REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
CORREIO ELECTRÓNICO SIMPLES
CONVITE PARA APRESENTAR O ORIGINAL
ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 3/2024
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I – Ao requerimento de abertura da instrução apresentado por correio electrónico é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, regulado no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, o qual estabelece no seu artigo 4º, a obrigatoriedade de serem remetidas, no prazo de 10 dias (nos termos do disposto no art. 6º número 1, al. b), do Decreto-lei número 329-A/95, de 12 Dezembro), ou entregues na secretaria, os originais das peças processuais.
II - Em recentíssimo acórdão em recurso para fixação de jurisprudência n.º 3/2024, datado de 13.03.2024, o Supremo Tribunal de Justiça veio fixar a seguinte jurisprudência: “ Quando, em face de apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução remetido por correio electrónico simples, desprovido de assinatura electrónica avançada e sem validação cronológica, não se seguir o envio do seu original, no prazo de 10 dias, conforme o disposto nos artigos 3.º, n.º 1 a 3 e 10.º, da Portaria 642/2004, de 16 de Junho, 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Fevereiro e 287.º, n.º 3, do CPP, deve o tribunal notificar o arguido para, no prazo que lhe for fixado, apresentar o documento em falta.”.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
No Juiz 2 do Juízo de Instrução Criminal de Loures, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foi proferido o seguinte despacho:
Requerimento de abertura de instrução de fls. 240 e segs.:
Os arguidos AA e BB vieram requerer a abertura de instrução, em reacção a acusação contra si deduzida pela assistente, por requerimento enviado ao tribunal por correio electrónico, sem que tenham apresentado original em papel.
Não é possível encontrar no Código de Processo Penal norma que discipline o modo como os actos processuais escritos, praticados pelos sujeitos processuais, podem ser remetidos a juízo e que determine a data em que se tem o acto por praticado, consoante a forma de envio.
Face à existência de divergências jurisprudenciais sobre a questão, veio o Supremo Tribunal de Justiça através do Assento número 2/2000, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 7-02-2000, a fixar jurisprudência pela forma seguinte: “O número 1 do artigo 150.º do Código de Processo Civil é aplicável em processo penal, por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal”.
Perante as numerosas alterações legislativas que se vieram a verificar, que alimentaram novas divergências jurisprudenciais sobre a questão, veio o mesmo Supremo Tribunal de Justiça através do Acórdão número 3/2014, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 15-04-2014 fixar jurisprudência nos seguintes termos: “Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, número 1, alínea d), e número 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto--Lei número 324/2003, de 27.12, e na Portaria número 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.”.
Jurisprudência esta que mantém, ainda, actualidade. Com efeito, e como foi referido pelo mesmo alto tribunal, “A jurisprudência fixada no AFJ 3/2014, de 06-03-2014, mantém plena actualidade, na medida em que a Portaria 280/2013, de 26-08, continua a ter um âmbito de aplicação restrito às acções referidas no seu artigo 2.º, ficando desta forma excluídos de tal regulamentação, os processos de natureza penal, mantendo-se assim plenamente válidos os fundamentos invocados para fundamentar o referido acórdão de fixação de jurisprudência.” – acórdão de 24-1-2018, proc. número 5007/14.8TDLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
A remessa a juízo de peças processuais em sede de processo penal através de correio electrónico tem-se assim por admissível – artigo 3º da Portaria número 642/2004, de 16 de Junho, ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal.
