IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Sumário


I- É lícito ao julgador socorrer-se de presunções judiciais na apreciação da matéria de facto, à luz do disposto no art.º 607º nº4 do CPC, “meios de prova” que podem ser reapreciados pelo tribunal da Relação em sede de recurso.
II- Não merece censura o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal recorrido, pelo que a mesma deve ser mantida.
III - Baseando-se a pretensão do recorrente na alteração daquela matéria de facto e mantendo-se a mesma inalterada, deve ser mantida também, em conformidade, a decisão proferida.

Texto Integral


Processo: 233/23.1T8BRG.G1
Tribunal Judicial da Comarca de Braga
Juízo Local Cível de … - Juiz ...
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Paula Ribas
2ª Adjunta: Sandra Melo

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AA, contribuinte fiscal n.º ...97, residente na Av. ..., ..., ..., veio propor a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra EMP01..., S.A., atualmente designada EMP02..., S.A. pessoa coletiva n.º ...31, com sede na Avenida ..., em ..., pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia global de € 16.334,13, correspondente ao valor da reparação do veículo ..-AC-.., acrescida dos juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, veio alegar, em suma, que (i) é dono e legítimo possuidor do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca ..., com a matrícula ..-AC-..; (ii) a ré celebrou com o autor contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, com a cobertura, além do mais, de danos próprio, com a apólice ...13; (iii) no dia 17/02/2020, pelas 12h00, na vigência do aludido contrato de seguro, BB, residente com o autor, teve um acidente ao conduzir o AC; (iv) na verdade, dirigindo-se para o Restaurante ..., onde ia almoçar, estacionou o AC em frente ao restaurante, na berma da EN ...01, sentido ...; (v) após o almoço, BB pôs o veículo a trabalhar, sendo que este, pouco depois e antes de iniciada a marcha, o motor do AC foi abaixo e, não obstante as duas tentativas subsequentes de o ligar, não mais funcionou; (vi) na expetativa de perceber o que se passava, BB abriu o capot do AC, constatando a existência de uma mancha de óleo no chão, posto o que acionou a assistência em viagem, chamando o reboque para encaminhar o veículo para a oficina; (vii) recordou nessa altura que ao estacionar, o AC tinha raspado numa guia de passeio em granito ali existente e que estava elevada em relação ao nível do solo; (viii) o autor participou à ré o sinistro vindo de descrever, tendo esta diligenciado pela realização, em 24/03/2020 da peritagem com o n.º ...11.02, separando os danos, por entender diferentes as respetivas origens, assumindo tão só a responsabilidade pelo pagamento de danos do valor de € 2.879,34, declinando a responsabilidade por danos que avalia em € 13.454,79, por ter concluído que o AC teria circulado após o embate e não obstante o alerta de falta de óleo, o que não corresponde à verdade, já que todos os danos decorrem do embate na guia de granito.
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Citada, a ré contestou a ação, mediante confirmação da existência do contrato de seguro que segurava o AC e a participação do evento em causa nestes autos em 20/03/2020, determinando a realização de peritagem que concluiu pela existência de danos de raspagem na zona frontal e inferior da viatura, e pela gripagem do motor, mais determinando a realização de averiguação.
Conclui-se que no dia e hora em apreço, BB, ao estacionar o AC, não guardou a devida distância do lancil de um passeio, passando por cima dele, o que determinou a raspagem da parte inferior dianteira do CA no lancil, e o embate no mesmo do radiador do óleo do motor.
Fruto da colisão, necessariamente percebida pelo condutor do AC, o radiador começou a verter óleo, que se espalhou sobre o pavimento da zona onde estava estacionado, tendo, durante o almoço de BB, o AC perdido a quase totalidade do óleo.
Regressado do almoço, BB acionou a ignição do AC, com o que surgiu no painel de instrumentos sinal luminoso indicativo de falta de óleo no motor, o que o fez sair do veículo vendo o lancil danificado e abundante quantidade de óleo na via, sendo que, em vez de chamar de imediato o reboque, decidiu sair dali ao volante do AC, que conduziu na EN ...4, sentido Porto ..., numa extensão de cerca de 100 metros, posto o que o motor deixou de funcionar, tendo BB imobilizado o AC na berma, já depois do Restaurante ... e a cerca de 100 metros do local onde estivera estacionado.
