IMEDIAÇÃO
CREDIBILIDADE DE UM DEPOIMENTO
JUÍZO VALORATIVO
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I - A imediação é absolutamente fundamental para avaliar a prova produzida, designadamente para aferir da credibilidade de um depoimento, uma vez que este não ocorre no vazio, numa realidade assética, antes desenvolve-se num contexto captado pelo julgador, em audiência de julgamento, na observação da respetiva posição corporal, fluidez do discurso, assertividade, gestos, olhares e hesitações, tom de voz, embaraços e desembaraços evidenciados ao longo do mesmo
II - Em situações de inimizade entre as partes, de forte emoção e interesse pessoal, o escrutínio e valoração da prova deverá ter presente tal circunstancialismo, que poderá condicionar a veracidade da mesma, exigindo-se uma especial atenção a tais condicionantes.
III - Apenas na medida em que após tal juízo valorativo, possa o tribunal concluir pela não afetação da prova por qualquer uma daquelas condicionantes, deverá o tribunal aproveitar a mesma para fundamentar a sua decisão.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - RELATÓRIO
1. A SENTENÇA RECORRIDA
Por sentença proferida em 16.11.2023, no Processo Comum por Tribunal Singular n.º 175/20.2GD… do Juízo Local Criminal do … – Juiz 2, foi decidido:
• Absolver AA pela prática, como autora material e na forma consumada, de dois crimes violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previstos e punidos pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao artigo 202.º, alínea e) do Código Penal;
• Absolver BB pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao artigo 202.º, alínea e) do Código Penal;
• Absolver CC pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao artigo 202.º, alínea e) do Código Penal;
• Sem custas, nos termos do artigo 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1, ambos a contrario e 515.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Penal;
• Julgar improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por DD e, em consequência absolver AA, BB e CC do pedido;
• Condenar a Demandante nas custas do peticionado civilmente;
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2. O RECURSO
Inconformada, a assistente DD recorreu da sentença absolutória, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é interposto da sentença emanada pelo Douto Tribunal a quo, na medida, em que este Tribunal, veio absolver os arguidos.
2.Resulta de forma directa dos autos uma incorrecta percepção e interpretação dos factos, por este Tribunal, bem como uma incorrecta valoração da prova produzida e consequentemente uma aplicação errada por viciada da Lei aos factos atenta a prova produzida.
3. Resulta dos autos que vinham os arguidos acusados, conforme acusação pública, pela prática de um crime violação de domicílio, previsto e punido pelo art. 190º n.º 1 do Código Penal;
4. Contudo, entendeu o Tribunal a quo: “que não se provou que os arguidos tenham praticado factos integradores do ilícito penal que lhes é imputado, impondo-se a sua absolvição, não dando como provados nenhum dos factos da Douta Acusação.”
5. Os três co-arguidos, decidiram prestar declarações, contudo, as mesmas revelaram-se incongruentes e contraditórias entre si.
6. A arguida, nas suas declarações, refere que avisou por escrito a DD, o A.E e o Dr. EE, que se ia deslocar á herdade no dia 11.08.2020;
7. Vem depois juntar uma troca de e-mails existente entre a Mandatária da arguida e a própria. Contudo, inexiste qualquer prova daquilo que a arguida disse em Tribunal – eu avisei por escrito a DD. Pelo que tal, nunca se poderá dar como provado.
8. Mais, a arguida nas suas declarações diz que apenas pretendia ver se as estradas estavam transitáveis e a parte rural da herdade. Certo é que no documento junto pela arguida a mesma escreveu “mantenham todos os portões e armazéns abertos”.
9. Pelo que uma vez mais se comprova que as declarações prestadas pela arguida não correspondem á verdade, sendo que os armazéns, conforme resulta da prova produzida, já se situam na zona do ... (zona das casas) dentro da herdade.
10. Nesta matéria, a arguida ainda apresenta nas suas declarações ao Tribunal que avisou por escrito a sua irmã que se deslocaria á herdade de manhã. Contudo, no documento que a mesma ofereceu ao Tribunal, esta vem referir que a visita pretendida iria ocorrer entre as 14h45 e as 15h00. Pelo que, mesmo que arguida tivesse avisado (situação que não sucedeu) da sua pretensão de se deslocar á herdade, ao faze-lo pelas 9h00 ao invés das 14h45, esta visita seria sempre uma surpresa e nesta medida sem aviso prévio!
11. Refere que no dia 16.09.2020, que se deslocou á herdade, com o marido e um amigo, que deu uma volta á herdade, que partiu o cadeado de acesso ás casas (denominado ...) e apenas foi à sua casa e não entrou no jardim nem na casa da DD, que apenas viu a mãe no interior da casa e uma outra senhora que não conhecia.
12. Sublinhe-se que a arguida nunca utilizou ou fruiu a referida casa que nos autos vem apresentar como sendo sua. Sendo que a mesma, por nunca ter sido habitada e mesmo utilizada era usada ás vezes como depósito, para colocar caixas.
13. Ora, aqui a questão impõe-se, como poderia a arguida ver a D. FF e a D. GG, ou saber que a D. GG estava acompanhada por uma senhora que lhe era desconhecida, sem a mesma ingressar no interior do jardim? Ou sem ter entrado na casa da DD??
14. É que é totalmente impossível ter qualquer visão para dentro da casa da DD, sem estar mesmo em frente á janela da sala ou no interior da casa!
15. Encontrando-se provado que a D. GG esteve sempre no interior da sala e que estava acompanhada pela D. FF, encontrando-se ainda comprovado que em frente da casa da Assistente (sala) ficava o escritório (denominada comumente casa da D. GG), sendo apenas possível ver a sala onde se encontrava a D. GG, estando no jardim ou dentro da casa da D. DD.
16. Só por aqui, pelo que foi oferecido pela própria arguida e pela testemunha HH, Comprova-se sem sombra de dúvida e permite-nos concluir, de forma clara, que a arguida esteve (pelo menos) dentro do jardim anexo á casa da Assistente.
17. Esteve mal, o Tribunal ao não ter percebido e consequentemente não ter valorado e dado como provado que a arguida, ao referir que tinha visto a mãe (D. GG) acompanhada com uma senhora que desconhecia, bem como ao ter exigido ao HH, Testemunha, que identificasse a Sra. que estava no interior da casa da sua irmã, com a sua mãe, que a arguida teria de ter estado ou no jardim anexo á casa da D. DD ou no interior da mesma.
18. A Assistente, prestou declarações detalhadas, sinceras e circunstanciadas no tempo e lugar, dizendo o que sucedeu como sucedeu e negando o que não sucedeu
19. Foram ainda ouvidas Testemunhas da Acusação, que vieram comprovar que a arguida, no dia 11.08.2020 se deslocou à herdade ..., mas não ingressou na zona do ..., contudo, foi feita prova pelas testemunhas, II, FF, HH e Assistente que, no dia 16.09.2020, todos os arguidos se deslocaram á herdade ..., e todos ingressaram no jardim anexo á residência e escritório da Assistente, tendo apenas a arguida ingressado no interior quer da habitação quer do escritório.
20. Pelo que, dos autos, resulta de forma directa, face ás declarações da Assistente, bem como das Testemunhas, II, FF e bem como do HH, bem como resulta da afirmação prestada pela própria arguida, ao afirmar que viu a mãe com uma senhora desconhecida na casa da Assistente, exigindo a identificação da mesma pelo HH! Apenas poderia ter visto tal facto encontrando-se no interior do jardim ou no interior da casa da Assistente.
21. Comprova-se assim, de forma plena, que os arguidos estiveram no dia 16 de setembro de 2020, não só na herdade, bem como no ... e ainda no jardim anexo á residência e escritório da Assistente, tendo ingressado no interior dos mesmos. Pelo que, era de elementar Justiça o Tribunal ter percebido, interpretado e valorado a prova de forma totalmente contrária face à que se encontra plasmada na sentença de que se recorre.
22. Resultando de forma clara que o Tribunal a quo, andou muito mal em termos de percepção dos factos, de apreciação de prova produzida.
23. Foram ainda relatadas, pelas diversas testemunhas, JJ, FF, KK, II e a própria Assistente, os muitos danos que existiam na herdade e que levavam a Assistente a ter muito medo, medo este que de forma totalmente indevida foi ridicularizado pelo Tribunal ad quo.
24. O Tribunal veio ainda ridicularizar e colocar em causa o sistema de vigilância, quase que culpando a Assistente pelos problemas do mesmo...o que também aqui não se concebe ou mesmo aceita.
25. Mais, o Tribunal a quo, na valoração da prova, também não foi capaz de perceber o que foi dito pela Assistente e pela Testemunha II, sendo que ambos, disseram, que do pomar para casa, quem ia a conduzir era o II e a quem ia, a ver as imagens das câmaras em directo, em tempo real era a Assistente, que ia vendo no seu telemóvel, comentando as mesmas e ia mostrando o telemóvel ao II.
26. Sendo que também, contrariamente, ao que é escrito pelo Tribunal a quo e, que se concebe facilmente, fazer uma chamada e continuar a ver uma imagem no visor do telemóvel! Pelo que não se compreende a posição sustentada de forma indevida por este Tribunal.
27. Pelo que esteve este Tribunal a quo, verdadeiramente muito mal, podendo mesmo dizer-se que é lamentável, a posição do mesmo, na percepção e interpretação dos factos, na apreciação da prova e nos comentários que apresentou, mesmo em sede de sentença, sendo os mesmos, desprimorosos, tendenciosos e alheios á matéria constantes nos autos.
28. O crime de que os arguidos vêm acusados, encontra-se tipificado no art. 190º do Código Penal, (conforme acusação pública), começa por proteger e valorizar a reserva de vida privada.
29. Contudo, resulta tanto do texto da acusação pública que os arguidos, no dia 16.09.2020, em comunhão de esforços, ingressaram na Herdade..., cortaram os cadeados, do portão principal, do segundo portão (denominando portão da zona do ... onde se localizam as habitações e armazéns), tendo ainda penetrado (não existindo prova de como) no portão que estava fechado que delimita o jardim com a habitação e escritório da Assistente. Todos os arguidos estiveram dentro do jardim anexo á residência e escritório da Assistente. Entrando a arguida, ainda no escritório da Assistente onde permaneceu por mais de cinco a dez minutos e na casa da mesma, de forma breve, deixando a portada de correr toda aberta.
30. Foi assim, feita prova bastante, que os arguidos, praticaram os factos tipificados, no art.º 191º do Código Penal, ao sem consentimento, terem entrado no jardim vedado anexo á habitação da Assistente, tendo ainda a arguida ingressado no escritório da Assistente, onde a mesma exerce a sua profissão tem os contratos, facturação, dados e referências do seu trabalho, ainda na sua residência.
