GRAVAÇÃO DA AUDIÊNCIA
GRAVAÇÃO DA PROVA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE PROCESSUAL
PRAZO PERENTÓRIO
ANULAÇÃO DE SENTENÇA
FACTOS PROVADOS
CONTRADIÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
REVOGAÇÃO
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
Sumário


I - Ainda que confirmada a sentença recorrida no segmento referente à apreciação do mérito da apelação, não se verifica, relativamente à impugnação da decisão da matéria de facto, haja ou não procedência neste segmento, uma efectiva situação de dupla conforme, já que as questões de facto emergiram ex novo do acórdão da Relação proferido no âmbito do recurso de apelação, sem que tenham sido objecto de apreciação em 1ª instância.
II - Com a entrada em vigor do art. 155º nº 4 do NCPC, que impõe que a arguição da nulidade por falta ou deficiência da gravação seja invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada, tendo tal prazo natureza peremptória, foi tacitamente revogado o disposto no art. 9º do Decreto-lei nº 39/95, de 15 de fevereiro, que permitia aquela arguição “em qualquer momento” em que se verificasse ser a gravação “imperceptível” ou inaudível.
III – Não sendo aquela nulidade arguida dentro daquele prazo, precludiu o direito de a parte a arguir.
IV - Contudo, pode o tribunal conhecer oficiosamente de tal nulidade no caso de anulação da decisão de facto por contradição sobre pontos determinados da matéria de facto (art. 662º nº 2 alínea c) do CPC, quando haja necessidade de recorrer à prova gravada para sanação de tal vício.

Texto Integral

No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Central Cível de ... – Juiz 2, MRFC – Armaduras, Lda., propôs ação declarativa comum contra Paviana Construções, Lda., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 103.193,45 €, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 1.926,58 €.

Para tanto alega, em síntese, que no âmbito da sua atividade comercial, contratou com a ré o fornecimento, corte e aplicação de armaduras destinadas a uma obra designada por “Fábrica ...”, não tendo a demandada liquidado um conjunto de faturas, descriminadas no requerimento de injunção referentes aos trabalhos que foram executados.

A ré deduziu oposição, sustentado que as faturas referenciadas no requerimento de injunção não se encontram corretas, uma vez que veio a ser constatado, após medição dos trabalhos executados em obra, que não foi colocado parte do material aludido nas faturas em apreço, devendo, consequentemente, a demandada ser absolvida do pedido na parte que excede o valor correspondente aos trabalhos que foram efetivamente realizados.

Mais, sustentou que a autora contabilizou indevidamente os juros moratórios peticionados, uma vez que foi levada em consideração a data em que as faturas foram emitidas e não o respetivo prazo de vencimento, que ocorria 30 dias após a emissão.

Em resposta, a autora pronunciou-se no sentido da improcedência da matéria de exceção invocada pela ré, concluindo como no requerimento inicial.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, que decidiu:

a) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de 103.193,45 € (cento e três mil cento e noventa e três euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, que se tiverem vencido 30 dias após a emissão das faturas a que os autos se reportam, bem como dos que se vierem a vencer, até integral pagamento;

b) Absolver a ré na parte em que são peticionados juros de mora referentes a data anterior ao vencimento das referidas faturas;

…”.

APELAÇÃO:

Não se conformando com o decidido, a Ré Paviana Construções, Lda interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, formulando as seguintes conclusões:

a) O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da Douta Sentença proferida nos presentes autos.

b) O processo teve o seu decurso “normal”, tendo o Mm.º Juiz estipulado 3 (três) sessões de Audiência de Discussão e Julgamento – 19/11/2021; 30/11/2021 e 17/12/2021).

c) As Audiências de Discussão e Julgamento foram gravadas nos termos e como dita o art. 155.º do CPC.

Contudo, as audiências foram incorretamente gravadas, no mais:

i. O áudio do Mm.º Juiz, de 19/11/2021, com inicio aos 14:24:34 e fim aos 14:34:40, duração 09 minutos e 05 segundos;

ii. O depoimento da Testemunha AA, de 19/11/2021, com início aos 14:34:41 e fim aos 15:50:58, duração 01 horas, 16 minutos e 16 segundos;

iii. O Depoimento da Testemunha BB, de 19711/2021, com início aos 15:51:39 e fim aos 16:44:11, duração 52 minutos e 31 segundos.

d) Relativamente ao áudio do Mm.º Juiz (ponto a.) é totalmente inaudível, nada se conseguindo retirar do que ai é referido.

e) No que toca ao depoimento do Sr. AA (ponto b.), o seu depoimento é extenso (01 horas, 16 minutos e 16 segundos), sendo que a generalidade do seu depoimento é impercetível,

f) Conforme referido supra, o depoimento do BB (ponto c.) (52 minutos e 31 segundos), à semelhança do testemunho acima mencionado, também se demonstra pouco ou nada audível,

g) Face ao exposto, denota-se erro técnico de gravação, tendo em conta que tanto o áudio do Mm.º Juiz, acima discriminado, como que grande parte do depoimento das Testemunhas acima referidas é claramente impercebível.

h) A incorreta gravação da audiência constitui omissão de um ato - fiabilidade técnica do registo - que a lei prescreve, podendo influir na decisão da causa (até porque condiciona a reação das partes contra a decisão proferida sobre a matéria de facto), pelo que constitui uma irregularidade que gera nulidade - art. 195.º, n.º 1 do CPC

i) E compreende-se, face ao facto de se tornar impossível a descoberta da verdade material.

j) O Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto e de direito, porquanto da prova produzida em audiência de julgamento – e também constante dos próprios autos – não resultaram elementos de prova suficientes para que se tomassem como provados os Factos 5) a 11).

k) Não se compreendendo o porquê de o Tribunal a quo ter dado como não provados a totalidade dos factos que enumerou (sem numerar), tendo em conta que a prova produzida foi mais do que suficiente para que a ação fosse julgada improcedente.

l) Perante a ausência de prova por parte da Autora e das duas versões antagónicas preconizadas em julgamento pelas Testemunhas da Autora e pelas Declarações da Ré, entendeu o Tribunal recorrido valorar os depoimentos das Testemunhas da primeira, não merecendo o depoimento / declarações de parte da Ré qualquer credibilidade.

m) Aliás o Tribunal a quo decidiu nem se pronunciar sobre as suas declarações.

n) O Tribunal a quo decidiu valorar os depoimentos das Testemunhas da Ré, que em nada se apresentam objetivas e convincentes, no que toca à imputabilidade dos factos à Ré aqui Recorrente.

o) De facto, denota-se uma clara preparação e alinhamento por parte de todas as Testemunhas, ao que acresce, não poder deixar de se sublinhar com estranheza que decorridos anos, as Testemunhas da Autora apresentem uma memória de detalhe bastante acima do padrão do homem médio.

p) O discurso das Testemunhas da Ré é notoriamente preparado no sentido de obter a condenação da Recorrente.

q) Sendo claro o seu direcionamento, com o devido respeito, por parte do Ilustre Mandatário da Autora.

r) A sentença recorrida extrapola em considerações que fogem à margem da livre apreciação da prova, porque não atendem aos circunstancialismos que indiciam a inexistência da divida reclamada nos Autos, nomeadamente face à ausência / diminuta prova produzida, conforme se explana ao longo da presente peça processual.

s) No mínimo o Tribunal teria de concluir que não era possível determinar com razoável segurança o que se passou.

t) E nem se argumente que o Tribunal tem a possibilidade de poder lançar mão da faculdade que lhe é conferida pelo art. 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

u) Apesar de o julgador ser livre na apreciação da prova, este está sempre vinculado aos princípios em que se consubstancia o direito probatório.

v) O Tribunal a quo apenas se pronuncia sobre os depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora, nomeadamente do: Sr. AA; Sr. BB; Sr. CC; e DD.

w) Ficando, assim, de fora as declarações do Sr. EE – Gerente da Ré.

x) A generalidade do alegado pelas testemunhas da Ré constituem um depoimento indireto, que não deveria ser valorado.

y) Termos em que a Douta Sentença é nula, nos termos da alínea d), n.º 1 do art. 615.º do CPC.

z) O Tribunal a quo não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, demonstrando-se, mui respeitosamente, uma sentença vaga e pouco clara.

aa) O Tribunal a quo não refere os factos que retira e valora dos depoimentos / documentação junta aos autos que possam firmar a sua douta Decisão.

bb) O que deixa a aqui Ré / Recorrente, a quem a Sentença foi desfavorável, a indagar entre documentos e depoimentos gravados, de forma a tentar tirar um sentido à intenção do julgador.

cc) Termos em que a ausência de fundamentação constitui fundamento de nulidade de sentença, nos termos da alínea b), n.º 1 do art. 615.º do CPC. O que desde de já se argui.

dd) O que para todos os efeitos, para além de constituir uma denegação da justiça, nos termos do art. 20.º da CRP, vai contra o estatuído no n.º 4 do art. 607.º do CPC: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

ee) A Ré arrolou, para além do seu Gerente, o Sr. FF (Diretor de ...) e o Sr. GG (Diretor de ... Adjunto).

ff) Sucede que, por impossibilidade de notificar o Sr. FF, ou de o contatar por qualquer meio, a Ré requereu a sua substituição pela Sra. HH (Comercial da Ré), a 06/10/2021.

gg) Tendo o Tribunal a quo considerado uma alteração do Rol, nos termos do n.º 2 do art. 598.º do CC, e indeferido.

hh) Findo o prazo que alude o n.º 2 do art. 598.º do CPC, é permitido à parte substituir a testemunha que, no caso em apreço, haja impossibilidade definitiva para depor – n.º 1 e 3 alínea a) do art. 508.º do CPC.

ii) Para tal, é apenas necessário que hajam decorrido cinco dias sobre a data em que a substituição foi notificada à parte contrária – n.º 1 do art. 510.º do CPC.

jj) O que efetivamente aconteceu.

kk) O Tribunal deparou-se com a impossibilidade de notificar o Sr. GG, tendo solicitado, novamente, a substituição do Sr. GG e do Sr. FF, pela Sra. HH e pelo Sr. II, a 04/11/2021.

ll) Em resposta o Mm. º Juiz do Tribunal a quo, a 11/11/2021, profere Despacho com o seguinte teor: “Visto”.

mm) O que se traduz numa ausência clara de fundamentação, o que leva à sua nulidade.

nn) Na sessão de Audiência de Discussão e Julgamento de 19/11/2021, as Testemunhas da Ré, nomeadamente o Sr. AA e o Sr. BB, referiram por diversas vezes o nome dos funcionários da Ré, entre os quais as 2 (duas) testemunhas que deveriam ter sido substituídas.

oo) Desta forma, a I. Advogada da Ré fez novo requerimento e apelou ao poder-dever do Mm.º Juiz do Tribunal a quo, consagrado no art. 526.º do CPC.

pp) Não tendo, contudo, obtido qualquer resposta.

qq) Termos em que a Ré viu a sua justiça denegada, não tendo sido, mais uma vez, respeitado o principio basilar previsto no art. 20.º da CRP.

rr) Não tendo sido igualmente respeitado o princípio da igualdade das partes e o do contraditório, plasmados nos art. 3.º e 4.º do CPC.

ss) O Tribunal a quo faltou, novamente, aos deveres a que estava adstrito, devendo, mais uma vez, a douta sentença ser considerada nula, nos termos do art. 195.º e alínea d), n.º 1 do art. 615.º, ambos do CPC.

tt) O Douto Tribunal a quo deu como provados os factos 5) a 11), o que desde já se sublinha que se discorda.

uu) O Tribunal a quo não entendeu / nem se pronunciou que cabe à Autora o encargo de desenvolver toda a atividade instrutória capaz de provar a verificação desses factos, sob pena de se considerarem inexistentes, cabendo-lhe o ónus da prova – n.º 1 do art. 342.º do CC.

vv) O Tribunal a quo não entendeu que o legislador não permite que se faça uso de presunções.

ww) O Tribunal a quo não entendeu que da audiência de julgamento, assim como dos documentos juntos aos autos, resulta claramente demonstrado que não há qualquer quantia em dívida.