Porém, a comunicação deve assegurar (número 2 do referido artigo 3º):
a) O não repúdio e a integridade dos seguintes elementos da mensagem, garantidos pela aposição de assinatura electrónica por terceira entidade idónea ao conjunto formado pela mensagem original e pela validação cronológica do acto de expedição:
i) A data e hora de expedição;
ii) O remetente;
iii) O destinatário;
iv) O assunto;
v) O corpo da mensagem;
vi) Os ficheiros anexos, quando existam;
b) A entrega ao remetente de cópia da mensagem original e validação cronológica do respectivo acto de expedição, cópia essa que é assinada electronicamente por terceira entidade idónea;
c) A entrega ao remetente de uma mensagem assinada electronicamente pela terceira entidade idónea, nos casos em que não seja possível a recepção, informando da impossibilidade de entrega da mensagem original no endereço do correio electrónico do destinatário, no prazo máximo de cinco dias após a validação cronológica da respectiva expedição;
d) A verificação, por qualquer entidade a quem o remetente ou o destinatário facultem o acesso, da validação de todos os elementos referidos na alínea a).
Ainda, de acordo com o número 3 do referido artigo 3º, a expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei número 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei número 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.
Caso tal não suceda, nos termos do artigo 10º da mesma Portaria número 642/2004, de 16 de Junho, à apresentação de peças processuais por correio electrónico é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia. Regime que se encontra regulado no Decreto-lei número 28/92, de 27 de Fevereiro, o qual estabelece no seu artigo 4º, a obrigatoriedade de serem remetidas, no prazo de 10 dias (nos termos do disposto no art. 6º número 1, al. b), do Decreto-lei número 329-A/95, de 12 Dezembro), ou entregues na secretaria, os originais das peças processuais.
No caso dos autos, o requerimento de abertura de instrução foi remetido a tribunal por meio de correio electrónico simples, sem validação cronológica nem validação externa por entidade terceira. Impunha-se assim aos arguidos a apresentação, no prazo de 10 dias, dos originais em papel das peças processuais enviadas, o que não aconteceu.
E não há lugar a convite para apresentação de tal documentação.
Com efeito, e como decidiu recentemente o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 8-2-2022, proc. número 157/19.7T9RMZ-A.E1, in www.dgsi.pt, com o que se concorda inteiramente, “Ora, quando o nº 5 prevê a notificação para exibição dos originais está a referir-se apenas aos casos do nº 4 (“originais de quaisquer outras peças ou documentos”) e não também aos casos do nº 3 (“originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados”).
Não faz sentido que seja de outra forma: quanto aos articulados (em sentido amplo, abrangendo, portanto, o r.a.i.), documentos autênticos ou autenticados, a “parte” tem que juntar os originais no prazo de 10 dias; quanto a outras peças processuais (que não sejam articulados) ou outros documentos (que não autênticos ou autenticados) a “parte” deve conservar os originais, devendo apresentá-los se para isso for notificada.
Não há aqui qualquer convite ou alerta para a prática de um acto que deveria ter sido praticado anteriormente. O que há é uma notificação para exibição dos originais relativamente a peças processuais e/ou documentos que a “parte” não tinha a obrigação de juntar antes, mas apenas de os conservar.
Para os casos, como o dos autos, em que não se trata de conservar os originais mas sim de os juntar no prazo de 10 dias, não há lugar a qualquer notificação para a prática do acto que deveria ter sido praticado anteriormente (junção dos originais), precisamente porque há a obrigação de os juntar no prazo de 10 dias.
Se a “parte” não juntar os originais nos termos do referido nº 3, fica precludido o direito que se pretendia fazer valer e que neste caso é a abertura da instrução.
É assim que acontece sempre que é estabelecido um prazo para a prática de um acto, excepto quando a lei prevê expressamente que haja lugar a qualquer notificação que permita ainda a prática do acto para além do prazo legalmente previsto, o que, como já se viu, não é o caso.”
