REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
CONTRADITÓRIO
NULIDADE SANÁVEL
ARGUIDO RESIDENTE NO ESTRANGEIRO
REGIME DE PROVA
Sumário

(da responsabilidade da relatora):
I- A revogação da suspensão provisória do processo tem que constar de despacho fundamentado e após ser dada a oportunidade ao arguido de se pronunciar (ao abrigo do disposto no art. 61º, nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Penal), o que se basta com a notificação ao arguido e ao advogado que o defende para o efeito, não sendo necessária uma audição presencial.
II- A falta dessa diligência não constitui a nulidade insanável prevista no art. 119º, alínea c) do Cód. Proc. Penal, mas a nulidade prevista no art. 120º, nº 2, alínea d) do Cód. Proc. Penal, que tem que ser foi invocada no prazo previsto na alínea c) do nº 3 do art. 120º do Cód. Proc. Penal.
III- O facto de um condenado se encontrar a residir no estrangeiro não impede a aplicação de uma suspensão da execução da pena sujeita a regime de prova.

Texto Integral

Acordam, após Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,

Relatório
No âmbito do processo comum (Tribunal Singular) com o nº 81/20.0PAOER que corre termos no Juiz 2 do Juízo Local Criminal de Oeiras, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi o arguido
AA, solteiro, …, nascido a ........1994 na freguesia de ..., filho de BB e de CC, residente na ...foi
condenado, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. p. pelo art. 25º, alínea a), do D.L.15/93, de 22.01, na pena de 2 (dois) anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, com sujeição a regime de prova.
*
Sem se conformar com a decisão, o arguido interpôs recurso pedindo:
- a substituição da sentença recorrida por outra em que se reconheça a nulidade insanável do art. 119º alínea c) do Cód. Proc. Penal (do Despacho de revogação da suspensão provisória do processo) anulando-se em consequência todos os actos subsequentes;
- subsidiariamente, que se reconheça a violação do disposto no art. 51º nº 2 do Cód. Penal, sendo dispensado do regime de prova por se encontrar a residir na ....
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
a) O Recorrente não põe em crise a qualificação jurídico-penal adoptada pelo Tribunal recorrido, no entanto considera que:
a) Deveria ter sido declarada a nulidade insanável levantada (violação do artigo 119.º alínea c) do Código de Processo Penal);
E
b) Impossibilidade de regime de prova atendendo ao facto de o Recorrente se encontrara a residir na ....
b) Conforme Douta Sentença:
“(…)
Da análise dos presentes autos, afere-se que por despacho de 3.4.2021, o Ministério Público determinou a suspensão provisória do processo, pelo período de 6 (seis) meses, com as seguintes injunções:
1 - Cumprir 60 (sessenta) horas de serviço de interesse público em termos a definir e a acompanhar pela DGRSP;
2 - Submissão a consulta e eventual tratamento à toxicodependência no ... da área de residência, em termos a definir e a acompanhar pela DGRSP.
O arguido e a sua defensora foram notificados do teor do referido despacho a 04-05- 2021, tendo a suspensão do processo iniciado a 17-05-2021 sendo que o seu término ocorreria a 17-11-2021.
Não obstante, certo é que consta dos autos informação junta pela DGRSP na qual é relatado o incumprimento da injunção por banda do arguido.
Face a tal, a 05/01/2022, o arguido, e bem assim a sua Defensora Oficiosa, foram notificados para, em 10 dias, informar se concordam com a prorrogação do prazo da suspensão provisória do processo, pelo período de 6 meses.
Não obstante o teor da referida notificação, o arguido nada disse ou requereu.
A 23-02-2022 foi o arguido contactado, via telefone, a fim de que se pronunciar sobre eventual prorrogação do prazo da suspensão provisória do processo, pelo período de 6 meses – cfr. cota 24/02/2022.
À referida notificação, o arguido respondeu no dia 04/03/2022 informando que concordava com uma prorrogação do prazo da suspensão.
Face à informação remetida aos autos pela DGRSP que informa do incumprimento do arguido (ofício de 1.4.2022), foi o arguido, e bem assim a sua Defensora Oficiosa, notificados para, no prazo de 10 dias, vir aos presentes autos, informar sobre o cumprimento da injunção de prestar 60 (sessenta) horas de trabalho a favor da comunidade, mormente os motivos de ter interrompido a prestação de trabalho na ..., não mais ter respondido às convocatórias remetidas pela DGRSP, nem ter contactado aquela entidade DGRSP, inviabilizando a prestação integral do trabalho a favor da comunidade – cfr. despacho de 05-04-2022 e expediente 07-04-2022 e 09-04-2022.
O arguido nada disse.
Novamente, foi determinado que, via telefone, se insistisse com o arguido para prestar a informação supra referida, tendo-se confirmado que o arguido residia na morada do TIR, cfr. termo de 02-06-2022.
Pese embora os incumprimentos que o arguido vinha revelando, foi determinada a prorrogação da suspensão provisória do processo, pelo período de 6 meses (despacho de 22-06-2022), com início a 11-07-2022 e fim a 11-01-2023, tendo o referido despacho sido notificado ao arguido e Il. defensora.
