cautelar, tomada para evitar o descaminho de quantias financeiras envolvidas em movimentos financeiros suspeitos. A notificação ao titular das contas não pode exceder o peso e a medida certos de modo a não prejudicar o combate ao branqueamento de capitais e a realização da Justiça”. O despacho recorrido (o de 16/09/2022, entenda-se) não deixa de se movimentar por este tipo de considerandos. Notificar o despacho determinativo (o proferido pelo Ministério Público), onde tais razões se indicarão, atentará precisamente com o segredo de justiça que se mostra invocado. Especificá-las de forma mais desenvolvida, no de “confirmação, conduzirá ao mesmo resultado. Afigurando-se-nos igualmente correta a afirmação em como a defesa dos direitos constitucionais do Requerido, comprimidos com a determinação da providência, fica acautelada com a notificação a que alude o n.º 4 do art. 49.º, da indicada Lei n.º 83/2017 (que no despacho em causa se ordenou), pelo que a partir desse momento, as faculdades de discussão que aí se mostram concedidas passam a estar disponíveis».
A citação sobredita é aplicável aos presentes autos, sendo, até, também originária em decisão da signatária, com teor análogo à da Mma. Juiz de Instrução Criminal que em Maio de 2023 exercia funções no Juiz 7.
Assim, julga-se não verificada a nulidade invocada ao abrigo do citado artigo 120.º, n.º 2, alínea d), assim como se julga não verificada qualquer irregularidade ao abrigo do artigo 123.º do Código de Processo Penal.
Notifique.
Devolva ao Ministério Público.”
*
Inconformado, AA interpôs recurso do mencionado despacho, concluindo do seguinte modo:
“1. Embora o Recorrente não figure enquanto sujeito processual nos presentes autos", trata­-se de um suspeito identificado no processo, sucessivamente visado e afetado pela medida de suspensão da movimentação e operações bancárias ("SOB") na conta bancária de que é titular em Portugal, com o n.º ..., domiciliada no ... ("NB").
2. Nesta senda, a recusa de notificação ao Recorrente dos fundamentos que o JIC entendeu valorar, os factos que considerou fortemente indiciados para decretar a medida de suspensão à luz do artigo 49.º da Lei, repercute um profundo dano nos direitos de defesa do Recorrente, enquanto visado e afetado pela medida, bem como, indiretamente, profundos danos no seu direito de propriedade.
3. Dúvidas não restam, por isso, da legitimidade subjetiva de recurso do Recorrente, nos termos da alínea d), n.º 1, do artigo 401.° do CPP.
4. Considerara o Recorrente que mal andou o Tribunal a quo quando entendeu que, para dar cumprimento ao perfilhado no n.º 3 do artigo 49.° da Lei, seria suficiente a mera notificação ao visado pela SOB do Despacho do JIC que remete para os fundamentos de facto e de direito constantes da promoção do MP, quando essa não se trata, sequer, da decisão que, originariamente, confirma a SOB.
5. Entenderá o Tribunal a quo que os elementos que acima se reportam preenchem o conceito de decisão fundamentada?
Desde logo:
Quais as contas bancárias alvo da SOB?;
Qual o tipo de limitações que, em particular, foram impostas sob as contas bancárias em causa?;
Qual a data na qual foi determinada essa suspensão?;
Fundamentos, ainda que sumários, que justificaram a promoção e posterior confirmação da medida?
6. Mas mais, nunca, em momento algum dos autos, foi notificada ao Recorrente, sequer, a decisão que, pela primeira vez, confirmou a SOB e cuja notificação é a que, precisamente, é exigida pela lei.
7. Este status quo perpetua uma nulidade dependente de arguição, que, novamente e em sede de recurso, o Recorrente volta a invocar nos termos infra mais bem descritos, cujos efeitos se vêm alastrando a todos os atos subsequentes praticados nos autos neste conspecto.
8. Sem prejuízo do supra exposto, que não deixa margem para dúvidas da insuficiência dos elementos informativos da SOB que foram parcamente comunicados ao Recorrente, este não pode deixar de autonomizar aquele que parece ser o busílis do incómodo do Tribunal a quo: A exigência de que lhe sejam comunicados os fundamentos que se encontram inerentes à medida de SOB vigente.