No local onde o AC foi recolhido pelo reboque não havia óleo, e isto por força do período em que esteve estacionado após o embate e, bem assim, por BB ter estado a falar ao telefone com o AC em funcionamento, após almoço.
Ora, os únicos danos no AC resultantes de colisão são do valor de € 2.879,34, e da aludida colisão não poderia resultar dano no motor, cujos danos decorrem da movimentação do AC após a colisão, com perda significativa de óleo do motor, cuja função é refrigerar o motor e assegurar a normal movimentação das peças do motor, e essa movimentação é imprevidência do condutor, que levou ao sobreaquecimento das peças do motor, que gripou.
Ou seja, a atuação culposa de BB, que omitiu o dever de contribuir para a limitação dos danos no AC, gerou a produção dos danos no motor, pelo que não pode a ré ser responsabilizada por eles, mas tão só pelo pagamento dos danos no valor de € 2.879,34, sem IVA, pois que o autor não comprova ter suportado o respetivo pagamento.
Conclui, pugnando por que seja a ação julgada improcedente.
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Tramitados regularmente os autos, foi então proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente ação, absolvendo a Ré, integralmente, do pedido…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o A interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal a quo deveria ter dado outra resposta à matéria de facto, mostrando-se incorretamente julgados e dados como provados os factos constantes das alíneas 18, 19, 22, 24, 25, 28, 29, 40 e 42 da matéria de facto provada na sentença recorrida, que deviam ter sido julgados como não provados.
2. Mostra-se não provado o facto da alínea a) da matéria de facto não provada, quando a prova testemunhal produzida foi efetuada em sentido contrário, pelo que, o mesmo haveria de ter sido julgado como provado.
3. A imposição da alteração da matéria de faco referida supra, resulta da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente, dos depoimentos prestados pelas testemunhas CC, DD, BB e EE, que se transcreveram parcialmente e que se dão por integralmente reproduzidos.
4. Nenhuma prova nesse sentido foi produzida em audiência de discussão e julgamento que possa ter permitido ao Tribunal recorrido dar como provados e não provado os factos colocados em causa no presente recurso.
5. As duas únicas testemunhas que estavam o interior do veículo no momento do sinistro e que podiam ter-se percebido do raspão na parte inferior do veículo, referiram que não se deram conta de qualquer barulho ou embate.
6. A testemunha BB esclareceu mesmo que o lancil do passeio onde o AC raspou estava encoberto por ervas, facto que, como é provável, pode ter absorvido a propagação de ruido e o amortecimento do choque.
7. Perante o depoimento das testemunhas FF e EE não podia o tribunal recorrido ter concluído que o condutor do veiculo em causa nos autos e o ocupante do mesmo “necessariamente ouviram o barulho e sentiram o impacto e a única explicação para que venham a negar o óbvio e que, aliás, havia sido assumido por BB, é procurar afastar a responsabilidade pelos danos no motor, até porque, BB assumiu estar ciente da danosidade associada à circulação ou manutenção em funcionamento de um veiculo automóvel sem óleo…..”. Não pode, aliás, escamotear-se que estava em causa um condutor oriundo de uma família a operar no ramo da reparação automóvel, pelo que, terá conhecimentos acrescidos em termos mecânicos.”.
8. Estas considerações tecidas pelo MMº Juiz a quo na sentença em crise não fazem ou correspondem a uma análise crítica e global dos depoimentos prestados, a qual, levaria necessariamente a resposta diferente à matéria de facto supra enunciada.
9. Não se vislumbra qualquer motivo para o BB ter ouvido o barulho e sentido o impacto do embate e vir negar o óbvio, procurando afastar a responsabilidade pelos danos, uma vez que o veículo automóvel tinha seguro de danos próprios, com a cobertura de risco contratada de choque, colisão e capotamento, e os danos causados sempre se mostravam cobertos pelo seguro.
10. Também não se percebe por que razão sendo o condutor familiar de pessoas proprietárias de uma oficina tem que possuir conhecimentos de mecânica superiores ao de qualquer outra pessoa ou condutor.
11. É do conhecimento geral de todos os condutores, facto que o BB também admitiu saber, que um veículo sem óleo no motor não pode trabalhar, não se vislumbrando qualquer motivo para se considerar que, sendo o BB conhecedor desse facto, mesmo assim teria acionado a ignição do veículo sinistrado.