31. Pelo que, o Tribunal ao considerar que não é crime nenhum, os arguidos entrarem no jardim vedado e anexo à habitação da Assistente, demonstra uma falta de sensibilidade para a percepção, compreensão e aplicação da Lei.
32. Competia a este Tribunal, face aos factos constantes na douta acusação e à prova produzida, ter procedido á alteração da qualificação jurídica do crime, uma vez que a acusação refere, o ingresso de todos os arguidos no jardim fechado e anexo à residência da Assistente, estes factos encontram-se amplamente provados, tendo os arguidos, nesse dia ainda sido identificados, quando se encontravam dentro da propriedade pela GNR.
33. Se dúvidas, o Tribunal a quo pudesse ter, quanto ao ingresso pela arguida na casa da Assistente, dúvidas não podem resultar que os três arguidos ingressaram no jardim anexo á residência da Assistente e, que a arguida ingressou no escritório da Assistente, pelo que sendo estes comportamentos tipificados na lei, sendo os mesmos ilícitos, e conhecendo os arguidos que os mesmos não poderiam praticar tais actos, agindo todos com dolo directo, por terem ampla consciência que não podiam praticar esta conduta, até porque nesta data a arguida estava a ser julgada por este mesmo comportamento, por este mesmo Tribunal, tendo a mesma vindo advertida, que nunca poderia entrar no jardim que delimita a residência da Assistente.
34. Pelo que o Tribunal, desvinculou-se, neste julgamento, da sua função, ao não ter praticado e cumprindo com o direito, mormente com o vertido no art.º 358º n.º 3 do Código Penal, emanando assim uma sentença injusta, por ilegal e ainda eivada de um vicio de nulidade, devendo neste âmbito, a sentença ser anulada e a Audiência ser reaberta, com vista a sanar o vício existente.
35. Verifica-se que tanto do texto da acusação, bem como da prova efectuada em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, que a qualificação jurídica indicada na acusação não se encontra devidamente conseguida, ou seja, o substracto fático descrito na acusação encontra-se correcto fazendo a menção á introdução dos arguidos no jardim anexo á casa e escritório da Assistente, pelo que cabia a este Tribunal agir em conformidade com o disposto no art.º 358º n.º 3 do Código de Processo Penal.
36. A liberdade do Tribunal, no que concerne à apreciação de questões de direito, é uma decorrência lógica do dever que sobre ele impende de uma apreciação esgotante de todo o objecto do processo.
37. Dever este, que o Tribunal a quo, de forma consciente, decidiu incumprir, não realizando a devida alteração da qualificação jurídica dos factos, desvinculando de forma consciente do seu papel de julgador e aplicador da Lei.
38. Ora, no caso sub judicio, os factos resultantes da prova realizada em Audiência de discussão e Julgamento, são quase todos coincidentes com os constantes na acusação – ingresso não autorizado, dos arguidos, no jardim anexo á habitação da Assistente, tendo a arguida ingressado na habitação da Assistente e no escritório (facto este não descrito na acusação) - discordando a Assistente, apenas da qualificação jurídica dos factos elencados na acusação.
39. Pelo que, analisando a douta acusação pública redigida pelo Ministério Público ao enquadrar os factos da acusação numa determinada qualificação jurídica, percebe-se e, é notório o manifesto erro ocorrido entre o art.º 190º e o art.º 191º ambos do Código Penal. Sendo indiscutível que o Tribunal é totalmente livre de qualificar os factos pelos quais condena os arguidos, sendo certo que, cabe a este enquanto poder dever, após a produção de prova, julgar o mérito do caso concreto e aqui, alterar a qualificação jurídica. Situação que aqui o Tribunal a quo, claramente omitiu.
40. Pelo que, a inobservância pelo Tribunal a quo do procedimento previsto no art.º 358º do Código de Processo Penal, implica uma nulidade nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 379º do Código de Processo Penal, nulidade esta espelhada na sentença, devendo a sentença emanada ser anulada, procedendo-se à correcção da qualificação jurídica, nos termos do Ac. STJ 19 de Fevereiro de 1998, BNJ, 474, 351.
41. Com a publicação da Lei 48/07 de 29 de Agosto, através do aditamento do n.º 3 do art.º 424º, alargou a possibilidade de a alteração jurídica poder ser feita no Tribunal de recurso, conforme prevê o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2008 de 25.06.2008, pelo que se requer, que a qualificação jurídica seja corrigida, podendo a mesma suceder tanto no tribunal a quo, bem como no tribunal ad quem, importa tão só rectificar a qualificação, com vista a eliminar a nulidade existente.
42. Paralelamente aos vícios enunciados, considera a Assistente, sob pena de diferente e melhor entendimento, que a Audiência de Discussão e Julgamento, lamentavelmente, iniciou-se de forma totalmente parcial, ao referir a Juiz a quo, que se recordava das partes e que a presente situação era tão só uma questão familiar. Como se as situações familiares, não fossem merecedoras do crivo judicial, como se pelo facto de serem as partes irmãs, não pudesse a arguida ser julgada pelo ilícito que lhe é imputado e que foi pela mesma praticado.
43. Pelo que sob pena de diferente e melhor opinião, consideramos que estes considerandos são totalmente, para além de desnecessários são os mesmos indevidos por ilegais.
44. Nos presentes autos, não podemos olvidar, que existiu uma denúncia feita pela Assistente na GNR, foram ouvidas diversas testemunhas e, o Ministério Público, em sede de inquérito decidiu acusar publicamente.
45. Durante toda a Audiência de Discussão e Julgamento, consideramos que o Tribunal a quo, não cumpriu com as suas funções de Julgador Imparcial, a própria sentença comprova as diversas parcialidades.
46. Em face do supra exposto, deve a sentença ser anulada e substituída por outra que cumpra de forma integral com a Lei.
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O Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso, apresentando a sua motivação, concluindo que a decisão ora recorrida não violou qualquer disposição legal ou princípio jurídico, mostrando-se devidamente fundamentada, justa e adequada, pelo que deverá ser mantida nos exatos termos em que foi proferida, sendo negado provimento ao recurso apresentado.
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Os arguidos AA, BB e CC responderam ao recurso, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1. Deve o presente recurso ser rejeitado, porquanto é manifesta a sua improcedência. Caso ainda assim não se entenda,
2. Deve o presente recurso ser considerado inamissível, porquanto o Recorrente não cumpriu o ónus de impugnação.
Caso ainda assim não se entenda,
3. Deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, proferindo-se Acórdão que confirme a Douta Sentença recorrida.
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Admitido o recurso nos termos legais, neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu o seu parecer, defendendo a total improcedência do recurso, nos termos propostos na resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a recorrente reagiu, mantendo, no essencial a argumentação apresentada no seu recurso.
Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência para decisão do recurso, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do Código do Processo Penal.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES A DECIDIR:
Dos poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Conforme jurisprudência fixada, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 19/10/1995, in D.R., série I-A, de 28/12/1995).
Atentas as conclusões de recurso, são estas as questões a decidir por este Tribunal:
1. saber se a matéria de facto foi incorretamente julgada;
2. saber se o tribunal incorreu em omissão de pronúncia ao não ter procedido a uma alteração da qualificação jurídica dos factos nos termos do disposto no art.º 358.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, por forma a qualificar os factos imputados pelo disposto no artigo 191.º do Código Penal.
3. Saber se a sentença deve ser anulada por imparcialidade do julgador.
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FACTOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA
Ficou a constar da sentença, como factos provados, o seguinte:
1. No dia 16-09-2020, cerca das 11 horas e 20 minutos, os arguidos AA, BB e CC deslocaram-se à Herdade da ..., sita na ....
2. Nesse local e mais uma vez a pretexto de percecionarem o estado da propriedade em causa tendo em vista a sua venda a terceiros.
Mais se provou quanto à arguida AA:
3. A arguida é empresária ….
4. A arguida aufere €500,00 mensais.
5. A arguida reside com o marido e filho, de 9 anos de idade.
6. O marido da arguida trabalha.
7. O agregado familiar tem despesas mensais no valor de €3.000,00, referente a empréstimo bancário para habitação, seguros e colégio do menor.
8. Por sentença proferida em 14.10.2020, transitada em julgado em 13.11.2020, pelo Juiz 2 do Juízo Local Criminal do …, Comarca de Lisboa, no âmbito do processo comum singular n.º 57/18.8GD…, a arguida foi condenada pela prática, em 26.03.2018, de um crime de violação de domicílio, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento.
Mais se provou quanto ao arguido BB:
9. O arguido aufere o salário mínimo nacional.
10. O arguido reside com a arguida AA e filho de ambos, de 9 anos de idade.
11. O arguido tem o 7.º ano de escolaridade.
12. Do certificado do registo criminal do arguido não constam antecedentes criminais.
Mais se provou quanto ao arguido CC:
13. O arguido é …, em exercício de funções desde 2009.
14. O arguido aufere €1.200,00 mensais.
15. O arguido reside com a companheira e dois filhos gémeos, com oito meses de idade.
16. A companheira do arguido trabalha.
17. O agregado familiar tem despesas mensais no valor de €1.900,00, referentes a empréstimo para habitação, consumos de agua, electricidade e gás, condomínio e creche.
18. O arguido tem o 12. ano de escolaridade.
19. Do certificado do registo criminal do arguido não constam antecedentes criminais.
Mais se provou quanto à contestação:
20. A propriedade em causa consiste numa Herdade que, à data dos factos, era compropriedade da Queixosa e da Assistente.
21. Em 20.11.2018, os Mandatários da Arguida – na pessoa da Dra. LL - enviaram à Ofendida uma carta na qual solicitaram à Ofendida que removesse os cadeados que colocou na Herdade, uma vez que a colocação dos cadeados na propriedade e a não disponibilização das chaves dos mesmos à Arguida limitava o acesso desta à Herdade que lhe pertence por direito (cfr. doc. n.º 1).
22. Em resposta a tal carta, em 04.12.2018 a Ofendida referiu que, “(…) nunca impedi, por qualquer forma, o acesso à Herdade pela minha irmã, nem tenciono vir a impedir.
23. Como certamente compreenderá, o único local que não permito o acesso é na minha residência, onde tenho todos os meus pertences pessoais e profissionais.”
24. Em 14.10.2020 a Arguida foi condenada por, no dia 26.03.2018 ter entrado na residência da ofendida.
Em tal sentença, junta aos autos pela Ofendida consta que no local existe a “residência da ofendida e demais casas (da arguida e da mãe desta)”.
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FACTOS NÃO PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA
Ficou a constar da sentença, como factos não provados, o seguinte:
“Não se provaram os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
Da acusação pública:
I. No dia 11-08-2020, cerca das 09 horas e 44 minutos, a arguida AA dirigiu-se à Herdade da ..., sita na ..., acompanhada de terceiros que pretenderiam adquirir a referida Herdade, da qual era comproprietária e se encontrava em venda judicial no âmbito da acção de divisão de coisa comum com o n.º 358/18.5T8…, que correu termos no Juízo Local Cível do ….