xx) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou de que a Ré entrou como empreiteira na obra – denominada “Fábrica ... – para substituir o anterior empreiteiro.

yy) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou de que a Ré, tendo assumido a obra, viu-se obrigada a substituir inúmeras subempreiteiras e manter outras tantas, tendo o preço sigo alvo de consulta e negociação – como é o caso da Autora.

zz) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que face à dimensão /proporção empresarial / de mercado da Ré em comparação com a da Autora, a contratação dos seus trabalhadores para outros fins não faria sentido.

aaa) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que a Ré conseguiria arranjar trabalhadores a melhores preços que a Autora.

bbb) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que seria prescindível o pagamento a intermediários.

ccc) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que tendo em conta a sua denominação social e a sua posição / trabalho no mercado, os trabalhos que a Autora “alegadamente” se propôs a fazer não fazem parte do seu quotidiano.

ddd) O Tribunal a quo, apesar de alegado, não valorou / nem se pronunciou sobre o facto de a Autora ter alegadamente” cedido trabalhadores à Ré, objeto que não consta no seu CAE, termos em que estes “alegados” trabalhos, que nem por mera hipótese académica se admitem, jamais poderiam ter ocorrido.

eee) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que a Autora não faz qualquer prova se quer de que estes trabalhadores eram seus.

fff) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que não se consegue retirar dos Depoimentos, nem dos documentos juntos aos Autos, onde / quando é que foi solicitada mão-de-obra para outros fins que não os contratados.

ggg) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que a Autora continuou “alegadamente” em obra sem que lhe fossem pagas as quantias astronómicas que esta vem aos autos peticionar / reclamar aos autos – o que só se pode retirar, face ao capital social da Autora, é que esta “aparenta” estar munida de um Cashflow de valor exorbitante, que permitiu a sua subsistência.

hhh) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que os “trabalhadores da Autora” eram controlados pelo Encarregado de Obra da Ré, tendo se pronunciado em sentido diverso face aos depoimentos das próprias testemunhas da Autora.

iii) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que o Encarregado de Obra da Autora só raramente se dirigia à empreitada, dando a entender o contrário em sentença, em escassas linhas.

jjj) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que era “estranho” e descabido a Autora confiar na Ré um registo fidedigno das horas trabalhadas pela Autora.

kkk) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que não há nada que comprove que a Ré estava vinculada ao pagamento de quaisquer valores hora que não os estipulados.

lll) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que os documentos juntos pela Autora, nomeadamente os Doc. 1 a 8 juntos ao requerimento probatório da Autora, apresentado em 29/10/2019, que segundo o artigo 3.º da P.I. aperfeiçoada dizem respeito ao conteúdo e evolução das negociações e nada se retira daqueles documentos, nomeadamente a utilização de mão-de-obra da Autora para outros fins que não os estabelecidos.

mmm) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que a Autora refere em Depoimento que não concordou com o valor da Nota de Encomenda, mas que decidiu aceitar para obra, o que muito se estranha.

nnn) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que a Autora não vê o benefício em não alterar a Nota de Encomenda, tendo em conta que todos os montantes foram faturados, aliás, até em demasia.

ooo) O Tribunal a quo não valou / nem se pronunciou que caso a Nota de Encomenda fosse alterada, o sistema da Ré obrigava a nova numeração.

ppp) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que se os valores sofressem uma alteração abismal, como sofreram, seria do conhecimento não só dos comerciais, como do Diretor.

qqq) O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a efabulação da Autora, em depoimento, em arranjar um “bode expiatório”, no qual esta refere que quem dava indicações dos valores era o Sub Encarregado Geral da Obra, o qual ironicamente era um estagiário, de pouco mais de 20 anos, da Ré Paviana.

rrr) O Tribunal a quo não valorou/ nem se pronunciou que as pessoas coletivas, não têm naturalisticamente vontade própria, pelo que necessitam obrigatoriamente de órgãos que formem e exteriorizem a sua vontade.

sss) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que cabe ao Gerente representar a sociedade – Art. 260.º do CSC – Podendo este delegar em terceiros, nomeadamente no Departamento Comercial, que é a quem cabe tal competência, e ratificar as condições negociadas.

ttt) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que a Autora tinha a obrigação de saber, mesmo que à verdade correspondesse, o que só por mera hipótese académica se admite, que um Estagiário de 20 anos jamais poderia vincular uma empresa da dimensão da Ré.

uuu) O Tribunal a quo não se pronunciou que segundo alega a Autora, a Ré pediu-lhe para “transformar” a mão-de-obra em Kg de ferro.

vvv) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que do orçamento consegue-se, apenas, retirar que o cálculo feito é que os Kg de ferro integram a mão-de-obra.

www) O Tribunal a quo entendeu erroneamente que os valores ultrapassam em demasia a Nota de Encomenda estabelecida entre as partes, sendo admissível.

xxx) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que todas as Faturas juntas aos autos foram redigidas e emitidas pela Autora.

yyy) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que, em conformidade com o alegado pela Autora e tendo em conta os documentos juntos aos Autos, não se encontram de acordo com a alínea d), n.º 2 do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 28/2019 de 15 e Fevereiro, ou seja, não foram inseridos a “Denominação usual e quantidades dos bens transmitidos ou dos serviços prestados”.

zzz) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que a discrepância entre o que consta nas faturas, a discriminação feita em pleito e o que consta na Nota de Encomenda, o que leva a uma impercetibilidade da Autora e que, mui respeitosamente, também deveria criar confusão ao Tribunal.

aaaa) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou que ficam excluídas do direito à dedução do IVA incorrido, por serem insuficientes quanto à identificação específica dos serviços faturados.

bbbb) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou sobre o facto de que relativamente às empreitadas se aplica subsidiariamente o CCP (Código de Contratos Públicos), ao que relativamente aos Autos de Medição.

cccc) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou sobre o facto de a Autora não ter conseguido comprovar o diferencial abismal das quantias solicitadas versus as quantias efetivamente devidas, nomeadamente na Fatura n.º 62 e na Fatura n.º 93.

dddd) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou sobre o facto de que compete à Ré (Empreiteira Geral), em substituição do Dono da Obra efetuar as medições, com a colaboração da Autora (subempreiteira) apresentar os Autos de Medição – art. 387.º daquele Diploma e que nenhum dos mesmos se encontram assinados.

eeee) Pelo que tal matéria também não devia ser dada como provada, como foi.

ffff) Caso assim não se entenda, o Tribunal a quo não valorou / não se pronunciou sobre a incompetência da Autora proceder a tais trabalhos, conforme foi alegado e consta da certidão permanente da Autora, sendo por isso um negocio proibido à luz do artigo 280º do C.C e do o art. 1207.º do Código Civil.

gggg) O Tribunal a quo não valorou / nem se pronunciou sobre o facto de que na ausência de prova por parte da Autora, a última palavra é da Ré e de outro modo não se podia entender, face ao facto de a Autora não poder ter o poder de atribuir valores discricionários, como fez, aos seus trabalhos.

hhhh) E repare-se, situação idêntica se passa com as empreitadas de obras públicas. É impensável, no âmbito dos códigos dos contratos públicos, pessoa coletiva pública “cair” nos Autos de Medição / Valores faturados pelos empreiteiros?

iiii) O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o art. 18.º da Resposta à Oposição à Ré, aliás, matéria que resulta igualmente do depoimento das suas Testemunhas AA e BB, problemas com o Programa de Faturação, nomeadamente com as datas previstas nas Faturas.

jjjj) Situação que a Ré levanta e se queixa ao longo do seu articulado – Cfr. Oposição à Injunção.

kkkk) Aqui, apesar do Douto Tribunal a quo ter dado razão à Ré de forma BASTANTE INDIRETA, não se pronunciou, só permitindo à Ré / Recorrente interpretar o ponto 13 dos Factos Provados,

llll) O que por consequência, novamente, se demonstra uma omissão clara de pronúncia acerca da veracidade do mencionado pela Autora, relativamente ao seu Programa de Faturação.

mmmm) Conforme reiterado:

i. A Fatura n.º 62, no valor de 40.412,39€, não foi aceite por o Auto de Medição não se encontrar aprovado.

ii. A Fatura n.º 93, no valor de 37.372,30€ não foi aceite por o Auto de Medição não se encontrar correto, nomeadamente o n.º de Kg de ferro não corresponder ao que tinha sido colocado e trabalhado em obra – Existindo uma discrepância abismal: 3.001,31€ na ótica da Ré, segundo as suas medições, em contraposição aos 37.372,30€ reclamados pela Autora.

iii. A Fatura n.º 153, no valor de 7.201,00€, não é aceite por, para além de não corresponder aos trabalhos contratados, a sua data de vencimento ter ocorrido em momento posterior à Entrada de Requerimento de Injunção.

iv. A Fatura n.º 126, no valor de 18.207,76€, para além de não ter sido enviada à aqui Ré, não é aceite por não corresponder a quaisquer valores devidos.

nnnn) O Tribunal a quo não teve em conta que toda esta ação visa um enriquecimento sem causa.

Termos em que V. Exª.s concedendo provimento ao recurso e alterando a douta decisão recorrida nos termos pugnados nas presentes alegações, farão inteira justiça.

Contra-alegou a recorrida, defendendo a improcedência do recurso.

Foi proferido Acórdão que, julgando precludido o direito de a recorrente invocar a referida deficiência das gravações, assim como transitada em julgado a decisão que indeferiu a substituição de testemunhas (artº 644º/2 d) do CPC), uma vez que o recurso de tal despacho deveria ter sido interposto no prazo de 15 dias, como estipula o artº 638º/1 do CPC e, não o tendo sido, mostra-se precludido o direito, não mais podendo ser impugnada a decisão nesta sede, porque transitada em julgado”, no mais julgando improcedente a impugnação da matéria de facto, assim como as nulidades da sentença também alegadas, culminando por julgar a apelação inteiramente improcedente, confirmando inteiramente a sentença recorrida.

REVISTA

Novamente inconformada, a recorrente veio interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo das alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a suas alegações nos termos seguintes:

a) Conforme se concluirá pelas conclusões do presente recurso do Acórdão, assim como a da Sentença que o originou que as decisões proferidas por estes doutos Tribunais a quo não respeitaram o dever de fundamentação, de facto e de direito.

b) Tanto a douta Sentença proferida, como o Acórdão que se recorre, como se verá, decidiram contra legem, contra doutrina e jurisprudência em vigor, não respeitando inclusive os princípios basilares do direito.

c) O que pretende com o presente recurso que se analise é, por um lado (1) o dever de fundamentação não se cinge somente às Decisões proferidas, mas também aos Despachos Interlocutórios, que padecem de graves vícios, face ao facto de relativamente às primeiras se discutir: (a) a ausência de fundamentação de facto e de direito; (b) Ausência de fundamentação de facto e de direito do raciocínio lógico-dedutivo, relativamente à reapreciação da matéria de facto e de direito (c) utilização de presunções judiciais sem fundamentação lógico-dedutiva; (d) não atendimento de questões que fazem parte do objeto da ação e que a integram por terem sido alegadas pelas partes e (e) questões de conhecimento oficioso; e ao segundo: indeferimento contra legem face ao requerimento de substituição / arrolamento de testemunhas, posterior requerimento ao qual não foi dada resposta e incumprimento do poder-dever de chamar à ação testemunhas essenciais à descoberta da verdade, após a sua menção aquando de depoimento de testemunhas da contraparte.

d) Sem prescindir, estas matérias encontram-se em clara oposição com Acórdãos já proferidos, tanto por Tribunais da Relação (2.ª Instância), como por este Supremo Tribunal de Justiça.

e) Existindo, ainda, questões de colossal interesse, no que toca à necessidade de fundamentação de decisões, para melhor aplicação do Direito, pelo que é a imperativa a Uniformização de Jurisprudência, caso se entenda, como nós entendemos, que esta não se encontra Uniformizada, caso contrário deverá decidir-se em consonância.