Da informação prestada, a 13/12/2022, pela DGRSP resulta que, não obstante o início da prorrogação do prazo da suspensão provisória se verificar a 11-07-2022, só “após deslocação domiciliária no passado dia 10 de novembro 2022, o arguido entrou em contacto com esta equipa, tendo comunicado que se encontra há cerca de dois meses a viver na ...”
Face ao teor da referida informação, foi determinada a revogação da suspensão provisória do processo e foi proferida acusação em processo comum contra o arguido.
(…)
Conforme resulta do excerto da norma do transcrito art.º 119.º do Cód. Proc. Penal, as nulidades insanáveis devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do processo, até ao trânsito em julgado da sentença da decisão final, não sendo inconstitucional a preclusão do direito de arguir uma nulidade insanável com o trânsito em julgado da decisão final, se o arguido teve plena oportunidade processual de a arguir, na sequência de notificação pessoal dessa decisão, que não foi impugnada.
Com efeito, o trânsito em julgado da decisão final sana todas as nulidades do processo e da sentença, ressalvado o regime da revisão de sentença (Ac. do Tribunal Constitucional n.º 146/2001) - neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem 3.ª edição actualizada, pág. 303.
Ora, se é certo que resulta dos autos que não foi determinada a audição do arguido, podendo estar-se (em tese) perante a nulidade insanável a que alude o art. 119º, al. c) do Cód. Processo Penal, na sequência das considerações jurídicas expendidas supra, entendemos que a mesma já não pode ser declarada, considerando que a decisão que revogou a suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado, já há muito transitou em julgado.
(…)
Resulta assim inquestionável que o arguido foi pessoalmente notificado da decisão que revogou a suspensão da pena de prisão em que foi condenado e que determinou o prosseguimento dos autos, com dedução de acusação pública. Resulta ainda que, o arguido não recorreu da mesma, nem opôs à mesma qualquer nulidade no momento processual adequado, antes se mantendo inerte e com a mesma se conformando. Dúvidas não restam assim que a decisão agora colocada em crise já há muito transitou em julgado.
O trânsito em julgado da aludida decisão sanou quaisquer nulidades ocorridas em momento anterior, o que impede que, nesta fase processual se aprecie e declare quaisquer nulidades processuais anteriores.
Face ao exposto e ao abrigo das citadas disposições legais, indefere-se o requerido. Notifique.
(…)”
c) Em 20/06/2022, por Douto Despacho veio a suspensão provisória do processo prorrogada pelo período de seis meses, e advertido o Recorrente de que, nesse prazo, deverá cumprir a injunção imposta, sob pena de, não o fazendo, ser deduzida acusação.
d) Em 13/12/2022, veio a DGRSP informar os autos que o Recorrente tinha entrado em contacto com a equipa da DGRSP, tendo este comunicado que se encontrava há cerca de dois meses a viver na ....
e) No seguimento dessa informação veio, a 04/01/2023, a ser proferida decisão que procedeu à revogação da suspensão provisória do processo, bem como foi deduzida acusação.
f) A 10/01/2023 veio o Recorrente através de email, informar que se encontrava na ... e requerendo a substituição do trabalho comunitário pelo pagamento de uma quantia/multa.
g) Realça-se que, o que o Recorrente coloca em causa é a falta de notificação para exercício do contraditório no concreto ponto da revogação da suspensão provisoria do processo.
h) É que, salvo o devido respeito, não constam das notificações remetidas ao Recorrente qualquer alusão a uma audição presencial do Recorrente, nem tão pouco o agendamento de data para a audição do Recorrente, nem tão pouco qualquer alusão ao exercício do contraditório por parte do Recorrente sobre a intenção de lhe ser revogada a suspensão provisória do processo.
i) O Tribunal não notificou o Recorrente nos termos do disposto no artigo 495.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
j) A revogação da suspensão da execução da pena de prisão não é automática, como resulta claramente do texto da lei, impondo-se, além do mais, a prévia audição do arguido - artigo 495º n.º 2 do CPP.
k) A falta de audição do arguido constitui nulidade insanável prevista no artigo 119º al. c) do CPP.
l) A observância do princípio do contraditório, estabelecido no artigo 32º n.º 5 da CRP, consubstancia-se no "direito/dever do juiz ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elemento de prova e argumento jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos susceptíveis de afectarem, a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica - Acórdão Relação de Coimbra de 05.11.2008 in www.dgsi.pt.
m) O artigo 119º, al. c) do Código de Processo Penal comina com nulidade insanável “a ausência do arguido e do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência
n) O Douto Despacho de revogação da suspensão provisória do processo é, por imperativo legal explícito, obrigatoriamente precedida de audição do arguido – o tribunal decide, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado.
o) Decorre do artigo 495º, nº 2 do Código de Processo Penal que o juiz, antes de proferir despacho a revogar a suspensão da execução pena de prisão deve ouvir presencialmente o arguido. Este preceito legal aplica-se à revogação da suspensão provisória do processo.
p) Assim, uma decisão de revogação da suspensão da execução da pena ou da suspensão provisória do processo pressupõe a prévia audição presencial do arguido; e a ausência do arguido ou do seu defensor nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência constitui nulidade insanável
q) No caso em apreço, o tribunal recorrido, previamente à prolação da decisão de revogação da suspensão provisória do processo, não procedeu à audição presencial do Recorrente.