12. Não faz qualquer sentido lógico ou promana de algum juízo de normalidade do acontecer, a argumentação tecida na sentença em crise quanto ao conhecimento do embate, pois se o BB se tivesse apercebido do embate ao estacionar e perante a existência de seguro com danos próprios, bastava-lhe ter chamado o reboque pela assistência em viagem e encaminhar o veículo para uma oficina.
13. Do depoimento das testemunhas BB e EE, que o Autor prescindiu mas o Tribunal, e bem, entendeu ouvir, resultou demonstrado à saciedade que no momento em que o veículo foi estacionado não se aperceberam do embate.
14. Quando regressaram do almoço, o condutor BB ligou a ignição do veículo e o mesmo trabalhou por alguns momentos, desligando-se de seguida.
15. O condutor BB ainda tentou acionar o veículo mais duas ou três vezes mas já não foi possível colocar (o AC) a trabalhar.
16. Resultou ainda provado que o embate do veículo na guia do passeio onde se encontrava estacionado, não foi percetível, nem pela testemunha EE, nem pelo próprio condutor do veículo, únicas testemunhas que presenciaram os factos.
17. Não podia, assim, contrariamente à única prova produzida nesse sentido, e que são as declarações dos próprios, o tribunal recorrido ter considerado que o condutor e o ocupante do veículo se aperceberam do embate do veículo no lancil do passeio.
18. Aliás, a corroborar a versão do condutor BB e da testemunha EE, podemos ver as fotografias constantes do relatório pericial junto pela Recorrida na sua contestação, donde resulta que o impacto do choque foi muito ligeiro, pois os danos causados, quer no pára-choques, quer no radiador são ligeiros.
19. Assim, salvo melhor opinião, não podia o Tribunal recorrido ter-se socorrido das regras da experiência para tentar projetar como as coisas terão acontecido no acidente descrito, quando podia e devia ater-se à prova resultante dos depoimentos prestados em julgamento, que mereceram toda a credibilidade e foram prestados com isenção, descrevendo de forma indubitável e sem margem para dúvidas a forma como o acidente ocorreu.
20. As testemunhas que presenciaram os factos descreveram-nos de forma credível e uniforme, sem contradições, versão que o Tribunal devia ter acolhido para fundamentar a decisão final, factos que se conjugam na perfeição com as fotografias juntas pela Recorrida na sua contestação e demonstram inequivocamente que o embate ocorreu de raspão no lancil do passeio, onde ficou a mancha de óleo e não foi um embate violento, conforme foi caracterizado na sentença em crise.
21. Das fotografias que constam do relatório de averiguação junto com a contestação podemos verificar que o para choques e o radiador do veículo possuem alguns vestígios de raspagem no lancil do passeio, o que demonstra que o embate foi leve e, portanto, é perfeitamente plausível que o impacto não tenha sido sentido nem tenha sido audível pelo condutor e pelo ocupante do veículo.
22. Devia, pois, a sentença recorrida ter considerado que o embate sofrido pelo veículo sinistrado foi apto e determinante para a perda do óleo do motor, o qual se verteu no chão durante mais de uma hora, período do almoço dos seus ocupantes.
23. A este propósito chama-se a atenção de que os danos no veículo podem ter sido causados, ou pelo menos terem-se iniciado ainda antes do veículo ter sido acionado, uma vez que o arrefecimento do motor, após o embate no estacionamento, foi feito sem a normal circulação do óleo, o que seguramente é suscetível de causar danos nas peças do motor.
24. Não pode o tribunal recorrido ignorar os factos supra referidos e concluir na douta sentença em mérito que houve uma atuação culposa do condutor que omitiu o dever de contribuir para a limitação de danos no AC, o que provocou danos no motor, quando não foi produzida qualquer prova nesse sentido.
25. Resultou ainda da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que o veiculo não circulou e que permaneceu imobilizado, não se podendo concluir, sendo um juízo manifestamente especulativo que “o mesmo esteve em funcionamento tempo suficiente para provocar o sobreaquecimento das peças do motor”.
26. Atento o exposto supra, devia o Tribunal recorrido ter considerado que os danos reclamados pelo Recorrente na p.i. tiveram origem numa e única ação ou causa, que foi o embate ou raspão do veículo sinistrado no lancil do passeio, o que causou danos no radiador e circuito do óleo do veículo e o consequente derrame do mesmo no chão onde o veículo ficou imobilizado.