f) Por outro lado, (2) pretende-se igualmente que se analise que matérias deverão ou não ser objeto de análise pelo julgador (entre as quais a fundamentação de presunções judiciais).

g) Sobre este tema, consideramos também de enorme relevo a Uniformização de Jurisprudência neste âmbito para a devido elucidação sobre a aplicabilidade destas presunções, designadamente quanto aos seus limites.

h) Por fim, (3), é ainda de claro benefício saber que prazo dispõem as partes para arguir as vicissitudes relativas à inaudibilidade / impercetibilidade das gravações, face ao facto de, regra geral, as partes disporem de 30 (trinta) dias para a interposição de recurso, acrescendo 10 (dez) dias, caso se pretenda abordar questões relativas à matéria gravada em Audiência de Discussão e Julgamento – Cfr. art. 538.º, n.º 1 e 7 do CPC;

i) e (4) qual o prazo de que dispõe as partes para recorrer de despacho que indefere por ação / omissão a substituição de testemunhas, incluindo-se neste último tópico o momento em que se poderá recorrer, após inação do julgador, face ao poder-dever, consagrado pela lei e jurisprudência, relativo à inquirição oficiosa de testemunhas para o apuramento da verdade e acima de tudo para o cabal exercício do contraditório.

j) Este interesse, meramente processual e determinante para a ação face ao circunstancialismo e o seu significado, demonstra-se importante, de forma a garantir a segurança e estabilidade jurídica, sendo necessário esclarecimento para melhor aplicação do direito – tendo-se em conta o tráfego jurídico existente e a importância que estas respostas trarão de futuro.

k) Demonstrando-se também necessário saber, relativamente aquele ultimo tópico (4) Qual o alcance do poder-dever do Tribunal, na pessoa do Mm.º Juiz, em chamar a depor à ação testemunhas que foram aludidas pelas testemunhas da contraparte, após, inclusive, requerimento do seu Mandatário (e veja-se que as testemunhas que se irão mencionar já tinham sido tentadas chamar infrutiferamente à ação, como se explicita infra) – ao que certamente terá sido violado o princípio da descoberta da verdade material, impossibilitando-se a boa decisão da causa. Como se poderá denotar ao ler este articulado (alegações/conclusões), o presente recurso incidirá não só sobre toda a matéria de direito do Acórdão e da Sentença proferidos, como também, face à excecionalidade das decisões em apreço, sobre toda a matéria de facto.

l) O Tribunal a quo, no seu Douto Acórdão, apenas procurou responder a 2 (duas) questões: “1.- A nulidade da sentença por gravação deficiente da audiência. 2.- A substituição de testemunhas e a nulidade do despacho por falta de fundamentação.” (Cfr. página 11, do Acórdão) – que acabam por se desdobrar num variado e desorganizado conjunto de questões. Contudo, a aqui Ré / Recorrente levantou muitas outras questões que não foram satisfeitas – questões essas essenciais e que deviam ter sido conhecidas -nulidade – art. 607.º, art.615.º, n.º 1, alínea b) e d), art. 663.º e art. 666.º, todos do CPC.

m)A aqui Ré / Recorrente, face à impercetibilidade / inaudibilidade das gravações começa por referir que todo o processado é nulo, face à nulidade das gravações, tendo o Tribunal a quo (Tribunal da Relação) entendido de forma errónea que esta apenas tinha o prazo de 10 (dez) dias para arguir aquele vício, o que não corresponde de todo à verdade, nos termos dos art. 155.º, n.º 4, art. 638.º, n.º 1 e 7 e art. 195.º, todos do CPC, preceitos estes, caso se demonstre necessário, conjugados com a jurisprudência em vigor.

n) A aqui Ré / Recorrente começa por alegar a nulidade do Acórdão proferido, assim como dos diversos despachos que indeferiram expressa e tacitamente o que se requereu. Em primeiro lugar, por o Tribunal a quo (Tribunal da Relação) por não revelar o ocorrido relativamente ao segundo proferido despacho pelo Tribunal de 1º Instância e mencionar que a resposta a este era a resposta a um outro requerimento, o que não corresponde à verdade; em segundo lugar por este Acórdão não se pronunciar sobre o poder-dever do Tribunal a quo (Tribunal de Comarca) em chamar à ação testemunhas, após ouvido o seu nome pelas testemunhas arroladas pela contraparte e requerido pela sua Ilustre mandatária.

o) Por fim, relativamente a esta matéria, o Tribunal a quo (Tribunal da Relação), exime-se de apreciar a questão, referindo apenas que estes (dois requerimentos a que fez menção de substituição de testemunhas) são recorridos de forma extemporânea, o que não corresponde de todo à verdade – sendo em consequência nulo todo o processado – art. 7.º, n.º 1 e 2 do art. 195.º, art. 526.º, art. 607.º, art. 615.º, n.º 1, alínea b) e d), art. 663.º e art. 666.º, todos do CPC conjugado com a jurisprudência em vigor e com o art. 205.º da CRP.

p) O Tribunal a quo (Tribunal da Relação), no que respeita à pronúncia sobre a matéria de facto, também, com o devido respeito, andou mal na apreciação desta e consequentemente no direito a esta aplicável, uma vez que socorrendo-se do princípio genérico da imediação e do princípio da livre apreciação da prova, (ainda que este último esteja sujeita a regras e a um raciocínio lógico-dedutivo que se pressupõe baseado na realidade e na experiencia comum) se escusa a esmiuçar a prova carreada para os autos pelas partes.

q) Em suma, a aqui Ré / Recorrente alega (a) contradições entre os depoimentos das testemunhas; (b) contradições na valoração dos depoimentos e consequentemente na matéria provada (c) Ausência de valoração e/ou pronúncia das declarações de parte da aqui Ré / Recorrente, sendo que é de salientar que este foi a única oportunidade dada a Ré de exercer o seu direito ao contraditório.

r) Sobre este tema, a aqui Ré / Recorrente suscita mais 2 (duas) questões adicionais que deverão ser tomados em consideração no que respeito à aplicação do Direito pelo Tribunal a quo : (1) que devem ser atendidos todos os factos chamados à ação; e que (2) Deveria o Tribunal a quo (Tribunal da Relação) assim como o Tribunal que o antecedeu (Tribunal de Comarca) ter explicitado o seu “raciocínio lógico-dedutivo” – Relativamente ao Acórdão de que ora se recorre, a reapreciação da matéria de facto não se pode resumir a transcrever o sumariamente referido pelo segundo (sentença proferida pelo Tribunal de Comarca - termos em que também quanto a esta parte, tanto o Acórdão como a Sentença proferida enfermam do vício de nulidade - art. 607.º, art.615.º, n.º 1, alíneas b) e d), art. 663.º e art. 666.º, todos do CPC – Podendo e devendo, conforme infra melhor se explicitará, este Supremo Tribunal apreciar toda a matéria de facto e valorar de forma distinta.

s) O Tribunal a quo (Tribunal da Relação), conforme acima mencionado, não se pronuncia sobre todos os motivos que levaram à interposição do recurso de apelação. O Recurso apresentado abordava, como supra referido, inúmeras questões, entre as quais (a) a motivação e convicção do Mm.º Juiz quanto aos meios de prova apresentados, mas também abordámos inúmeras vezes (b) a ausência e excesso de factos provados / não provados (c) e a fundamentação dos factos provados e não provados. – tema último sobre o qual o Acordão recorrido nem sequer abordou de forma clara e fundamentada - ao que conforme infra retrataremos, esta situação configura uma nulidade.

t) O presente Acórdão de que se recorre, assim como aquela Sentença que o originou, em momento algum fazem um análise crítica, sobre a prova e a matéria de facto, mas veja-se que também não têm em conta matéria de direito.

u) Relativamente especificamente à matéria de direito, veja-se que a douta Sentença proferida e o Acórdão, apesar de invocar preceitos legais para denegar as legítimas pretensões da Ré / Recorrente, em nada justifica a razão de tecer as mesmas considerações que aquele Tribunal de Comarca, limitando-se a afirmar que concorda com as mesmas. (com uma sentença vaga e incompleta).

v) A Ré / Recorrente referiu no seu Recurso que ao longo da Sentença proferida, aquele Tribunal não invocou não só razões de facto, como de direito que suportassem a sua decisão, no mais: (a) a descriminação e valoração e prova; (b) O seu raciocínio logico-dedutivo das presunções judiciais a que fez uso; e (c) não fazendo uso ou alusão a quaisquer preceitos legais que suportassem a sua tese – ao que não se poderá dar outro desfecho que não a nulidade - art. 607.º, art.615.º, n.º 1, alíneas b) e d), art. 663.º e art. 666.º, todos do CPC

w) Relativamente às matérias a ser atendidas e analisadas tanto em sede de 1ª instancia, como em Acórdão, veja-se que deviam ter sido analisados e emitido um juízo critico sobre todas as matérias levadas a pleito e suscitadas pelas partes, nos termos do art. 5.º, n.º 1, 2 e 3 e do art. 608.º, n.º 2, todos do CPC – até porque algumas delas são de conhecimento oficioso - Ao que tanto aquele Tribunal de Comarca como o Tribunal aquo se deveriam ter pronunciado sobre:

i. A alegada “cedência” de trabalhadores à Ré, quando esta seria ilegal, segundo o seu CAE; ii. O facto de, conforme assumido pela Autora, os “supostos” trabalhos a mais serem definidos por um estagiário, de 20 anos, com poderes para vincular a Ré para além da Nota de Encomenda; iii. A desconformidade entre as Faturas e os “alegados” trabalhos; iv. A ilegalidade da Faturação da Ré; v. A ilegalidade das Faturas emitidas.

x) E repare-se, toda esta matéria alegada compunha a ação – ao que cabia ao Tribunal aquo (Tribunal da Relação), agora abordar esta temática – art. 607.º, n.º 4, art. 663.º, n.º 2 e art. 679.º, todos do CPC, dado que estavámos perante uma reapreciação da prova. E veja-se que a generalidade dos factos, que cabiam à Autora alegar e fazer prova – art. 342.º do CC – foram confessos por esta em sede de audiência, tendo existido o respetivo contraditório, como ditam os cânones processuais.

y) Termos em que, sendo estas matérias, igualmente, de conhecimento oficioso daquele Tribunal, competia-lhe integrar e decidir sobre estas questões – art. 579.º do CPC, o que não fez.

z) Conforme sumariamente mencionado supra e alegado no art. 75.º do Recurso que antecedeu o presente, a douta Sentença faz uso de presunções, aparentemente judiciais, as quais a lei não o permite, no mais, presumir que: (a) Trabalhos a mais, que foram solicitado pela Ré; (b) que os trabalhadores que realizaram aqueles trabalhos a mais, fora do âmbito da empreitada, pertenciam à Autora; (c) que foram efetuados os mencionados “cálculos rocambolescos” - a que a Sentença se refere, assim como o douto Acórdão. Ao que caso assim se atenda, o que só por mera hipótese académica se concebe, que se valore, conforme infra mencionado: (a) A impossibilidade de um estagiário, de 20 anos, vincular uma sociedade; (b) que a “alegada” cedência de trabalhadores era ilegal, entre outras matérias, face ao CAE da Autora; (c) que as faturas são desconformes e manifestamente ilegais. Face ao exposto, pode e deve este Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre estes temas – de acordo com a legislação e jurisprudência em vigor.

aa) O Tribunal a quo (Tribunal da Relação) escusa-se a reapreciar a prova limitando-se a subscrever o entendimento de que não devem ser alterados os factos provados / não provados.

bb) Apesar de ao que este tema estar vedado ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, apreciar a matéria de facto – contudo há vícios que este tem a possibilidade de conhecer. Salvo o devido respeito, não se trata apenas de, a nosso ver, apenas de uma errónea apreciação da prova, mas também por a valoração desta e a uma análise crítica e dentro dos limites estabelecidos- não devendo ser permitido construir ilações e presunções (não fundamentadas), que vão em clara oposição ao estatuído no n.º 4 do art. 607.º, art. 664.º e art. 666.º, todos do CPC – matéria que desenvolveremos infra, mas que aqui se deixam os princípios basilares à procedência das vicissitudes alegadas pela aqui Ré / Recorrente.