r) A violação de tal imposição legal traduzir-se-á na verificação da nulidade insanável constante do artigo 119º, c) do CPP, por «ausência do arguido (…) nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência».
s) A não audição do arguido neste momento processual afecta gravemente os direitos de defesa do arguido e a dimensão constitucional do princípio do contraditório (art. 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa).
t) Ora, o Douto Tribunal cometeu grave erro ao proferir Despacho de revogação de suspensão sem previamente ouvir o Arguido.
u) A verdade é que a revogação da suspensão foi determinada sem que o Arguido tenha sido ouvido presencialmente pelo Tribunal pelo Douto Tribunal, aliás nem tão pouco para esse efeito foi o Recorrente notificado.
v) As nulidades insanáveis têm os efeitos previstos no art.º 122.º do Cód. Proc. Penal.
w) A sobredita nulidade, aqui constatada, de acordo com o disposto no artigo 122º, nº 1, do Código de Processo Penal, gera a nulidade do despacho que revogou a suspensão provisória do processo imposta ao Arguido sem que tenha havido audição prévia do mesmo.
x) E assim sendo, estando o Douto Despacho que revogou a suspensão provisória do processo ao Arguido ferido de nulidade todos os actos que dele dependerem também o estão.
y) Porque não foi pessoalmente o Recorrente ouvido, nem tão pouco para isso notificado, a decisão que revogou a suspensão provisória do processo está ferida da nulidade insanável, face ao disposto no artigo 119.º alínea c) do C.P. Penal;
z) Finalmente sendo a nulidade ora arguida uma nulidade insanável, esta pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão que põe termo ao processo.
aa) Assim, estava em tempo o Recorrente quando arguiu em sede de audiência de discussão e julgamento a nulidade insanável do Despacho que revoga a suspensão provisória do processo porque ferido da nulidade insanável contemplada na alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal.
O Douto Despacho que revogou a suspensão da pena aplicada ao Recorrente, em nossa modesta opinião, violou o estatuído nos artigos 61.º e 495º n.º 2 do CPP, no artigo 32º n.º 1 e n.º 5 da CRP, sendo o esse Despacho nulo, nos termos do artigo 119º al. c) do CPP, nulidade que deveria ater sido reconhecida pelo Tribunal a quo e não o tendo foi violado o disposto nos artigos 61.º e 495º n.º 2, 119º al. c) todos do CPP, no artigo 32º n.º 1 e n.º 5 da CRP.
bb) A Douta Sentença impõe ao Recorrente regime de prova, a supervisionar pela DGRSP.
cc) Ao impor um regime de prova, o Tribunal a quo está a impor ao Recorrente um dever que sabe ab initio que este irá incumprir já que não se encontra a residir em território nacional.
dd) Ora, dispõe o artigo 51º nº 2 do Código Penal que “Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.”.
ee) Encontrando-se o Recorrente a viver e residir na ..., não estará em Portugal para responder às convocatórias da DRGSP para elaborar o plano e consequentemente irá incumprir com essa imposição.
ff) O Tribunal a quo, pela informação transmitida pelo Recorrente e pela DGRSP, sabe que este não reside em Portugal e como tal não irá conseguir corresponder ao exigido regime de prova, desde logo por não estar em território nacional para a elaboração do plano de reinserção.
gg) Tendo assim o Tribunal a quo violado o disposto no artigo 51º nº 2 do Código Penal.
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso e debatendo de forma cuidada as questões colocadas, ainda que sem apresentar conclusões.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer em que acompanha os fundamentos da resposta do Ministério Público junto da primeira instância.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, procedeu-se à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação
Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1. No dia 3 de outubro de 2020, cerca das 00h20, o arguido encontrava-se na ..., em ....
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, foi o arguido fiscalizado pelos agentes da Polícia de Segurança Pública que apuraram que o mesmo transportava dez embalagens de uma substância que se apurou ser cocaína, com um grau de pureza de 73%, com o peso líquido de 2,575 gramas, quantidade esta suficiente para 65 doses.
3. O arguido quis transportar e deter tal produto com o intuito de o ceder e/ou vender a terceiros bem conhecendo a qualidade, a quantidade e as características estupefacientes daquele produto sabendo que não tinha autorização para esse efeito, intentos que logrou alcançar.
4. O arguido sabia que a atividade de venda ou de cedência a terceiros, bem como a sua detenção em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias dos referidos produtos eram proibidas e punidas por lei e ainda assim, não se inibiu de as realizar.
5. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, conhecendo as características e a natureza do aludido produto.