9. É unânime, quer do ponto de vista jurisprudencial, quer do ponto de vista doutrinário, que esta medida assume uma natureza absolutamente de exceção, justificando-se apenas e somente quando seja antecipável e justificado perigo de dissipação dos fundos que se considerem potencialmente suspeitos.
10. Entretanto, o reverso da medalha é o plano no qual o visado, na grande maioria - quase totalidade - das vezes, com capacidade de comprovar a titularidade, origem e legitimidade dos fundos bloqueados, é deixado privado de fundos de que é titular.
11. Com esta conjugação pradonizada, desprovida de qualquer análise concreta, automatizada e desencadeada por qualquer espécie de comunicação de operações que seja feita ao MP, independentemente dos fundamentos para essa comunicação, torna-­se absolutamente impossível a participação dos sujeitos processuais nos processos, em especial quando a investigação faz por evitar que, sequer, os visados sejam constituídos sujeitos processuais nos autos, fazendo um uso pernicioso dos institutos legais, moldando-os de modo a evitar que os visados de medidas de SOB consigam participar ativamente nos processos, como sucede in casu.
12. Ao operar desta forma as autoridades judiciárias impossibilitam totalmente o exercício dos direitos de defesa e contraditório do Recorrente, nos termos constitucionalmente previstos no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa ("CRP").
13. Como pode o JIC limitar-se a remeter para a fundamentação promovida pelo MP, quando lhe é sindicável - a ele, JIC, não ao MP - a confirmação e efetivação de uma medida cautelar profundamente lesiva de direitos fundamentais? - "A prolação de despachos judiciais por mera remissão para a promoção do Mº. Pº., só muito excepcionalmente cumpre as exigências do dever constitucional e legal de fundamentação, consagrados nos arts. 205° da CRP e 97° nº 5 do CPP. (...) A simples adesão aos argumentos do Mº. Pº. não corresponde às exigências de motivação, compleitude e objectivação, de forma clara e inteligível, das razões de facto e de direito que justificam a solução jurídica adoptada, suficientemente reveladoras de um juízo autónomo, crítico e pessoal do Juiz, nem exprime uma decisão que resulte da comparação dialética dos vários argumentos em conflito, tanto os invocados pelo arguido, como os aduzidos pelo MO. P"; e de cujo texto transpareça, de forma inequívoca, que o julgador, depois de ter ajuizado da pertinência, da relevância factual e jurídica de uns e de outros, de forma imparcial e equidistante, tomou uma decisão da sua própria autoria e não por simples escolha acrítica, ou, pelo menos, não objectivada numa explicação inteligível para os seus destinatários e para as autoridades judiciárias de recurso, sobre as razões por que entendeu que a argumentação de um ou de outro sujeito processual é a mais acertada para a solução da questão colocada à apreciação jurisdicional
14. Uma prevenção criminal a qualquer preço.
15. É, precisamente, para evitar que se venha a enformar este estado de coisas nos processos de branqueamento de capitais que a lei obriga a que a decisão do JIC que confirma a SOB seja comunicada aos visados, decisão esta da qual, necessariamente, constam os fundamentos que o JIC teve em consideração para determinar essa confirmação.
16. Mais entende o Tribunal a quo que, ainda que admitisse a existência de vicio invocado pelo Recorrente, este sempre seria de nulidade, nos termos residuais do artigo 123.° do CPP, ao invés de nulidade dependente de arguição, nos termos da alínea d), n.º 2 do artigo 120.° CPP, como foi enformada e invocada pelo Recorrente.
17. Não pode o Recorrente, novamente, deixar de discordar, em absoluto, com esta conclusão vertida na decisão recorrida, na medida em que não pode o Tribunal a quo auspiciar atribuir a um instituto residual um vicio que se encontra expressamente previsto e individualizado, aliás, enquanto nulidade e, ainda, muito menos pode pretender interpretar a lei num sentido totalmente divergente da letra, que, de facto, é bastante expressa e não deixa espaço a interpretações extensivas.
18. As diligências de investigação que estejam subtraídas à autonomia do Ministério Público são as que, uma vez preteridas em sede de inquérito, devem enquadrar-se como nulidades dependentes de arguição nos termos da alínea d), n.º 2 do artigo 120.° do CPP.