cc) Sem prejuízo, caso se considere de que o Acordão recorrido não padece de falta de fundamentação em termos formais sempre se deverá considerar que padece de insuficiência e erroneidade na – Veja-se que, relativamente a este ponto, a aqui Ré / Recorrente não está a discutir, somente, se aquele Tribunal decidiu “bem” ou “mal”, mas a firmar a ausência de fundamentação, sendo claro o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento. Contudo, sempre se dirá que é patente o “Error in judiciando” no caso em apreço, tendo em conta que “o juiz escreveu o que realmente pretendia, mas decidiu mal, ou porque decidiu «contra legem» ou contra os factos apurados” – Anselmo de Castro, Lic. Proc. Civil, 1966, 3.º-239.

dd) O Tribunal a quo (Tribunal da Relação), em primeiro lugar, procura distinguir os conceitos de princípio da imediação e da livre apreciação da prova, vulgo princípio da livre convicção, e veja-se, no seu Recurso, a Ré / Recorrente (a) não procurou ultrapassar o princípio da imediação, (b) fazendo porém alusão aos limites do princípio da livre apreciação da prova – ao que a conduta da Ré / Recorrente em nada infere o referido por aquele Tribunal (conforme melhor explicitaremos infra, ao longo deste Recurso).

ee) Em primeiro lugar, conforme se poderá retirar, tanto das alegações como das conclusões é que o Recurso interposto não padece de forma genérica, tendo toda a matéria de facto e de direito sido indicada em conformidade e alegados os factos que deveriam e deverão ser alterados.

ff) Em segundo lugar, o que a Ré / Recorrente refere é – para além dos despachos interlocutórios, repletos de vicissitudes, de indeferimento da substituição das testemunhas – é que (a) não foram atendidas as declarações de parte da aqui Ré, muito menos é feita referência naquela Sentença – ao que esta padece claramente de um caráter unilateral, por (b) só terem sido atendidos os meios de prova da Autora, de forma incompleta, sendo a fundamentação míngua e imperfeita.

gg) Em terceiro lugar, o Tribunal a quo refere que a aqui Ré menciona que não foram atendidas as testemunhas por si arroladas – quando esta referiu claramente que o depoimento não atendido foi, exclusivamente, as declarações de parte do seu Gerente – veja-se os art. 17.º, 18.º e 29.º, estando igualmente presente nos art. 51.º a 65.º, todos do Recurso que antecedeu o presente – relativamente às restantes testemunhas já nos pronunciaremos infra.

hh) Em quarto lugar, o que a Ré refere e indica (nomeadamente nas respetivas gravações) é a contradição das testemunhas da Autora e a indicação de factos que (conforme acima exposto) deveriam ter integrado aquela Sentença e, mal, não integraram. Não tendo aquela Sentença demonstrado um “raciocínio lógico-dedutivo”, mas antes um caráter claramente unilateral (facto que se considera independentemente da Autora ter vencido a demanda).

ii) O Tribunal a quo (Tribunal da Relação) termina a sua fundamentação quanto a esta parte do Acórdão decidindo que não há qualquer erro na apreciação da prova – o que nos levaria a não podermos discutir esta questão e por consequência termos de nos conformar com esta questão, tendo em conta que o Recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, em principio, só decidiria questões de direito e não de facto Contudo, face ao preenchimento dos requisitos, este Supremo Tribunal de Justiça pode e deve pronunciar-se sobre a matéria de facto.

jj) À semelhança de outras situações enumeradas ao longo deste Recurso, tanto o Tribunal de Comarca como o Tribunal da Relação não transpõem o seu raciocínio lógico-dedutivo, o que leva à sua nulidade - art. 607.º, art.615.º, n.º 1, alíneas b) e d), art. 663.º e art. 666.º, todos do CPC. A somar, dir-se-á ainda que o exposto (matéria de facto provada e não provada) não corresponde à realidade do caso em apreço, em consonância com os meios de prova produzidos – matéria que se impugna desde sempre.

kk) Relativamente à douta Sentença proferida, entendeu o Tribunal recorrido valorar os depoimentos das Testemunhas da primeira, não merecendo o depoimento / declarações de parte da Ré qualquer credibilidade. Aliás o Tribunal aquo (Tribunal de Comarca) decidiu nem se pronunciar sobre as suas declarações!

ll) Os depoimentos das Testemunhas da Ré em nada se apresentam objetivas e convincentes, no que toca à imputabilidade dos factos à Ré aqui Recorrente. De facto, denota-se uma clara preparação e alinhamento por parte de todas as Testemunhas, ao que acresce, não poder deixar de se sublinhar com estranheza que decorridos anos, as Testemunhas da Autora apresentem, TODAS, uma memória de detalhe bastante acima do padrão do homem médio e um discurso semelhante, para não dizer igual, ao que o discurso das Testemunhas da Ré é notoriamente preparado no sentido de obter a condenação da Recorrente.

mm) O Tribunal a quo (Tribunal de Comarca), e por consequência o Tribunal da Relação, vem valorar a presença do Sr. AA (Ex. Diretor Administrativo da Autora) nas reuniões entre a Autora e a Ré, quando este apenas esteve presente numa reunião. Sem prejuízo de considerarmos estranho o facto de este ter estado logo presente na reunião em que se decidiu a cessão de trabalhadores, sendo de se sublinhar que o processo de negociação foi longo e complicado, a verdade é que este, no decurso do seu depoimento, inicialmente deu a entender que tinha estado presente em todas as fases de negociação, só quando inquirido pela Mandatária da Ré é que nos apercebemos que apenas se encontrou na ultima reunião, a substituir outrem que se encontrava de férias. Desta forma, o seu depoimento, assim como a generalidade do alegado pelas restantes testemunhas da Ré constituem um depoimento indireto, que não deveria ser valorado.

nn) O Tribunal a quo (Tribunal de Comarca), e por consequência o Tribunal da Relação, vem também valorar o facto de que o Sr. DD (Encarregado Geral da Autora) ter estado “…presente no local onde a obra estava a ser executada, tendo o mesmo relatado que tipo de trabalhos foram efectuados nesse âmbito e em que moldes ocorria o controlo, por parte da ré, das tarefas executadas pelos trabalhadores da ora demandante.” Acontece que o Encarregado Geral da Autora raras vezes ia à obra, tendo um papel claramente diminuto/acessório na gestão da obra, conforme se retira do depoimento do Sr. BB (Diretor de ... da Autora) - Termos em que (1) se impugnam os aludidos factos dados como provados e não provados; assim como se afirma que (2) a Douta Sentença é nula, por não especificar a matéria de facto (sendo a de direito igualmente omissa) nos termos da alínea b), n.º 1 do art. 615.º do CPC.

oo) O (Tribunal de Comarca), e igualmente o Tribunal da Relação, não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, resultando, com o devido respeito numa sentença vaga e pouco clara. No mais, não refere os factos que retira e valora dos depoimentos / documentação junta aos autos que possam firmar a sua douta Decisão.

pp) Pelo que torna impossível à aqui Recorrente entender como se formou a convicção do julgador, dado que este não refere concretamente em que documentos e depoimentos gravados se apoia para proferir a sua decisão.

qq) O que para todos os efeitos, para além de constituir uma denegação da justiça, nos termos do art. 20.º da CRP, vai contra o estatuído no n.º 4 do art. 607.º do CPC - Termos em que a ausência de fundamentação constitui fundamento de nulidade de sentença, em conformidade com a alínea b), n.º 1 do art. 615.º do CPC.

rr) A somar a tudo isto para fazer face ao alegado pela Autora, a Ré arrolou, para além do seu Gerente, o Sr. FF (Diretor de ...) e o Sr. GG (Diretor de ... Adjunto). Sucede que, por impossibilidade de notificar o Sr. FF, ou de o contatar por qualquer meio, a Ré requereu a sua substituição pela Sra. HH (Comercial da Ré), a 06/10/2021 Tendo o Tribunal aquo considerado a substituição uma alteração do Rol, nos termos do n.º 2 do art. 598.º do CC, e indeferido.

ss) Contudo, veja-se que de acordo com a legislação em vigor, findo o prazo que alude o n.º 2 do art. 598.º do CPC, é permitido à parte substituir a testemunha que, no caso em apreço, haja impossibilidade definitiva para depor – n.º 1 e 3 alínea a) do art. 508.º do CPC.

tt) Posteriormente o Tribunal deparou-se com a impossibilidade de notificar o Sr. GG, tendo solicitado, novamente, a substituição do Sr. GG e do Sr. FF, pela Sra. HH e pelo Sr. II, a 04/11/2021. Em resposta o Mm.º Juiz do Tribunal aquo (Tribunal de Comarca), a 11/11/2021, profere Despacho com o seguinte teor: “Visto” - O que se traduz numa ausência clara de fundamentação.

uu) Não bastando, na sessão de Audiência de Discussão e Julgamento de 19/11/2021, as Testemunhas da Ré, nomeadamente o Sr. AA e o Sr. BB, referiram por diversas vezes o nome dos funcionários da Ré, entre os quais as 2 (duas) testemunhas que deveriam ter sido substituídas. Desta forma, a I. Advogada da Ré fez novo requerimento e apelou ao poder-dever do Mm.º Juiz do Tribunal aquo, consagrado no art. 526.º do CPC. Não tendo, contudo, obtido qualquer resposta! E Veja-se que, conforme mencionado nos art. 63.º e 65.º do Recurso que antecedeu o presente, este mecanismo passou de uma faculdade a um dever, em busca da verdade material – Ao que com esta conduta é patente a denegação de justiça prevista no art. 20.º da CRP. Não tendo sido igualmente respeitado o princípio da igualdade das partes e o do contraditório, plasmados nos art. 3.º e 4.º do CPC, ao que o Tribunal aquo (Tribunal de Comarca) faltou, novamente, aos deveres a que estava adstrito, devendo, mais uma vez, a douta sentença ser considerada nula, por se anular o processado, nos termos do art. 195.º e alínea d), n.º 1 do art. 615.º, ambos do CPC.

vv) Conforme supra mencionado, cabe à Autora o encargo de desenvolver toda a atividade instrutória capaz de provar a verificação desses factos, sob pena de se considerarem inexistentes, cabendo-lhe o ónus da prova – n.º 1 do art. 342.º do CC. Não permitindo o legislador que se faça uso de presunções. E quando o julgador faça uso de presunções judiciais, terá de explicar e fundamentar em Sentença / Acórdão, o seu raciocínio lógico-dedutivo.

ww) Veja-se que a Ré entrou como empreiteira na obra – denominada “Fábrica ... - para substituir o anterior empreiteiro. Tendo assumido a obra, viu-se obrigada a substituir inúmeras subempreiteiras e manter outras tantas, tendo o preço sido alvo de consulta e negociação – como é o caso da Autora.

xx) Conforme supra referido, o que se salvaguarda em caso de lapso de escrita, o Tribunal Comarca, e por consequência o Tribunal da Relação, atenderam, sem justificar, decidindo inclusive contra legem e fazendo uso de presunções contra a lei: (a) Que trabalhos foram realizados; (b) Que houve cedência de trabalhadores, quando o CAE da Autora não o permite (c) Que houve mão-de-obra cedida para outros fins que não os contratados; (d) De que forma foram contratados trabalhos a mais, para além da Nota de Encomenda, estabelecida; (e) Que um estagiário, de 20 anos vinculava a Ré, nomeadamente para a contratação de trabalhos a mais; (f) De que forma foi estabelecido o “cálculo rocambolesco”, que nem se compreende nos autos e na Sentença / Acórdão, para pagamento da mão-de-obra cedida e que em nada beneficia a Ré. Não se pronunciando igualmente sobre a ilegalidade, por incumprimento dos requisitos, das Faturas.

yy) A verdade é que competia à Ré (Empreiteira Geral), e não ao do Dono da Obra, efetuar as medições e com a colaboração da Autora (subempreiteira) apresentar os Autos de Medição – art. 387.º do CCP e 1207.º do CC - na ausência de prova por parte da Autora, a última palavra é da Ré e de outro modo não se podia entender, face ao facto de a Autora não poder ter o poder de atribuir valores discricionários, como fez, aos seus trabalhos - Situação que a Ré levanta e se queixa ao longo do seu articulado – existindo aqui também uma omissão de pronúncia, originando a nulidade das mesmas.

zz) No entanto, e caso assim não se entenda, o julgador jamais poderia ter presumido tais factos sem fundamentar – art. 607.º, n.º 4, art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), art. 663.º e art. 666.º, todos do CPC.

aaa) Relativamente ao ponto 13 dos Factos Provados, o Tribunal de Comarca, e por consequência o Tribunal da Relação não se pronunciou relativamente aos factos alegados relativos à faturação efetuada pela Autora/Recorrida, pelo que também aqui a sentença enferma de nulidade, conforme dispõe os art. 607.º, n.º 4, art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), art. 663.º e art. 666.º, todos do CPC.