II. Nesse local e a pretexto de mostrar a totalidade da propriedade, tendo em vista a sua venda a um casal, mais concretamente MM e NN, a arguida cortou a vedação que delimitava a área ocupada pela residência de DD e o jardim adjacente à mesma, da restante propriedade.
III. Acto contínuo, a arguida introduziu-se em tal local e, depois de atravessar o jardim mencionado, entrou na residência de DD, acompanhada do mencionado casal e do agente de execução nomeado no âmbito daqueles autos cíveis, aproveitando-se do facto da porta de acesso à mesma se encontrar aberta.
IV. Instantes depois e ao ter tido conhecimento de que haviam sido contactadas as forças policiais, a arguida ausentou-se daquele local.
V. No dia 16-09-2020, os arguidos, para acederem à área ocupada pela residência de DD e pelo jardim adjacente à mesma, cortaram a vedação que delimitava tal área da restante propriedade, utilizando objecto que não se logrou identificar.
VI. Seguidamente, os arguidos atravessarem o referido jardim e depois entraram na residência de DD, aproveitando-se do facto da porta de acesso à mesma se encontrar aberta.
VII. Instantes depois, e a terem conhecimento de que haviam sido contactadas as forças policiais, os arguidos ausentaram-se daquele local, tendo sido interceptados no exterior da Herdade da ...por militares da GNR, do Posto Territorial de ....
VIII. Ao adoptarem as condutas acima descritas, perpetradas em 11-08-2020 e 16-09-2020, quiseram e conseguiram os arguidos AA, BB e CC aceder ao jardim e ao interior da habitação de DD, bem sabendo esta tinha naquela casa a sua residência efectiva.
IX. Tinham também os arguidos, nas datas indicadas, plena consciência e conhecimento de que não podiam aceder ao mencionado jardim e ao interior de tal habitação, sem a autorização de DD, ali residente, autorização essa que bem sabiam não lhes ter sido concedida, tendo, ainda assim, decidido intrometer-se num espaço de privacidade desta última, o que fizeram.
X. Agiram os arguidos da forma descrita, de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, não se inibindo ainda assim de as realizar.
Do pedido de indemnização civil:
XI. A Demandante foi vítima de um crime de violação do domicilio ou perturbação da vida privada perpetrado no tempo.
XII. Em virtude do comportamento tomado pelos Demandados sobre a Demandante esta sofreu graves crises de pânico, de ansiedade, medos permanentes, passando a ter medo de estar em casa, sentindo-se aterrorizada e perseguida pela ideia que os Demandados, a qualquer hora do dia, entrariam na sua casa, vendo-se forçada a contratar um sistema de vigilância.
XIII. A Demandante ainda não consegue dormir, tendo sucessivos ataques de pânico, terrores nocturnos, ansiedade e medo durante a noite.
XIV. Por temer pela sua própria vida, a Demandante mudou de casa para um local o mais distante possível dos Demandados.
XV. A Demandante ainda tem ataques de pânico, nervosismo, ansiedade, não conseguindo lidar com todo o passado recente, tendo muito medo que os Demandados apareçam e lhe façam mal a si e à sua mãe.
Da contestação:
XVI. Cada vez que a Arguida se deslocava à sua Herdade, a Ofendida apresentava uma queixa crime.
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A demais factualidade alegada, não constante da factualidade provada e não privada, foi considerada não relevante para a decisão da causa ou matéria conclusiva e/ou de Direito.”
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO NA SENTENÇA RECORRIDA
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“De acordo com o artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos Tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.
Por sua vez, o Código de Processo Penal explicita, nos seus artigos 97.º, n.º 4 e 374.º, n.º 2, que a sentença deve especificar os motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: deve o Tribunal lançar‑se à procura do "realmente acontecido" conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objeto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca, derivados da(s) finalidade (s) do processo.
Conforme decorre do Código de Processo Penal, um dos princípios que rege a audiência de discussão e julgamento, é o princípio da imediação que, como se afere do artigo 355.º, se traduz no facto de a convicção do Tribunal, em audiência, resultar da prova examinada ou que nela se produza.
Por seu turno, tal prova está sujeita ao princípio da livre apreciação, segundo o qual aquela é apreciada de acordo com as regras da experiência e da livre convicção da entidade julgadora (cfr. art.º 127.º do CPP).
Quer isto significar que a prova deve ser apreciada na sua globalidade, não através do livre arbítrio, mas de acordo com as regras comuns da lógica, da experiência e dos conhecimentos científicos e vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório.
Todavia, não podemos esquecer que, pese embora este princípio seja a regra geral, existem algumas exceções, nomeadamente: o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art.º 169.º do CPP), a confissão integral e sem reservas no julgamento (art. 344.º do CPP) e a prova pericial (art.º 163.º do CPP).
Em suma, a convicção do Tribunal forma-se, não só com base em dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.
Relativamente às declarações do arguido haverá que ter em conta, porém, o princípio da presunção da inocência, o qual se traduz em que até prova em contrário, o arguido deverá ser considerado inocente – cfr. art.º 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Importa, pois, desta forma, proceder a uma fundamentação de facto que permita alcançar o raciocínio seguido pelo Tribunal na sua decisão.
Nesta conformidade, o Tribunal formou a sua convicção, sobre a factualidade provada e não provada, no conjunto da prova realizada em audiência de discussão e julgamento, analisada de forma crítica e recorrendo a juízos de experiência comum, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal.
A.3.1) Quanto ao ilícito penal
Os arguidos negam a prática dos factos.
A arguida AA prestou declarações circunstanciadas no tempo e no espaço, explicativas da dinâmica familiar, mormente da sua relação com o padrasto (pessoa que “ofereceu” à arguida e ofendida a Herdade objecto dos autos), com a sua mãe e a sua irmã, a ofendida DD, bem como da postura da Assistente quanto à permanência e acesso da arguida àquela propriedade e os factos objecto dos presentes autos.
Quanto aos factos objecto dos autos, a arguida confirmou a ida à Herdade da ... no dia 11 de Agosto de 2020, acompanhada por OO.
Explicou a arguida que, nos dias 6 e 7 de Agosto de 2020, avisou por email a ofendida, o ... – Dr. PP – e o Agente de Execução, da visita a realizar à parte da rústica da Herdade no aludido dia 11 de Agosto.
O objectivo declarado era aferir do estado da Herdade para a sua amostragem a um potencial comprador no âmbito do leilão judicial aberto.
No dia da visita, a arguida ter-se-á deslocado à Guarda Nacional Republicana de … (doravante GNR) a informar da sua visita à Herdade e a solicitar o acompanhamento pelas autoridades, tendo sido informada que apenas em caso de perturbação da ordem pública aquela Guarda teria intervenção.
A arguida confirmou o corte do cadeado do protão principal para aceder ao interior da Herdade, a volta feita pela zona sul da propriedade, a passagem pela zona limítrofe aos armazéns, a presença da Assistente nesse local, junto à vedação, a fotografar a arguida, a continuidade da visita pela parte norte da propriedade, o seguimento da Assistente, JJ e QQ no seu encalço, o bloqueamento do veículo onde seguia, conduzido por OO, pelo veículo onde seguia a Assistente, conduzido por JJ, a saída da arguida do interior do veículo para abrir o portão da Herdade e sair, o seguimento da Assistente no seu encalço, o encerramento do portão pela Assistente para impedir a saída da arguida, o encontrão no ombro desferido pela Assistente na arguida, a tentativa de JJ em atropelar a arguida, o contacto feito pela arguida para a GNR e a saída da arguida e de OO pelo lado norte da Herdade, por portão que delimita a propriedade da propriedade de RR (SS), facto que comunicou à GNR (cfr. relatório de serviço de fls. 7 e 7v), em direcção a ..., onde MM e seu filho, a aguardavam para uma reunião.
Portanto, nas declarações prestadas, a arguida nega o acesso à residência da Assistente no dia 11 de Agosto de 2020.
Quanto ao dia 16 de Setembro de 2020, a arguida confirmou a sua deslocação à Herdade da ..., acompanhada do seu marido – o arguido BB– e o seu amigo – CC -, com o objectivo de ir à sua residência buscar objectos pessoais, atenta a venda iminente da propriedade.
A arguida confirma que “a zona do …” (sic), onde se localizam as residências da mãe da arguida e Assistente, da arguida, a casa ocupada pela Assistente como sua habitação, e alguns armazéns, é delimitada por uma vedação cujo portão, em regra, está trancado com um cadeado (cfr. fls. 436).
Junto à zona de acesso às residências da mãe da arguida e da Assistente e da arguida existe outro portão que, em regra, também está trancado com cadeado.
A arguida afirmou não se recordar se os referidos portões estavam trancados com cadeado. Porém, a ter cortado os cadeados, a arguida afirmou que os substituiu por novos e deixou a chave no local, como sempre fazia.
A arguida confirma ter observado a sua mãe e outra senhora cuja identidade desconhece e não se recordar se II ou JJ estavam no local.
A arguida afirmou peremptoriamente que, desde a sentença condenatória proferida por este Tribunal, não voltou a entrar no jardim que dava acesso às residências da mãe, da arguida e àquela que era ocupada pela Assistente, nem na habitação desta.
Por fim, a arguida esclareceu que a Assistente não alterou a fechadura da casa da arguida, pelo que, a arguida sempre manteve o acesso ao local.
No dia 16 de Setembro de 2020, os arguidos entraram na casa da arguida usando a chave que dispunham, abrindo a porta principal e não acederam a qualquer jardim.
O arguido BBconfirmou a sua presença na Herdade da ... no dia 16 de Setembro de 2020, juntamente com a sua esposa – AA – e o arguido CC.
O arguido confirma a quebra do cadeado que trancava o portão secundário de acesso à Herdade e afirmou que os demais portões, referidos pela arguida, não estavam trancados com cadeado. Confirmou o acesso à residência da arguida através da respectiva porta principal e nega o acesso ou permanência no jardim comum às residências.
Por fim, o arguido referiu que, ao saírem da Herdade, foram abordados pela GNR.
O arguido CC confirmou a sua presença na Herdade da ...no dia 16 de Setembro de 2020, juntamente com AA e o arguido BB
O arguido confirma a quebra do cadeado que trancava o portão secundário de acesso à Herdade e afirmou que os demais portões, referidos pela arguida, não estavam trancados com cadeado. Confirmou o acesso à residência da arguida através da respectiva porta principal e nega o acesso ou permanência no jardim comum às residências.
Por fim, o arguido referiu que a abordagem da GNR ocorreu junto às residências e estavam presentes a Assistente, a mãe da arguida e da Assistente e II.
A Assistente e FF faltaram na data designada para as suas declarações e depoimento.