6. O arguido é titular do CRC com o n.º 159995-E, tendo sido condenado:
a. No âmbito do processo sumário 868/13.0PKLSB, que correu os seus termos no 2º juízo - 3ª secção, em Lisboa - Pequena Instância Criminal, por sentença proferida em 2013/07/10, transitada em 2013/09/25, pela prática em 2013/06/13, de um crime de roubo, p.p. pelo art.º 210º, nº 1 do código penal, na pena de 18 meses, suspensa na sua execução por idêntico período. Pena extinta a 2015/03/25.
b. No âmbito do processo comum tribunal singular 792/16.5T8OER, que correu os seus termos em Oeiras - Jl Criminal - Juiz 3, por sentença proferida em 2017/07/14, transitada em 2017/09/29, pela prática em 2014/01/19, de um crimes(s) de roubo na forma tentada, p.p. pelos art.ºs 210º, nº 1, 22º n.º 1 e 2, al. c) e 23º n.º 1 do c. penal e um 1 crimes(s) de roubo, p.p. pelo art.º 210º, nº 1 do c. penal, na pena única de 2 anos de prisão. Pena extinta a 2019/09/29.
c. No âmbito do processo comum tribunal singular 459/20.0PEAMD, que correu os seus termos em AMADORA - JL CRIMINAL - JUIZ 4, por sentença proferida em 2021/12/09, transitada em 2022/04/19, pela prática em 2020/09/05, de 1 crimes(s) de injúria agravada, p.p. pelos art.ºs 181º e 184º do c. penal, 1 crimes(s) de ameaça agravada, p.p. pelo art.º 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. do c. penal e 1 crimes(s) de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos artºs 143º e 145º, nº 1, al. do c. penal, na pena única de 6 meses de prisão, suspensa por um ano.
7. O arguido encontra-se inscrito na segurança social, não se encontrando remunerações registadas em seu nome.
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Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, o recorrente alega:
- a existência de nulidade insanável do art. 119º, alínea c) do Cód. Proc. Penal;
- a violação do disposto no art. 51º nº 2 do Cód. Penal.
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Da nulidade prevista no art. 119º, alínea c), do Cód. Proc. Penal
Alega o recorrente que antes de revogar a suspensão provisória do processo, o Juiz tem que ouvir presencialmente o arguido como decorre dos arts. 61º e 495º, nº 2 do Cód. Proc. Penal para a revogação da suspensão da execução pena de prisão. E, não o fazendo, comete a nulidade insanável, arguível a todo o tempo, constante do art. 119º, alínea c) do mesmo Código, por ausência do arguido nos casos em que a lei exige a respectiva comparência. Conclui que o despacho que revogou a suspensão provisória do processo está ferido de nulidade, tal como todos os actos subsequentes.
Mais alega que a violação de tal imposição afecta gravemente os seus direitos de defesa e a dimensão constitucional do princípio do contraditório prevista no nº 5 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
O Tribunal recorrido pronunciou-se expressamente sobre a questão como segue:
«Da nulidade insanável decorrente da falta de audição do arguido previamente à prolação do despacho de revogação da suspensão provisória do processo
Em sede de questões prévias, veio o defensor invocar a nulidade insanável decorrente da falta de audição do arguido previamente à prolação do despacho de revogação da suspensão provisória do processo, o que determina a anulação de todo o processado.
Com vista nos autos, a Digna Magistrada do Ministério Público promoveu o indeferimento do peticionado pelo arguido.
Cumpre apreciar.
Da análise dos presentes autos, afere-se que por despacho de 3.4.2021, o Ministério Público determinou a suspensão provisória do processo, pelo período de 6 (seis) meses, com as seguintes injunções:
1 - Cumprir 60 (sessenta) horas de serviço de interesse público em termos a definir e a acompanhar pela DGRSP;
2 - Submissão a consulta e eventual tratamento à toxicodependência no ... da área de residência, em termos a definir e a acompanhar pela DGRSP.
O arguido e a sua defensora foram notificados do teor do referido despacho a 04-05-2021, tendo a suspensão do processo iniciado a 17-05-2021 sendo que o seu término ocorreria a 17-11-2021.
Não obstante, certo é que consta dos autos informação junta pela DGRSP na qual é relatado o incumprimento da injunção por banda do arguido.
Face a tal, a 05/01/2022, o arguido, e bem assim a sua Defensora Oficiosa, foram notificados para, em 10 dias, informar se concordam com a prorrogação do prazo da suspensão provisória do processo, pelo período de 6 meses.
Não obstante o teor da referida notificação, o arguido nada disse ou requereu.
A 23-02-2022 foi o arguido contactado, via telefone, a fim de que se pronunciar sobre eventual prorrogação do prazo da suspensão provisória do processo, pelo período de 6 meses – cfr. cota 24/02/2022.
À referida notificação, o arguido respondeu no dia 04/03/2022 informando que concordava com uma prorrogação do prazo da suspensão.
Face à informação remetida aos autos pela DGRSP que informa do incumprimento do arguido (ofício de 1.4.2022), foi o arguido, e bem assim a sua Defensora Oficiosa, notificados para, no prazo de 10 dias, vir aos presentes autos, informar sobre o cumprimento da injunção de prestar 60 (sessenta) horas de trabalho a favor da comunidade, mormente os motivos de ter interrompido a prestação de trabalho na ..., não mais ter respondido às convocatórias remetidas pela DGRSP, nem ter contactado aquela entidade DGRSP, inviabilizando a prestação integral do trabalho a favor da comunidade – cfr. despacho de 05-04-2022 e expediente 07-04-2022 e 09-04-2022.
O arguido nada disse.
Novamente, foi determinado que, via telefone, se insistisse com o arguido para prestar a informação supra referida, tendo-se confirmado que o arguido residia na morada do TIR, cfr. termo de 02-06-2022.