Assinale-se que o aresto indicado, no qual este tribunal inteiramente se revê, se mostra também ele concordante com corrente entendimento jurisprudencial anterior, como nele se assinala:
“Assim se decidiu nos acórdãos referidos pelo Ministério Público na resposta ao recurso (acs. Da rel. de Coimbra de 13/5/2020, da rel. de Lisboa de 13/12/2016 e da rel. de Évora de 13/4/2021), a que se acrescenta o recente acórdão desta relação de 30/11/2021, sumariado como a seguir se indica, e que no seu texto afasta também qualquer possibilidade de “convite”:
“1 - Ao requerimento de abertura de instrução enviado através de correio eletrónico com o recurso ao servidor de correio eletrónico da Ordem dos Advogados, não constando assinatura eletrónica certificada nem a aposição de selo temporal por entidade terceira idónea, aplica-se o artigo 10º da Portaria número 642/2004, de 16 de Junho, do qual resulta que à apresentação de peças processuais por correio electrónico é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia.
2 - Este último regime encontra-se regulado no DL número 28/92, de 27 de Fevereiro, o qual estabelece no seu artigo 4º, a obrigatoriedade de serem remetidas, no prazo de 10 dias, (artigo 6.º, número 1, al. b), do DL número 329-A/95, de 12-12), ou entregues na secretaria, os originais das peças processuais.”.
Mais recentemente, o Tribunal da Relação de Lisboa reafirmou tal entendimento – ac. de 06-06-2023, proc. número 504/21.1PBBRR-A.L1-5, decidido por unanimidade e relatado por Carla Francisco, in www.dgsi.pt, onde se pode ler:
“1.– Deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal da instrução, o requerimento de abertura de instrução apresentado através de correio electrónico, com o recurso ao servidor da Ordem dos Advogados, sem que do mesmo conste a assinatura electrónica avançada do seu mandatário, nem a aposição de selo temporal por entidade idónea terceira e sem que o original do requerimento de abertura de instrução tenha sido remetido ao Tribunal no prazo de dez dias.
2.– Não há lugar à notificação do apresentante do RAI para apresentar o respetivo original, passado o prazo de 10 dias de que o mesmo dispunha para o efeito.
3.– Os originais dos articulados, conceito que abrange o requerimento de abertura de instrução, têm necessariamente que ser enviados no prazo de 10 dias subsequente ao seu envio por telecópia ou electrónico.
4.– Este é um prazo peremptório que tem que ser respeitado, sob pena de esvaziamento do mesmo, com prejuízo para a certeza e seguranças jurídicas.
5.– Não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura da instrução.”
Com o que se concorda.
Termos em que, face ao exposto, não se admite o requerimento de abertura de instrução de fls. 241 e segs., por inadmissibilidade legal, ao abrigo do disposto no artigo 287º, número 3 do Código de Processo Penal.
Notifique.
Oportunamente, remeta os autos para julgamento.”
*
Inconformados, os arguidos AA e BB interpuseram recurso, concluindo do seguinte modo:
“1. Este recurso é interposto do despacho correspondente a Decisão Instrutória prolatado em 13.12.2023 que decretou a rejeição de Requerimento de Abertura de Instrução (RAI) oportunamente apresentado nos autos mediante envio por correio electrónico através do servidor da Ordem dos Advogados (via e-mail profissional da Mandatária do arguido ora Recorrente), por ter o Douto Tribunal a quo entendido não validar o articulado ao considerar que o mesmo não apresentava assinatura electrónica avançada nem aposição de selo temporal por entidade terceira idónea, ficando sujeita a sua apresentação a juízo o regime da telecópia (Decreto Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro), sufragando tal tese jurídica com base no entendimento plasmado no Acórdão proferido a 13.04.2021, do Tribunal da Relação de Évora, relatado pela Desembargadora Maria Fernanda Palma, no processo n.º 914/18.1T9ABF-B.E1, aliás minoritário.
2. São explícitas e taxativas as razões que podem fundamentar a rejeição do RAI, nos termos do vertido no artigo 287° do CPP, designadamente, pode este ser rejeitado: a) se for extemporâneo; b) se o tribunal for incompetente e c) se ocorrer inadmissibilidade legal da ocorrência da instrução - e no caso vertente, ao invés do considerado pelo Tribunal a quo, nenhuma destas situações se verifica.