Termos em que V. Ex.as concedendo provimento ao recurso e decretando nulidade da Sentença e/ou do Acórdão proferidos, assim como alterando a douta decisão recorrida nos termos pugnados nas presentes alegações.

A recorrida veio contra-alegar, culminando com as seguintes conclusões:- A intervenção do STJ apenas se justifica em questões cujo relevo jurídico seja indiscutível (v.g. aplicação de uma nova legislação cuja interpretação suscite sérias dúvidas ou para reparação de uma decisão que tenha sido proferida em desconformidade do entendimento uniforme de doutrina e jurisprudência) ou quando ocorra abundante divergência doutrinária ou jurisprudencial ou perante questões cuja operação exegética seja de especial complexidade, seja de elevado grau de dificuldade, sendo de prever dificuldade e contradições no futuro.

- O que claramente não sucede no presente caso.

- Em suma, as discordâncias da Recorrente relativamente ao decidido não ultrapassam a dimensão do litígio entre as partes, não sendo a questão colocada transponível para outras situações, pois centra-se na avaliação da suficiência ou insuficiência da matéria de facto alegada no caso concreto, a não concordar com a convicção do julgador, ou a discordar da fundamentação apresentada.

- Mas a admissão da revista pela via da revista excecional visa interesses inerentes à melhoria do processo de aplicação do Direito e não propriamente a solução do litígio entre as partes, para essa resolução o sistema jurídico já conferiu às partes a intervenção das instâncias.

- O acesso ao terceiro grau de jurisdição não é uma exigência constitucional, nem da Constituição decorre um reconhecimento geral do direito a recorrer com invocação em contradição de julgados, mesmo que para tribunais superiores.

- Pelo que se conclui pela inadmissibilidade do recurso excecional de revista à luz do nº 2 do art.º 672º do C.P.C.

Questão prévia: Da admissibilidade da Revista nos termos gerais, e ante a sua vertente excepcional.

O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que a arguição de nulidades do acórdão recorrido não é admitida como fundamento exclusivo de recurso de revista (designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 2016 (processo n.º 470/15); de 12 de Abril de 2018 (processo n.º 414/13.6TBFLG.P1.S1); de 2 de Maio de 2019 (processo n.º 77/14.1TBMUR.G1.S1), de 19 de Junho de 2019 (processo n.º 5065/16.0T8CBR.C1-A.S1), de 05 de Fevereiro de 2020 (processo n.º 983/18.4T8VRL.G1.S1), de 12 de Janeiro de 2022 (processo n.º 4268/20.8T8PRT.P1.S1), de 18 de Janeiro de 2022 (processo n.º 6798/16.7T8LSB-A.L2.S1), e 10 de Março de 2022 (processo n.º 3782/15.1T8VFR.P1.S1), de 21 de Abril de 2022 (processo n.º 87/12.3TBNRD-E.L1.S1), de 24 de Maio de 2022 (processo n.º 2332/20.2T8PNF.P1.S2), ou de 8 de Novembro de 2022 (processo n.º 6698/20.6T8LSB-A.L1.S1.

No caso vertente, pese embora a recorrente qualifique como nulidades todos os vícios apontados à decisão recorrida, entendemos que nem todas as questões suscitadas deverão ser qualificadas como tal, pelo que deveremos ponderar sobre a admissibilidade do recurso.

Ora, incindindo a presente revista, para além de outros aspectos, sobre a decisão da matéria de facto pela Tribunal da Relação, cumpre tecer a este respeito alguns considerandos:

Dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa,” estatuindo o nº 4 da mesma disposição que de tal decisão não cabe recurso para o STJ.

Como afirma ABRANTES GERALDES (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020 (6.ª edição), p. 331 e 332) que “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência ” e que “a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.

A Relação atua como um tribunal de substituição em matéria de facto, aplicando a plenitude das regras gerais de prova: "a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição", enunciam os Acs. STJ 2-12 2013/34/11.0TBPNI.L1.S1 e de 29-11-2016, proc. 2170/05.2TVLSB-A.L1.S1.

Neste contexto, constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, como feito notar pelo acórdão de 08-06-2017, Revista n.º 271/07.1TBALJ.G2.S1), que “a reapreciação da decisão de facto pela Relação, nos termos do art. 662º nº 1 do CPC não se deve limitar à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.”

E nessa senda decisória se pronunciou o Ac. STJ 07 de Setembro de 2017, processo 959/09.2TVLSB.L1.S1, confirmando que “o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure”.

Assim como o Ac. STJ de 19-09-2017, revista 3805/04.0TBSXL.L1.S1, que postula que “à Relação comete-se o dever de modificar a decisão sobre a matéria de facto, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo art. 662.º do CPC.

Em caso de recurso com impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a Relação pode e deve formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas (arts. 640º e 662º nº 1 do CPC), exactamente nas mesmas condições em que o fez o Tribunal recorrido, nada obstando a que o faça de forma díspar ou divergente deste, mesmo quando não se verificou erro notório de julgamento de facto recorrido.

Se é verdade que os poderes de cognição do STJ se dirigem, essencialmente, à reapreciação de questões de direito (arts. 674.º e 682 nº1 do CPC), menos verdade não é que o controlo efetuado em terceiro grau pode igualmente ter repercussões em sede de fixação da matéria de facto.

Como sintetizam Abrantes Geraldes, Luís Filipe Pires de Sousa e Paulo Pimenta (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2021, p. 827), para além de poder exercer “poderes cassatórios sobre o acórdão da Relação quando se mostrem desconsiderados factos necessários para constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do art. 682.º/3”, é ainda legítimo ao mais alto Tribunal “intervir no sentido da reparação da decisão sobre factos provados ou não provados que tenha desrespeitado disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova (maxime, documento legalmente necessário para a prova de certo facto) ou tenha desconsiderado disposição igualmente expressa que defina a força de determinado meio de prova (art. 674.º/3), como ocorre com a confissão ou com o acordo das partes estabelecido no processo e que seja relevante.”

Por fim, como sublinham os mesmos autores, “é pacífico o entendimento de que, não podendo o Supremo censurar o uso feito pela Relação dos poderes conferidos pelo art. 662.º nº 1 e 2 já pode verificar se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites traçados pela lei para os exercer.” (também neste sentido Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 362-364).

Neste sentido se tem pronunciado, de modo convergente, a jurisprudência do STJ, o que bem fica ilustrado na impressiva síntese do acórdão do STJ de 26-05-2021 (Processo n.º 3277/12.5TBLLE-F.E2.S1):I - A regra essencial de que a competência do STJ restringe-se exclusivamente ao conhecimento da matéria de direito comporta em si excepções, competindo à última instância, em sede de recurso de revista: o conhecimento da insuficiência ou deficiência dos factos apurados nas instâncias inferiores para a cabal e adequada decisão de direito (vide art. 682.º, n.º 3, do CPC); a sindicância da incorrecta relevância atribuída a certos meios de prova, que impliquem a violação da lei quanto à respectiva força probatória ou constituam infracção às regras relacionadas com a sua inadmissibilidade em determinado tipo de acções, consubstanciando ofensas ao denominado direito probatório material - cfr. arts. 341.º a 396.º do CC); o controlo da inobservância da lei processual que regula o regime de reapreciação da prova e o escrupuloso uso dos poderes que são conferidos ao tribunal da Relação nos termos do art. 662.º do CPC, permitindo garantir, substantivamente e em termos efectivos, o duplo grau de jurisdição em matéria de facto.”

Na mesma linha se pronunciaram também, entre outros, os acórdãos de 19-09-2017 (Processo nº 3805/04.0TBSXL.L1.S1), de 30-05-2019 (Processo 156/16.0T8BCL.G1.S1), de 15-01-2019 (Processo 298/13.4TBTMC.G2.S1), de 16-12-2020 (Processo 877/15.5T8CSC.L1.S2), de 13-04-2021 (Processo 2395/11.1TBFAF.G2.S1), de 19-10-2021 (Processo 5835/18.5T8BRG.G1.S1) e de 18-01-2022 (Processo 1932/10.3TBBNV.E1.S1, este relatado pelo ora relator).

Pode, pois, este STJ censurar o mau uso que o Tribunal da Relação tenha eventualmente feito dos seus poderes sobre a modificação da matéria de facto, bem como pode verificar se foi violada ou feita aplicação errada da lei de processo (art. 674º nº 1 al. b) do CPC).”

Sem ainda se apreciar minimamente da razoabilidade dos fundamentos invocados pelo recorrente, é apenas neste segmento da decisão da matéria de facto, por alegada violação da lei do processo, que se vislumbra a admissibilidade da presente revista, não podendo ser afastada, como pretendem os recorridos, por ter existido dupla conforme neste segmento decisório da matéria de facto, pois que esta dupla conforme não se verificou.

De facto, como refere ABRANTES GERALDES (in Recursos em Processo Civil, 3ª ed. Pag. 416), “nessas situações, e noutras similares em que seja apontado à Relação erro de aplicação ou de interpretação da lei processual, ainda que confirmada a sentença recorrida no segmento referente à apreciação do mérito da apelação, não se verifica, relativamente àqueles aspectos, uma efectiva situação de dupla conforme, já que as questões emergiram ex novo do acórdão da Relação proferido no âmbito do recurso de apelação, sem que tenham sido objecto de apreciação em 1ª instância. Na substância, este Acórdão revela uma situação de dupla conforme quanto à matéria de direito, mas que pode estar inquinada de erro decisório relativamente a questão adjectiva que interferiu na apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto sem que, nesta parte, se verifique uma conformidade decisória obstativa do recurso de revista.

No sentido da inexistência de dupla conforme, entre outros, pronunciou-se este STJ no Acórdão de 07-07-2021 (revista 5835/18.5T8BRG.G1.S1), aduzindo que “Fundando-se o recurso de revista na averiguação das regras inerentes ao exercício dos poderes-deveres previstos no art. 662.º,n.º 1, do CPC quanto à reapreciação pela Relação da matéria de facto, sindicável nos termos do art. 674.º, n.º 1, al. b), do CPC, esta impugnação não concorre para a formação da “dupla conformidade”, uma vez que é apontado à Relação erro de interpretação ou aplicação da lei processual que é privativo e apenas emergente do acórdão proferido no âmbito da apreciação do recurso de apelação quanto à apreciação da impugnação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto; logo, quanto a esta pronúncia e decisão, não estamos perante duas decisões sucessivas conformes e sobreponíveis, antes uma primeira decisão, tomada a título próprio pela Relação, susceptível de ser impugnada através do recurso de revista (normal, sem prejuízo da interposição de revista excepcional quanto à matéria de direito afectada pelas decisões conformes).

Por isso, em tal eventualidade, a impugnação do acórdão recorrido, na parte respeitante à decisão da matéria de facto, deve fazer-se através do recurso de revista nos termos gerais, sem embargo da interposição de revista excepcional no que concerne à matéria de direito, acautelando uma eventual improcedência da primeira”.

Assim, pese embora a recorrente tenha integrado na revista excecional (art. 672º do CPC) todo o seu argumentário dirigido à decisão da matéria de facto pela Relação, suscitando nesse âmbito diversas nulidades, será a revista admitida apenas nesse segmento e apenas nele, nos termos gerais.