Pese embora os incumprimentos que o arguido vinha revelando, foi determinada a prorrogação da suspensão provisória do processo, pelo período de 6 meses (despacho de 22-06-2022), com início a 11-07-2022 e fim a 11-01-2023, tendo o referido despacho sido notificado ao arguido e Il. defensora.
Da informação prestada, a 13/12/2022, pela DGRSP resulta que, não obstante o inicio da prorrogação do prazo da suspensão provisória se verificar a 11-07-2022, só “após deslocação domiciliária no passado dia 10 de novembro 2022, o arguido entrou em contacto com esta equipa, tendo comunicado que se encontra há cerca de dois meses a viver na ...”
Face ao teor da referida informação, foi determinada a revogação da suspensão provisória do processo e foi proferida acusação em processo comum contra o arguido.
Ora, tal como é consabido, «A suspensão provisória do processo assenta essencialmente na busca de soluções consensuais para a protecção dos bens jurídicos penalmente tutelados e a ressocialização dos delinquentes, quando seja diminuto o grau de culpa e em concreto seja possível atingir por meios mais benignos do que a pena criminal os fins que presidiram à incriminação, em abstracto dos factos» - Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Editorial Verbo 1994, III, p. 109-110
Nas palavras de Maia Costa, in Código de Processo Penal comentado, 4ª edição revista, p. 950, «A suspensão provisória constitui uma forma alternativa de processamento do inquérito, na sua fase final, sendo, por isso, um caso de «diversão».
Constatada a existência de indícios suficientes do crime e da identidade do seu autor, o inquérito não desemboca numa acusação com vista ao julgamento do arguido, antes fica suspenso, pelo prazo previsto no art. 282º, ficando o arguido sujeito a «injunções e regras de conduta» decretadas pelo Ministério Público.»
O Ministério Público é o titular da acção penal – cfr. o artigo 263º, nº 1 do C.P.P. -, pelo que, além de ser ele que pode decidir suspender provisoriamente o processo, é ao Ministério Público que cabe fiscalizar o cumprimento das injunções e regras de conduta por parte do arguido.
O artigo 282º do C.P.P., estabelece a duração e os efeitos da suspensão provisória do processo, e determina no seu nº 4 o seguinte:
«O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas:
a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou
b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.»
Assim, se o arguido não cumprir as injunções ou regras de conduta – juízo a efectuar, como se afirmou atrás, pelo Ministério Público -, o processo prossegue, necessariamente com a dedução de acusação em processo comum, como sucedeu no caso em apreço, tendo o arguido e a sua defensora notificados do teor do referido despacho.
Tal como vem sendo entendido pelos nossos tribunais superiores, caso o arguido não concordasse com essa decisão do Ministério Público, deveria ter requerido a abertura da instrução para o fim que agora visa, o que não fez (Neste sentido, ver o Acórdão da Relação de Guimarães de 6/11/2017, processo 258/14.8GDGMR-A.G1, relatado por Armando Azevedo, in www.dgsi.pt: Ac. Relação de Lisboa, de 18.5.2010, relatado por José Adriano, www.dgsi.pt) .
Ou seja, a posição processual assumida pelo arguido após a dedução da acusação permite concluir de forma inequívoca que aceitou que incumpriu as injunções impostas no âmbito da suspensão provisória do processo e, por isso, ser submetido a julgamento.
Assim, não se pode acompanhar o arguido quando afirma terem sido violados os seus direitos de defesa, por preterição do direito ao contraditório.
Do mesmo modo, não se acompanha o entendimento propugnado pelo arguido quando refere que a referida omissão constitui nulidade insanável.
De facto, dispõe o art.º 118.º do Cód. Processo Penal que “1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. 2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular. 3 - As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova.”
Nos termos do art.º 119.º do mesmo diploma legal “Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição; b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência; c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência; d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade; e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º; f) O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.”
De seguida, prevê o art.º 120.º do mesmo diploma que “1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte. 2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: a) O emprego de uma forma de processo quando a lei determinar a utilização de outra, sem prejuízo do disposto na alínea f) do artigo anterior; b) A ausência, por falta de notificação, do assistente e das partes civis, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência; c) A falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória; d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. 3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas: a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado; b) Tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência; c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito; d) Logo no início da audiência nas formas de processo especiais.”
No que às nulidades respeita, vigora o princípio da legalidade, do qual resulta que o elenco legal das nulidades, sejam estas sanáveis ou insanáveis, é taxativo. Estamos perante normas com carácter excepcional que, por isso, não admitem aplicação analógica.
As nulidades insanáveis têm os efeitos previstos no art.º 122.º do Cód. Proc. Penal, nos termos do qual “1 - As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar. 2 - A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade. 3 - Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.”
Conforme resulta do excerto da norma do transcrito art.º 119.º do Cód. Proc. Penal, as nulidades insanáveis devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do processo, até ao trânsito em julgado da sentença da decisão final, não sendo inconstitucional a preclusão do direito de arguir uma nulidade insanável com o trânsito em julgado da decisão final, se o arguido teve plena oportunidade processual de a arguir, na sequência de notificação pessoal dessa decisão, que não foi impugnada.