19. Ora, já bem sabemos que o n.º 3 do artigo 49.° da Lei n.º 83/2017 determina expressamente que a decisão de confirmação da SOB por parte do JIC deve ser ­obrigatoriamente - notificada ao visado, o que nunca sucedeu in casu e, mesmo que se considerasse o Despacho de prorrogação da medida por parte do JIC, que, esse sim, foi o único notificado ao visado, sempre se diria que os elementos deste constantes são manifestamente insuficientes para cumprir com a ratio do n.º 3 do artigo 49.° da Lei.
20. Dúvidas não restam, por isso, de que o vício de que padecem estes autos é o de nulidade dependente de arguição, nos termos da alínea d), n.º 2, do artigo 120.° do CPP, a qual expressamente se invoca e se solicita ao Tribunal ad quem que determine, ordenando que esta seja sanada pelas autoridades judiciárias titulares destes autos, através da notificação ao Recorrente da decisão fundamentada do JIC que determinou a SOB e, limitando-se esta a remeter para a promoção do MP, a notificação ao Recorrente dessa promoção.”
O Ministério Público apresentou a seguinte resposta:
“1 - Não merece qualquer reparo o douto despacho recorrido que julgou não verificada a nulidade invocada, porquanto a ausência de notificação da aplicação da SOB não se enquadra no âmbito da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do C.P.P.
2 - Estando o processo sujeito a segredo de justiça, tal implica a ausência de publicidade. De tal forma, a nosso ver, o despacho do Ministério Público que determinou a SOB não tem e não deve ser comunicado ao requerente.
3 - De todo o modo, ponderando a natureza, a gravidade e o modo de execução dos crimes indiciados, em particular, o de branqueamento, o acesso aos autos pelas pessoas abrangidas pela medida de suspensão, seria suscetível de pôr em risco a eficácia e rigor da investigação, razão pela qual se submeteu os autos a segredo de justiça.
4 - Assim, a notificação do despacho do Ministério Público que determina a aplicação da SOB ao próprio visado não se mostra compaginável em face da sujeição dos autos a segredo de justiça.”
*
O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo da decisão recorrida.
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
Fundamento do recurso: nulidade do art.º 120.º, n.º 2, al. d), do CPP (mal andou o Tribunal a quo quando entendeu que, para dar cumprimento ao perfilhado no n.º 3 do artigo 49.° da Lei, seria suficiente a mera notificação ao visado pela SOB do Despacho do JIC que remete para os fundamentos de facto e de direito constantes da promoção do MP, quando essa não se trata, sequer, da decisão que, originariamente, confirma a SOB; não deixa margem para dúvidas da insuficiência dos elementos informativos da SOB que foram parcamente comunicados ao Recorrente, este não pode deixar de autonomizar aquele que parece ser o busílis do incómodo do Tribunal a quo: A exigência de que lhe sejam comunicados os fundamentos que se encontram inerentes à medida de SOB vigente; ao operar desta forma as autoridades judiciárias impossibilitam totalmente o exercício dos direitos de defesa e contraditório do Recorrente, nos termos constitucionalmente previstos no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa ("CRP").
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III – Fundamentação
Apreciemos então.
Seguiremos de muito perto o acórdão por nós relatado em 06.10.2020, no processo n.º 261/20.9TELSB-A.L1-5, publicado em dgsi.pt.
Primeiro a lei.