27. O Tribunal recorrido devia ter considerado que nenhum interesse tem o condutor do veículo em tentar afastar qualquer responsabilidade pelos danos no motor, uma vez que, tal como consta da sentença recorrida –artigo 5.º e 6.º dos factos provados – o contrato de seguro tem a cobertura de danos próprios, razão pela qual, caso o mesmo se tivesse apercebido do embate e da consequente fuga de óleo, teria chamado de imediato o reboque e acionado a apólice de seguro.
28. Em face desta factualidade e dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, devia o Tribunal recorrido ter considerado que os danos sofridos pelo veículo sinistrado se encontram abrangidos pelo contrato de seguro de danos próprios existente, abrangidos pela cláusula contratada de choque, colisão e capotamento.
29. Salvo melhor opinião, a sentença em crise não efetuou uma análise crítica, cuidada e ponderada dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas produzidos em sede de audiência de julgamento, designadamente, os transcritos supra, o que inelutavelmente conduziria a uma resposta diferente e oposta à matéria de facto dada como provada nos artigos 18, 19, 22, 24, 25, 28, 29, 40, 42 e na alínea a) da matéria de facto não provada na sentença recorrida.
30. Assim, em face do exposto e com recurso às regras da experiência comum e numa análise cuidada e critica dos vários depoimentos e dos documentos juntos aos autos, deve a prova produzida ser reapreciada, e alterada em conformidade com o aludido supra a resposta à matéria de facto dada como não provada, considerando-se como provado:
a)Que os danos a que se alude em 39 dos factos provados decorreram do embate do AC no lancil a que se alude em 15 a 18 dos factos provados.
31. Por sua vez, os factos constantes da matéria de facto dada como provada nos artigos 18, 19, 22, 24, 25, 28, 29, 40 e 42 foram incorretamente julgados provados e a prova produzida relativamente aos mesmos foi em sentido oposto, pelo que, deve considerar-se como não provado que:
“18º) O embate da parte inferior do AC no lancil produziu ruido necessariamente audível pelos ocupantes do AC, que efetivamente se aperceberam do embate;
19) Logo após a ocorrência desse embate, BB admitiu, ou devia ter admitido que, dada a violência dessa colisão, a mesma poderia ter causado danos no veículo e até no motor, dada a localização do impacto;
22) Nessa altura, a quase totalidade do óleo que existia no circuito do motor do “AC” já se tinha derramado no pavimento da via, por virtude dos danos que essa peça tinha sofrido em resultado do embate acima descrito, facto de que BB se apercebeu em momento não concretamente apurado mas não após o momento subsequente à impossibilidade de voltar a ligar o AC;
24) Regressado ao (…) local onde o AC estava estacionado, o BB sentou-se no local do condutor desse veículo e acionou a sua ignição, mantendo o veículo ligado por período e em circunstâncias não concretamente apuradas mas necessariamente suficientes para provocar o aquecimento do motor;
25) De facto, quando o motor de um veículo está em funcionamento, as respetivas peças que (o) compõem estão em contante fricção entre si, o que gera o aquecimento dessas peças.
28) Certo é que, ao acionar a ignição do AC, necessariamente surgiu no painel de instrumentos, um sinal luminoso indicativo de falta de óleo no motor, que assim permaneceu;
29) Após estar ligado, como se refere em 24), o motor do veículo foi abaixo e desligou-se, o que se deveu ao aquecimento do motor e ao bloqueio, em circunstâncias não concretamente apuradas e por falta de óleo no motor.
40) Nenhum dano teria sofrido o AC no seu motor se o BB, depois de ter constatado que o veículo embatera no lancil, não (o) tivesse mantido em funcionamento em moldes que possibilitaram o aquecimento do motor;
42) Desse facto e enquanto esse veículo estivesse imobilizado e a verter óleo, nenhum dano foi ou poderia ser causado no seu motor.”
32. Com recurso às regras da experiência comum e numa análise cuidada e critica dos vários depoimentos e dos documentos supra identificados, deve a prova produzida ser reapreciada e alterar-se, em conformidade com o aludido supra, a resposta à matéria de facto dada como provada e não provada.
33. A sentença recorrida deve ser revogada, pois violou, entre outros, o disposto nos artºs 662º do CPC e 341º e sgts, 362 e sgts, e 392 e sgts, todos do Cód. Civil.