3. Não se pode concluir, como o fez precipitadamente o Tribunal a quo pela rejeição liminar do Requerimento de Abertura da Instrução sem, ao menos, considerar um prévio convite à junção, no prazo de dez dias, do original da peça processual remetida através de correio electrónico tempestivamente e assegurando os mais básicos e constitucionais direitos ao exercício da justiça, tal constituindo uma desproporcional cominação em claro e ostensivo prejuízo do legítimo Direito de Defesa dos arguidos Recorrentes;
4. Ora, desde logo, o requerimento para Abertura de Instrução mostra-se apresentado tempestivamente, dentro do prazo legal de 20 dias a contar da data de notificação da Acusação aos arguidos, que inconformados com a mesma optaram por requerer essa mesma instrução;
5. Muito embora o Tribunal a quo entenda ter sido remetido um e-mail inválido mediante uso do Servidor da Ordem dos Advogados, afirmando não existir assinatura electrónica avançada, nem certificação cronológica por terceira entidade idónea, a verdade é que, no caso vertente, a assinatura digital aposta no documento/peça processual pela Mandatária do Recorrente socorreu-se do Certificado Digital da OA tecnicamente elaborado pela empresa credenciada para tanto, a Multicert, entidade terceira que garante a qualidade, data e hora do envio do signatário;
6. Donde, não nos parece estarmos perante uma peça totalmente desprovida das características formais exigíveis para a prática de envio de peça processual por meios electrónicos de forma plenamente válida;
7. Está demonstrada a identidade da emissora (Mandatária dos arguidos Recorrentes) pois só um advogado ou advogado estagiário com inscrição em vigor poderia aceder a email oficial da Ordem dos Advogados, contendo na composição a cédula profissional da Mandatária que a identifica perante o sistema judicial, está demonstrada cronologicamente a assinatura aposta no documento bem como do email consta a data e hora de remessa (permitindo aferir da tempestividade do mesmo) sendo que a entidade receptora teve acesso a uma mensagem e respectivo anexo de forma receptícia (pois que não poderia rejeitar o que não houvesse recebido jamais) podendo atestar no servidor do Tribunal a cronologia da entrada do email em tal servidor;
8. Todavia, sem conceder, e ainda que se pretenda equiparar o envio do Requerimento para Abertura de Instrução in casu ao envio de uma telecópia, a nosso ver, desprestigiando o email oficial e profissional proporcionado pela Ordem dos Advogados aos seus associados em exercício pleno da profissão de Advogado e retirando valor legal e formal a tal ferramenta de trabalho essencial na prática forense, sempre teria de se admitir a necessidade de um prévio convite à regularização e validação da peça sendo para tanto fixado um prazo de dez dias para a remessa ao Tribunal do respectivo original, o que não sucedeu.
9. A omissão do convite ao envio do original da peça processual e a sua consequente e imediata rejeição liminar, solução radical e injusta constitui clamorosa violação do Direito do Arguido ao Acesso ao Direito e aos Tribunais, ofendendo o disposto no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa;
10. Ademais, a solução propalada pelo despacho recorrido de rejeição liminar do Requerimento para abertura de instrução sem precedência de convite ao envio do original do articulado em causa corresponde a uma nítida e injustificada desproporcionalidade decisória que atenta contra o legítimo direito de defesa do arguido aqui Recorrente, vai neste sentido o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora de 24 de Maio de 2022, onde foi Relatora a Veneranda Desembargadora Fátima Bernardes, no Processo n.º 975/17.0T9EVR-A.E1, e pelo Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Abril de 2023, em que é Relator o Senhor Desembargador Antero Luís, no Processo 564/21.5GCMTJ.L1.
11. Assim, deve o despacho recorrido ser revogado, sendo substituído por outro que admita o requerimento de abertura de instrução já tempestivamente apresentado nos autos ou, em alternativa, sendo substituído por despacho que convide o Recorrente a, em prazo afixar, apresentar nos autos o original em papel do Requerimento de Abertura da Instrução que ab initio fora rejeitado liminarmente pelo Tribunal a quo.”