Nessa data, prestaram depoimento II, amigo da Assistente e outrora amigo da arguida, JJ, ex-trabalhador na ... e TT, militar da GNR.
II afirmou a sua presença na Herdade da ... no dia 16 de Setembro de 2020, designadamente no pomar, a acompanhar a Assistente, quando esta recebeu uma chamada telefónica de FF – pessoa que presta assistência a GG, mãe da arguida e da Assistente – a informar a presença de dois homens na casa. A Assistente consultou as imagens das câmaras de vigilância e observou a presença da arguida e de dois homens que não conhecia no jardim da sua residência, tendo partilhado o visionamento dessas imagens com a testemunha, ao mesmo tempo que esta exercia a condução do veículo automóvel em direcção à zona das residências.
A testemunha afirmou que a arguida entrou na casa da Assistente, onde permaneceu três minutos e na casa que pertence à mãe de ambas, na qual estava instalado o escritório da Assistente, onde permaneceu mais três minutos.
A testemunha afirmou que, ao chegar, juntamente com a Assistente, à zona das residências, tendo efectuado o percurso em sete minutos, os arguidos já “estavam a ir embora” (sic).
Existindo contradição no depoimento na testemunha entre o depoimento prestado em sede de inquérito, perante a GNR (fls. 88 a 90) e aquele que prestou em audiência de discussão e julgamento, foram os sujeitos processuais notificados para declararem a sua anuência à leitura do depoimento prestado em sede de inquérito, tendo sido manifestada oposição pela Assistente. na sequência da contradição, foi determinada a extracção de certidão para remessa ao DIAP e investigação pelo crime de falsidade de testemunho.
JJ, trabalhou na ... desde 01.10.2015 até 2019/2020.
A testemunha confirmou a presença da arguida na ..., onde também se encontrava, no dia 11 de Setembro (ainda que não saiba explicar o motivo pelo qual se lembra do dia 11), no período da manhã (cerca das 11 horas).
A testemunha observou o cadeado de um dos portões de acesso à herdade cortado e dirigiu-se à “zona do ...” para informar a Assistente. Nesse momento, surge a arguida e OO num veículo automóvel vindos do lado do pomar. A Assistente deu ordem à testemunha para trancar a saída da Herdade porquanto ia chamar a GNR.
A testemunha cumpriu a ordem da Assistente e, quando se encontrava junto ao portão de acesso à Herdade, surgiu a GNR, a qual recebeu um telefonema da arguida a informar que tinha saído da propriedade por outro local.
A testemunha afirmou que a arguida tentou “entrar em casa da DD, mas nunca conseguiu lá entrar porque a porta estava sempre fechada e a sua esposa estava lá em casa” (sic) (pelo menos até cerca de 2019).
TT, militar da GNR, apenas se deslocou à Herdade numa ocasião, a pedido de JJ, devido ao corte da vedação da plantação de pessegueiros e sistema de rega vandalizado.
DD, Assistente nos autos, narrou os factos ocorridos nos dias 11 de Agosto e 16 de Setembro de 2020.
Quanto ao dia 11 de Agosto de 2020, a Assistente afirmou que a arguida “não entrou na zona do ...” (sic) e, com esta afirmação, refuta a factualidade constante da acusação, pois o domicílio da Assistente insere-se dentro da “zona do ...”.
Quanto ao dia 16 de Setembro de 2020, a Assistente afirmou que, enquanto estava no pomar com o seu amigo II, no período da manhã, recebeu uma chamada telefónica de FF, a informar a presença de três pessoas no jardim comum à sua residência, à casa da sua mãe, onde funcionava o seu escritório, e à casa da arguida, pedindo-lhe para ligar à polícia.
A Assistente consultou a aplicação no telemóvel das câmaras de vigilância e observou, em tempo real, os arguidos, o que lhe causou enorme aflição. Imediatamente interrompeu a visualização, telefonou para a GNR e entrou no veículo automóvel, conduzido por II para se dirigirem à “zona do ...”. Enquanto faziam o percurso, a Assistente voltou a consultar as imagens, em tempo real, das câmaras de vigilância e observou a arguida AA a tentar entrar na sua própria casa, através da portada que dá acesso ao jardim, não tendo conseguido porque estava fechada, depois a arguida entrou na casa que era da mãe de ambas, onde funcionava o escritório da Assistente (sem conhecimento da arguida) e seguidamente observou a arguida dirigir-se para a casa da Assistente, onde entrou e saiu segundos depois, tendo a Assistente partilhado estas imagens com II, enquanto este exercia a condução.
A Assistente afirmou que, ao chegar junto das residências, os arguidos já não se encontravam no local, encontrando-se junto ao portão do sobreiro (um dos portões de acesso à Herdade), pelo que, voltou a telefonar para a GNR
A testemunha confirmou que compareceram dois militares da GNR no local. O HH, o qual “não fez o seu trabalho” (sic), pois “a GNR era favorável à AA” (sic) e o “padrasto tinha muita influência” (sic).
Instada sobre a gravação das imagens das câmaras de vigilância, a Assistente afirmou inexistir, correndo termos em tribunal um processo contra a empresa de ... “...”.
A Assistente referiu que, sempre que os arguidos entravam na Herdade havia cortes das redes, animais mortos, abelhas mortas, cavalo envenenado e material danificado.
A Assistente negou a reposição de cadeados pela arguida e o aviso do seu ... da visita a realizar pela arguida.
FF, presta assistente à mãe da Assistente e arguida desde Outubro de 2019.
A testemunha confirmou que, em meados de Setembro de 2020, quando estava com a mãe da arguida e da Assistente no interior da residência desta, observou, no jardim da comum à residência da Assistente, da arguida e da mãe destas, a arguida, o seu marido e outro senhor, os quais identificou em audiência de discussão e julgamento.
Esclareceu que a arguida AA tentou abrir “o janelão” da sua residência, mas não conseguiu porque estava trancado. De seguida, entrou na casa que era da sua mãe, na qual funcionava o escritório da Assistente, através do “janelão”, o qual estava entreaberto, tendo permanecido alguns minutos no interior. Depois a arguida saiu da aludida casa e a testemunha deixou de conseguir ver a sua localização, bem como dos arguidos, os quais permaneceram sempre no jardim.
A testemunha referiu que a porta da cozinha da residência da Assistente estava entreaberta, mas quando os arguidos abandonaram o local ficou aberta. Todavia, a testemunha não sabe afirmar o que aconteceu.
A testemunha telefonou para a Assistente quando os arguidos abandonaram o local, a pedir-lhe que chamasse a GNR pois, quer a testemunha, quer a mãe da Assistente e arguida estavam muito assustadas.
Como a GNR não surgiu, a testemunha voltou a contactar a Assistente, a qual lhe respondeu que os arguidos estavam a passar na zona do pomar.
A Assistente regressou da zona do pomar, mas demorou.
A testemunha afirmou que o portão da vedação que circunda a “zona do ...” estava, em regra, sem cadeado.
O portão de acesso ao jardim comum das residências estava, em regra, fechado apenas no trinco.
UU, militar da GNR, confirmou e relatou as três deslocações efectuadas à ..., a ultima das quais em 16 de Setembro de 2020 (cfr. fls. 20 a 23), tendo confirmado a identificação dos arguidos junto à ... e a conversa com a Assistente, a qual foi deselegante ao dizer-lhe que não a protegia.
NN nega a sua presença no dia dos factos objecto dos autos.
MM afirmou que nunca esteve na ... acompanhado pela arguida, mas esteve com AA e outro senhor em ..., numa reunião.
OO afirmou conhecer todos os intervenientes da ..., tendo feito primeiramente negócio com a Assistente e posteriormente se deslocado à Herdade, em seis ou sete ocasiões, com a arguida para “dar de comer às vacas” e com potenciais compradores.
A testemunha descreveu os factos ocorridos a 11 de Agosto de 2020 em sentido convergente com as declarações da arguida.
Esta foi a prova produzida em audiência de discussão e julgamento. E tal prova foi insuficiência para alicerçar o libelo acusatório.
Nenhuma das referidas testemunhas, nem a Assistente, confirmaram a presença da arguida AA, no dia 11 de Agosto de 2020, na casa ocupada pela Assistente como seu domicilio.
Portanto, os factos ocorridos no dia 11 de Agosto de 2020 só podem ser dados como não provados.
Quanto aos factos alegadamente ocorridos no dia 16 de Setembro de 2020, são muitas as incongruências e falsidades. Note-se:
Afinal as portas de acesso à residência da Assistente estavam abertas, como afirma a acusação pública, ou estavam sempre fechadas, como afirmam as testemunhas II e JJ?
Se FF telefonou à Assistente apenas quando os arguidos abandonaram o local, como pode a Assistente e II terem visto os arguidos e os acessos alegadamente feitos, através das câmaras de vigilância, em tempo real?
Se a arguida tinha a chave da sua residência e acesso livre à mesma, porque razão iria tentar entrar na habitação pela janela que dá acesso ao jardim?
Se FF e D. GG estavam em pânico porque razão FF não trancou a porta da cozinha e permitiu que ficasse aberta possibilitando o livre acesso dos arguidos ao interior da residência onde estavam?
Porque razão a Assistente e as testemunhas afirmam ter medo dos arguidos se nunca descreveram qualquer agressão por estes perpetrada ou tentada?
Se as entradas indevidas e prejuízos na ... eram recorrentes e geradores de pânico, pelo menos desde 2018 (data dos factos que deram origem à condenação da arguida AA – cfr. fls. 355 a 371 verso) porque razão o sistema das câmaras de vigilância não gravava as imagens? E porque razão a Assistente não resolveu atempadamente esse problema, como forma de garantir a sua ... e da propriedade?
Como é possível alguém exercer a condução de um veículo automóvel, numa situação de aflição, efectuar um percurso em sete minutos e, ao mesmo tempo, observar imagens num telemóvel de factos que alegadamente ocorreram em seis minutos?
Como é possível observar imagens em tempo real de factos ocorridos em seis minutos, quando a Assistente durante esse lapso temporal alegadamente atendeu duas chamadas telefónicas de FF e efectuou uma chamada para a GNR?
Se a arguida desconhecia que a casa da sua mãe era, à data dos factos, o escritório da assistente (facto afirmado pela própria Assistente) como podia ser a sua hipotética entrada ilícita? (nenhuma prova se fez que a mãe de ambas não permitisse tal acesso).
A prova é, portanto, inconsistente para a prova dos factos.
Os arguidos presumem-se inocentes.
Não cabe aos arguidos provar a sua inocência, mas sim ver provada a sua culpa, através de prova a produzir em audiência de discussão e julgamento.
Alguém faltou com a verdade na narração dos factos do dia 16 de Setembro de 2020.