Termos em que, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida nos termos das conclusões referidas supra…”,
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A ré veio Responder ao recurso interposto, pugnando pela sua improcedência.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir nos presentes autos (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:

I-  A de saber se é de alterar a matéria de facto; e
II- Em caso de alteração da matéria de facto, se deve ser alterada a decisão jurídica em conformidade.
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Os factos a considerar para a decisão das questões colocadas são os seguintes, que foram dados como provados (e não provados) na primeira instância:

“1. A Ré é uma companhia de seguros que exerce a sua atividade Seguradora em Portugal.
2. No exercício da sua atividade comercial, a Ré celebrou com o Autor um contrato de seguro do ramo automóvel ao qual atribuiu a apólice nº ...13.
3. O aludido contrato regia-se pelas condições particulares, gerais e especiais, juntas com a contestação sob Docs. ... e ... juntos com a Contestação.
4. Mediante esse contrato de seguro foi transferida para a Ré a responsabilidade civil em relação a terceiros por danos causados pela circulação do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca ..., matrícula ..-AC-.., propriedade do Autor.
5. Adicionalmente, o A subscreveu no âmbito desse contrato algumas coberturas dos chamados “danos próprios”, entre elas a de “choque, colisão e capotamento”.
6. No âmbito desta cobertura do contrato de seguro foi acordado entre as partes o seguinte:
Cláusula 1.ª – Definições: Para efeito da presente Condição Especial considera-se: CHOQUE: Danos no veículo seguro resultantes do embate contra qualquer corpo fixo ou sofrido por aquele quando imobilizado; COLISÃO: Danos no veículo seguro resultantes do embate com qualquer outro corpo em movimento; CAPOTAMENTO: Danos no veículo seguro resultantes de situação em que este perca a sua posição normal e não resulte de Choque ou Colisão; QUEBRA ISOLADA DE VIDROS: Danos sofridos pelo veículo seguro, em consequência de choque, colisão ou capotamento e que se consubstancie unicamente na quebra de vidros do veículo seguro; VIDROS OU EQUIVALENTE EM MATÉRIA SINTÉTICA: O para-brisas, teto de abrir, o óculo traseiro e vidros laterais do veículo seguro, excluindo-se expressamente os faróis ou farolins e espelhos retrovisores.
Cláusula 2.ª – Âmbito da Cobertura - Em derrogação do disposto na alínea a) do n.º 4 da cláusula 5.ª, a presente Condição Especial garante ao Segurado o ressarcimento dos danos que resultem para o veículo seguro em virtude de choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros.
Cláusula 3.ª – Exclusões - Para além das exclusões previstas nas cláusulas 5.ª e 40.ª das Condições Gerais, não ficam garantidas ao abrigo da presente Condição Especial as seguintes situações: a) Danos provenientes do mau estado das estradas ou caminhos, quando deste facto não resulte choque, colisão ou capotamento; b) Danos nas capotas de lona, jantes, câmaras de ar e pneus, exceto se resultarem de choque, colisão ou capotamento e quando acompanhados de outros danos ao veículo; c) Danos resultantes da circulação em locais reconhecidos como não acessíveis ao veículo; d) Causados por objetos transportados ou durante operações, de carga e descarga; e) Danos causados em extras, tal como definido na cláusula 38.ª, incluindo o teto de abrir, quando os mesmos não forem devidamente valorizados e identificados nas Condições Particulares; f) Danos diretamente produzidos por lama ou alcatrão ou outros materiais utilizados na construção das vias; g) Danos causados exclusivamente pelo veículo rebocado ao veículo rebocador ou por este àquele, ainda que se aplique a Cláusula Particular de “Inclusão do Serviço de Reboque”, exceto se a presente cobertura tiver sido subscrita em relação a ambas as unidades; h) Danos que consistam em riscos, raspões, fendas ou ocorram em consequência de operações de montagem ou desmontagem ou instalação defeituosa.
Cláusula 4.ª – Franquia - Salvo estipulação em contrário prevista nas Condições Particulares, os sinistros que se consubstanciem em quebra isolada de vidros estão sujeitos à aplicação de franquia.