De facto, sendo sustentado pelo recorrente que a Relação, para além de erro grosseiro na reapreciação da matéria de facto, conducente à violação do disposto no art. 662º nº 1 do CPC, para além de invocar a nulidade do Acórdão sob diversos ângulos, o escrutínio e decisão de tais questões, e apenas dessas, deverão ter cabimento no quadro do recurso de revista previsto no art. 674º nº 1 al. b) e nº 3 do CPC, em termos gerais, ou seja em sede de revista normal, sem necessidade de sua interpretação na via excepcional, pois que nesse ângulo decisório, não se verifica uma situação de dupla conforme para os efeitos do nº 3 do art. 671º do CPC.

Assim se admitindo a presente revista, face ao disposto no artigo 674.º, n.º 3 do CPC, desde já se podendo afirmar, face ao acima exposto, que a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça se circunscreverá a aspetos em que se tenha verificado a violação de normas de direito probatório material ou vícios de ordem formal na feitura da decisão recorrida (por, nestas hipóteses, estarem em causa verdadeiros erros de direito processual), não abrangendo questões inerentes à decisão da matéria de facto quando a convicção do julgador assentar na formulação de um juízo assente na livre apreciação da prova formulado pela 1.ª instância ou até pela Relação (neste sentido Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, p. 337 e ss.).

Cumpre decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC).

Vejamos:

Pese embora a prolixidade e alguma confusão das alegações e respectivas conclusões da recorrente, vamos procurar apreciar as diversas questões suscitadas que coloquem em crise o Acórdão recorrido na vertente da matéria de facto, pois só esta, como dissemos, pode ser alvo da presente revista nos termos gerais.

I – Num primeiro momento, suscita a recorrente a nulidade do Acórdão no que concerne ao vector respeitante à deficiência da gravação dos depoimentos das testemunhas.

Neste âmbito, na apelação, a recorrente apontou a impercetibilidade das gravações de seguintes depoimentos:

ii. O depoimento da Testemunha AA, de 19/11/2021, com início aos 14:34:41 e fim aos 15:50:58, duração 01 horas, 16 minutos e 16 segundos;

iii. O Depoimento da Testemunha BB, de 19711/2021, com início aos 15:51:39 e fim aos 16:44:11, duração 52 minutos e 31 segundos.

e) No que toca ao depoimento do Sr. AA (ponto b.), o seu depoimento é extenso (01 horas, 16 minutos e 16 segundos), sendo que a generalidade do seu depoimento é impercetível,

f) Conforme referido supra, o depoimento do BB (ponto c.) (52 minutos e 31 segundos), à semelhança do testemunho acima mencionado, também se demonstra pouco ou nada audível,

g) Face ao exposto, denota-se erro técnico de gravação, tendo em conta que tanto o áudio do Mm.º Juiz, acima discriminado, como que grande parte do depoimento das Testemunhas acima referidas é claramente impercebível.

Sustentando que tal incorreta gravação constitui omissão de um ato (fiabilidade técnica do registo) que a lei prescreve, podendo influir na decisão da causa, pois torna impossível a descoberta da verdade material tal constituindo uma irregularidade que gera nulidade, nos termos do art. 195.º, n.º 1 do CPC, tornando impossível a descoberta da verdade material, sendo que “O Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto e de direito, porquanto da prova produzida em audiência de julgamento – e também constante dos próprios autos – não resultaram elementos de prova suficientes para que se tomassem como provados os Factos 5) a 11)”.

Sobre esta questão, a Relação disse que “compulsados os autos, constatamos que foi consignada em cota, lavrada em 21-01-2022, que foram entregues à recorrente as gravações da audiência, nos termos preconizados pelo artº 155º/3 do CPC”, prevendo este, “no seu nº 4, que a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada”, sendo que. “não consta que a ora recorrente tenha invocado a deficiência da gravação perante o tribunal a quo, no prazo indicado, como o impõe o regime legal descrito, apenas o tendo efetuado perante este tribunal superior nas alegações do recurso agora em apreciação, ou seja, em 07-02-2022”, mostrando-se “decorrido e, por isso, precludido, o direito de invocar a referida deficiência, o que implica a improcedência das conclusões nesta parte”.

Digamos que a apreciação da Relação, embora acertada, foi feita em termos gerais, não se debruçando verdadeiramente sobre o caso concreto, o que só veio a fazer mais tarde, então chamada à reapreciação dos meios probatórios no âmbito da impugnação da decisão da matéria d facto levada a cabo pela Relação.

Ponderemos, pois, a questão:

De harmonia com a nossa lei adjetiva, são duas as modalidades ou variantes de nulidades, as principais ou tipificadas e as nulidades secundárias.

As nulidades principais são as que o art.º 196º do Código Processo Civil expressamente se refere, constituindo nulidades secundárias todas os demais casos de desvio na prática do ato processual, desde que relevantes.

Estatui o art.º 155º do Código Processo Civil, sobre a gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz, que “A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais” (n.º1), sendo que “A gravação é efetuada em sistema sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor” (n.º 2), a par de que “a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato” (nº. 3) e “a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada” (n.º 4).

Este preceito do Código Processo Civil simetriza, em parte, com os art. 159º e 522º-C n.º 1 do anterior Código Processo Civil, e art. 6º nº 1, 7º nº 2, e 9º, do Decreto-lei nº 39/95, de 15 de fevereiro, sendo inovador o n.º 1, pelo que, da conjugação dos nºs. 1 a 4 deste artigo, bem como, do art.º 422º do Código Processo Civil, reconhecemos tacitamente revogados os art. 6º n.º 1, 7º n.º 2, e 9º todos Decreto-lei nº. 39/95, de 15 de fevereiro, deste último resultando que “Se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade”.

Resulta, assim, daquele normativo, de forma evidente, que o legislador tomou posição clara sobre a forma e o tempo de arguição da deficiência ou imperceptibilidade auditiva da gravação, assumindo que o termo inicial daquele prazo contar-se-á desde o momento da efetiva disponibilização da gravação, ou seja, do momento em que a gravação foi entregue à parte interessada, eventualmente em recorrer da decisão da matéria de facto.

Não sendo a questão propriamente pacífica na jurisprudência, no que tange à tempestividade da arguição da nulidade, tendo por referência o direito adjetivo civil aplicável antes da entrada em vigor do Novo Código Processo Civil (o art. 9º do Decreto-lei nº 39/95 supracitado, que admitia a arguição “em qualquer momento” em que se verificasse ser a gravação “imperceptível”), foi sustentado por este Supremo Tribunal de Justiça que é tempestiva a arguição de tal nulidade nas alegações do recurso de apelação, assim como, noutros arestos, em divergência, sustentou-se que o prazo para arguição da dita nulidade é de 10 dias a contar da data da disponibilização do registo magnético pelo tribunal, entendo-se, por fim, noutras decisões, que esse prazo é de dez dias, mas contados da data limite em que a parte deveria ter solicitado a entrega da cópia do registo da gravação.

Sentindo razoável disparidade jurisprudencial a este respeito, o legislador quis clarificar a questão e pôr cobro à controvérsia, através do nº 4 do art. 155º do Código Processo Civil e do seu carácter interpretativo, o que nos permite o entendimento de que, no caso de anulação da decisão de facto por contradição sobre pontos determinados da matéria de facto (art. 662º nº 2 alínea c) do Código Processo Civil), sendo essa contradição factual de conhecimento oficioso, será também de conhecimento oficioso a deficiência ou inaudibilidade da totalidade ou de parte da prova que sustentou as respostas aos pontos de facto que sejam entre si contraditórios.

O propósito de regulação completa da matéria da gravação das audiências, incidentes e procedimento cautelares resulta claramente, quer do art. 155º, quer do art. 422º do Código Processo Civil, razão por que se entende tacitamente revogado o Decreto-lei nº 39/95, de 15 de fevereiro, nos preceitos acima referidos, sendo certo que quanto aos restantes perdeu grande parte da atualidade, em virtude de estar talhado para a gravação analógica em fitas magnéticas.

Continuando a acompanhar e sufragando o entendimento do Acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2022 (processo 2450/18.7T8VRL.G1.S1), entendemos que “não obstante a gravação deficiente não seja, em regra, um vício de conhecimento oficioso, parece que quando haja necessidade de recorrer à prova gravada para sanação de um vício de conhecimento oficioso, necessariamente tal vício será também de conhecimento oficioso.

Caso contrário, conhecer-se-ia oficiosamente da contradição e não se poderia remover a contradição, o que, convenhamos, não se compagina com o paradigma do legislador, diligente e inteligente, considerado no nosso direito substantivo civil (art.º 9º, n.º 3, do Código Civil.”

Haverá, assim, que concluir que com a entrada em vigor do art. 155º nº 4 do NCPC, (que impõe que a arguição da nulidade por falta ou deficiência da gravação seja peremptoriamente invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada) foi tacitamente revogado o disposto no art. 9º do Decreto-lei nº 39/95, de 15 de fevereiro (que permitia aquela arguição “em qualquer momento” em que se verificasse ser a gravação “imperceptível” ou inaudível), pode o tribunal conhecer oficiosamente de tal nulidade no caso de anulação da decisão de facto por contradição sobre pontos determinados da matéria de facto (art. 662º nº 2 alínea c) do CPC, quando haja necessidade de recorrer à prova gravada para sanação de tal vício

Voltando ao caso que nos ocupa, a recorrente entende que, mercê da imperceptibilidade das gravações, o Tribunal ficou limitado nos meios de prova que se lhe impunha reapreciar, acabando por proceder a uma errónea apreciação da prova.

Ora, apreciando a decisão do tribunal recorrido, afigura-se-nos que a recorrente acaba por se reportar a uma falsa questão, porquanto, referindo a mesma a impercetibilidade dos depoimentos das testemunhas AA e BB, foram estes valorados pela Relação, sem que qualquer questão daquela natureza de inaudibilidade dos mesmos se colocasse, tanto quanto é certo que o Tribunal recorrido, embora aquando da apreciação da questão da tempestividade da arguição da nulidade conexa com a deficiente gravação dos depoimentos, tenha referido que se mostrava “decorrido e, por isso, precludido, o direito de invocar a referida deficiência” e que “impugnação da matéria de facto será apreciada com as deficiências que a recorrente alega, que, diga-se, não impedem o conhecimento do teor das declarações das testemunhas referidas”, acabou por, na fase da reapreciação da matéria de facto impugnada (mormente quanto aos factos 5 a 11 que foram dados como provados), refere o seguinte: “Ouvido este depoimento [AA] conclui-se que a testemunha interveio no processo de contratação da obra em causa nos autos, acompanhando os trabalhos que se desenvolveram, pelo que o seu depoimento revela conhecimento direito dos factos e se encontra em concordância com a matéria de facto dada como provada pelo tribunal.”

E quanto ao depoimento da testemunha BB (que a recorrente diz também mal gravado), A Relação refere que, sendo o mesmo “Diretor de Produção da recorrida, descreveu as relações entre o encarregado da obra da recorrida, a testemunha DD, e a recorrente, merecendo o seu depoimento crédito na medida do apurado.”

E concluiu:

Assim sendo, da fundamentação da matéria de facto elaborada pelo tribunal a quo, análise crítica dos depoimentos das testemunhas e dos documentos 1 a 17, juntos com o requerimento datado de 29-10-2019 (correspondência trocada entre recorrente e recorrida onde se pode identificar a aceitação das faturas e as negociações inerentes), os documento juntos com o requerimento datado de 27-01-2020 (aprovação de encomenda e correspondência trocada entre a recorrente e a recorrida) e 1 a 11 juntos com a resposta à exceção (folhas de ponto dos trabalhadores e correspondência trocada entre a autora e a ré), não se pode concluir como a recorrente, uma vez que foi descrito o raciocínio lógico-dedutivo que levou o tribunal à consideração da matéria de facto provada e não provada e este raciocínio não enferma de incongruência, nem se mostra contrário às regras de experiência comum.