A prova testemunhal produzida quanto a este dia fez um esforço hercúleo em colocar os arguidos no interior do jardim e a arguida dentro da casa da Assistente.
Porém, dentro do jardim ninguém cometeria crime algum.
FF não viu a arguida entrar na casa da Assistente. e não se diga que o escritório, em funcionamento naquela data na casa da mãe da arguida e da Assistente, era domicilio da Assistente, pois a arguida não sabia de tal escritório e, como tal, caso tivesse entrado, não teria dolo de violar o domicílio da Assistente.
A Assistente e II também nada podem ter visto, pois FF apenas telefonou à Assistente quando os arguidos já tinham abandonado o local. Logo, por indução lógica, a Assistente e II nada podem ter observado na aplicação das câmaras de vigilância, a qual transmitia imagem em tempo real e não gravada.
Assim, face a tais incongruências, onde não houve confluência de prova, o tribunal considerou os factos não provados.
A compropriedade da ... em nome da arguida e da Assistente resulta igualmente dos documentos de fls. 170 a 176 e 281 a 283.
A Assistente não podia, nem devia, “apropriar-se” da propriedade, com implementação de projectos profissionais, sem o consentimento da arguida, e, com esse motivo, querer limitar o acesso da arguida à sua propriedade, violando este seu direito.
A condenação sofrida pela arguida no âmbito do processo comum singular n.º 57/18.8GDMTJ, que correu termos neste Juiz 2 deste Juízo Local, assenta unicamente no acesso da arguida ao interior da casa ocupada pela Assistente como seu domicilio, e não ao jardim da mesma, o qual é comum também à residência da arguida, facto assumido pela própria Assistente.
Portanto, ao contrário do afirmado, o tribunal nunca disse que a arguida não podia entrar no jardim. A arguida não podia era aceder ao interior da habitação da Assistente, seja pelo jardim (como ocorreu no aludido processo), seja por qualquer outro acesso. E esse impedimento só foi comunicado à arguida no dia da leitura da sentença, ou seja, em 14.10.2020. Pelo que, a Assistente incorre em erro quando afirmou que, no dia 16 de Setembro de 2020, a arguida já tinha sido avisada pelo tribunal que não podia entrar.
A.3.2) Quanto à situação sócio-económica e condição pessoal
A factualidade respeitante à situação pessoal e sócio-económica dos arguidos alicerçou-se na valoração positiva das suas declarações, as quais foram tidas como reveladoras de factos verídicos não sendo infirmadas pelos elementos constantes dos autos, nem pelas regras da experiência.
A.3.3) Quanto aos antecedentes criminais
Os antecedentes criminais da arguida resultam da análise do teor do certificado de registo criminal, junto na ref.ª 37094263 do PE.
A ausência de antecedentes criminais dos arguidos resulta da análise do teor dos certificados de registo criminal, juntos nas ref.ªs 37094265 do PE (CC) e 29040805 do PE (BB).
A.3.4) Quanto ao pedido de indemnização civil
A Demandante Civil prestou declarações afirmou que o dia 16 de Setembro de 2020 foi particularmente traumático pois já decorria uma audiência de discussão e julgamento por factos de idêntica natureza e onde tinha sido dito á arguida que não podia entrar.
Na sequência dos factos alegadamente ocorridos no dia 16 de Setembro, a Demandante teve ataques de pânico e começou a tomar antidepressivos, pois não dormia, trabalhava mal, tendo sido diagnosticada uma depressão.
II, afirmou o estado de stress da Demandante, o estado depressivo e toma de medicação, o abalo psicológico manifestado na incapacidade de dormir, no pânico permanente e sobressalto, tudo consequência do comportamento dos Demandados.
Instada a testemunha sobre se o estado depressivo da Demandante não era já anterior aos factos objecto destes autos, a testemunha afirmou não saber.
Por fim, a testemunha afirmou que a Demandante já está recuperada.
JJ afirmou que a Demandante tinha medo e ficava nervosa, o que obrigava a testemunha a permanecer na Herdade até às 00h-1h da madrugada.
FF afirmou que estavam sempre em pânico e em alerta.
Ainda que a Demandante e as referidas testemunhas façam referência a pessoas que acompanhavam a Demandada quando esta se deslocava à Herdade e que tais pessoas visavam amedrontar e/ou intimidar a Demandante, a verdade é que DD e as testemunhas não conseguiram estabelecer qualquer relação entre a Demandada, e a sua conduta, e o medo, angustia e terror, alegadamente sentidos.
Quanto à toma de medicação pela Demandante, valorou o tribunal os documentos de fls. 375-376.
Quanto à contratação do sistema de vigilância, decorre das declarações da própria Demandante que o sistema já existia antes dos factos objecto destes autos, pelo que, não foi a alegada conduta dos arguidos nos dias 11 de Agosto e 16 de Setembro de 2002 que determinou a sua instalação.
Por fim, sempre se dirá que II afirmou que a Demandante já está recuperada.
Assim, ponderada a prova, o tribunal considerou não provados os factos.”
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III - APRECIAÇÃO DO RECURSO
Nas conclusões apresentadas insurge-se a recorrente contra a matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal a quo, argumentando que foi feita “uma incorrecta valoração da prova produzida e consequentemente uma aplicação errada por viciada da Lei aos factos atenta a prova produzida.”, valorando as declarações da arguida, as quais foram contraditórias, e desconsiderando, no essencial, as declarações da assistente que foram “declarações detalhadas, sinceras e circunstanciadas no tempo e lugar, dizendo o que sucedeu como sucedeu e negando o que não sucedeu”.
Reclama, face a esse seu entendimento, que se considere como provado que “os arguidos estiveram no dia 16 de setembro de 2020, não só na herdade, bem como no ... e ainda no jardim anexo á residência e escritório da Assistente, tendo ingressado no interior dos mesmos”
Sendo, no essencial, e nesta parte, estes os termos da alegação da recorrente, urge apreciar e decidir:
Estando em causa a impugnação da matéria de facto, a mesma pode apresentar-se na sua forma restrita, situação em que o vício alegado resulta do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum1 mas sem recurso a quaisquer elementos exteriores, e seja um dos que a lei enumera no artigo 410, n.º 2 do Código de Processo Penal), ou de forma alargada ou irrestrita, remetendo-nos para a prova documentada na primeira instância, exigindo-se ao Tribunal da Relação que proceda à audição ou visualização das passagens da documentação indicadas pelo recorrente e recorrido e outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, socorrendo-se, para o efeito, do princípio da livre apreciação da prova, podendo, se for o caso, modificar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto (cf. artigos 127.º, 412 e 431.º, todos do Código de Processo Penal).2
Em qualquer dos casos, estamos perante sempre vícios da decisão, não do julgamento, como refere Maria João Antunes, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro - Março de 1994, pág. 121.
Nos casos de impugnação ampla da matéria de facto, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, sempre em relação aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Ao Tribunal de recurso cabe verificar se os concretos pontos de facto questionados pelo recorrente têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente, em cumprimento do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, e que este considera imporem decisão diversa (neste sentido, cf. Ac. STJ de 14.03.2007 (ECLI:PT:STJ:2007:07P21.5C), de 23.05.2007 (ECLI:PT:STJ:2007:07P1498.95), de 03.07.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:08P1312.21), de 29.10.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:07P1016.19) e de 20.11.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:08P3269.6B).
Não visando este tipo de recurso constituir-se como um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º 3, do C.P. Penal: «3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas
Neste plano, ao recorrente exige-se a especificação dos «concretos pontos de facto», isto é, a indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados, bem como a especificação das «concretas provas», isto é, a indicação do conteúdo do meio de prova ou de obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Acresce, que havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao que tiver sido consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens das gravações em que fundamenta a impugnação, não bastando a simples remissão para a totalidade de um ou de vários depoimentos, ou o seu resumo feito pelo recorrente, pois são essas passagens concretas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo Tribunal de recurso, como é exigido pelo artigo 412º, nºs 4 e 6 do Código de Processo Penal.3
A especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).
Em suma, para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente de especificar, nas conclusões, quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas [específicas] que impõem decisão diversa da recorrida, demonstrando-o, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as [se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados] ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos [quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens]
No caso em apreço, a recorrente ainda que pretenda que o Tribunal de recurso faça uma reapreciação da prova produzida, referenciando, para o efeito e de uma forma não concretizada, nos suportes áudio, vários depoimentos e declarações produzidos em audiência de julgamento, não cumpriu com o referido ónus de impugnação.
A recorrente limitou-se a manifestar a opinião sobre os valor de cada depoimento ou declaração, atendo-se apenas na sua pessoalíssima visão dos acontecimentos, não estabelecendo qualquer relação entre o conteúdo específico de cada meio de prova, ou conjugação de meios de prova (que não indica por referência aos suportes áudio gravados, como lhe eram imposto), e cada facto individualizado que considera incorretamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida – a demonstração desta imposição competia também à recorrente.
Na verdade, analisadas as conclusões do recurso facilmente se constata que a recorrente não cumpriu o ónus de impugnação especificada, em obediência ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal, não satisfazendo as conclusões apresentadas a exigência da tríplice especificação legalmente imposta, nos casos de impugnação ampla.
E, por outro lado, uma leitura atenta da motivação, torna evidente que também esta não consente tal especificação.
Não tendo cumprido a recorrente (nas conclusões ou sequer no corpo da motivação) o ónus de impugnação especificada a que estava vinculada, não pode este Tribunal da Relação conhecer do respetivo recurso nesta parte afetada.
Deste modo, encontra-se afastada a possibilidade de fazer-lhe um convite para aperfeiçoamento, pois trata-se de uma deficiência da estrutura da motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso, sendo que tal procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso – neste sentido, vd. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.10.2004 , e os acórdãos do Tribunal Constitucional nos 259/2002, de 18.06.2002, e 140/2004, de 10.03.2004, ambos consultáveis em www.tribunalconstitucional.pt.
Impõe-se, pois, a rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.
Não obstante, o que realmente resulta, desde logo, das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal da assistente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal a quo firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, cumprindo não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.
Neste plano, regendo o princípio da livre apreciação da prova, é necessário ter presente que o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis.
Desde logo, tal juízo assenta na credibilidade que mereceu ao tribunal os meios de prova apresentados e produzido, o qual depende substancialmente da imediação, intervindo elementos não racionalmente explicáveis.
Por outro lado, é importante realçar que na valoração da prova resulta de um processo lógico-racional assente em deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios. Este é um momento que assentando aquele primeiro plano de valoração da prova assente na imediação, já não depende desta, baseando nas regras da lógica, nos princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
Tendo presente estes dois planos, facilmente se constata que a credibilidade dos depoimentos sendo um juízo eminentemente subjetivo, depende, essencial e substancialmente, da imediação, princípio que, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas de índole testemunhal, permite, num quadro de emissão e receção de sinais de comunicação - que não apenas de palavras, mas também de gestos ou outras formas de ação/reação, como o próprio silêncio - potenciar a adequada apreciação dos depoimentos.
Esta imediação é absolutamente fundamental para avaliar a prova produzida, designadamente para aferir da credibilidade de um depoimento, uma vez que este não ocorre no vazio, numa realidade assética, antes desenvolve-se num contexto captado pelo julgador, em audiência de julgamento, na observação da respetiva posição corporal, fluidez do discurso, assertividade, gestos, olhares e hesitações, tom de voz, embaraços e desembaraços evidenciados ao longo do mesmo.
Como expressivamente refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.10.2021 (ECLI:PT:TRL:2021:510.19.6S5LSB.L1.5.DD), “apenas séria discrepância entre o que motivou o tribunal de 1ª instância e aquilo que resulta da prova por declarações prestada, no seu todo e à luz de regras de experiência comum, pode ser de molde a inverter aquela factualidade, impondo, nas palavras da lei, outra decisão (…). As declarações são ainda indissociáveis da atitude e postura de quem as presta, olhares, trejeitos, hesitações, pausas e demais reacções comportamentais às diversas perguntas e questões abordadas, isoladas ou entre si combinadas, bem como a regras de experiência e senso comuns à luz da normalidade dos comportamentos humanos. Nunca se poderá ainda perder de vista a circunstância de, por princípio, ter aquela observação levado em devida conta a apreciação comunitária e o exame individual de todos os intervenientes no caso, perante o tribunal e durante a audiência, com todas as vantagens atinentes e intrínsecas à imediação, desta resultando, sem qualquer tipo de reserva, factores impossíveis de controlar após o respectivo encerramento. De resto, tal como em relação à prova em geral, especialmente no que toca à prova por declarações e muito particularmente depois a todo o seu caldeamento com a generalidade do material probatório recolhido. Toda a sensibilidade que ali desfila, individual, mas também geral, tem enorme importância no sentenciamento justo e é impossível apartá-lo da resposta que o tribunal irá dar ao caso concreto, em nome da comunidade. Matéria tão importante quanto impossível de captar para futura reprodução. Só a imediação, a par da oralidade, garante o processo e decisão justos, princípios adquiridos com ..., vai para mais de um século.”
Neste plano, cabe apenas ao tribunal de recurso verificar, controlar, se o tribunal a quo, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, sendo certo que tal apreciação deverá ser feita com base na motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação da sua escolha – ou seja, no cumprimento do disposto no artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Nesta matéria, é necessário ter sempre presente que havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova apresentada, se a decisão recorrida se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções, face às regras da experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, porquanto foi proferida em obediência ao previsto nos art.ºs 127º e 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal (cf., Ac. TRL de 02.11.2021, ECLI:PT:TRL:2021:477.20.8PDAMD.L1.5.A4.).
Só quando das provas indicadas apenas for possível uma decisão diversa da decidida é que a decisão recorrida deverá ser alterada pelo Tribunal de recurso. Como anota o Tribunal da Relação de Lisboa de 29.03.2011, (ECLI:PT:TRL:2011:288.09.1GBMTJ.L1.5.12) “A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem”.
Conforme refere o Juiz Conselheiro Pires da Graça, no Acórdão do STJ de 13.02.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:07P4729.2B), «O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art.º 127.° do CPP. A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em 1.ª instância. O art.º 127.º indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova
Conforme salienta o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.09.2009 (ECLI:PT:TRC:2009:363.08.OOGAACB.1.09), «Quanto à valoração da prova oral existe grande diferença entre a apreciação feita em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso com base em gravações. A sensibilidade à forma como a prova testemunhal se produz tem íntima ligação com a imediação. Por isso já se referiu que “na viva voz falam também o rosto, os olhos, o movimento, o tom, o modo de dizer e tantas outras pequenas circunstâncias que (…) fornecem tantos indícios a favor ou contra o afirmado”. O julgador deve manter-se atento à comunicação verbal mas também à comunicação não verbal. Se a primeira ainda é susceptível de ser surpreendida pelo tribunal de recurso mediante a audição do gravado, fica impossibilitado de aceder à segunda para complementar e interpretar aquela. Assim, quando a opção do julgador se centra em prova oral, o tribunal de recurso só estará em condições de a sindicar se esta for contrária às regras da experiência, da lógica, dos conhecimentos científicos, ou não tiver qualquer suporte directo ou indirecto nas declarações ou depoimentos prestados. E o juiz pode formar a sua convicção na base dum só testemunho ou declarações desde que se convença que nele reside a verdade do ocorrido. O juiz pressuposto é o juiz capaz de pôr o melhor da sua inteligência e conhecimento das realidades da vida na apreciação do material probatório com que é confrontado
Não sendo o ato de julgar um ato arbitrário ou discricionário, o mesmo é balizado pelas regras do raciocínio lógico, da experiência, tendo sendo sempre como fundo a imediação na produção de prova.
Em suma, ao Tribunal de recurso cabe apenas sindicar se o Tribunal a quo, ao formar a sua convicção, fê-lo no respeito do princípio da livre apreciação da prova, num raciocínio lógico que se comunica aos demais, e em cumprimento do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Se é certo que a lei permite o recurso com base em um alegado erro de apreciação da prova pelo Tribunal recorrido, tal não se traduz na consideração que a convicção pessoal de cada um dos intervenientes processuais se possa sobrepor á convicção do Tribunal quando este respeitou os princípios supra enunciados.
No caso em apreço, da leitura da decisão recorrida resulta que a conjugação de todos os elementos de prova foi explicada, com riqueza de pormenor, em termos que merecem a nossa inteira adesão, uma vez que da mesma não pode deixar de resultar contradições e incoerências que, manifestamente, não podem alicerçar qualquer juízo de ocorrência dos factos como pretende a assistente.
Com efeito, a apreciação da prova não é feita por segmentos isolados, estanques, opacos e incomunicáveis entre si, mas antes através da análise de todo o acervo produzido e da sua ponderação à luz dos critérios estabelecidos no artigo 127º do Código de Processo Penal.
A convicção alcançada pelo Tribunal a quo mostra-se assente não apenas na prova testemunhal e documental elencada, mas também nas regras de experiência comum, na lógica e no normal suceder das coisas.
Desde logo, é preciso ter presente neste processo estamos perante assistente e arguidos com sérias dificuldades de relacionamento, não obstante – e talvez por isso – a sua ligação familiar. A ponderação da prova deve ter presente este elemento, tanto mais que em situações de inimizade entre as partes, de forte emoção e interesse pessoal, o escrutínio e valoração da prova deverá ter presente tal circunstancialismo, que poderá condicionar a veracidade da mesma, exigindo-se uma especial atenção a tais condicionantes. Apenas na medida em que após tal juízo valorativo, possa o tribunal concluir pela não afetação da prova por qualquer uma daquelas condicionantes, deverá o tribunal aproveitar a mesma para fundamentar a sua decisão.
Com efeito seja por erro de perceção ou de memorização ou ainda intencionalmente por se entender que daí possa resultar benefício próprio ou para pessoa amiga ou familiar, nestas situações existe um risco acrescido de ocorrerem relatos dos factos com versões díspares e mesmo absolutamente contraditórios dos mesmos tempos e espaços da história.
Neste contexto, ao invés do pressuposto pela recorrente, o julgamento imparcial exige a ponderação rigorosa de todas as referidas contradições e incongruências, as quais, subsistindo após a análise e conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante, não deixarão de desembocar numa decisão de não prova dos mesmos.
Com efeito, não será a circunstância de o tribunal se deparar com versões contraditórias ou de o arguido afirmar repetidamente a sua inocência que deva conduzir a uma situação de dúvida intransponível e um consequente juízo probatório de «não provado», mas tal ocorrerá se, a final do labor do tribunal de valoração da prova, tais contradições e incongruências subsistirem, não permitindo ao tribunal, concluir, com a ... e certeza jurídica exigidas, pela verificação de uma qualquer factualidade.
Atentas tais considerações e analisada a decisão recorrida, designadamente a respetiva fundamentação, não podemos deixar de concluir que a mesma foi elaborada de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, sendo o mais razoável, aquele expresso pelo Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto.
O Tribunal a quo apreciou criticamente todas as provas produzidas conjugadas entre si e com as regras de experiência comum, conforme consta da respetiva fundamentação de facto.
Com efeito, da decisão recorrida, na parte que ora interessa, resulta que o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, nos seguintes termos:
“A arguida AA prestou declarações circunstanciadas no tempo e no espaço, explicativas da dinâmica familiar, mormente da sua relação com o padrasto (pessoa que “ofereceu” à arguida e ofendida a Herdade objecto dos autos), com a sua mãe e a sua irmã, a ofendida DD, bem como da postura da Assistente quanto à permanência e acesso da arguida àquela propriedade e os factos objecto dos presentes autos.
Quanto aos factos objecto dos autos, a arguida confirmou a ida à ... no dia 11 de Agosto de 2020, acompanhada por OO.
Explicou a arguida que, nos dias 6 e 7 de Agosto de 2020, avisou por email a ofendida, o ... – Dr. PP – e o Agente de Execução, da visita a realizar à parte da rústica da Herdade no aludido dia 11 de Agosto.
O objectivo declarado era aferir do estado da Herdade para a sua amostragem a um potencial comprador no âmbito do leilão judicial aberto.
No dia da visita, a arguida ter-se-á deslocado à Guarda Nacional Republicana de ... (doravante GNR) a informar da sua visita à Herdade e a solicitar o acompanhamento pelas autoridades, tendo sido informada que apenas em caso de perturbação da ordem pública aquela Guarda teria intervenção.
A arguida confirmou o corte do cadeado do protão principal para aceder ao interior da Herdade, a volta feita pela zona sul da propriedade, a passagem pela zona limítrofe aos armazéns, a presença da Assistente nesse local, junto à vedação, a fotografar a arguida, a continuidade da visita pela parte norte da propriedade, o seguimento da Assistente, JJ e QQ no seu encalço, o bloqueamento do veículo onde seguia, conduzido por OO, pelo veículo onde seguia a Assistente, conduzido por JJ, a saída da arguida do interior do veículo para abrir o portão da Herdade e sair, o seguimento da Assistente no seu encalço, o encerramento do portão pela Assistente para impedir a saída da arguida, o encontrão no ombro desferido pela Assistente na arguida, a tentativa de JJ em atropelar a arguida, o contacto feito pela arguida para a GNR e a saída da arguida e de OO pelo lado norte da Herdade, por portão que delimita a propriedade da propriedade de RR (SS), facto que comunicou à GNR (cfr. relatório de serviço de fls. 7 e 7v), em direcção a ..., onde MM e seu filho, a aguardavam para uma reunião.
Portanto, nas declarações prestadas, a arguida nega o acesso à residência da Assistente no dia 11 de Agosto de 2020.
Quanto ao dia 16 de Setembro de 2020, a arguida confirmou a sua deslocação à ..., acompanhada do seu marido – o arguido BB – e o seu amigo – CC-, com o objectivo de ir à sua residência buscar objectos pessoais, atenta a venda iminente da propriedade.
A arguida confirma que “a zona do ...” (sic), onde se localizam as residências da mãe da arguida e Assistente, da arguida, a casa ocupada pela Assistente como sua habitação, e alguns armazéns, é delimitada por uma vedação cujo portão, em regra, está trancado com um cadeado (cfr. fls. 436).
Junto à zona de acesso às residências da mãe da arguida e da Assistente e da arguida existe outro portão que, em regra, também está trancado com cadeado.
A arguida afirmou não se recordar se os referidos portões estavam trancados com cadeado. Porém, a ter cortado os cadeados, a arguida afirmou que os substituiu por novos e deixou a chave no local, como sempre fazia.
A arguida confirma ter observado a sua mãe e outra senhora cuja identidade desconhece e não se recordar se II ou JJ estavam no local.
A arguida afirmou peremptoriamente que, desde a sentença condenatória proferida por este Tribunal, não voltou a entrar no jardim que dava acesso às residências da mãe, da arguida e àquela que era ocupada pela Assistente, nem na habitação desta.
Por fim, a arguida esclareceu que a Assistente não alterou a fechadura da casa da arguida, pelo que, a arguida sempre manteve o acesso ao local.
No dia 16 de Setembro de 2020, os arguidos entraram na casa da arguida usando a chave que dispunham, abrindo a porta principal e não acederam a qualquer jardim.
O arguido BB confirmou a sua presença na Herdade da ...no dia 16 de Setembro de 2020, juntamente com a sua esposa – AA – e o arguido CC.
O arguido confirma a quebra do cadeado que trancava o portão secundário de acesso à Herdade e afirmou que os demais portões, referidos pela arguida, não estavam trancados com cadeado. Confirmou o acesso à residência da arguida através da respectiva porta principal e nega o acesso ou permanência no jardim comum às residências.
Por fim, o arguido referiu que, ao saírem da Herdade, foram abordados pela GNR.
O arguido CC confirmou a sua presença na ... no dia 16 de Setembro de 2020, juntamente com AA e o arguido BB
O arguido confirma a quebra do cadeado que trancava o portão secundário de acesso à Herdade e afirmou que os demais portões, referidos pela arguida, não estavam trancados com cadeado. Confirmou o acesso à residência da arguida através da respectiva porta principal e nega o acesso ou permanência no jardim comum às residências.
Por fim, o arguido referiu que a abordagem da GNR ocorreu junto às residências e estavam presentes a Assistente, a mãe da arguida e da Assistente e II.
A Assistente e FF faltaram na data designada para as suas declarações e depoimento.
Nessa data, prestaram depoimento II, amigo da Assistente e outrora amigo da arguida, JJ, ex-trabalhador na ... e TT, militar da GNR.
II afirmou a sua presença na ... no dia 16 de Setembro de 2020, designadamente no pomar, a acompanhar a Assistente, quando esta recebeu uma chamada telefónica de FF – pessoa que presta assistência a GG, mãe da arguida e da Assistente – a informar a presença de dois homens na casa. A Assistente consultou as imagens das câmaras de vigilância e observou a presença da arguida e de dois homens que não conhecia no jardim da sua residência, tendo partilhado o visionamento dessas imagens com a testemunha, ao mesmo tempo que esta exercia a condução do veículo automóvel em direcção à zona das residências.
A testemunha afirmou que a arguida entrou na casa da Assistente, onde permaneceu três minutos e na casa que pertence à mãe de ambas, na qual estava instalado o escritório da Assistente, onde permaneceu mais três minutos.
A testemunha afirmou que, ao chegar, juntamente com a Assistente, à zona das residências, tendo efectuado o percurso em sete minutos, os arguidos já “estavam a ir embora” (sic).
Existindo contradição no depoimento na testemunha entre o depoimento prestado em sede de inquérito, perante a GNR (fls. 88 a 90) e aquele que prestou em audiência de discussão e julgamento, foram os sujeitos processuais notificados para declararem a sua anuência à leitura do depoimento prestado em sede de inquérito, tendo sido manifestada oposição pela Assistente. na sequência da contradição, foi determinada a extracção de certidão para remessa ao DIAP e investigação pelo crime de falsidade de testemunho.
JJ, trabalhou na ... desde 01.10.2015 até 2019/2020.
A testemunha confirmou a presença da arguida na ..., onde também se encontrava, no dia 11 de Setembro (ainda que não saiba explicar o motivo pelo qual se lembra do dia 11), no período da manhã (cerca das 11 horas).
A testemunha observou o cadeado de um dos portões de acesso à herdade cortado e dirigiu-se à “zona do ...” para informar a Assistente. Nesse momento, surge a arguida e OO num veículo automóvel vindos do lado do pomar. A Assistente deu ordem à testemunha para trancar a saída da Herdade porquanto ia chamar a GNR.
A testemunha cumpriu a ordem da Assistente e, quando se encontrava junto ao portão de acesso à Herdade, surgiu a GNR, a qual recebeu um telefonema da arguida a informar que tinha saído da propriedade por outro local.
A testemunha afirmou que a arguida tentou “entrar em casa da DD, mas nunca conseguiu lá entrar porque a porta estava sempre fechada e a sua esposa estava lá em casa” (sic) (pelo menos até cerca de 2019).
TT, militar da GNR, apenas se deslocou à Herdade numa ocasião, a pedido de JJ, devido ao corte da vedação da plantação de pessegueiros e sistema de rega vandalizado.
DD, Assistente nos autos, narrou os factos ocorridos nos dias 11 de Agosto e 16 de Setembro de 2020.
Quanto ao dia 11 de Agosto de 2020, a Assistente afirmou que a arguida “não entrou na zona do ...” (sic) e, com esta afirmação, refuta a factualidade constante da acusação, pois o domicílio da Assistente insere-se dentro da “zona do ...”.
Quanto ao dia 16 de Setembro de 2020, a Assistente afirmou que, enquanto estava no pomar com o seu amigo II, no período da manhã, recebeu uma chamada telefónica de FF, a informar a presença de três pessoas no jardim comum à sua residência, à casa da sua mãe, onde funcionava o seu escritório, e à casa da arguida, pedindo-lhe para ligar à polícia.
A Assistente consultou a aplicação no telemóvel das câmaras de vigilância e observou, em tempo real, os arguidos, o que lhe causou enorme aflição. Imediatamente interrompeu a visualização, telefonou para a GNR e entrou no veículo automóvel, conduzido por II para se dirigirem à “zona do .... Enquanto faziam o percurso, a Assistente voltou a consultar as imagens, em tempo real, das câmaras de vigilância e observou a arguida AA a tentar entrar na sua própria casa, através da portada que dá acesso ao jardim, não tendo conseguido porque estava fechada, depois a arguida entrou na casa que era da mãe de ambas, onde funcionava o escritório da Assistente (sem conhecimento da arguida) e seguidamente observou a arguida dirigir-se para a casa da Assistente, onde entrou e saiu segundos depois, tendo a Assistente partilhado estas imagens com II, enquanto este exercia a condução.
A Assistente afirmou que, ao chegar junto das residências, os arguidos já não se encontravam no local, encontrando-se junto ao portão do sobreiro (um dos portões de acesso à Herdade), pelo que, voltou a telefonar para a GNR
A testemunha confirmou que compareceram dois militares da GNR no local. O HH, o qual “não fez o seu trabalho” (sic), pois “a GNR era favorável à AA” (sic) e o “padrasto tinha muita influência” (sic).
Instada sobre a gravação das imagens das câmaras de vigilância, a Assistente afirmou inexistir, correndo termos em tribunal um processo contra a empresa de ... “...”.
A Assistente referiu que, sempre que os arguidos entravam na Herdade havia cortes das redes, animais mortos, abelhas mortas, cavalo envenenado e material danificado.
A Assistente negou a reposição de cadeados pela arguida e o aviso do seu ... da visita a realizar pela arguida.
FF, presta assistente à mãe da Assistente e arguida desde Outubro de 2019.
A testemunha confirmou que, em meados de Setembro de 2020, quando estava com a mãe da arguida e da Assistente no interior da residência desta, observou, no jardim da comum à residência da Assistente, da arguida e da mãe destas, a arguida, o seu marido e outro senhor, os quais identificou em audiência de discussão e julgamento.
Esclareceu que a arguida AA tentou abrir “o janelão” da sua residência, mas não conseguiu porque estava trancado. De seguida, entrou na casa que era da sua mãe, na qual funcionava o escritório da Assistente, através do “janelão”, o qual estava entreaberto, tendo permanecido alguns minutos no interior. Depois a arguida saiu da aludida casa e a testemunha deixou de conseguir ver a sua localização, bem como dos arguidos, os quais permaneceram sempre no jardim.
A testemunha referiu que a porta da cozinha da residência da Assistente estava entreaberta, mas quando os arguidos abandonaram o local ficou aberta. Todavia, a testemunha não sabe afirmar o que aconteceu.
A testemunha telefonou para a Assistente quando os arguidos abandonaram o local, a pedir-lhe que chamasse a GNR pois, quer a testemunha, quer a mãe da Assistente e arguida estavam muito assustadas.
Como a GNR não surgiu, a testemunha voltou a contactar a Assistente, a qual lhe respondeu que os arguidos estavam a passar na zona do pomar.
A Assistente regressou da zona do pomar, mas demorou.
A testemunha afirmou que o portão da vedação que circunda a “zona do ...” estava, em regra, sem cadeado.
O portão de acesso ao jardim comum das residências estava, em regra, fechado apenas no trinco.
UU, militar da GNR, confirmou e relatou as três deslocações efectuadas à ..., a ultima das quais em 16 de Setembro de 2020 (cfr. fls. 20 a 23), tendo confirmado a identificação dos arguidos junto à ... e a conversa com a Assistente, a qual foi deselegante ao dizer-lhe que não a protegia.
NN nega a sua presença no dia dos factos objecto dos autos.
MM afirmou que nunca esteve na ... acompanhado pela arguida, mas esteve com AA e outro senhor em ..., numa reunião.
OO afirmou conhecer todos os intervenientes da ..., tendo feito primeiramente negócio com a Assistente e posteriormente se deslocado à Herdade, em seis ou sete ocasiões, com a arguida para “dar de comer às vacas” e com potenciais compradores.
A testemunha descreveu os factos ocorridos a 11 de Agosto de 2020 em sentido convergente com as declarações da arguida.
Esta foi a prova produzida em audiência de discussão e julgamento. E tal prova foi insuficiência para alicerçar o libelo acusatório.
Nenhuma das referidas testemunhas, nem a Assistente, confirmaram a presença da arguida AA, no dia 11 de Agosto de 2020, na casa ocupada pela Assistente como seu domicilio.
Portanto, os factos ocorridos no dia 11 de Agosto de 2020 só podem ser dados como não provados.
Quanto aos factos alegadamente ocorridos no dia 16 de Setembro de 2020, são muitas as incongruências e falsidades. Note-se:
Afinal as portas de acesso à residência da Assistente estavam abertas, como afirma a acusação pública, ou estavam sempre fechadas, como afirmam as testemunhas II e JJ?
Se FF telefonou à Assistente apenas quando os arguidos abandonaram o local, como pode a Assistente e II terem visto os arguidos e os acessos alegadamente feitos, através das câmaras de vigilância, em tempo real?
Se a arguida tinha a chave da sua residência e acesso livre à mesma, porque razão iria tentar entrar na habitação pela janela que dá acesso ao jardim?
Se FF e D. GG estavam em pânico porque razão FF não trancou a porta da cozinha e permitiu que ficasse aberta possibilitando o livre acesso dos arguidos ao interior da residência onde estavam?
Porque razão a Assistente e as testemunhas afirmam ter medo dos arguidos se nunca descreveram qualquer agressão por estes perpetrada ou tentada?
Se as entradas indevidas e prejuízos na ... eram recorrentes e geradores de pânico, pelo menos desde 2018 (data dos factos que deram origem à condenação da arguida AA – cfr. fls. 355 a 371 verso) porque razão o sistema das câmaras de vigilância não gravava as imagens? E porque razão a Assistente não resolveu atempadamente esse problema, como forma de garantir a sua ... e da propriedade?
Como é possível alguém exercer a condução de um veículo automóvel, numa situação de aflição, efectuar um percurso em sete minutos e, ao mesmo tempo, observar imagens num telemóvel de factos que alegadamente ocorreram em seis minutos?
Como é possível observar imagens em tempo real de factos ocorridos em seis minutos, quando a Assistente durante esse lapso temporal alegadamente atendeu duas chamadas telefónicas de FF e efectuou uma chamada para a GNR?
Se a arguida desconhecia que a casa da sua mãe era, à data dos factos, o escritório da assistente (facto afirmado pela própria Assistente) como podia ser a sua hipotética entrada ilícita? (nenhuma prova se fez que a mãe de ambas não permitisse tal acesso).
A prova é, portanto, inconsistente para a prova dos factos.
Os arguidos presumem-se inocentes.
Não cabe aos arguidos provar a sua inocência, mas sim ver provada a sua culpa, através de prova a produzir em audiência de discussão e julgamento.
Alguém faltou com a verdade na narração dos factos do dia 16 de Setembro de 2020.
A prova testemunhal produzida quanto a este dia fez um esforço hercúleo em colocar os arguidos no interior do jardim e a arguida dentro da casa da Assistente.
Porém, dentro do jardim ninguém cometeria crime algum.
FF não viu a arguida entrar na casa da Assistente. e não se diga que o escritório, em funcionamento naquela data na casa da mãe da arguida e da Assistente, era domicilio da Assistente, pois a arguida não sabia de tal escritório e, como tal, caso tivesse entrado, não teria dolo de violar o domicílio da Assistente.
A Assistente e II também nada podem ter visto, pois FF apenas telefonou à Assistente quando os arguidos já tinham abandonado o local. Logo, por indução lógica, a Assistente e II nada podem ter observado na aplicação das câmaras de vigilância, a qual transmitia imagem em tempo real e não gravada.
Assim, face a tais incongruências, onde não houve confluência de prova, o tribunal considerou os factos não provados.
A compropriedade da ... em nome da arguida e da Assistente resulta igualmente dos documentos de fls. 170 a 176 e 281 a 283.
A Assistente não podia, nem devia, “apropriar-se” da propriedade, com implementação de projectos profissionais, sem o consentimento da arguida, e, com esse motivo, querer limitar o acesso da arguida à sua propriedade, violando este seu direito.
A condenação sofrida pela arguida no âmbito do processo comum singular n.º 57/18.8GDMTJ, que correu termos neste Juiz 2 deste Juízo Local, assenta unicamente no acesso da arguida ao interior da casa ocupada pela Assistente como seu domicilio, e não ao jardim da mesma, o qual é comum também à residência da arguida, facto assumido pela própria Assistente.
Portanto, ao contrário do afirmado, o tribunal nunca disse que a arguida não podia entrar no jardim. A arguida não podia era aceder ao interior da habitação da Assistente, seja pelo jardim (como ocorreu no aludido processo), seja por qualquer outro acesso. E esse impedimento só foi comunicado à arguida no dia da leitura da sentença, ou seja, em 14.10.2020. Pelo que, a Assistente incorre em erro quando afirmou que, no dia 16 de Setembro de 2020, a arguida já tinha sido avisada pelo tribunal que não podia entrar.”
Da leitura da motivação supra descrita, resulta evidente que o Tribunal a quo fez uma análise aprofundada da prova produzida e junta aos autos, sendo os juízos formulados consistentes com as regras da lógica e da experiência, pelo que comungamos com as conclusões daí retiradas, designadamente a existência de muitas incongruências e falsidades que afetam irremediavelmente a prova da factualidade constante da acusação.
Por outro lado, na ponderação da credibilidade das declarações da assistente e do depoimento da testemunha FF é preciso atender ao facto de as mesmas terem faltado à primeira data designada para a suas declarações, permitindo saber o sentido da prova produzida naquela data. Este elemento é tanto mais relevante uma vez que, como resulta dos autos, os arguidos vinham acusados da prática de factos ocorridos alegadamente no dia 11.8.2020, sendo que em audiência de julgamento é a própria assistente que nega a verificação da factualidade ilícita imputada aos arguidos, nesse dia. Para além das incongruências dos respetivas depoimentos e declarações, é incompreensível que a assistente, no essencial, negue em audiência de julgamento aquilo que havia confirmado durante a investigação relativamente ao dia 11.08.2020, fundamentando a imputação de tais factos na acusação. Acresce que o depoimento da testemunha II motivou a extração de certidão para remessa ao DIAP para investigação pelo crime de falsidade de testemunho.
Tendo presente este pano de fundo, são plenamente justificáveis as dúvidas insanáveis expressas pelo Tribunal a quo, as quais evidenciam a inconsistência da prova produzida para fundamentar qualquer juízo condenatório.
É certo que a recorrente não concorda. Porém, a fundamentação da convicção do Tribunal, em conjugação com a matéria de facto fixada, não revela que seja notoriamente errada, ilógica, contrária às regras da experiência comum. Podemos, pois, concluir, que o Tribunal a quo, imbuído da imediação, explicitou as razões da sua convicção, de forma lógica e global, com o mínimo de consciência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos. Acresce que, para além, na dúvida razoável, tal juízo há de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, como corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento.
Nestes termos, ainda que que a recorrente não tenha, no respetivo recurso, apontado ao acórdão recorrido, em termos expressos, a verificação de qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, ainda assim diremos que é manifesto que não ocorre, nos presentes autos, qualquer insuficiência da matéria de facto apurada para a decisão, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ou, eventualmente, erro notório na apreciação da prova.
No caso em apreço, a prova produzida consente as ilações retiradas pelo tribunal e as regras da experiência não a contradizem.
Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo apreciou a prova de modo lógico-racional, objetivo e motivado, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo a este tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal da recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código Processo Penal.
Por conseguinte, inexiste qualquer violação do artigo 127º do Código de Processo Penal, não merecendo censura a decisão de facto e, como tal, não se altera a matéria de facto.
Ainda que o Tribunal a quo não se refira explicitamente, subjacente à sua decisão está o princípio da presunção da inocência, na sua vertente do princípio in dúbio pro reo, o qual tem inteira aplicação no caso presente, uma vez que o tribunal após a produção de prova e sua valoração não pode com a certeza exigida – ainda que subjetiva – ultrapassar as dúvidas expressas, as quais não são removíveis por qualquer esforço de prova adicional.
Em conclusão, mantém na íntegra o juízo valorativo expresso pelo Tribunal a quo e as conclusões a que o mesmo chegou, designadamente da não prova da factualidade constante da acusação que fundamentava a imputação do referido crime.
Aqui chegados, não pode este Tribunal deixar de sublinhar que em nenhum momento transparece qualquer parcialidade do Tribunal a quo, quer na condução da audiência de julgamento, quer na valoração da prova por si realizada. As referências por si feitas quanto à credibilidade das declarações e depoimentos prestados estão plenamente justificadas pelas incongruências verificadas, demonstrando, pelo contrário, que o Tribunal a quo fez um assinalável esforço para as ultrapassar, o que manifestamente não foi possível.
Pelo exposto, não entrando este Tribunal pela consideração da eventual consequência jurídica da alegada “imparcialidade do Tribunal a quo”, por manifestamente desnecessária, ter-se-á de concluir que improcede nesta parte o recurso.
Por fim, quanto à alegada omissão pronúncia e não alteração da qualificação dos factos, dir-se-á que a recorrente pretende com tal alegação que o Tribunal de recurso altere os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, para neles incluir a introdução pelos arguidos no jardim da assistente no dia 16.09.2020. Ora, como se deixou expresso supra, nada há a alterar quanto aos factos dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo, pelo que manifestamente não poderá ocorrer qualquer alteração da qualificação jurídica de factos, que pressupõe essa alteração da factualidade.
Nestes termos, é manifestamente improcedente a alegada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
Em conclusão, improcede integralmente o recurso apresentado pela assistente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
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IV – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação:
1. Negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a sentença recorrida.
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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs [artigos 513.º, n.o 1, do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa].
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Lisboa, 23.4.2024
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09)
João Ferreira
Carla Francisco
Manuel Advínculo Sequeira
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1. Como refere Jaime Torres (Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal, pág. 65), importa distinguir dois tipos diferentes de regras de experiência: as de conhecimento geral ou, dito por outra forma, as regras gerais empíricas cujo conhecimento se pressupõe existente em qualquer pessoa que tenha um determinado nível de formação geral e, por outro lado, as máximas de experiência especializada cujo conhecimento só se pode supor em sujeitos que tenham uma formação especifica num determinado ramo de ciência, técnica ou arte. (citado por Santos, Manuel Simas, Leal-Henriques, Manuel & Santos, João Simas (2020). “Noções de Processo Penal”. Letras e Conceitos, Lda., 4.ª edição, p. 656.
2. Cf. Santos, Manuel Simas, Leal-Henriques, Manuel & Santos, João Simas (2023). “Noções de Processo Penal”. Letras e Conceitos, Lda., 4.ª edição, p. 653.
3. A este respeito, o Acórdão do STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 77, de 18.04.2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido: “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”.