7. Foi acordado no artigo 27º das Condições Gerais da Apólice que “1. Em caso de sinistro coberto pelo presente Contrato, o Tomador do Seguro ou o Segurado, sob pena de responderem por perdas e danos, obrigam-se: a) A tomar as medidas ao seu alcance no sentido de evitar ou limitar as consequências do sinistro;
7. Ficaram, ainda, excluídas da garantia do seguro as seguintes situações, nos termos da cláusula 40.º n.º 1 das Condições Gerais da Apólice: “1. Para além das exclusões previstas na cláusula 5.ª, o contrato também não garantirá ao abrigo das coberturas facultativas acima previstas, as seguintes situações: (…) b) Danos causados intencionalmente pelo Tomador do Seguro, Segurado, pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis ou às quais tenham confiado a guarda ou utilização do veículo seguro.
8. No dia 17/02/2020, pelas 12,00 horas, na vigência do supra mencionado contrato de seguro, o BB, filho do Autor, a conduzir o ..-AC-.., que lhe fora emprestado pelo pai e que tinha tal veículo à sua guarda, teve um acidente.
9. Na verdade, quando o BB, a conduzir o mencionado 84-AC-7,1 se dirigia para o “Restaurante ...”, sito em ..., ..., onde foi almoçar.
10. O dito restaurante situava-se na margem esquerda da EN ...4, atento, nesta, o sentido Porto ....
11. Cerca de 20 metros antes de uma das entradas do parque de estacionamento desse restaurante, existia na margem direita da EN ...4, atento, nesta, o sentido Porto ..., uma reentrância, com forma retangular, que acompanhava o traçado da EN ...4 e onde era possível aparcar viaturas - Doc 7 junto com a contestação.
12. No topo ou ... desse espaço, existia um pequeno lancil de um passeio, o qual, a partir desse ponto, passava a acompanhar a EN ...4 pela sua margem direita, atento o sentido Porto... 7 junto com a contestação.
13. Tal lancil era em cimento e desenvolvia-se de forma sensivelmente perpendicular em relação ao eixo da EN ...4 e ao eixo da dita zona de estacionamento.
14. BB estacionou o referido veículo nessa reentrância em frente ao identificado restaurante, na berma da EN ...01, no sentido .../... (lado contrário ao restaurante), com a frente voltada para o lancil.
15. Sucede que, ao estacionar o “AC”, o BB não conservou do lancil do passeio a distância suficiente para evitar o risco de colisão, aproximando a parte dianteira do dito lancil e passando sobre ele, com o que a parte inferior dianteira do AC raspou no lancil e provocou o embate do radiador do óleo do motor no referido obstáculo.
16. O radiador do óleo do motor situa-se imediatamente atrás da parte inferior do para-choques dianteiro.
17. Por força do embate, o radiador partiu, começando imediatamente a verter óleo, que se foi espalhando sobre o pavimento da zona onde estava estacionado.
18. O embate da parte inferior do AC no lancil produziu ruído necessariamente audível pelos ocupantes do AC, que efetivamente se aperceberam do embate.
19. Logo após a ocorrência desse embate, BB admitiu, ou devia ter admitido que, dada a violência dessa colisão, a mesma poderia ter causado danos no veículo e até no motor, dada a localização do impacto.
20. Depois de ter estacionado o “AC”, BB deslocou-se ao Restaurante ..., onde almoçou.
21. Depois de ter almoçado, o BB regressou ao local onde tinha estacionado o “AC”.
22. Nessa altura, a quase totalidade do óleo que existia no circuito do motor do “AC” já se tinha derramado no pavimento da via, por virtude dos danos que essa peça tinha sofrido em resultado do embate acima descrito, facto de que BB se apercebeu em momento não concretamente apurado, mas não após o momento subsequente à impossibilidade de voltar a ligar o AC (cfr. factualidade vertida em 29).
23. Certo é que ficou no pavimento da via, sob o “AC”, uma poça de óleo, com mais de 50 cm de largura e igual medida de comprimento, proveniente desse veículo.
24. Regressado (…) ao local onde o “AC” estava estacionado, o BB sentou-se no local do condutor desse veículo e acionou a sua ignição, mantendo o veículo ligado por período e em circunstâncias não concretamente apurados mas necessariamente suficientes para provocar o aquecimento do motor.
25. De facto, quando o motor de um veículo está em funcionamento, as respetivas peças que (o) compõem estão em constante fricção entre si, o que gera o aquecimento dessas peças.
26. E, para assegurar a sua refrigeração e ainda a normal movimentação das peças do motor, este dispõe de um circuito de óleo, o qual é arrefecido no radiador.