De onde se conclui que improcede a impugnação da matéria de facto, bem como se não verifica a nulidade da sentença também alegada, improcedendo as conclusões nesta parte.”

Ora, a questão da inaudibilidade das gravações foi questão abordada primeiramente em termos genéricos, em teoria, quanto à tempestividade da sua arguição, mas depois, quando a Relação foi chamada a ouvir os ditos depoimentos mal gravados e imperceptíveis, nem essa questão se colocou, asseverando o tribunal recorrido que “ouviu” tais depoimentos, sem aludir á sua difícil perceptibilidade.

De onde, inexistindo qualquer ordem de motivos para colocar em causa a verdade do que foi dito pela Relação, nem tal tendo sido posto em causa pela recorrente, se nos impõe concluir que a questão nem se devia ter colocado no caso vertente, sendo por isso uma falsa questão, que impõe a improcedência da revista em tal segmento.

II – Num segundo momento, insiste a recorrente com a nulidade que imputa ao Acórdão recorrido no tocante à não admissão pelo tribunal da 1ª instância da requerida substituição de duas testemunhas.

Vejamos então o que se passou no processo a este respeito:

Não tendo as testemunhas arroladas pela recorrente comparecido na audiência de julgamento, foi requerida pelo Ilustre mandatário a sua substituição por duas outras, em requerimentos datados de 4-11-2021 e de 30-11-2021.

Com data de 10-12-2021 foi proferido o seguinte despacho:

“Douto requerimento de 30/11/2021.

Indefere-se a requerida inquirição das testemunhas indicadas na peça processual supra identificada uma vez as pessoas em causa poderiam ter sido, em tempo oportuno, arroladas pela ré.

…”.

Mais resulta dos autos que em 10-11-2021 foi despachado “Visto” um requerimento do dia anterior em que um ilustre mandatário renunciou ao mandato.

Sustentando a recorrente que os requerimentos alusivos à substituição das testemunhas não fora apreciado, tendo merecido um mero “Visto”, o Tribunal da Relação vem contrariar tal leitura do processo, apontando que aqueles requerimentos foram decididos na referida datada de 10-12-2021, improcedendo, o que levou o concluir “não verificada a aludida nulidade de falta de fundamentação, nem os princípios da igualdade das partes e do contraditório ou o acesso ao direito e aos tribunais – artºs 154º, 613º/3 e 3º/3 e 195º/1 do CPC e artº 20º CRP.”, mais referindo que “uma vez que o recurso da decisão que indeferiu a substituição de testemunhas (artº 644º/2 d) do CPC) deveria ter sido interposto no prazo de 15 dias, como estipula o artº 638º/1 do CPC e, não o tendo sido, mostra-se precludido o direito, não mais podendo ser impugnada a decisão nesta sede, porque transitada em julgado.”

A este respeito cumpre-nos apenas dizer que aquela decisão de indeferimento do requerimento de substituição de testemunhas, para além de ultrapassar o âmbito da presente revista nos termos gerais, centrada apenas na análise da decisão da matéria de facto e do exercício dos poderes da relação no âmbito do art. 662º nº 1 do CPC, trata-se de uma decisão que não cabe na previsão do art. 671º nº 1 do CPC, já que a mesma não põe termo à causa nem decide do mérito da causa, constituindo despacho interlocutório que não é susceptível de revista, nos termos do art. 671º nº 2 do CPC.

Pelo que não poderá a questão ser alvo de um terceiro grau de jurisdição, como pretende a recorrente.

III – Numa terceira fase da revista, ainda no âmbito da revista que nos cumpre apreciar, centrada na decisão da matéria de facto, sustenta a recorrente que o Acórdão recorrido enferma de nulidade porque valorou mal a prova e não fundamentou a sua decisão, ou pelo mesmo padece de insuficiência de fundamentação ou de “irroneidade” (“andou mal na apreciação”) da mesma.

Inscrevendo-se a revista no âmbito da decisão da matéria de facto alcançada pela relação, reproduzamos aqui (embora sem absoluta necessidade) os factos que as instâncias julgaram provados, e também os não provados.

Factos provados:

1 – A MRFC – Armaduras, Lda. é uma sociedade que tem por objeto a comercialização de aço, corte e molde e pré-fabricação de armaduras (art. do requerimento de injunção).

2 – No âmbito da sua atividade comercial a MRFC – Armaduras, Lda contratualizou com a sociedade Paviana Construções, Lda. o fornecimento, corte e molde de armaduras, aplicação de armaduras, transporte e fornecimento de arame na obra 148 designada por “Fábrica ...” (art. do requerimento de injunção).

3 – A sociedade Paviana Construções, Lda. adjudicou à MRFC - Armaduras, Lda. os referidos fornecimentos e trabalhos através da nota de encomenda nº 1578 / 2018, de 10-09-2018, a qual prevê trabalhos no valor de 117.807,67 € (art. do requerimento de injunção, art. da oposição e art. 24º da resposta à oposição).

4 – No âmbito da referidos fornecimentos e trabalhos adjudicados pela requerida à requerente, a sociedade Paviana Construções, Lda. não pagou à MRFC - Armaduras, Lda., as faturas seguintes, correspondentes a trabalhos efetuados no decurso da obra:

- 62, emitida a 28/2/2019, no valor de 40.412,39 €;

- 93, emitida a 29/3/2019, no valor de 37.372,30 €;

- 126, emitida a 6/5/2019. no valor de 18.207,76 €;

- 153, emitida a 13/6/2019, no valor de 7.201,00 € (art. do requerimento de injunção).

5 – As partes realizaram uma reunião que antecedeu o envio da nota de encomenda supra referenciada, tendo acordado que os trabalhadores da autora, quando não estivessem em atividade específica de aplicação de armaduras, deveriam ter disponibilidade para a execução de outras atividades de empreitada, designadamente apoio à escavação, betonagem, cofragem, montagem de andaimes, demolições e limpezas gerais do estaleiro das obras (artºs. e da resposta à oposição).

6 – Tendo ainda acordado, na referida reunião, que os trabalhos para aplicação de armaduras seriam realizados pelo valor de 9,50 €/hora (art. da resposta à oposição).

7 – O valor dos trabalhos realizados pela autora e solicitados pela ré ultrapassaram o valor previsto na nota de encomenda a que se alude em 3 (art. 22º da resposta à oposição).

8 – Tendo a ré continuado a solicitar trabalhos à autora mesmo depois de o valor da nota de encomenda ter sido ultrapassado (art. 26º da resposta à oposição).

9 – Sem prejuízo do referido em 10, a ré aprovou todos os trabalhos realizados pela autora, já com o valor da nota de encomenda ultrapassado (art. 27º da resposta à oposição).

10 – Tendo aceite os autos de medição da autora, com exceção do auto referente à fatura nº 62, relativamente ao qual não se pronunciou (artºs. 16º, 28º, 71º e 76º da resposta à oposição).

11 – E dado indicações à autora para proceder à emissão das respetivas faturas (art. 29º da resposta à oposição).

12 – Faturação que a mesma não pagou (art. 30º da resposta à oposição).

13 – As partes acordaram que as faturas se venciam 30 dias após a emissão (art. da oposição).

Factos não provados:

- O não pagamento da fatura nº 62 deveu-se ao facto de a ré não ter aprovado o auto de medição que esteve na base da emissão dessa fatura (art. da oposição).

- A fatura nº 62 foi emitida antes de o auto de medição ter sido aprovado (art. da oposição).

- De acordo com as medições feitas em obra, a valor que deveria constar na fatura nº 93 era de 3.000,12 €, correspondente aos trabalhos feitos pela autora (colocação em obra de 127,691Kgs., dos 142,011,84Kgs contratados), o que motivou a devolução da fatura nº 93 e o pedido de retificação do respetivo valor (artºs. 14º, 15º e 16º da oposição).

- Em resposta, a autora transmitiu à ré que tinha passado a cobrar os trabalhos por valor hora e não por quilos de ferro colocados em obra (art. 18º da oposição).

- A fatura nº 153 não corresponde a trabalhos contratados com base na nota de encomenda, motivo pelo qual foi devolvida (art. 22º da oposição.).

- A fatura nº 126 nunca foi enviada para a ré nem o respetivo valor foi reclamado, só tendo a demandada tomado conhecimento dessa fatura com a injunção instaurada pela autora. (art. 24º da oposição).

Apontando a recorrente que “socorrendo-se [o tribunal recorrido] do princípio genérico da imediação e do princípio da livre apreciação da prova, (ainda que este último esteja sujeita a regras e a um raciocínio lógico-dedutivo que se pressupõe baseado na realidade e na experiencia comum) se escusa a esmiuçar a prova carreada para os autos pelas partes”, apontando “((a) contradições entre os depoimentos das testemunhas; (b) contradições na valoração dos depoimentos e consequentemente na matéria provada (c) Ausência de valoração e/ou pronúncia das declarações de parte da aqui Ré / Recorrente, sendo que é de salientar que este foi a única oportunidade dada a Ré de exercer o seu direito ao contraditório”.

Invocando, para além de erro na valoração da prova, as nulidades previstas nos art. 615º nº 1 al. b) (falta de fundamentação de facto) e d) (omissão de pronúncia por falta de explicitação do “raciocínio lógico-dedutivo) do CPC.

Vejamos:

A decisão impugnada, para concluir pela reconfiguração da matéria de facto assente na 1ª instância, procedeu à reapreciação da prova testemunhal, auditando os depoimentos das testemunhas indicadas pelo apelante, assim como as elencadas na decisão recorrida com relevância na matéria, examinando, de forma crítica e explícita, tais meios de prova, em conjugação com os elementos documentais (facturas e outros que consigna), alcançando a sua convicção própria, sem se refugiar em critérios genéricos, fluidos ou imprecisos de análise, ou seja, exteriorizou o seu percurso de convencimento em termos fundadamente racionais e coerentes, sem deixar de considerar o acervo fáctico na sua globalidade.

Assim, em sentido contrário do que pretende o recorrente, não se vislumbra, in casu, a mínima violação do art. 662º do CPC.

Acrescerá referir que também não se descortina violada, sequer de minimis, a disciplina processual ínsita no nº 5 do art. 607.º do Código de Processo Civil, tendo em conta que o tribunal “a quo” indicou os meios de prova concretos que alicerçaram a sua convicção a propósito da materialidade probanda, explicitando as razões que o levaram a adoptar um determinado sentido decisório relativamente a cada um dos factos impugnados pelo recorrente, em concordância com a 1ª instância, não se configurando, pois, qualquer transposição dos limites legalmente estabelecidos à livre apreciação.

Não será demais salientar, ainda a este propósito, que, não se discutindo “in casu” a violação pela decisão recorrida das regras atinentes a prova vinculada ou prova com força legalmente vinculativa ou mesmo a ilegalidade do recurso a presunções judiciais, o Supremo Tribunal de Justiça se encontra impedido, nos termos do disposto nos arts. 662º nº 4 e 674º nº 3, 1ª parte, do CPC, de sindicar o acerto da decisão tomada por parte do tribunal “a quo” a respeito da impugnação da matéria de facto suscitada em sede de apelação (Acórdão STJ de 16-06-2020).

Haverá, assim, de improceder a revista no que tange à argumentação expendida pela recorrente.

Sobre as invocadas nulidades, intimamente relacionadas com a questão acabada de apreciar:

As nulidades de sentença (e bem assim dos Acórdãos ex vi do art. 666º nº 1 do CPC) são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, referentes à estrutura, aos limites e à inteligibilidade da mesma, são vícios formais, taxativamente consagrados no referido nº 1 do art. 615º do CPC, que tipifica vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos, erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito. Trata-se, pois, de um error in procedendo, nada tendo a ver com os erros de julgamento - error in iudicando - seja em matéria de facto seja em matéria de direito.

As causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas no artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.”.

Tal regra está diretamente relacionada com o comando “ordem do julgamento” ínsito no art. 608º nº 2 do CPC, reportando-se ao não conhecimento das questões (que não meros argumentos ou razões) relativas à consubstanciação da causa de pedir e do pedido.