Art.º 48.º, da Lei n.º 83/2017, de 18.08.: “ 1 - Nos quatro dias úteis seguintes à remessa da informação a que se refere o n.º 4 do artigo anterior, o DCIAP pode determinar a suspensão temporária da execução das operações relativamente às quais foi ou deva ser exercido o dever de abstenção, notificando para o efeito a entidade obrigada. 2 - Fora dos casos previstos no número anterior, a suspensão temporária pode ainda ser decretada nas seguintes situações: a) Quando as entidades obrigadas não tenham dado cumprimento ao dever de comunicação de operações suspeitas previsto no artigo 43.º ou às obrigações de abstenção ou de informação previstas no artigo anterior, sendo os mesmos devidos; b) Com base em outras informações que sejam do conhecimento próprio do DCIAP, no âmbito das competências que exerça em matéria de prevenção das atividades criminosas de que provenham fundos ou outros bens, do branqueamento de capitais ou do financiamento do terrorismo; c) Sob proposta da Unidade de Informação Financeira com base na análise de comunicações de operações suspeitas preexistentes. 3 - A decisão de suspensão temporária: a) Pode abranger operações presentes ou futuras, incluindo as relativas à mesma conta ou a outras contas ou relações de negócio identificadas a partir de comunicação de operação suspeita ou de outra informação adicional que seja do conhecimento próprio do DCIAP, independentemente da titularidade daquelas contas ou relações de negócio; b) Deve identificar os elementos que são objeto da medida, especificando as pessoas e entidades abrangidas e, consoante os casos, os seguintes elementos: i) O tipo de operações ou de transações ocasionais; ii) As contas ou as outras relações de negócio; iii) As faculdades específicas e os canais de distribuição.”
Art.º 49.º, do mesmo diploma legal: “1 - A decisão de suspensão temporária prevista no artigo anterior caduca se não for judicialmente confirmada, em sede de inquérito criminal, no prazo de dois dias úteis após a sua prolação. 2 - Compete ao juiz de instrução confirmar a suspensão temporária decretada por período não superior a três meses, renovável dentro do prazo do inquérito, bem como especificar os elementos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo anterior. 3 - Por solicitação do Ministério Público, a notificação das pessoas e entidades abrangidas, na decisão fundamentada do juiz de instrução que, pela primeira vez, confirme a suspensão temporária, pode ser diferida por um prazo máximo de 30 dias, caso entenda que tal notificação é suscetível de comprometer o resultado de diligências de investigação, a desenvolver no imediato. 4 - O disposto no número anterior não prejudica o direito de as pessoas e as entidades abrangidas pela decisão de, a todo o tempo e após serem notificadas da mesma ou das suas renovações, suscitarem a revisão e a alteração da medida, sendo as referidas notificações efetuadas para a morada da pessoa ou entidade indicada pela entidade obrigada, se outra não houver. 5 - Na vigência da medida de suspensão, as pessoas e entidades por ela abrangidas podem, através de requerimento fundamentado, solicitar autorização para realizarem uma operação pontual compreendida no âmbito da medida aplicada, a qual é decidida pelo juiz de instrução, ouvido o Ministério Público, e ponderados os interesses em causa. 6 - A solicitação do Ministério Público, o juiz de instrução pode determinar o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, caso se mostre indiciado que os mesmos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima. 7 - Em tudo o que não se encontre especificamente previsto no presente artigo, é subsidiariamente aplicável o disposto na legislação processual penal.
Por conseguinte, os despachos judiciais prolatados não determinaram a suspensão de movimentos a débito e a crédito nas contas bancárias da recorrente, tal ordem foi do Ministério Público. O tribunal a quo limitou-se a confirmar judicialmente tal ordem de suspensão e só tem que especificar o seguinte: Identificar os elementos que são objecto da medida, especificando as pessoas e entidades abrangidas e, consoante os casos, os seguintes elementos: i) O tipo de operações ou de transações ocasionais; ii) As contas ou as outras relações de negócio; iii) As faculdades específicas e os canais de distribuição.
E foi exactamente o que se fez no despacho de 10.05.2023, posteriormente renovado a 25.07.2023.
A lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, bem como, a Diretiva 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, que altera a Diretiva 2011/16/UE, no que respeita ao acesso às informações antibranqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais – art.º 1.º.
E, como refere o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, 07.05.2019, relator Vieira Lamim, dgsi.pt, “ a medida de suspensão temporária da execução de operações a débito das contas bancárias é uma medida de natureza preventiva e repressiva, nomeadamente de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita, o que só pode ser alcançado de forma eficaz com medidas próprias, como a decretada, de forma a evitar que o agente faça desaparecer os valores detectados, nomeadamente através de transferências internacionais facilmente exequíveis, em particular quando podem estar em causa agentes experientes em actividades económico-financeiras internacionais; (…) “Considerando a fase processual em que a medida é decretada, de recolha de prova, anterior à constituição de arguido e com uma exigência de indiciação inferior, não se reconhece a alegada violação do princípio da presunção de inocência (art. 32.º, nº 2, CRP), pois não existe sequer arguido constituído, em relação ao qual exista qualquer juízo de culpabilidade e as restrições aos direitos do visado estão justificadas pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade”.