O Ministério Público apresentou resposta, oferecendo as seguintes conclusões:
“1. A Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, apenas foi revogada para as acções declarativas cíveis, providências cautelares e notificações judiciais avulsas, com excepção dos pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal e às acções executivas cíveis, com excepção da apresentação do requerimento executivo (artigo VI da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro), permanecendo aplicável no que respeita ao envio de peças processuais em processo penal.
2. Do exposto, decorre que, podendo ser remetidas peças processuais de processo penal através de correio electrónico, tal envio tem de respeitar as regras constantes na referida portaria.
3. Estabelece o artigo 3.°, n.º 1 da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho que "o envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99 de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada" e, além do mais, nos termos do n.º 3 do referido artigo, "a expedição da mensagem de correio electrónico dever ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea".
4. Nos termos do artigo 10° da citada portaria: "A apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia."
5. Significa-se com isto que os actos processuais praticados por correio electrónico que não cumpram os requisitos mencionados são tratados com o mesmo valor jurídico atribuído aos praticados por telecópia. Daqui decorre que incumbe ao sujeito processual remeter aos autos os originais desses requerimentos no prazo de 10 dias a contar daquele envio (cfr. artigo 4°, nº 3 do D. Lei 28/92).
6. Não há lugar a convite para a apresentação de tal documentação, conforme recentemente decidiu o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão proferido em 08.02.2022, Processo n.º 157/19.7T9RMZ-A.E1, in www.dgsi.pt.com o qual se concorda inteiramente.
7. E, ainda mais recentemente e no mesmo sentido, o Tribunal da Relação de Lisboa reiterou tal entendimento, conforme acórdão proferido em 06.06.2023, Processo n.º 504/21.1 PBBRR-A.L1-5, decidido por unanimidade e que igualmente concluiu, após apreciar a mesma temática, que: "(. . .) 5. Não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução.”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, nº 2, do CPP.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
O recurso tem os seguintes fundamentos: Deve o despacho recorrido ser revogado, sendo substituído por outro que admita o requerimento de abertura de instrução já tempestivamente apresentado nos autos ou, em alternativa, sendo substituído por despacho que convide o Recorrente a, em prazo afixar, apresentar nos autos o original em papel do Requerimento de Abertura da Instrução que ab initio fora rejeitado liminarmente pelo Tribunal a quo.
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III – Fundamentação
Diga-se, desde logo, que se concorda com o tribunal a quo quando refere que “no caso dos autos, o requerimento de abertura de instrução foi remetido a tribunal por meio de correio electrónico simples, sem validação cronológica nem validação externa por entidade terceira”.
Manifestamente não está cumprido o disposto nos vários números do artigo 3º da Portaria número 642/2004, de 16 de Junho, ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal. Como também não existe a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea – cfr. alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei número 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei número 62/2003, de 3 de Abril.
Assim, sendo o requerimento de abertura da instrução apresentado por correio electrónico, é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, regulado no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, o qual estabelece no seu artigo 4º, a obrigatoriedade de serem remetidas, no prazo de 10 dias (nos termos do disposto no art. 6º número 1, al. b), do Decreto-lei número 329-A/95, de 12 Dezembro), ou entregues na secretaria, os originais das peças processuais.
A questão que ora se coloca é se há ou não lugar a convite para apresentação do original do requerimento de abertura da instrução.
Já vimos que o tribunal a quo entende que não e os recorrentes que sim.
Tem sido considerável a divergência jurisprudencial sobre este assunto, com oposição de julgados, embora se admita que a posição maioritária seja no sentido da constante do despacho recorrido.