Como resulta do preceito, na sentença o juiz “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A327.

Sustenta a recorrente que decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia sobre factos e análise critica da prova, aludindo, ainda, a falta de fundamentação e a oposição entre fundamentação e decisão (art. 615º nº 1 al. b) e c) do CPC).

Sendo frequente a confusão entre a nulidade da decisão e a discordância do resultado da mesma, não podendo os vícios da sentença confundir-se com erros de julgamento (error in judicando), que inerem à decisão de mérito, seja mercê de deficiente perceção da realidade fáctica (error facti), seja por erro na aplicação do direito (error juris), resultando a decisão em termos desajustados à realidade ontológica ou normativa.

Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607º nº 3 do CPC, havendo nulidade da decisão, que implica a sua invalidade, quando faltem a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão em termos absolutos, não constituindo a mera deficiência de fundamentação qualquer nulidade, pois que a simples indicação do preceito legal aplicável pode constituir fundamentação suficiente (JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735).

A absoluta falta de fundamentação ou omissão absoluta de motivação é determinante da nulidade da decisão, nos casos de falta de discriminação dos factos provados, ou de genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou de meros conclusivos juízos de direito, e não apenas em situações de mera deficiência da mesma, de fundamentação alegadamente insuficiente e, ainda menos, de putativo desacerto da decisão (Ac. STJ de 2/6/2016, Processo 781/11 e ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E PIRES DE SOUSA, O Código de Processo Civil Anotado, Almedina, pág. 737),

Importa, pois, distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença, geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º nº 1, dos erros de julgamento, que apenas afetam o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada, vícios estes atacáveis em via de recurso e não determinativos daquela invalidade.

A deficiente fundamentação, em que apenas se verifica uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou uma deficiente enunciação e interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença mas tão só mero erro de julgamento, atacável e sindicável em via de recurso (neste sentido o Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277).

E nos casos em que o vício da deficiente fundamentação se coloque ao nível da decisão sobre a matéria de facto, esse vício tem de ser solucionado mediante as regras próprias enunciadas nos nº 1 e 2 do art. 662º.

Neste contexto, constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, como feito notar pelo acórdão de 08-06-2017, Revista n.º 271/07.1TBALJ.G2.S1), que “a reapreciação da decisão de facto pela Relação, nos termos do art. 662º nº 1 do CPC não se deve limitar à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.”

E nessa senda decisória se pronunciou o Ac. STJ 07 de Setembro de 2017, processo 959/09.2TVLSB.L1.S1, confirmando que “o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure”.

Haverá que ter presente que a motivação do julgamento de reapreciação dos meios de prova também se impõe à Relação, o que revela a evidência de o Código de Processo Civil de 2013 não ter regulado completamente a intervenção da Relação no julgamento do recurso de facto, nas várias implicações que esta intervenção poderá ter, quer com a primeira instância, quer com o STJ.

É neste sentido que entendemos que esta matéria se inscreve no âmbito do uso indevido, ou do mau uso dos poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto e, assim, na previsão do art. 674º nº 2 al. b) do CPC, como conhecimento da violação ou errada aplicação da lei de processo.

Esta interpretação deverá, contudo, ter presente as constrições legais que apontam para a regra da soberania da Relação relativamente à matéria de facto, embora com os limites enunciados.

No caso sob análise, a admissão do recurso de revista possibilita o conhecimento de saber se a decisão recorrida realizou o exame crítico das provas e neste particular o que obtemos é um juízo afirmativo.

A motivação do julgamento da matéria de facto tem como indicações normativas que o juiz analise criticamente as provas e indique os fundamentos decisivos da sua convicção (art. 607 nº 4 do CPC), o que não induz qualquer formulário ou guião.

Reportando aos elementos probatórios e compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, o que se pretende é que de uma forma lógica, dinâmica e organizada, o que se julga como provado e não provado tenha expressão na motivação, dispensando-se por isso que esta seja realizada facto por facto, como parece pretender a recorrente, e muito menos que a Relação tenha de responder a cada item, ponto por ponto, do alegado em sede de impugnação da decisão de facto, como se um tipo de “impugnação especificada” pudesse ser-lhe imposta, o que não tem qualquer sentido.

Este método é também o que o art. 608 nº 2 do CPC estabelece quando, a propósito da resolução das questões deixa claro que se excetuam as que se encontrem prejudicadas.

Ora, no presente caso a Relação motivou a decisão da matéria de facto impugnada, impugnação que julgou improcedente, nos termos seguintes:

Ouvido este depoimento conclui-se que a testemunha interveio no processo de contratação da obra em causa nos autos, acompanhando os trabalhos que se desenvolveram, pelo que o seu depoimento revela conhecimento direito dos factos e se encontra em concordância com a matéria de facto dada como provada pelo tribunal.

Ouvido também o depoimento da testemunha DD, encarregado geral da obra, descreveu, como decorre das suas funções, os trabalhos desenvolvidos e tarefas desempenhadas pelos trabalhadores pelo que revelou um conhecimento direito dos factos em causa nos autos.

Também a testemunha BB, Diretor de Produção da recorrida, descreveu as relações entre o encarregado da obra da recorrida, a testemunha DD, e a recorrente, merecendo o seu depoimento crédito na medida do apurado.

Assim sendo, da fundamentação da matéria de facto elaborada pelo tribunal a quo, análise crítica dos depoimentos das testemunhas e dos documentos 1 a 17, juntos com o requerimento datado de 29-10-2019 (correspondência trocada entre recorrente e recorrida onde se pode identificar a aceitação das faturas e as negociações inerentes), os documento juntos com o requerimento datado de 27-01-2020 (aprovação de encomenda e correspondência trocada entre a recorrente e a recorrida) e 1 a 11 juntos com a resposta à exceção (folhas de ponto dos trabalhadores e correspondência trocada entre a autora e a ré), não se pode concluir como a recorrente, uma vez que foi descrito o raciocínio lógico-dedutivo que levou o tribunal à consideração da matéria de facto provada e não provada e este raciocínio não enferma de incongruência, nem se mostra contrário às regras de experiência comum”,

Ora, entendendo a recorrente que a decisão é parca ou insuficiente, poderemos até concordar com tal asserção numa óptica quantitativa, mas não podemos daí extrair a conclusão pretendida pela recorrente, de que a Relação não procedeu à análise crítica dos meios probatórios ao seu dispor e que não tenha analisado os documentos constantes dos autos, pois que afirmou tê-lo feito, e não se nos vislumbra admissível que assim não tenha sucedido, pois que é asseverado pelos Senhores Juízes.

Assim como não podemos concluir, ante a curta ou estreita fundamentação própria do tribunal recorrido, que o mesmo tenha procedido desacertadamente quando diz rever-se na decisão da matéria de facto da 1ª instância, e que enferme o Acórdão recorrido de nulidade por falta de fundamentação, quando, ante aquela fundamentação, não podendo ser posta em causa a sua curta amplitude ou falta de coerência, pois foram sopesados criticamente os referidos depoimentos, confirmando-se o merecimento credibilidade dos mesmos, assim como aos documentos que refere, sem embarcar na “moda” de excessiva preocupação de motivação das decisões de facto, concluindo basicamente numa decisão de facto conforma á decisão da 1ª instância.

Sendo certo que, face a tal expressa e integral concordância, não se impunha à Relação, como também parece pretende a recorrente, que procedesse à exposição mais ampla do que o fez a 1ª instância, quiçá recorrendo a diferente terminologia, o iter da análise crítica dos meios de prova e a sua ponderação integrada em sede de contexto global probatório, renovando o exercício já feito com relevante detalhe pela 1ª instância, pois não existe norma adjectiva que tal imponha ou determine.

Com efeito, nada impede o procedimento adoptado pela Relação, embora devamos reconhecer do mesmo possa resultar a aparência de um menor esforço por falta profundidade fundamentatória própria.

Também não se vislumbrando nem se compreendendo, de minimis, que a Relação tenha decido “inclusive contra legem e fazendo uso de presunções contra a lei”, como aduz a recorrente, pelo que nos abstemos de neste ângulo tecermos considerandos que seriam sempre desapoiados da decisão recorrida, que não pecou por essa via.

Tudo resulta, quando muito, na arguida falta de fundamentação da decisão de facto, a qual, a admitir-se, não concede a este tribunal a possibilidade de censura, pois que, como acima dissemos, para além de se mover no espaço da livre convicção da Relação, que este Tribunal não pode censurar, não existe qualquer disposição legal que permita ao STJ devolver os autos ao tribunal da Relação para que melhor fundamente a decisão da impugnação sobre a matéria de facto.

Não se trata neste recurso de saber se a convicção foi bem formada ou não, mas sim se tal convicção foi explicada e, pelo que deixamos referido, não restam dúvidas de que o foi.

Nesta conformidade deve concluir-se que não existe omissão de análise critica da prova ou motivação do julgamento da matéria de facto, não se verificando as nulidades invocadas (art. 615º nº 1 al. b) e c) do CPC), devendo neste âmbito negar-se provimento ao recurso.

Também a nulidade invocada nos termos da a. c) do art. 615º do CPC (oposição entre os fundamentos e a decisão) se não verifica, pois que nenhuma oposição entre os fundamentos e a decisão se evidencia, uma vez que os fundamentos de facto adquiridos conduzem necessariamente à decisão, que não padece de qualquer ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível, antes a mesma tem um só sentido e é clara, evidente e bem percetível.

Como se decidiu no Ac. do STJ, de 22.02.2019, Proc. 19/14.4T8VVD.G1.S1, “A nulidade ancorada na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respetivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade)”.

Não foi suscitado erro de construção do silogismo judiciário, mas, meramente, a relevância dada na sentença a certos factos e a interpretação e valoração, questão que se prende com erro de julgamento, nunca com a construção lógica da sentença, que de ambiguidade ou obscuridade, que a torne ininteligível não pode dizer que padece.

Relativamente ao vício de omissão de pronúncia (al. d)), cumpre referir que devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir, das exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608º nº 2 do CPC), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado” (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737).

Assim, cabe distinguir “questões” das “razões ou argumentos”, pois que uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar e outra, diversa, é invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões” (Ibidem, págs. 55 e 143.)

A não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, não a sendo suscetível de determinar a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

A nulidade da sentença, por omissão ou excesso de pronuncia, há-de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2, do referido artigo 608º, do qual resulta o dever do juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Na verdade, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras (Ac. do STJ, de 30/9/2014, proc. 2868/03), sendo o dever de pronúncia obrigatória delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção (Ac. da RL de 17/3/2016, proc. 218/10).

O dever imposto no nº 2 do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam.

Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz (Ac. do STJ, de 20/10/2015, proc. 372/10).

Orienta-se a jurisprudência uniformemente no sentido de a nulidade por omissão de pronúncia supor o silenciar por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão escassamente fundamentada a propósito dessa questão (Ac. STJ. de 01/03/2007, proc. 07A091; 14/11/2006, proc. 06A1986; 20/06/2006 e proc. 06A1443), ou decisão que não acolha os argumentos do apelante e decida em sentido oposto ao que o mesmo se apresentou a propugnar, o caso.

Até porque a sentença não é uma “obra doutrinária: o juiz tem de resolver um litígio concreto e não deve perder de vista que o deve fazer com economia processual” (Ibidem, pág 714).

Haverá, assim, que concluir que o Acórdão recorrido apreciou todas as questões que lhe foram submetidas, de forma íntegra e coerente, sendo a decisão o resultado do raciocínio lógico-dedutivo, acertado, que levou o tribunal à consideração da matéria de facto provada e não provada, pelo que não ocorre no mesmo qualquer dos vícios formais invocados pela recorrente, pelo que deverá a revista improceder na sua totalidade.

DECISÃO

Pelo exposto, Acordam os Juízes que integram a 7ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça em jugar a revista improcedente, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


Relator: Nuno Ataíde das Neves

1º Adjunto: Senhor Juiz Conselheiro Sousa Lameira

2ª Adjunta: Senhora Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza