AÇÃO POPULAR
LEGITIMIDADE ATIVA
CONSUMIDOR
ATIVIDADE BANCÁRIA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
FORMAÇÃO DO NEGÓCIO
Sumário


I - O exercício da acção popular, postulado pelo art. 52.º, n.º 3, da CRP, encontra-se regulado na Lei n.º 83/95, de 31-08, distinguindo-se de todas as demais modalidades de acções pela amplitude dos critérios determinativos da legitimidade para a respectiva propositura, podendo ser instaurada por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos e por associações e fundações defensoras de valores, interesses ou posições jurídicas materiais protegidos pela lei, de natureza difusa, designadamente, entre outros, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público interesses e valores que não são susceptíveis de uma apropriação individual, e que respeitem a todos os membros de uma comunidade, ou, pelo menos, um grupo de pessoas não individualizável pela titularidade de qualquer interesse directamente pessoal, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda.
II - Com a açcão popular procura tutelar-se um interesse difuso, um interesse que possui uma dimensão individual e supra-individual (que pertencem a todos os titulares do interesse difuso “stricto sensu” ou do interesse coletivo), ou um interesse particular homogéneo, que corresponde àquele em que não existe uma situação individual particularizada, ao contrário dos interesses individuais, que só possuem uma dimensão individual, pertencendo estes exclusivamente a um ou a alguns titulares, podendo aquela visar a prevenção e a reparação dos danos de massas, resultantes da violação destes interesses, assim como os correspondentes interesses individuais homogéneos de todos os seus titulares.
III - Para que a tutela coletiva dos interesses difusos seja praticável, impõe-se que os mesmo sejam configuráveis numa situação jurídica genericamente considerada, assim como se impõe normalmente a abstração do “lastro de individualização”, ou seja, o alheamento ou afastamento de algumas particularidades respeitantes a cada um dos seus titulares, ou seja ainda, aquela tutela visa um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico de protecção de interesses que pertencem a uma pluralidade indiferenciada de sujeitos, assim respeitante a interesses indivisíveis da coletividade.
IV - Procurando aferir-se da legitimidade ativa para o exercício da ação popular, importa ponderar a natureza dos bens e interesses difusos, nas suas várias modalidades, cuja tutela se reclama, e se tais interesses se revelam efectivamente carenciados de tutela popular, tal significando que essa ponderação deve partir sempre do objeto do processo, tal como configurado pelo autor, na consideração do pedido e da causa de pedir.
V - Tem natureza difusa, sendo susceptível de tutela popular, o interesse de diversos clientes bancários/consumidores, num universo indeterminado, mas determinável (conjunto de consumidores que subscreveram as condições gerais com determinado banco), de que o banco de que são clientes lhes envie periódica e gratuitamente os extratos bancários, por via postal ou por correio eletrónico, desde que tal direito decorra das normas legais e convencionais gerais a todos aplicáveis.
VI - Pese embora a natureza específica de cada situação e os elementos de facto comuns a todas elas, tem o Tribunal de exercer o devido controlo sobre a prevalência dos interesses pertencentes àquele universo indeterminado, sem nunca perder de vista a tendencial abstração daqueles elementos particulares, só assim podendo aquilatar-se do sentido e adequação da ação popular.
VII - A circunstância de se verificarem elementos particulares relativamente a cada um dos consumidores, muito embora seja um elemento relevante, não pode significar, por si só, o afastamento do direito de ação popular, sob pena de se frustrar a intenção do legislador, que não pretendeu que um qualquer elemento particular invocado seja suficiente para descaraterizar imediatamente o interesse como coletivo, com isso tornando praticamente impossível a instauração de qualquer ação popular.
VIII - No actual contexto a que se assiste à crescente desmaterialização da atividade bancária, com a substituição do banco físico pelo banco digital, com poupança para os bancos e para os clientes que, muitas vezes, beneficiam de taxas de serviço inferiores por tal circunstância, não é atentatória da boa-fé a disponibilização de extratos bancários por meios de comunicação à distância, expressamente consentido pelas normas regulamentares em vigor e acolhida pelos termos acordados com os clientes.
IX - A violação do dever de informação tem como consequência a exclusão do contrato das cláusulas não comunicadas ou explicadas, nos termos do disposto no art. 8.º, al. b), da LCCG, tendo natureza contingente, na medida em que depende do cliente concreto, suas características e suas circunstâncias, na medida da informação disponibilizada, ou seja, surgindo o dever de informação no contexto da formação do contrato, com um conteúdo variável em função das circunstâncias concretas que rodeiam a sua celebração e cumprimento, pelo que saber se determinadas cláusulas foram explicadas, de forma suficiente e clara, depende de uma apreciação casuística, de onde haverá que concluir não ser possível afirmar a existência de uma violação difusa do dever de informação.

Texto Integral

Citizens’ Voice – Consumer Advocacy Association instaurou a presente ação popular contra o Activobank, S.A., pedindo:

“a) a condenação da Ré a reconhecer que o envio de extratos de conta pela demandada é offspring da atividade bancária;

b) a condenação da Ré a reconhecer que o envio de extratos de conta é obrigatório nos termos do contrato estabelecido e da lei, com a periodicidade ali estabelecida;

c) a condenação da Ré a reconhecer que agiu com culpa e consciência da ilicitude e que violou qualquer um dos artigos 7, 8 e 9 do Aviso 4/2009 do Banco de Portugal e artº 1 do Aviso 7/2016, da mesma entidade e os artºs 10º e 13º do Dec. Lei 107/2017, os pontos 2, 4 e 5 da carta circular CC/2019/00000083 do Banco de Portugal, o artigo 85 (4, a) do CVM, o artigo 16(3) da diretiva 2014.46/EU, os artigos 57 (2) (3) da diretiva (EU) 2015/2366, os artºs 24 (4) e 25 (6) da diretiva 2014/65/UE, do artigo 9 e do ponto 29 do anexo I da Diretiva 2005/29, da garantia dos direitos fundamentais da CDFUE e os princípios gerais do direito da União Europeia e do artigo 102 do TFUE;

d) a condenação da Ré a reconhecer que o comportamento em causa nos autos e aludidos nos pedidos anteriores e tido com os autores populares, é ilícito e que, com a totalidade ou parte desses comportamentos lesou gravemente os interesses do demandante, nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos enquanto consumidor;

e) a condenação da Ré a reconhecer que em resultado do comportamento supra descrito provocou danos patrimoniais e não patrimoniais aos Autores populares;

f) a condenação da Ré a reconhecer que os demandantes populares têm o direito a exigir que lhes sejam enviados gratuitamente os extratos de conta que não lhe foram enviados no período estipulado contratualmente;

g) a declaração de nulidade da cláusula 7 (4) das Condições Gerais (Pessoas Singulares) de contas de depósitos à ordem, ou outras com o idêntico conteúdo (mesmo animus contrahendi) que integrem contratos anteriores ao supra mencionado mas que se apliquem ao universo de autores populares, nos termos do artigo 16 (1) da lei 24/96 e artigo 12 do decreto-lei 446/85, podendo os consumidores, autores populares, optar pela manutenção do contrato, sem a referida cláusula ou pela nulidade de todo o contrato por ser contrário à lei (cf. artigo 280 do CC) ou, em caso de improcedência de tal pedido, deve ser declarada ambígua a cláusula 7 (4) em contraposição com as disposições dos pontos 3 e 5 da mesma cláusula, ou outras com o idêntico conteúdo (mesmo animus contrahendi) que integrem contratos anteriores ao supra mencionado mas que se apliquem ao universo de autores populares, nos termos e para os efeitos do artº 11º do Dec. Lei nº 446/85, e em consequência, para o caso de qualquer um dos pedidos supra proceder:

h) o reconhecimento a todos os autores populares, consumidores de serviços de bancários, clientes da ré, o direito a receberem os extratos de conta nos termos estabelecidos no contrato supra referido e na lei;

i) a condenação da Ré a enviar a todos os seus clientes, os aqui autores populares, todos os extratos de contas deste a abertura de conta de depósitos à ordem até data da citação da presente ação, quando não tenha enviado por via postal ou não tenha prova de que avisou cada um dos autores populares, da disponibilização desses estratos na sua página de internet destinada ao homebanking, de cada vez (mês ou ano) que os disponibilizou nesse local e com o alerta de que os mesmos só estariam disponíveis por um período de seis meses;

j) deve a ré ser condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas ilícitas, quer no que respeita ao não envio de extratos de conta, como ao pagamento para o envio dos mesmos (ainda que a ré designe esse envio como segundas vias), em montante global:

a. a determinar nos termos do artigo 609 (2) do CPC;

b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos pagamentos adicionais

c. com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal,

l) subsidiariamente ao ponto anterior ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultaram dessas práticas ilícitas, quer no que respeita ao não envio de extratos de conta como ao pagamento de para o envio dos mesmos (ainda que a ré designe esse envio como segundas vias), em montante global:

a. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, determinado em 32.400.000 euros (trinta e dois milhões e quatrocentos mil euros), a ser dividido pelo número de clientes atuais da ré ou outro que o tribunal considere mais adequado em resultado da pericial colegial requerida.

b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço;

c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.

m) a condenação da Ré a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos morais causado pelas práticas ilícitas, em montante global:

a. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, mas nunca em valor inferior a 500 euros por autor popular, independente da data de abertura de conta;

b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais;

c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.

n) a condenação da Ré a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global:

a. nos termos do artigo 9 (2) da lei 23/2018 ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada, mas nunca inferior a 50 euros por cliente;

b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência;

c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.

o) ser a ré condenada a pagar todos os encargos que a autora interveniente teve ou venha ainda a ter com o processo, os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) que eventualmente venha obter por via de celebração de um contrato para esse efeito, sendo que de momento todo o litigio está a ser financiado pelos membros dos órgãos sociais da autora e simpatizantes com a causa, os quais pretende, no final, caso a ação vença, serem ressarcidos desses valores.

p) que se declare que a Autora tem legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609 (2) do CPC e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, para a executar;

q) a prolação de decisão relativa à responsabilidade civil subjetiva, conforme § 14 infra, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;

r) decisão sobre o recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 15, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido.”.

Para o efeito, alegou, em síntese, que:

i. A ré não faculta aos seus clientes os extratos de conta, de forma periódica e gratuita uma vez por mês por via postal, mesmo quando exista pelo menos um movimento na conta de depósitos à ordem, conforme estabelecido na cláusula 7 (3) das condições gerais de contas de depósitos à ordem;

ii. A ré exige o pagamento de valores adicionais sempre que os extratos são solicitados pelos seus clientes;

iii. A ré disponibiliza dos extratos bancários no seu sítio da internet (a que se acede por meio de palavra-passe e nome de utilizador) por período limitado (seis meses), sem informar de tal disponibilização aos clientes/consumidores;

iv. A ré adota este comportamento com todos os seus clientes bancários;

v. Os contratos de abertura de conta foram celebrados na típica modalidade de adesão, caracterizando-se pela sua predisposição unilateral e pela generalidade, sem prévia negociação com a outra;

vi. A cláusula 7 (3) deve ser considerada proibida ou, caso assim não se entenda, deve ser considerada ambígua;

vii. Por força da sua conduta, a ré causou e poderá vir a causar danos aos seus clientes/consumidores, cujo ressarcimento a autora pretende.

Foi proferido despacho liminar que indeferiu, liminarmente a petição inicial, “dada a manifesta improcedência da presente lide”.

É contra este último segmento decisório que a recorrente se insurge através do presente recurso de revista per saltum, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:

1. Os recorrentes, autores populares, interpõe o presente recurso por entenderem que o tribunal a quo não fez a melhor e mais correta interpretação do direito quanto às questões mencionadas supra em §1 ao decidir, por intermédio de uma sentença:

a. indeferir liminarmente a petição inicial e consequentemente absolver o réu da instância, por considerar que não estão reunidos os pressupostos da ação popular;

e

b. condenar a autor interveniente em custas nos termos do artigo 20, da lei 83/95.

2. O tribunal a quo entendeu ainda, contrariando o parecer do Banco de Portugal, que não se vislumbra:

a. qualquer obrigatoriedade efectiva de remessa gratuita dos extractos de conta pelos bancos aos clientes, nem, aliás, que os mesmos não possam acordar com a demandada qualquer outra forma de recepção da informação e, designadamente, a sua prestação por meios à distância, através de sistemas digitais, por e-mail ou outros;

b. que a Ré não possa cumprir a sua obrigação de prestação de informação aos clientes por meios à distância e não possa cobrar pelos extractos

3. Foi ainda do entendimento do tribunal a quo que a cláusula 7 (4) das Condições Gerais (Pessoas Singulares), com as condições gerais de contas de depósitos à ordem, que é um contrato de adesão, não é nula e nem ambígua.

4. O presente recurso vem na modalidade da revista per saltum, por recair apenas sobre a matéria de direito, o que é feito nos termos e ao abrigo nos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 672, 675, 678 (1) ex vi artigo 644 (1,a) e 678 (3) todos do CPC.

5. Os autores têm legitimidade para interpor o presente recurso acompanhado das respetivas alegações sob a matéria de direito (cf. artigo 631 do CPC) e estão em tempo de o fazer (cf. artigo 638 do CPC).

6. As questões que se pedem a Vossa Excelências, Colendos(as) Juízes(as) Conselheiros(as) são as seguintes:

a. pode o tribunal a quo indeferir liminarmente a petição inicial e consequentemente absolver o réu da instância, por considerar que não estão reunidos os pressupostos da ação popular no caso em apreço, nomeadamente por entender que perante a possibilidade de haver clientes da ré que possam ter acordado com esta uma forma diferente do envio dos extratos ou a prestação de informação no âmbito do contrato de conta de depósitos à ordem?

b. no cumprimento do dever de prestação de informação periódica sobre os movimentos ocorridos em conta de depósito à ordem, nos termos previstos no artigo 7 (1) do aviso 4/2009 do Banco de Portugal, do artigo 1 do aviso 7/2016 do Banco de Portugal, dos artigos 10 e 13 decreto-lei 107/2017, bem como dos artigos 96 (1) 1 97 (2) do decreto-lei 91/2018 (RJSPME), dos pontos 2, 4 e 5 da carta circular CC/2019/00000083 do Banco de Portugal, do artigo 85 (4, a) do CVM, do artigo 16 (3) da diretiva 2014.46/EU, dos artigos 57 (2) (3) da diretiva (EU) 2015/2366, dos artigos 24 (4) e 25 (6) da diretiva 2014/65/UE, do artigo 9 e do ponto 29 do anexo I da Diretiva 2005/29, é o réu, enquanto intermediário financeiro, obrigado a prestar, pelo menos uma vez por mês (exceto se não houver movimentos no mês em causa, caso em que pode ser assegurada uma periodicidade anual), informação sobre as operações de pagamento na forma acordada e gratuitamente e, em acréscimo, e por solicitação expressa do cliente, essa informação deve ser disponibilizada, em suporte papel ou noutro suporte duradouro, também sem custos, uma vez por mês?

c. no cumprimento do dever de prestação de informação periódica sobre os movimentos ocorridos em conta de depósito à ordem, podem os autores populares, clientes do réu, solicitar a emissão de extrato com carácter periódico de conta de depósito à ordem em formato de papel, uma vez por mês (mesmo que a forma acordada seja receber o extrato em papel ou noutro formato duradouro mensalmente, como por exemplo através de homebanking ou de email), sem qualquer custo?

d. é nula a cláusula 7 (4) das Condições Gerais (Pessoas Singulares), com as condições gerais de contas de depósitos à ordem?

e. a autora interveniente pode ser condenada em custas nos termos do artigo 20, da lei 83/95, porquanto tal norma já se encontra revogada?

f. existe violação do juiz natural com a redistribuição do presente processo do Juiz 15 para o Juiz 10, quando a causa invocada não está prevista nas situações de falta ou irregularidade elencadas no artigo 205, do CPC?

7. Os recorrentes, mui respeitosamente, discordam da douta sentença pelas razões vertidas nos §§ 5, 7, 10, 11 e 12 supra, para onde se remete para uma completa compreensão e evitando aqui uma repetição fastidiosa e prolixa do que aí se encontra de forma resumida.

8. Tal entendimento dos aqui autores, permitem, salvo sempre o devido respeito por opinião contrário de Vossas Excelências, Colendos(as) Senhores(as) Juízes(as) Conselheiros(as), responder às questões supra.