Todavia, em recentíssimo acórdão em recurso para fixação de jurisprudência n.º 3/2024, datado de 13.03.2024, o Supremo Tribunal de Justiça veio fixar a seguinte jurisprudência:
Quando, em face de apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução remetido por correio electrónico simples, desprovido de assinatura electrónica avançada e sem validação cronológica, não se seguir o envio do seu original, no prazo de 10 dias, conforme o disposto nos artigos 3.º, n.º 1 a 3 e 10.º, da Portaria 642/2004, de 16 de Junho, 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Fevereiro e 287.º, n.º 3, do CPP, deve o tribunal notificar o arguido para, no prazo que lhe for fixado, apresentar o documento em falta.”.
Com o seguinte fundamento:
“Assim, em face do exposto, e na esteira das doutas alegações apresentadas pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto, a rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução apresentado, por correio simples, pelo arguido, conducente à perda do direito de dar início a essa fase processual, por mero incumprimento de uma formalidade secundária, é manifestamente desproporcional e impede que o processo seja efetivamente equitativo e ajustado à garantia da tutela jurisdicional efetiva, sendo, em consequência, desconforme ao exigido pelo princípio ínsito no art.º 20.º, n.º 4, da CRP, bem como no art.º 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e no art.º 47.º, da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. Para que o procedimento seja efetivamente equitativo e ajustado à garantia da tutela jurisdicional efetiva, afigurando-se necessária a junção de original do documento remetido pela parte por correio electrónico, a preclusão só poderá operar se a parte não corresponder, no prazo estipulado, ao convite formulado pelo Tribunal para apresentar o original do documento que enviou por correio electrónico, tal como resulta do quadro legal decorrente dos artigos 3.º, n.º 1 a 3 e 10.º da Portaria 642/2004, de 16 de Junho, 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Fevereiro e 287.º, n.º 3, do CPP.”
Não se vislumbra qualquer fundamento para nos afastarmos desta jurisprudência, quer por ser muito recente e, deste modo, representar o actualíssimo posicionamento do STJ sobre a matéria, mas, também, porque, como refere SIMAS SANTOS, Manuel José Carrilho de, Coerência na Aplicação das Penas, Política Criminal e Ministério Público 2012, Universidade do Minho, Escola de Direito, disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/24039/1/Manuel%20Jos%C3%A9%20Carrilho%20de%20Simas%20Santos.pdf, pp. 16-19: “O órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional, como diz o art. 214.º da Constituição, o que se deve reflectir na forma como o STJ exerce essas mesmas funções, pois que condicionam, ou devem condicionar, esse mesmo exercício; (...) O STJ foi concebido como regulador e uniformizador da jurisprudência nacional; na hierarquia judiciária não há poder de direcção por parte dos juízes dos tribunais superiores, como não há dever de obediência do lado dos juízes dos tribunais inferiores, visto que para todos eles vale indistintamente o princípio basilar da independência, (...) o que não impede a acção uniformizadora do STJ; e são essas funções de regulador e uniformizador da jurisprudência nacional que vem mantendo, cabendo-lhe essencialmente a função de tribunal de revista; (...) é, pois, o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, isto é, um tribunal cuja função própria e normal é restabelecer o império da lei, corrigindo os erros de interpretação e aplicação das normas jurídicas cometidos pela relação ou pelo tribunal da 1ª instância, contribuindo para a uniformização da jurisprudência; (...) acompanha, assim, o nosso Supremo Tribunal de Justiça o ensinamento do direito comparado de, em primeiro lugar, velar pela boa aplicação das regras jurídicas pelas jurisdições inferiores e, por essa forma, assegurar ao direito unidade, clareza e certeza; (...) sendo o mais alto grau da hierarquia judicial e tribunal único, é de esperar que no futuro os seus acórdãos e a jurisprudência que estabeleçam venha a ser adoptada em casos semelhantes, o que torna natural que as instâncias se inspirem na interpretação e aplicação dos textos legais que o STJ for fazendo”.