Outra coisa não podiam fazer os juízes do tribunal a quo. O valor da Justiça, o combate e a perseguição aos movimentos financeiros de proveniência ilícita, designadamente transferências de dinheiro, impõem-se e sobrepõem-se aos eventuais prejuízos causados pela suspensão da movimentação de contas bancárias.
Esta ordem de suspensão é cautelar, tomada para evitar o descaminho de quantias financeiras envolvidas em movimentos financeiros suspeitos. A notificação ao titular das contas não pode exceder o peso e a medida certos de modo a não prejudicar o combate ao branqueamento de capitais e a realização da Justiça.
Acresce que a recorrente não tem quaisquer prejuízos. Porque, através de despacho judicial, ficou a saber quais e em que contas estão as movimentações bancárias aparentemente inconsistentes com a sua actividade conhecida ou declarada, podendo, se fosse caso disso, ir ao inquérito demonstrar a transparência e licitude dos movimentos suspeitos.
Em síntese, a fundamentação dos despachos é a adequada, proporcional e necessária à defesa da Justiça e do combate à criminalidade internacional económica e financeira. É uma medida cautelar que protege os fins da lei de combate ao branqueamento sem, contudo, deixar de transmitir à recorrente os motivos da confirmação judicial da ordem de suspensão (movimentações bancárias aparentemente inconsistentes com a sua actividade conhecida ou declarada).
Resulta claro do despacho de 10.05.2023 que o juiz do tribunal a quo não deixou de desempenhar o papel que é o seu, de garante dos direitos, liberdades e garantias.
Pronunciou-se quanto aos factos e ao direito e, ponderados os interesses a acautelar, não podia nunca descrever esmiuçadamente os factos suspeitos.
Não obstante, quando remete para e decisão do MP de ordenar a suspensão, o juiz a quo não está, propriamente, a aderir às teses de uma parte no processo. De facto, o Ministério Público, no processo penal, não é titular de interesses contrapostos aos do arguido. Cumprindo-lhe fazer valer o ius puniendi do Estado, há-de agir sempre com imparcialidade e objectividade, colaborando ‘com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito’ (cf. artigo 53.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Ou seja: há-de empenhar-se em que se faça justiça. Para isso, ele ‘goza de [. . .] de autonomia, nos termos da lei’ (cf. artigo 219.º, n.º 2, da Constituição), e os respectivos agentes são ‘magistrados’ (cf. o citado artigo 219.º, n.º 4). Esse dever de colaborar na efectiva realização da justiça levou, inclusive, o legislador a reconhecer-lhe legitimidade para recorrer ‘de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido’ (cf. artigo 401.º, n.º 1, do Código de Processo Penal): é que, a justiça reclama que se procurem punir os culpados, mas apenas os verdadeiros culpados. No processo penal, o Ministério Público é, assim, mais propriamente um órgão de justiça do que uma parte – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 396/2003, publicado em DR II Série, de 04.02.2004.
Aqui chegados, e tendo em conta que (i) os despachos em causa se limitam a confirmar judicialmente a ordem de suspensão do MP, (ii) a natureza preventiva e repressiva do combate ao branqueamento de capitais e (iii) a circunstância do juiz a quo ter integralmente cumprido o disposto na al. b), do n.º 3, do art.º 48.º, da Lei n.º 83/2017, de 18.08; não se vislumbra qualquer nulidade por insuficiência de inquérito ou por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, nem inconstitucionalidade por falta de fundamentação e/ou violação do contraditório.
Face ao exposto, decaem as invocadas nulidade (120.º, n.º 2, al. d), do CPP) e inconstitucionalidade (interpretação dos artigos 97.º, n.º 5, do CPP, em violação do art.º 205.º. n.º 1, e 32.º, n.º 5, estes últimos da Constituição da República Portuguesa).
Improcede, sem mais, o recurso.
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IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, declarando-o totalmente improcedente.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.

Lisboa, 23 de Abril de 2024
Paulo Barreto
Sandra Oliveira Pinto
João Ferreira