9. Mas que, resumindo, se estriba no facto dos autores terem um interesse pretensamente partilhado por todos os clientes dos réus, nas mesmas condições – afetados pelo comportamento ilícito da ré (causa de pedir escorada de forma depurada nos factos) – e o direito de serem indemnizados pelos danos provocados por esses comportamentos.

10. Entendem, desse modo, que na presente lide estamos perante a defesa de interesses coletivos (que se prendem com os pedidos), não revelando a causa de pedir ou o pedido quaisquer particularidades derivadas da multiplicidade dos factos que caraterizam as relações entre os autores populares e ao réu ou um qualquer pleito abusivo do direito da ação popular que possam interromper o direito de ação popular.

11. Isto porque a definição do objeto da causa (pedido e causa de pedir) é conforme configurado pelos autores - a forma de processo (ação popular), tal como acontece com outros pressupostos processuais (i.e. legitimidade ativa ou passiva, competência do tribunal, instância, etc.) é tal como configurada pelos autores no articulado inicial.

12. Assim, atentos à causa de pedir exaltada no § 2 supra, para onde se remete, evitando aqui a sua extensa repetição, e ao pedido, transcrito no que releva no § 3 supra, também para onde se remete, é inequívoco que estão preenchidos os requisitos do direito de ação popular nos termos da lei 83/95 e do artigo 31 do CVM.

13. Isto porque, a situação é a descrita nos factos (§ 2 supra) e que resultou numa lesão em massa aos autores populares derivado do comportamento ilícito do réu - comum a todos os autores.

14. Assim, o lastro de individualização tem de ser abstraído, pois não se trata, no processo, de atacar as condições precisas e particulares que diferem para cada um dos autores populares em razão do seu perfil, ao terem negociado ou depositado na sua conta valores mobiliários ou terem acesso ou não ou serviço de homebanking é irrelevante.

15. O que se ataca é o facto de o réu não facultar os extratos de conta aos autores populares, de forma periódica e gratuitamente uma vez por mês, mesmo quando existam pelo menos um movimento na conta de depósitos à ordem e se recuse a facultar os ditos extratos bancários, gratuitamente, por via postal, pelo menos uma vez por mês, quando os clientes, autores populares, o requerem. Está é a prática comum a todos os autores populares.

16. Quanto ao cumprimento do dever de prestação de informação periódica sobre os movimentos ocorridos em conta de depósito à ordem por intermédio do envio de extratos bancários gratuitamente aos autores populares, perfilhamos do entendimento do Banco de Portugal chamado à colação no § 10, supra, que aqui se dá como reproduzido por uma questão de proficiência, mas quem em resumo conclui que as instituições de crédito devem enviar extratos bancários, pelo menos uma vez por mês (exceto se não houver movimentos no mês em causa, caso em que pode ser assegurada uma periodicidade anual), na forma acordada, gratuitamente e, em acréscimo, e por solicitação expressa do cliente, essa informação é disponibilizada, em suporte papel ou noutro suporte duradouro, também sem custos, uma vez por mês.

17. Ou seja, como entende o Banco de Portugal, o cliente não tem de suportar qualquer custo se solicitar a emissão de extrato com carácter periódico de conta de depósito à ordem em formato de papel, uma vez por mês (mesmo que a forma acordada seja receber o extrato em papel ou noutro formato duradouro mensalmente, como por exemplo através de homebanking ou de email).

18. Como sustentado no § 12 supra, douta sentença decidiu mal relativamente às custas pela autora interveniente, nos termos do artigo 20 da lei 83/95.

19. O regime atual de custas processuais na ação popular resulta da conjugação do artigo 4 (1, b) e (5) do decreto-lei 34/2008.

20. O aludido artigo 4 (1, b) concede a isenção, mas o (5) exceciona caso se conclua se o pedido for julgado manifestamente improcedente, caso em que é responsável nos termos gerais – o que não foi o caso.

21. O pedido não foi manifestamente improcedente – o tribunal apenas concluiu que não estavam verificados os pressupostos da ação popular.

22. Sendo que o pedido não foi manifestamente improcedente – o tribunal apenas concluiu que não estavam verificados os pressupostos da ação popular, deve a autora interveniente estar isenta de custas.

23. Entendem ainda os autores populares que o processo deve ser devolvido ao Juiz 15, por violação do princípio do juiz natural, tal como se sustenta no § 0 supra.

24. É requerido o reenvio para interpretação prejudicial pelo TJUE, nos termos do § 13, para onde se remete por razões de proficiência evitando aqui uma fastidiosa repetição do ali contido, mas que em resumo está relacionado com a necessária interpretação do direito da União Europeia, designadamente do artigo 16 (3) da diretiva 2014.46/UE, aos artigo 57 (2) (3) da diretiva (EU) 2015/2366, artigos 24 (4) e 25 (6) da diretiva 2014/65/EU e artigo 102 do TFUE, por forma a garantir uma interpretação uniformizada do direito da União Europeia ao caso concreto.

QUESTÃO PRÉVIA – DA (IN)ADMISSIBILIDADADE DA REVISTA

Analisado o teor do recurso de revista per saltum interposto, resulta que a recorrente se insurge contra a decisão que, em 13-02-2023, determinou a realização de nova distribuição e contra a decisão de indeferimento liminar, esta proferida em 14-04-2023.

Ora, no que diz respeito à decisão proferida em 13-02-2023, cumpre deixar expresso que a mesma não integra nenhuma das alíneas do n.º 1 do art. 644.º do CPC, tratando-se, antes, de decisão interlocutória da 1.ª instância, não suscetível de recurso de revista, ainda que per saltum.

Efetivamente, como decorre do disposto no n.º 1 do art. 678.º do CPC, apenas cabe recurso de revista per saltum das decisões proferidas pela 1.ª instância que ponham termo à causa, que decidam do mérito da causa ou que absolvam da instância o réu ou alguns dos réus quanto a alguns dos pedidos.

Da decisão da 1.ª instância que determinou a realização de nova distribuição não cabe, assim, recurso de revista per saltum, razão pela qual o recurso não será conhecido pelo STJ nesta parte.

Quanto ao recurso da decisão final de indeferimento liminar também sob escrutínio, tendo em consideração o valor da causa (€ 60 001,00), da sucumbência (superior a € 15.000,00), a legitimidade da recorrente e restringindo-se o objeto do recurso a questões de direito, não vislumbramos quaisquer obstáculos à admissibilidade do recurso de revista per saltum (cfr. arts. 652.º, n.º 1, e 678.º, n.º 3, do CPC e ainda art. 647.º, n.º 1, aplicável ex vi art. 678.º, n.º 3, do mesmo código).

Cumpre, ainda, salientar que em sede de contra-alegações os recorridos não manifestaram qualquer oposição à interposição de recurso per saltum, pelo que perde relevância a discussão em torno da necessidade de acordo das partes para a interposição do recurso em análise nos autos.

Assim, tudo visto, conclui-se pela admissibilidade do recurso de revista per saltum interposto pela autora nos autos, com o objeto supra delimitado.

Corridos os vistos, cumpre decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC).

Atendendo às conclusões do recurso de revista, cumpre apenas apreciar as seguintes questões:

1. Da natureza dos interesses invocados pela autora e:

i. Da obrigação de envio de extratos bancários aos clientes bancários, de forma gratuita, periódica e por via postal ou correio eletrónico.

ii. Da violação do dever de informação;

2. Da obrigação de reenvio prejudicial.

3. Da violação da interveniente principal em custas.

1) Da natureza dos interesses invocados pela autora

Como resulta da leitura da decisão recorrida, discute-se nos autos qual a natureza dos interesses cuja tutela a autora pretende e a eventual manifesta improcedência dos pedidos pela mesma formulados.

Em sede de despacho liminar a 1.ª instância propugnou o entendimento de que, no caso em apreço, os interesses cuja tutela a autora pretende não configuram interesses difusos, na modalidade de interesses individuais homogéneos, suscetíveis de apreciação indiferenciada, não sendo admissível a presente ação popular.

Em todo o caso, considerou a 1.ª instância que a pretensão da autora sempre seria de considerar como, manifestamente, improcedente, concluindo pelo indeferimento liminar da petição inicial.

A este propósito ficou escrito, em síntese, que “a demandada pode alegar e provar, eventualmente, ter acordado com os clientes ou parte deles - alegadamente representados nesta causa pela demandante - que o envio dos extractos ou prestação da informação por si devida no âmbito dos contrato de das contas de depósitos à ordem com os mesmos celebrados seja feito desta ou daquela forma, por correio ou por meios de comunicação à distância ou outros, a existência ou não de valores mobiliários em tais contas e outros meios de defesa quanto a cada um, patenteia-se não nos situarmos em sede de direitos difusos, no sentido de interesses individuais homogéneos e que, em todo o caso, a pretensão da autora se afigura, manifestamente, improcedente.”.

Insurge-se a recorrente, invocando, no essencial, que “o que se ataca é o facto de o réu não facultar os extratos de conta aos autores populares, de forma periódica e gratuitamente uma vez por mês, mesmo quando existam pelo menos um movimento na conta de depósitos à ordem e se recuse a facultar os ditos extratos bancários, gratuitamente, por via postal, pelo menos uma vez por mês, quando os clientes, autores populares, o requerem. Está é a prática comum a todos os autores populares.”.

Conclui, assim, a recorrente que “a situação é a descrita nos factos e que resultou numa lesão em massa aos autores populares derivado do comportamento ilícito do réu – comum a todos os autores”, de onde retira a autora a conclusão de que os interesses cuja tutela se pretende integram a categoria de interesses difusos.

Vejamos:

Dispõe o art. 52.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa que “é conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:

a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural;

b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.”.

A Lei n.º 83/95, de 31-08, que regula o exercício do direito à ação popular estipula, no seu art. 1.º, n.º 2, que “são designadamente interesses protegidos pela presente lei a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público.”, sendo titulares do direito de ação popular, “quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda.” (cfr. n.º 2 do art. 1.º do mesmo diploma).

Como explica Paulo Otero (in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, Ano 59, Dezembro de 1999, pp. 871-873), “a acção popular, sendo sempre uma acção judicial e, neste sentido, a expressão do direito fundamental de acesso aos tribunais, distingue-se de todas as demais modalidades de acções pela amplitude dos critérios determinativos da legitimidade para a respectiva propositura.

Mediante a acção popular, pode dizer-se que todos os membros de uma comunidade - ou, pelo menos, um grupo de pessoas não individualizável pela titularidade de qualquer interesse directamente pessoal - estão investidos de um poder de acesso à justiça visando tutelar situações jurídicas materiais que são insusceptíveis de uma apropriação individual.

A acção popular traduz, deste modo, uma forma de tutela jurisdicional de posições jurídicas materiais que, sendo pertença de todos os membros de uma certa comunidade, não são, todavia, apropriáveis por nenhum deles em termos individuais. Deparamos aqui, por isso mesmo, com um conjunto de interesses materiais solidariamente comuns aos membros de uma comunidade e cuja titularidade se mostra indivisível através de um processo de apropriação individual. Neste sentido, deverá afirmar-se que o actor popular age sempre no interesse geral da colectividade ou da comunidade a que pertence ou se encontra inserido, isto sem que tal meio de tutela judicial envolva a titularidade de qualquer interesse directo e pessoal.”

Ora, a Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31.7, deixa expresso que o consumidor tem direito “[à] prevenção e à reparação dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais homogéneos, colectivos ou difusos” e que “têm legitimidade para intentar as ações previstas nos artigos anteriores:

a) Os consumidores diretamente lesados;

b) Os consumidores e as associações de consumidores ainda que não diretamente lesados, nos termos da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto;

c) O Ministério Público e a Direção-Geral do Consumidor quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, coletivos ou difusos” (cfr. arts. 3.º e 13.º do referido instrumento legal).

MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in A Legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos, Lex, pp. 120 e ss.) escreve, neste âmbito, que “no objecto da acção popular podem incluir-se quer os interesses difusos stricto sensu, quer os interesses colectivos, quer ainda os respectivos interesses individuais homogéneos, o que, em termos práticos, significa que a acção popular pode visar tanto a prevenção da violação de um interesse difuso stricto sensu ou de um interesse colectivo, como a reparação dos danos de massas resultantes da violação destes interesses (…)”

Sobre o conceito de interesses difusos stricto sensu, interesses coletivos e interesses individuais homogéneos, veja-se o que a este propósito escreveu MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, In Ob. Cit. pp. 46 e ss., em termos muito bem sintetizados no acórdão do STJ de 08-09-2016 (proc. n.º 7617/15.7T8PRT.S1): “Os interesses difusos são interesses que possuem uma dimensão individual e supra- individual, ao contrário dos interesses individuais, que só possuem uma dimensão individual, pertencem exclusivamente a um ou a alguns titulares.

Os interesses particulares homogéneos são aqueles em que não existem situações individuais particularizadas, mas tão só situações jurídicas genericamente consideradas.

Os interesses difusos encontram-se dispersos ou disseminados por vários titulares, mas são interesses sem sujeito ou sem titulares, cabem a cada a todos a cada um dos membros de uma classe ou de um grupo, mas são insusceptíveis de apropriação individual por qualquer desses sujeitos, sendo, pois, a dupla dimensão individual e supra -individual uma característica essencial desses interesses. Os interesses difusos são indiferenciados, não só porque podem pertencer a qualquer sujeito que se inclua numa certa classe ou categoria, mas também porque eles existem independentemente de qualquer relação voluntária estabelecida entre os seus titulares.

(…)

Os interesses individuais homogéneos podem ser definidos como os interesses de cada um dos titulares de um interesse difuso “stricto sensu” ou de um interesse coletivo.

Não são apenas interesses singulares, isto é, de um indivíduo, mas também interesses supra- individuais, pois que pertencem a todos os titulares do interesse difuso “stricto sensu” ou do interesse coletivo.

Na ação popular procura-se a tutela de um interesse difuso, assim como os correspondentes interesses individuais homogéneos de todos os seus titulares.

No entanto, para que a tutela coletiva seja praticável, ela impõe normalmente a abstração de algumas particularidades respeitantes a cada um dos seus titulares.

Na verdade, a tutela coletiva não é possível sem a abstração do “lastro de individualização” que é característica das situações “standard”. (sublinhado nosso)

Como se desenvolve no referido aresto, “a possibilidade de o demandado numa ação popular invocar diferentes defesas contra vários representados pode ser utilizada como um critério prático para verificar se eles são titulares de um mesmo interesse individual homogéneo”, aí se acrescentando que “a adequação da representação exercida pelo autor popular pressupõe o preenchimento de dois requisitos: um deles, de carater negativo, é a ausência de qualquer conflito de interesses entre o autor popular e os titulares do interesse difuso; o outro requisito, de carater positivo, é a garantia que a atuação do demandante permite substituir a presença dos titulares do interesse difuso na ação popular.”.

Resulta, assim, que a tutela popular visa a salvaguarda de interesses difusos, enquanto interesses que pertencem a uma pluralidade indiferenciada de sujeitos e respeitam, por isso, a interesses indivisíveis da coletividade.

Ora, os interesses individuais homogéneos, enquanto objeto admissível de ação popular, são, assim, encarados como “todos aqueles casos em que os membros da classe são titulares de direitos diversos, mas dependentes de uma única questão de facto ou de direito, pedindo-se para todos eles um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico”, neste sentido se tendo pronunciado este Supremo Tribunal nos Acórdãos de 23-09-1997 (proc. n.º 97B503) e de 20.10.2005 (proc. n.º 05B2578).

AROSO DE ALMEIDA E CARLOS CADILHA (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2021, 5.ª edição, p. 103), explicam, ainda, neste âmbito que “(…) no que respeita ao segundo tipo de ações populares, parece-nos que a legitimidade prevista no n.º 2 deste artigo 9.º (…) também pode ser invocada por quem tenha interesse pessoal na demanda, para o efeito de fazer valer interesses individuais homogéneos no âmbito de uma ação de grupo ou class action. Com efeito, a ofensa de um interesse difuso pode, em certas circunstâncias, dar origem à constituição de interesses individuais homogéneos, que são interesses que surgem em termos idênticos na esfera jurídica de um número mais ou menos elevado de indivíduos em consequência de uma mesma situação jurídica (…)”.

Ora, a legitimidade ativa para o exercício da ação popular afere-se em função dos bens e interesses cuja tutela se pretende, na medida em que, adiantam aqueles autores (ob. cit. p. 97) “a ação popular não é, pois, um meio processual, mas uma forma de legitimidade que permite desencadear os diversos tipos de ações ou providências cautelares que se tornem necessárias à defesa de interesses difusos” – sublinhado nosso.

Isto dito, cumpre deixar expresso que a apreciação liminar – por se debruçar tão-só sobre o teor da petição inicial – deve ater-se ao objeto do processo tal como configurado pelo autor, o mesmo é dizer, a apreciação da natureza dos interesses cuja tutela se reclama deve partir sempre do objeto do processo, tal como configurado pelo autor, com total desconsideração, neste âmbito, do eventual mérito ou demérito da pretensão em análise.

Assim, a apreciação da viabilidade da ação popular – no que especificamente diz respeito à natureza dos interesses em presença – deve ter em consideração o pedido e a causa de pedir, havendo que aquilatar se, segundo o autor, existem interesses difusos, nas suas várias modalidades, carentes de tutela popular.

Feito este breve enquadramento, cumpre apreciar o caso dos autos.

Da obrigação de envio de extratos bancários aos clientes bancários, de forma gratuita, periódica e por via postal ou correio eletrónico.

Como resulta da leitura da petição inicial, o interesse invocado pela autora popular reside na invocação de que “a ré não faculta os extratos de conta aos autores populares, de forma periódica e gratuitamente uma vez por mês, mesmo quando existam pelo menos um movimento na conta de depósitos à ordem, conforme estabelecido na cláusula 7 (3) das CONDIÇÕES GERAIS DE CONTAS DE DEPÓSITOS À ORDEM” e que, no seu entendimento, os consumidores têm o direito ao envio de tais extratos em suporte duradouro (via postal ou correio eletrónico).

Mais invoca a recorrente que o banco recorrido recusa o envio dos extratos bancários mencionados, não tendo a mera disponibilização de tais informações bancários no sítio da internet do banco réu a virtualidade de acautelar aquele direito conferido por lei e pelo contrato aos consumidores. Tal atuação é, no entendimento da autora, violadora dos direitos dos consumidores que se encontram vinculados ao mencionado contrato de adesão e causadora de danos avultados àqueles mesmos consumidores.

Ora, em face desta alegação – e não se cuidando por ora do mérito da pretensão da autora, que será seguidamente apreciado – não há como não concluir pela natureza difusa do interesse, na modalidade de interesse individual homogéneo, cuja tutela se requer.

Efetivamente, os interesses dos diversos clientes bancários/consumidores encontram-se dependentes de uma única questão de direito, qual seja a de saber se existe um direito ao envio periódico e gratuito dos extratos bancários, por via postal ou por correio eletrónico, se tal direito decorre das normas legais e convencionais aplicáveis e se esse direito se encontra a ser violado pelo banco réu, no caso de um universo indeterminado, mas determinável de consumidores (conjunto de consumidores que subscreveram as condições gerais juntas aos autos).

Neste âmbito, invoca a autora que este direito não está a ser respeitado pelo banco réu que se limita a disponibilizar a referida informação bancária no sítio da internet e que tal atuação é geradora de danos na esfera jurídica dos diversos clientes que subscreveram as condições gerais impostas pelo Activo Bank (não colocando o banco réu em causa que as condições gerais invocadas pela autora são as efetivamente em vigor).

De acordo com a pretensão subjacente aos autos, tal como configurada pela autora, existe um direito ao envio dos extratos bancários de determinada forma e com determinada periodicidade, sendo que esse direito está a ser negado pela ré, que com a sua atuação causa ou pode vir a causar danos aos consumidores.

Como sintetiza o já mencionado acórdão do STJ, de 08-09-2016, “Há que ter sempre em atenção que os elementos de facto a ter em conta não são só os que eventualmente existam como específicos de cada situação, mas também os elementos de facto comuns a todas elas, devendo o Tribunal exercer o devido controlo sobre a prevalência daqueles primeiros elementos que eventualmente existam sobre os elementos de facto comuns que sustentam os pedidos formulados, sem nunca perder de vista a tendencial abstração daqueles elementos particulares como base quase necessária para a possibilidade da existência da ação popular.

Na verdade, se qualquer elemento particular invocado por um demandante fosse suficiente para descaraterizar imediatamente o interesse como coletivo, praticamente seria impossível a existência de qualquer ação popular, ficando esta, na realidade, na disponibilidade daquele.”.

O mesmo é dizer, a circunstância de se verificarem elementos particulares relativamente a cada um dos consumidores, muito embora seja um elemento relevante, não pode significar, por si só, o afastamento do direito de ação popular, sob pena de se frustrar a intenção do nosso legislador.

Como escreve MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (Ob. Cit. p. 123), “a concessão da legitimidade popular a pessoas singulares e a alguns entes colectivos tem uma importante relevância prática, pois que a insignificância do dano sofrido por cada atingido, a fraqueza do litigante isolado, a excessiva onerosidade do acesso à justiça e o temor de enfrentar uma contraparte poderosa afastam frequentemente o lesado de actuar em juízo na defesa do seu próprio interesses. Uma forma de superar esta dificuldade consiste em atribuir a uma pessoa singular a representação em juízo de todos aqueles que se encontram, como titulares de um interesse difuso, numa situação semelhante (…); uma outra consiste em conceder legitimidade processual aos entes colectivos cujo objectivo estatutário seja a defesa do interesse difuso ameaçado ou ofendido. Ambas as soluções permitem agrupar os interesses, por vezes não muito significativos na sua dimensão económica, de cada um dos sujeitos atingidos.”

Resulta, assim, que a mera existência de particularidades não tem a virtualidade de, por si só, afastar o direito de ação popular, sendo de aferir, em concreto, quais os elementos – individuais ou comuns – que prevalecem, tendo em consideração o objeto da ação tal como configurada pelo autor.

No caso dos autos, de acordo com um juízo liminar, há que concluir que os interesses comuns prevalecem, havendo que concluir pela invocação de um interesse difuso, na modalidade de interesse individual homogéneo.

Assim, saber se existe ou não existe esse direito é matéria que se prende com o mérito ou demérito da pretensão da autora, não descaracterizando o interesse gizado pela autora como interesse sendo difuso.

Consideramos, assim, que o interesse subjacente ao pedido formulado pela autora – quanto ao envio de extratos bancários por via postal ou por correio eletrónico – configura um interesse difuso suscetível de tutela popular.

Questão diversa é a de saber se existe, de facto, o direito invocado pela autora.

A resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa (razão pela qual a análise do mérito deve preceder a análise das questões suscitadas quanto à legitimidade da recorrente, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 288.º do CPC. Neste sentido, veja-se MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (Ob. Cit. p. 230).

De facto, recuperando a alegação da autora (formulada em sede de petição inicial), entende esta que o banco réu tem o dever de enviar, por via postal ou correio eletrónico, os extratos bancários a todos os seus clientes/consumidores e que a mera disponibilização de tal informação no sítio da internet não cumpre tal obrigação legal e contratual.

Sucede que, analisadas as normas legais e contratuais em vigor, há que concluir que esse direito não é conferido aos consumidores, nos termos pretendidos pela autora.

Concretizando,

Invoca a autora o disposto nos avisos n.ºs 4/2009 e 7/2016 do Banco de Portugal, no DL n.º 107/2017, de 30-08, na carta circular CC/2019/00000083 do Banco de Portugal, no art. 85.º do Código de Valores Mobiliários, no art. 16, n.º 3, das diretivas 2014.49/UE, no art. 57.º da Diretiva n.º 2015/2366, nos arts. 24.º, 25.º da Diretiva n.º 2014/65UE (esta conjugada com o regulamento delegado (UE) 2017/565 da Comissão), no art. 9.º da Diretiva n.º 2005/29 e no art. 102.º do TFUE.

Sucede que nenhuma das normas invocadas concede aos consumidores representados o direito ao envio do extrato bancário por via postal ou por correio eletrónico, tal como defendido pela recorrente.

É verdade que, de acordo com o disposto nos arts. 7.º, 8.º e 9.º do aviso n.º 4/2009 do Banco de Portugal “as instituições de crédito devem prestar aos seus clientes informação relativa a todos os movimentos a débito e a crédito efetuados nas suas contas de depósito, através da disponibilização de extrato” e que o devem fazer com a periodicidade exigida no mencionado aviso (cfr. art. 8.º do Aviso)

No entanto, como decorre do disposto no art. 9.º do mencionado aviso do Banco de Portugal, “as instituições de crédito podem cumprir os deveres de informação previstos no presente aviso mediante a prestação de informação através de meio de comunicação à distância, em papel ou em qualquer outro suporte duradouro, de acordo com a vontade expressa do cliente quanto ao suporte pretendido”.

Ora, ao contrário do que defende a recorrente, inexiste qualquer direito à disponibilização dos extratos bancários em papel ou por correio eletrónico, sendo manifesto que a via de cumprimento do dever de informação deve observar o que a este propósito for acordado entre as partes.

Em qualquer caso, a disponibilização da informação bancária pode ocorrer através de meio de comunicação à distância, em papel ou em qualquer outro suporte duradouro, sempre de acordo com a vontade expressa do cliente quanto ao suporte pretendido.

E neste âmbito, há que chamar à colação o disposto na cláusula 7.º do contrato invocado pela recorrente, que dispõe que “1. Além de notas de lançamento e de outras comunicações relativas a movimentos especiais em conta, o Banco disponibiliza extratos periódicos dos movimentos da conta de depósitos à ordem, que poderão incluir informação relativa a outros produtos e serviços associados à conta, incluindo o detalhe das transações efetuadas com instrumentos de pagamento atribuídos a qualquer contitular da conta coletiva.

2. Cabe ao Cliente proceder à verificação do extrato disponibilizado e, quando entenda haver desconformidade, apresentar reclamação nos 15 dias seguintes.

3. Os extratos de conta são facultados ao Cliente periódica e gratuitamente uma vez por mês, desde que exista pelo menos um movimento na conta de depósitos à ordem num determinado mês quando os mesmos sejam enviados por via postal.

4. Se não se verificarem pelo menos trinta movimentos na conta de depósitos à ordem num determinado mês, o extrato só é enviado quando for atingido o referido número mínimo de movimentos ou, em qualquer caso, ao fim de doze meses.

5. Contudo, por solicitação expressa do Cliente, o Banco prestará obrigatoriamente os extratos de conta em suporte de papel, periodicamente pelo menos uma vez por mês.”.

Mas não só.

Dispõe a cláusula 8.ª que:

1. Toda a correspondência que se relacione com a conta – as comunicações e informações que, nos termos do presente Contrato ou de disposição legal, o Banco tenha de prestar, por escrito, ao titular, bem como as ações de divulgação, comercialização e contratação à distância de produtos e serviços financeiros (extratos combinados ou autónomos, notas de lançamento, avisos informativos ou outras comunicações), adiante designados no seu conjunto por documentos bancários –, poderá ser prestada através do envio por via postal (correio simples) dirigida ao titular para a morada afeta à conta, declarada pelo mesmo no momento da celebração do presente Contrato ou, caso a mesma tenha sido alterada, para a última morada declarada.

2. Em alternativa ao envio de correspondência para a morada afeta à conta, fica o Banco autorizado a prestar os documentos bancários pelas seguintes vias: a) Através do envio de mensagem de correio eletrónico dirigida ao titular para o endereço de correio eletrónico declarado pelo mesmo no momento da celebração do presente Contrato ou em momento posterior, expressamente para esse efeito; b) Através do envio de telecópia para o número declarado pelo titular no momento da celebração do presente Contrato ou, caso o mesmo tenha sido alterado, para o último número declarado, expressamente para esse efeito; c)Através de outro meio de comunicação estipulado pelas partes.

3. Caso, nos termos do disposto no número anterior, os documentos bancários sejam prestados através do envio de mensagem de correio eletrónico, fica expressamente convencionado que compete exclusivamente ao Cliente zelar pela permanente atualização e bom funcionamento do endereço eletrónico indicado.

4. Na falta de outra convenção e tendo sido subscritas as condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância, estando em vigor o acesso ao canal Internet do Banco, os extratos de conta são disponibilizados ao Cliente através do site www.activobank.pt.

5. Sempre e quando for acordado e se encontrar em vigor o acesso ao canal Internet do Banco para disponibilização dos documentos bancários, fica expressamente convencionado que compete ao Cliente manter-se permanentemente atualizado e informado, devendo para esse efeito aceder ao sítio da Internet do Banco e ali proceder periodicamente e com frequência à consulta dos documentos bancários ali disponibilizados, cabendo-lhe proceder à sua leitura e verificação.

6. O Cliente toma conhecimento e aceita que o envio ou a disponibilização dos documentos bancários pela forma mencionada nos 2 e 4 supra exime o Banco do seu envio por correio para a morada afeta à conta.

7. No caso de utilização da via postal, a correspondência presume-se recebida, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do envio.

8. O Banco pode prestar informações através de mensagem incluída no extrato da conta de depósitos à ordem que seja enviado ou disponibilizado ao titular em suporte papel ou suporte eletrónico.

9. No decurso da relação contratual, o Cliente tem o direito de receber, a seu pedido e em qualquer momento, os termos do presente Contrato ou de qualquer contrato-quadro relativo a serviços de pagamento especialmente contratados, em suporte de papel ou em qualquer outro suporte duradouro.”

Sopesando as normas contratuais em presença resulta, em suma, que:

i. O banco se obriga a disponibilização a informação bancária em discussão nos autos, dando cumprimento ao disposto nos arts. 7.º, 8.º, n.º 1, e 9.º, n.º 1, do Aviso n.º 4/2009;

ii. A disponibilização ocorre sempre com a periodicidade mensal e de forma gratuita uma vez por mês, em cumprimento do disposto no art. 8.º do Aviso n.º 4/2009;

iii. A disponibilização dos extratos dependente da existência de, pelo menos, um movimento, sempre que o envio seja feito pela via postal ou, dito de outra forma, quando seja esta a forma acordada entre as partes (cfr. art. 9.º, n.º 1, do aviso);

iv. Os clientes podem, querendo, solicitar a disponibilização em suporte de papel, periodicamente pelo menos uma vez por mês, caso em que tal será disponibilizado – obrigatoriamente – pelo banco (cfr. art. 9.º, n.º 1, do aviso);

v. Na falta de outra convenção e tendo sido subscritas as condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância, estando em vigor o acesso ao canal Internet do Banco, os extratos de conta são disponibilizados ao Cliente através do site www.activobank.pt.

vi. Neste caso, é ao cliente bancário que compete, enquanto dever de diligência e zelo, manter-se permanentemente atualizado e informado, devendo para esse efeito aceder ao sítio da Internet do Banco e ali proceder periodicamente e com frequência à consulta dos documentos bancários ali disponibilizados, cabendo-lhe proceder à sua leitura e verificação, aceitando o cliente que o envio ou a disponibilização dos documentos bancários pela forma mencionada exime o Banco do seu envio por correio para a morada afeta à conta. (cfr. cláusula 8.ª, n.º 5).

Este modo de atuação em nada contraria as normas legais a que se fez referência, na medida em que o banco réu disponibiliza a informação bancária ao cliente, gratuita e mensalmente, sendo que, no específico caso dos extratos bancários, esta informação é, aliás como a própria autora reconhece, feita através do sítio da internet, tal como decorre das cláusulas a que se fez referência, cujo conteúdo se mostra conforme às normas regulamentares a que se fez referência.

Esta mesma apreciação é feita pelo Banco de Portugal, no oficio junto aos autos em 07-03-2023, nos termos seguintes:

Ora, do n.º 1 do artigo 7.º do Aviso n.º 4/2009 resulta que “as instituições de crédito devem prestar aos seus clientes informação relativa a todos os movimentos a débito e a crédito efetuados nas suas contas de depósito, através da disponibilização de extrato”, cuja periodicidade, no caso de depósitos à ordem, é mensal, “exceto quando não tenham ocorrido movimentos no mês em causa, devendo, no entanto ser respeitada uma periodicidade mínima anual” [cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do Aviso n.º 4/2009].

Sendo certo que é dado cumprimento a este dever de informação quando as instituições de crédito o asseguram “através de meio de comunicação à distância, em papel ou em qualquer outro suporte duradouro, de acordo com a vontade expressa do cliente quanto ao suporte pretendido” (cfr. o n.º 1 do artigo 9.º do Aviso referido). (…)

Significa, portanto, que as instituições de crédito dão cumprimento ao dever de prestação de informação periódica sobre os movimentos ocorridos em conta de depósito à ordem, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 7.º do Aviso n.º 4/2009, bem como no n.º 1 do artigo 96.º e no n.º 1 do artigo 97.º do RJSPME, quando asseguram que:

(i) A informação sobre as operações de pagamento é prestada, pelo menos, uma vez por mês (exceto se não houver movimentos no mês em causa, caso em que pode ser assegurada uma periodicidade anual), na forma acordada, gratuitamente;

(ii) Em acréscimo, e por solicitação expressa do cliente, essa informação é disponibilizada, em suporte papel ou noutro suporte duradouro, também sem custos, uma vez por mês.

Logo, o cliente não tem de suportar qualquer custo se solicitar a emissão de extrato com carácter periódico de conta de depósito à ordem em formato de papel, uma vez por mês (mesmo que a forma acordada seja receber o extrato em papel ou noutro formato duradouro mensalmente, como por exemplo através de homebanking ou de email).”.

No caso dos autos, a autora não alegou, em momento algum, que a disponibilização dos extratos em formato papel tenha sido solicitada pelos clientes bancários ou pelo que denomina de cliente-modelo. Efetivamente, o que sucedeu no caso dos autos foi que a opção do envio do extrato em formato de papel não foi exercida pelo cliente – optando-se pela forma de disponibilização via internet (nada sendo alegado em contrário) – tendo o cliente solicitado a emissão de novos extratos, desta feita, em papel, relativos a todo o histórico de movimentos desde o momento da abertura de conta.

Como é evidente, esta nova solicitação não pode deixar de se considerar um pedido de uma 2.ª via, sujeita ao preçário em vigor na instituição de crédito, já que a 1.ª via havia sido já emitida e disponibilizada por meios de comunicação à distância, tal como acordado entre as partes.

Consideramos, assim, em suma, que o direito invocado pela Autora não se encontra consagrado nas normas legais e convencionais aplicáveis ao caso em presença.

Por outro lado, cumpre afirmar que, em face do que ficou dito, inexiste qualquer nulidade ou ambiguidade que seja de apontar à referida cláusula, já que é possível extrair da mesma quais os critérios a observar no que toca à emissão de extratos.

Desde logo, no que diz respeito à invocada nulidade, defende a autora que a cláusula constante do art. 7.º das Condições Gerais em vigor viola o disposto no art. 18.º, al. e), da LCCG que dispõe que “São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: e) Confiram, de modo directo ou indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do contrato”.

Ora, a circunstância de a referida cláusula ser interpretada pelo banco réu de forma distinta da autora não implica a conclusão de que a cláusula em análise lhe atribui a faculdade exclusiva de a interpretar, até porque, como é bom de ver, a existência do dissídio que opõe o cliente-modelo ao banco réu pressupõe a inexistência de uma qualquer faculdade exclusiva do banco para impor uma determinada interpretação.

Acresce que a referida cláusula apenas rege a matéria atinente à emissão e disponibilização de extratos e nada dispondo quanto à interpretação do contrato, não tendo qualquer aplicação a referida norma legal.

No que diz respeito à invocada ambiguidade de cláusula ínsita nas Condições Gerais em vigor, cumpre, antes de apreciar a questão colocada pela recorrente, apenas consignar que a própria alegação do recorrente surge, aos nossos olhos, como ambígua e de difícil interpretação.

De facto, a recorrente invoca, a um só tempo, que “existe um contrato, perfeitamente celebrado e expresso e executado ao longo do tempo, cuja cláusula aqui em crise é clara quanto ao dever do envio periódico e de forma gratuita dos extratos de conta, assim como os deveres de informação relativamente à forma de envio” e que “essa cláusula (…) deve ser considerada ambígua” – realce nosso.

Ora, recorrendo às normas que regem a interpretação dos articulados, parece resultar que o entendimento de que a cláusula apenas será ambígua se o sentido pretendido pela recorrente não for o extraído por via da sua interpretação.

Seja como for, cumpre deixar expresso que a eventual declaração de ambiguidade não encerra, em si mesma, qualquer efeito jurídico útil, porquanto apenas surge como antecâmara da necessidade de interpretação de acordo com as regras legais em vigor. O mesmo é dizer: declarar que uma cláusula é ambígua, não introduz qualquer alteração na Ordem Jurídica relevante, não sendo uma pretensão jurídica viável.

Veja-se que, como decorre do art. 11.º da LCCG “as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real”. Assim, perante uma situação de ambiguidade, há que proceder à interpretação da cláusula de forma a extrair um determinado sentido, não cabendo ao caso qualquer “declaração de ambiguidade”.

Aqui chegados, cumpre apenas reiterar que a as normas convencionais extraídas supra mostram-se de acordo com as normas regulamentares em vigor, não se retirando, igualmente, das mesmas qualquer violação dos princípios da boa-fé, que importe, seja a que título for, a exclusão de tal cláusula.

Efetivamente, no actual contexto a que se assiste à desmaterialização da atividade bancária, com a substituição do banco físico pelo banco digital, com poupança para os bancos e para os clientes que, muitas vezes, beneficiam de taxas de serviço inferiores por tal circunstância, não se nos afigura atentatória da boa-fé a disponibilização de extratos bancários por meios de comunicação à distância, nos termos acordados com os clientes.

Neste contexto, a disponibilização de extratos através de meios de comunicação à distância, sendo, expressamente, consentido pelas normas regulamentares em vigor, não se nos afigura, minimamente, atentatória da boa-fé, sendo, antes, compreensível no quadro a que se fez referência.

Nada há, assim, a apontar à referida cláusula, pelo que não se vislumbra a invocada nulidade da cláusula.

Por fim, cumpre consignar que as demais normas legais convocadas pela recorrente não têm qualquer aplicação ao caso.

Efetivamente, de forma muito sumária, mas suficiente:

- o disposto no aviso n.º 7/2016 do Banco de Portugal refere-se à informação quanto ao saldo disponível, nada dispondo quanto à forma e periodicidade de prestação de tal informação. Em todo o caso, é manifesto que tal matéria não é colocada em crise nos autos pela autora, que apenas se debruça sobre a forma e periodicidade de disponibilização de extratos bancários relativos a movimentação de contas;

- o disposto nos arts. 10.º e 13.º do DL 107/2017, de 30-08, dizem respeito à disponibilização de extrato de comissões cobradas pelas entidades bancárias, o que não se mostra em discussão nos autos;

- o disposto nos n.ºs 2, 4 e 5 da carta circular CC/2019/00000083 do Banco de Portugal diz respeito às boas práticas a implementar sempre que os extratos de comissões bancárias e não de movimentos (única questão colocada em crise pela autora/recorrente);

- o disposto no art. 85.º, n.º 4 do CVM nada dispõe quanto à forma ou periodicidade do envio de extrato relativo a valores mobiliários, apenas dispondo que a entidade registadora envia um extrato periódico relativo aos bens pertencentes ao património do cliente;

- o disposto no art. 16, n.º 3, da Diretiva 2014/49/EU, que não tem qualquer conexão com o que se discute nos autos, já que versa tão-só e apenas sobre o sistema de garantia de depósitos (SGD), nada tendo que ver com o extrato bancário relativo a movimentos a que alude a recorrente em sede de petição inicial;

- o disposto no art. 57.º, n.ºs 2 e 3, da Diretiva (EU) 2015/2366, que rege a disponibilização de informação relativa operações de pagamentos individuais, nada tendo que ver com a disponibilização de informação sobre movimentos realizados em conta visado pela autora;

- o disposto nos arts. 24.º, n.º 4 e 25.º, n.º 6, da Diretiva 2014/65/UE, que regem a disponibilização de informações a investidores quanto às empresas de investimento e aos seus serviços, aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas, aos locais de execução e a todos os custos e despesas relacionadas e ainda dever de informação que impende sobre empresas de investimento. Ora, também esta matéria se encontra excluída do objeto do presente processo.

- o disposto no art. 9.º e no ponto 29 do anexo I da Diretiva 2005/29, que regem sobre práticas de assédio, coação e influência indevida e não quanto à forma e periodicidade de disponibilização de extratos bancários de movimentos; e

- o disposto no art. 102.º que rege sobre a exploração abusiva de posição dominante no mercado e não sobre a forma e periodicidade de disponibilização de extratos bancários de movimentos.