E ainda BARREIROS, José António, Coerência na aplicação das penas, 03.06.2009, disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2009/06/dtopenalprocesso_jabarreiros.pdf, p. 13: “O Supremo Tribunal de Justiça, e seus «sobrejuízes» - assim se designavam no século XIII – como guardiões últimos da legalidade, devem, primeiro, e podem, enfim, ter algum papel ordenador e uniformizador”.
Face ao exposto e tendo em conta a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, acorda-se em julgar procedente o recurso e, em sequência, em revogar o despacho recorrido e determinar que se profira novo despacho a convidar os recorrentes a apresentar, em 10 dias, o original do requerimento de abertura da instrução.
*
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso e, em sequência, em revogar o despacho recorrido e determinar que se profira novo despacho a convidar os recorrentes a apresentar, em 10 dias, o original do requerimento de abertura da instrução.
Sem custas.
Lisboa, 23 de Abril de 2024
Paulo Barreto
Carlos Espírito Santo
Carla Francisco, com a seguinte declaração:
“A signatária subscreveu, na qualidade de relatora, o acórdão proferido a 6/06/2023, no âmbito do Processo nº 504/21.1PBBRR-A.L1, deste Tribunal e Secção, onde se decidiu o seguinte:
“1. Deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal da instrução, o requerimento de abertura de instrução apresentado através de correio electrónico, com o recurso ao servidor da Ordem dos Advogados, sem que do mesmo conste a assinatura electrónica avançada do seu mandatário, nem a aposição de selo temporal por entidade idónea terceira e sem que o original do requerimento de abertura de instrução tenha sido remetido ao Tribunal no prazo de dez dias.
2. Não há lugar à notificação do apresentante do RAI para apresentar o respetivo original, passado o prazo de 10 dias de que o mesmo dispunha para o efeito.
3. Os originais dos articulados, conceito que abrange o requerimento de abertura de instrução, têm necessariamente que ser enviados no prazo de 10 dias subsequente ao seu envio por telecópia ou electrónico.
4. Este é um prazo peremptório que tem que ser respeitado, sob pena de esvaziamento do mesmo, com prejuízo para a certeza e seguranças jurídicas.
5. Não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura da instrução.”
Sucede que, posteriormente, no dia 13/03/2024, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu, no âmbito do Proc. nº 707/19.9PBFAR-F.E1-A.S1, acórdão de fixação de jurisprudência, nos seguintes termos:
“Quando, em face de apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução remetido por correio electrónico simples, desprovido de assinatura electrónica avançada e sem validação cronológica, não se seguir o envio do seu original, no prazo de 10 dias, conforme o disposto nos artigos 3.º, n.º 1 a 3 e 10.º, da Portaria 642/2004, de 16 de Junho, 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Fevereiro e 287.º, n.º 3, do CPP, deve o tribunal notificar o arguido para, no prazo que lhe for fixado, apresentar o documento em falta.” (sublinhados nossos)
Constata-se, assim, que o STJ, neste acórdão de 13/03/2024, fixou jurisprudência em sentido discordante daquele que foi o nosso entendimento, plasmado no acórdão datado de 6/06/2023, proferido no Proc. nº 504/21.1PBBRR-A.L1, deste Tribunal e Secção.
No entanto, uma vez que não se vislumbra a existência de qualquer argumento novo e ponderoso que volte a tornar a questão controvertida e que justifique o reexame da jurisprudência fixada, é em conformidade com o decidido no citado acórdão de fixação de jurisprudência que subscrevemos, na qualidade de 2ª adjunta, o presente acórdão o qual, acolhe, como se impõe, a doutrina fixada no acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ, e decide em conformidade com o mesmo, ultrapassando a divergência jurisprudencial existente à data da prolação do nosso acórdão de 6/06/2023, proferido no Proc. n.º 504/21.1PBBRR-A.L1, deste Tribunal e Secção.
É o que nos cumpre declarar.”