Com efeito, o trânsito em julgado da decisão final sana todas as nulidades do processo e da sentença, ressalvado o regime da revisão de sentença (Ac. do Tribunal Constitucional n.º 146/2001) - neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem 3.ª edição actualizada, pág. 303.
Ora, se é certo que resulta dos autos que não foi determinada a audição do arguido, podendo estar-se (em tese) perante a nulidade insanável a que alude o art. 119º, al. c) do Cód. Processo Penal, na sequência das considerações jurídicas expendidas supra, entendemos que a mesma já não pode ser declarada, considerando que a decisão que revogou a suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado, já há muito transitou em julgado.
De resto, neste sentido e em situação similar à que apreciamos nos presentes autos já entendeu a Jurisprudência ao decidir que:
“I - As nulidades insanáveis, enquanto espécie do género invalidades processuais, não se confundem com o vício de inexistência jurídica, produzindo efeitos jurídicos no processo se e enquanto não forem declaradas, não podendo mais sê-lo após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao procedimento. II - A nulidade insanável por falta de audição do arguido nos termos do art. 495.º, n.º 2, do CPP, pode ser invocada perante o tribunal competente para a execução e deve ser oficiosamente conhecida por aquele, antes de proferida decisão sobre a revogação da suspensão da pena ou da PTFC e mesmo depois de proferida tal decisão, enquanto a mesma não transitar em julgado. III - Na verdade, a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119.º do CPP, por falta de audição prévia do arguido nos termos do art. 495.º, n.º 2, do CPP, não constitui vício próprio da decisão de revogação, pelo que não se coloca a questão de saber se o tribunal esgotara o poder jurisdicional respectivo ao proferir a decisão revogatória. É exterior e prévia àquele despacho, constituindo a invalidade da decisão revogatória mero efeito da declaração de nulidade nos termos do art. 122.º do CPP. IV - Tanto do ponto de vista gramatical, como sistemático e teleológico, não há nenhuma razão para que a referência do art. 119.º do CPP a qualquer fase do procedimento deva ser entendida como reportando-se unicamente às fases preliminares (inquérito e instrução) e à fase de julgamento do processo penal. Antes, abrange igualmente as nulidades insanáveis verificadas na fase de execução do processo penal, nomeadamente as respeitantes às normas do CPP que disciplinam a execução das penas não privativas da liberdade.” – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30.09.2014, disponível in www.dgsi.pt, (que vimos seguindo de perto).
Resulta assim inquestionável que o arguido foi pessoalmente notificado da decisão que revogou a suspensão da pena de prisão em que foi condenado e que determinou o prosseguimento dos autos, com dedução de acusação pública. Resulta ainda que, o arguido não recorreu da mesma, nem opôs à mesma qualquer nulidade no momento processual adequado, antes se mantendo inerte e com a mesma se conformando.
Dúvidas não restam assim que a decisão agora colocada em crise já há muito transitou em julgado.
O trânsito em julgado da aludida decisão sanou quaisquer nulidades ocorridas em momento anterior, o que impede que, nesta fase processual se aprecie e declare quaisquer nulidades processuais anteriores.
Face ao exposto e ao abrigo das citadas disposições legais, indefere-se o requerido.
Notifique.»
O segmento decisório transcrito não é inteiramente correcto.
Efectivamente, uma nulidade que seja verificada nos termos do art. 119º do Cód. Proc. Penal (insanável) pode ser arguida até ao trânsito em julgado da sentença. Só o trânsito da decisão final sana todas as nulidades do processo – e só assim não será, obviamente, se estiver em causa uma nulidade insanável cometida na fase de execução da decisão final, caso em que será o trânsito em julgado da decisão do incidente a sanar essa nulidade. É isto precisamente que, aliás, resulta da jurisprudência citada no aludido segmento decisório.
Pelo que a arguição de nulidade insanável antes do trânsito em julgado da sentença tem que ser tida por tempestiva.
Coisa diversa é, porém, saber se se verifica, no caso, a existência da nulidade insanável alegada pelo recorrente.
Compulsados os autos vemos que:
- por despacho de 30.4.2021, depois de obtida a concordância do arguido e da Mma. JIC, o Ministério Público determinou a suspensão provisória do processo, pelo período de 6 (seis) meses, com as seguintes injunções: 1 - Cumprir 60 (sessenta) horas de serviço de interesse público em termos a definir e a acompanhar pela DGRSP; 2 - Submissão a consulta e eventual tratamento à toxicodependência no ... da área de residência, em termos a definir e a acompanhar pela DGRSP;
- foram notificados deste despacho o arguido e a sua Defensora, por carta enviada em 4.05.2021, sendo que a prova de depósito da notificação do arguido tem data de 25.05.2021;
- por carta enviada em 5.01.2022, o arguido e a sua Defensora foram notificados para, em 10 dias, virem informar se concordavam com a prorrogação do prazo da suspensão provisória do processo, pelo período de 6 meses;
- o arguido nada disse ou requereu, mas a 24.02.2022 foi o arguido contactado, via telefone, a fim de que se pronunciar sobre eventual prorrogação do prazo da suspensão provisória do processo, pelo período de 6 meses, tendo esclarecido que sim, o que veio a confirmar por e-mail remetido aos autos em 4.03.2022;
- em 1.4.2022 a DGRSP informou que o arguido tinha cumprido 12h 30m da prestação de serviço público entre os dias 6.11.2021 e 30.11.2021, tendo deixado de comparecer no local e não atendendo as chamadas;
- em 11.04.2022 (p.d.) foi o arguido notificado para, no prazo de 10 dias, vir aos autos, informar sobre os motivos de ter interrompido a prestação de trabalho, não mais ter respondido às convocatórias remetidas pela DGRSP, nem ter contactado aquela entidade DGRSP, inviabilizando a prestação integral do trabalho a favor da comunidade;
- o arguido nada disse, e em 2.06.2022 (cfr. termo nos autos) tentou-se via telefone que o arguido prestasse a informação, tendo-se confirmado que o arguido residia na morada do TIR.