Em face do exposto, consideramos que a pretensão da recorrente é, manifestamente, improcedente, havendo que confirmar o despacho recorrido.

Da violação do dever de informação

Invoca, ainda, a recorrente/autora que o banco réu não cumpriu o dever de informação quanto:

- à possibilidade de os consumidores conseguirem aceder aos extratos de conta, descarregá-los, armazená-los;

- à advertência de que se não fizessem esses procedimentos os extratos deixaram de estar disponíveis no período de seis meses; e

- à faculdade de escolha de outra forma de envio dos extratos (i.e. via postal ou por correio eletrónico) para que estes pudessem fazer uma escolha consciente e esclarecida.

Está, assim, em causa a violação do dever de comunicação e informação que emerge do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL 446/85, de 25-10.

Dispõe o art. 6.º da LCCG que “1 - O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.

2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.”

A violação do dever de informação tem como consequência a exclusão do contrato das cláusulas não comunicadas ou explicadas, nos termos do disposto no art. 8.º, al. b), da LCCG.

Ora, como é sabido, a violação do dever de informação é contingente, na medida em que depende do cliente concreto, suas características, suas circunstâncias e ainda com a medida de informação disponibilizada.

Como é evidente, não é possível afirmar a existência de uma violação difusa do dever de informação, na medida em que este dever surge, no contexto da formação do contrato, com um conteúdo variável em função das circunstâncias concretas que rodeiam a celebração do contrato.

Saber se determinadas cláusulas foram explicadas, de forma suficiente e clara, depende de uma apreciação casuística, que não se compadece com os fins que presidem à instauração de uma ação popular.

Ora, transpondo os ensinamentos supra ao caso que nos ocupa, cumpre recordar que a ação popular não é admissível quando o demandado possa invocar contra algum ou alguns dos representados uma defesa pessoal, ou seja, quando possa utilizar fundamentos de defesa específicos contra algum desses representados.

Como é evidente, o direito à comunicação e informação das cláusulas constantes de um contrato de adesão reconduz-se a um interesse individual de conteúdo variável em função das circunstâncias concretas que acompanharam a celebração de contrato, que, no limite, poderá implicar a existência de diversas pretensões jurídicas com características distintas.

É, assim, manifesto que a imputada violação do dever de informação se assume, atenta a sua estrutura, de elementos particulares que afastam a tutela popular, nos termos supra explanados.

Resulta, assim, que o direito à informação, no contexto das cláusulas contratuais gerais, tal como configurado pela autora, não se reconduz a um interesse difuso suscetível de tutela popular.

Em face do exposto, a pretensão de tutela de interesses não difusos importa a negação à recorrente do direito à ação popular.

Consideramos, assim, que é de confirmar o despacho de indeferimento liminar neste particular.

Da obrigação de reenvio prejudicial.

Como é sabido, desde o Acórdão Cilfit (processo C-283/81 em anexo)1, a jurisprudência do TJUE tem vindo a entender que não é necessário proceder ao reenvio prejudicial quando:

i. A questão de Direito da União Europeia suscitada for impertinente ou desnecessária para a resolução do litígio;

ii. O TJUE já pronunciou, de forma firme, sobre a questão a reenviar em caso análogo, em sede de reenvio ou outro meio processual, atento o efeito erga omnes das suas decisões.

Também inexistirá obrigação de reenvio sempre que o tribunal nacional considere que as normas de Direito da UE não suscitam dúvidas interpretativas, por serem claras e determinadas.

Feito este breve enquadramento, cumpre apreciar o caso dos autos.

Ora, como já se deixou escrito supra, as normas de Direito da União Europeia invocadas pela recorrente – as únicas suscetíveis de interpretação pelo TJUE – não têm qualquer aplicação ao caso dos autos, já que não versam sobre a invocada obrigação de envio de extratos bancários, sua forma e periodicidade.

Recuperando o que acima se escreveu:

- o disposto no art. 16, n.º 3, da Diretiva 2014/49/EU, que não tem qualquer conexão com o que se discute nos autos, já que versa tão-só e apenas sobre o sistema de garantia de depósitos (SGD), nada tendo que ver com o extrato bancário relativo a movimentos a que alude a recorrente em sede de petição inicial;

- o disposto no art. 57.º, n.ºs 2 e 3, da Diretiva (EU) 2015/2366, que rege a disponibilização de informação relativa operações de pagamentos individuais, nada tendo que ver com a disponibilização de informação sobre movimentos realizados em conta visado pela autora;

- o disposto nos arts. 24.º, n.º 4 e 25.º, n.º 6, da Diretiva 2014/65/UE, que regem a disponibilização de informações a investidores quanto às empresas de investimento e aos seus serviços, aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas, aos locais de execução e a todos os custos e despesas relacionadas e ainda dever de informação que impende sobre empresas de investimento. Ora, também esta matéria se encontra excluída do objeto do presente processo;

- o disposto no art. 9.º e no ponto 29 do anexo I da Diretiva 2005/29, que regem sobre práticas de assédio, coação e influência indevida e não quanto à forma e periodicidade de disponibilização de extratos bancários de movimentos; e

- o disposto no art. 102.º que rege sobre a exploração abusiva de posição dominante no mercado e não sobre a forma e periodicidade de disponibilização de extratos bancários de movimentos.

Como resulta das Recomendações dirigidas aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), disponível em https://eur-lex.europa.eu, em concreto do seu art. 18.º “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão. É esse órgão jurisdicional, com efeito, que está mais bem colocado para apreciar em que fase do processo deve apresentar tal pedido.”.

Ora, no caso dos autos, tendo em consideração que as normas de Direito da União Europeia invocadas pela recorrente não têm qualquer aplicação ao caso dos autos, há que concluir pela desnecessidade de reenvio prejudicial, já que o que fosse decidido pelo TJUE sempre seria irrelevante para a análise do caso concreto.

Assim, em suma, não tendo as normas invocadas qualquer aplicação ao caso dos autos, é inútil o reenvio prejudicial pretendido, sendo o mesmo de indeferir.

Da condenação da autora em custas

Dispõe o art. 4.º, n.ºs 1, al. b) e 5, do RCP que “1 - Estão isentos de custas: b) Qualquer pessoa, fundação ou associação quando exerça o direito de acção popular nos termos do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa e de legislação ordinária que preveja ou regulamente o exercício da acção popular; (…) 5 - Nos casos previstos nas alíneas b), f) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido.

Nas palavras do citado acórdão deste STJ, de 08-09-2016, “não se afigurando a ausência do “fumus boni júris” subjacente ao juízo de manifesta improbabilidade do pedido referida no artigo 13º da citada Lei 83/95 como causa do indeferimento da petição, deve a ação prosseguir os seus termos para os efeitos do acima expostos, assim merecendo censura a decisão recorrida”.

Este segmento permite extrair a conclusão de que o juízo de improcedência a que alude o disposto no art. 13.º da Lei 83/95, de 31-08, diz respeito à inexistência do direito reclamado, o que nos remete para uma decisão de mérito.

No caso que nos ocupa a pretensão da autora falece por razões associadas ao mérito da sua pretensão, já que se concluiu que o direito, principal, invocado nos autos não existe, nos termos peticionados pela autora.

Está em causa a inexistência do direito e não um mero juízo quanto às condições para o exercício da ação popular.

Assim sendo, haverá que concluir pelo acerto da decisão recorrida, sendo de manter a condenação da autora em custas.

Por todo o exposto, o recurso terá de improceder, mantendo-se a decisão recorrida.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram a 7ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista improcedente, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Relator: Nuno Ataíde das Neves

1ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Fátima Gomes

2º Juiz Adjunto: Senhor Conselheiro Lino Ribeiro

______


1. V., neste sentido, acórdãos – de 18 de outubro de 2011 (Processos apensos C 128/09 a C 131/09, C 134/09 e C 135/09), de 9 de setembro de 2015 (Processo C 160/14), de 1 de outubro de 2015 (Processo C 452/14), de 28 de julho de 2016 (Processo C 379/15), de 4 de outubro de 2018 (processo C 416/17) e de 30 de janeiro de 2019 (Processo C‑587/17 P), cujos textos integrais podem ser consultado nos links constantes do documento em anexo.