- por despacho de 22.06.2022 foi determinada a prorrogação da suspensão provisória do processo, pelo período de 6 meses, com início a 11.07.2022 e fim a 11.01.2023, tendo o referido despacho sido notificado ao arguido (em 5.07.2022 com p.d.) e à sua Defensora.
- a 13.12.2022 a DGRSP informou que, não obstante o inicio da prorrogação do prazo da suspensão provisória se verificar a 11.07.2022, só “após deslocação domiciliária no passado dia 10 de novembro 2022, o arguido entrou em contacto com esta equipa, tendo comunicado que se encontra há cerca de dois meses a viver na ...”.
- por despacho de 4.01.2023 foi revogada a suspensão provisória do processo e foi proferida acusação em processo comum contra o arguido, o que foi notificado ao arguido (p.d. de 6.01.2023) e à sua Defensora.
Alega o recorrente que antes de revogar a suspensão provisória do processo, o Juiz tem que ouvir presencialmente o arguido como decorre dos arts. 61º e 495º, nº 2 do Cód. Proc. Penal para a revogação da suspensão da execução pena de prisão.
O regime da suspensão provisória do processo está regulado nos arts. 281º e 282º do Cód. Proc. Penal.
Da análise deste regime resulta evidente que não pode haver suspensão sem imposição de injunções e regras de conduta que o arguido é livre, ou não, de aceitar, mas, aceitando-as, o seu cumprimento é obrigatório, sob pena de o processo prosseguir. Com efeito, nos termos do nº 4 do art. 282º citado, “O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas: a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.”
Contudo, a revogação da suspensão provisória do processo não é automática.
Efectivamente, defendemos que só a verificação de comportamentos censuráveis, ao nível do dolo e da negligência grosseira, quanto ao não cumprimento das injunções, é que pode permitir uma agravação da posição processual do arguido.
Por isso, a revogação da suspensão provisória do processo tem que constar de despacho fundamentado e após ser dada a oportunidade ao arguido de se pronunciar (ao abrigo do disposto no art. 61º, nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Penal).
Ora esta oportunidade de o arguido se pronunciar basta-se com a notificação ao arguido e ao advogado que o defende para o efeito. Não tem que se tratar de uma audição presencial.
Não há paralelo entre a revogação da suspensão provisória do processo e a revogação da suspensão da execução da pena prevista no art. 56º do Cód. Penal no contexto do incumprimento dos deveres condição daquela suspensão.
O instituto da suspensão provisória do processo (introduzido com a reforma do processo penal levada a cabo pelo Código de 1987) visa responder àquelas “situações em que a busca de consenso, da pacificação e da reafirmação estabilizadora da norma assente na reconciliação, vale como um imperativo ético-jurídico”, consenso que se obterá através do “acordo de vários sujeitos processuais como pressuposto de institutos como o da suspensão provisória do processo” (cfr. o respectivo Preâmbulo da Lei que aprova o Código).
E, não só as fases preliminares do processo, em que se inclui o inquérito e a instrução, não se confundem com a do julgamento (na sua conformação e razão de ser), como o despacho de suspensão provisória do processo não tem paralelo com uma sentença. Na suspensão provisória do processo, a imposição, com o correlativo acatamento, de injunções e regras de conduta, surge como manifestação de anuência. A condenação por sentença, surgida na sequência de julgamento, não depende de qualquer anuência do arguido.
Repare-se ainda, que, apesar da aceitação das injunções em sede de suspensão provisória do processo, o arguido continuará a presumir-se inocente, e nunca poderá considerar-se a aceitação da suspensão como uma confissão do facto.
Mais: o incumprimento dos deveres condição de suspensão da execução da pena podem resultar no cumprimento de pena efectiva de prisão; enquanto o incumprimento das injunções/regras de conduta apenas tem a virtualidade de fazer prosseguir os autos.
Pelo que não pode equiparar-se – por analogia – a determinação do art. 495º, nº 2 do Cód. Proc. Penal para os casos de revogação da suspensão da execução pena de prisão (de audição presencial do arguido) também para os casos de revogação da suspensão provisória do processo.
Entende-se, assim, que a audição presencial do arguido não se impunha no caso, não tendo sido cometida a nulidade insanável prevista no art. 119º, alínea c) do Cód. Proc. Penal prevista para os casos de ausência do arguido e do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência – entendimento que não viola qualquer preceito constitucional.
Todavia, e como supra dissemos, antes de ser revogada a suspensão provisória do processo tem que ser dada a oportunidade ao arguido de se pronunciar, tal como previsto no art. 61º, nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Penal, notificando-se o arguido e o advogado que o defende para o efeito.
A consequência da omissão desse dever de audição do arguido é a da nulidade prevista no art. 120º, nº 2, alínea d) do Cód. Proc. Penal precisamente com base na violação da alínea b) do nº 1 do art. 61º, do mesmo Código.
Tal como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 9.12.2015 (proc. 280/12.9TAVNG-A.P1) «Essa audição do arguido (e/ou do seu defensor) constitui mesmo uma garantia de defesa do arguido e do essencial contraditório, na sua manifestação do direito de audição sobre decisão que o afecte do ponto de vista pessoal, que aqui se manifesta na sua radicação constitucional e legal – cfr. Art.ºs 32.º, n.º 5, da Constituição da República, 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e 61.º, n.º 1, alínea b), do CPPenal. (…) Esta omissão processual constitui, na verdade, a nulidade arguida pelos aqui recorrentes, tal como prevista no Art.º 120.º, n.º 2, alínea d), por violar a alínea b) do n.º 1 do Art.º 61.º, ambos do Código de Processo Penal bem como as garantias de defesa e o princípio do contraditório constitucionalmente consagrados. Sendo certo que a mencionada alínea d) do n.º 2 do Art.º 120.º do CPPenal dispõe que “constitui nulidade dependente de arguição a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem refutar-se essenciais para a descoberta da verdade”
No caso em análise, nem o arguido nem a sua defensora foram notificados para se pronunciarem sobre a possibilidade de revogação da suspensão provisória do processo.
Mas a nulidade não foi invocada no prazo previsto na alínea c) do nº 3 do art. 120º do Cód. Proc. Penal, pelo que a mesma se encontra sanada.
Da violação do disposto no art. 51º nº 2 do Cód. Penal
O recorrente insurge-se contra o facto de a sentença recorrida ter subordinado a suspensão da execução da pena a regime de prova, a supervisionar pela DGRSP, não obstante ele não se encontrar a residir em território nacional.
Afirma que ao impor um regime de prova nestas circunstâncias, o Tribunal a quo está a violar o disposto no art. 51º nº 2 do Cód. Penal, impondo-lhe um dever que sabe ab initio que ele não irá cumprir por não poder responder às convocatórias da DRGSP para elaborar o plano de reinserção.
Em relação à fixação do regime de prova pronunciou-se o Tribunal recorrido como segue:
«Assim, entende o tribunal suspender a pena de prisão aplicada pelo período de dois anos, nos termos do disposto no artigo 50.º/5, do Código Penal.
Não obstante, pode ainda o tribunal julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, que se subordine a suspensão da execução da pena de prisão a regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade, nos termos do disposto nos artigos 50.º/2 e 53.º, do Código Penal.
Na observância destes preceitos legais, atendendo a tudo o que foi dito, e atendendo à contínua prevaricação por parte do arguido, à qual importa conhecer as causas e pôr cobro, entendo ser adequado e proporcional subordinar a suspensão da pena de prisão a regime de prova, a supervisionar pelos competentes serviços da Direcção-Geral da Reinserção Social e Serviços Prisionais
Perante a alegação do recorrente, o que apraz desde logo dizer é que confunde uma suspensão da execução da pena subordinada ao cumprimento de deveres, com uma suspensão da execução da pena sujeita a regime de prova.
O Código Penal português prevê três modalidades de suspensão: suspensão simples; suspensão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta; e suspensão com regime de prova.
O nº 2 do art. 51º do Cód. Penal a que alude o recorrente está previsto para a suspensão subordinada ao cumprimento de deveres, situação diversa da suspensão sujeita a regime de prova com previsão no art. 53º do mesmo Diploma.
Efectivamente, rege o art. 51º citado que:
“1 - A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:
a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;
b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;
c) Entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.
2 - Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.
(…)”.
E o art. 53º citado que:
“1 - O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.
2 - O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.
(…)”.
Contudo, sempre se poderá perguntar se, estando um condenado no estrangeiro, será razoável impor-lhe uma suspensão da execução da pena sujeita a regime de prova – repare-se que o recorrente apenas questionou a fixação do regime de prova por se encontrar fora do país e não por qualquer outra razão.
Ora como bem refere o Digno Magistrado do Ministério Público nas suas contra-alegações, é possível elaborar um plano de reinserção através de chamadas via Whatsapp, Webex, Messenger, FaceTime, Signal, Telegram, Skype, Teams, e outras aplicações de comunicação eletrónica, sendo também possível fazer outras reuniões subsequentes pela mesma via, permitindo, assim, o acompanhamento à distância por parte da DGRSP. E, sendo necessário apresentar qualquer prova documental, poderá ser enviada cópia de documentos por via electrónica.
Pelo que o facto de um condenado se encontrar a residir no estrangeiro não impede a aplicação de uma suspensão da execução da pena sujeita a regime de prova.
* * *
Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, declarando-o improcedente.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
Lisboa, 23.04.2024
(processado e revisto pela relatora)
Alda Tomé Casimiro
Ana Cláudia Nogueira
Ester Pacheco dos Santos