27. A aludida fricção das peças do motor não ocorre quando o motor está desligado.
28. Certo é que, ao acionar a ignição do AC, necessariamente surgiu no painel de instrumentos um sinal luminoso indicativo de falta de óleo no motor, que assim permaneceu.
29. Após estar ligado como se refere em 24) o motor do veículo “foi abaixo” e desligou-se, o que se deveu ao aquecimento do motor e ao bloqueio, em circunstâncias não concretamente apuradas e por falta de óleo no motor.
30. BB fez, pelo menos, mais duas tentativas para colocar o veículo em funcionamento, mas tal não foi mais possível, pois o veículo não mais funcionou.
31. Perante tal circunstância, chamou o mecânico da oficina “O ...”, que abriu o capot e, ao aperceber-se da existência de óleo no pavimento, deu indicação para que fosse chamado o reboque.
32. Perante estas circunstâncias e ao abrigo da cláusula de assistência em viagem e para encaminhar o veículo para a oficina, BB chamou um reboque. (Doc. ... junto com a PI)
33. O “AC” foi recolhido pelo reboque da empresa EMP03..., Lda. no local onde este se encontrava imobilizado.
34. O Autor participou à Ré o sinistro ocorrido, o que fez em 20/03/2020.
35. Perante a participação do A., a Ré em 24/03/2020 efetuou ao veículo a peritagem nº ...11.02, tendo efetuado uma separação de danos. (Doc. ... e ... juntos com a PI)
36. Nesta peritagem verificaram os serviços técnicos da Ré a existência de vários danos no veículo, designadamente, ao nível do motor, para-choques, radiador de água, condensador, anticongelante, radiador de óleo, óleo de direção, catalisador, filtros de óleo e ar, pintura, entre outros.
37. Sucede que, os referidos serviços, efetuaram uma divisão dos danos, tendo considerado que os danos verificados não tiveram todos origem nas mesmas circunstâncias de facto,
38. Pelo que a ré assumiu apenas o pagamento da reparação dos danos no montante de € 2.879,34, e declinou a responsabilidade pelo pagamento dos restantes danos do montante de 13.454,79€, comunicando ao A. que considera que “o veículo seguro terá sido colocado em andamento após o embate, sendo que existiria sempre o alerta referente à inexistência de óleo no motor no painel de controlo”, (Doc. ... junto com a PI)
39. Em rigor, apenas por força da manutenção do AC em funcionamento após a colisão com o lancil, se tornou necessária a substituição do motor, do elemento do filtro do óleo, catalisador, juntas do motor, compressor volumétrico, elemento filtro do ar e óleo de transmissão, com o custo global, incluindo mão de obra, de € 10.938,85, a que acresce o IVA à taxa legal, pelo que o custo total da reparação ascende a € 13.454,79 – Cfr. doc.... junto com a PI/doc....0 junto com a contestação.
40. Nenhum dano teria sofrido o AC no seu motor se o BB, depois de ter constatado que o veículo embatera no lancil, não (o) tivesse mantido em funcionamento em moldes que possibilitaram o aquecimento do motor.
41. Com efeito, assim que o radiador do “AC” sofreu os indicados danos decorrentes da já referida colisão no lancil, começou a verter e, portanto, a perder o óleo existente no seu interior e no circuito do motor, o qual se foi depositando na via.
42. Desse facto e enquanto esse veículo estivesse imobilizado e a verter óleo, nenhum dano foi ou poderia ser causado no seu motor.
43. BB sabe que um carro não pode circular sem óleo, sob pena de potencialmente ocorrerem danos.
44. Os aludidos danos decorreram da movimentação normal das peças do motor, geradora da já falada fricção dos seus componentes e do sobreaquecimento, por não disporem de suficiente substância lubrificante, gerando, por seu turno, danos para o motor, catalisador, juntas do motor e compressor do automóvel.
45. Já não assim no que tange aos danos produzidos pelo embate no lancil, danos que determinaram a necessidade de substituição do para-choques frontal (incluindo a grelha dos faróis de nevoeiro, direito e esquerdo, e grelha do para-choques), da travessa inferior frente, radiador de água (com motoventilador), condensador (de) ar condicionado, carga de ar condicionado, anti congelante, radiador de óleo, radiador de óleo direção, e óleo de direção, reparação da travessa inferior frente e pintura, tudo no valor de € 2.879,34 (IVA incluído) – cfr. doc.2 da PI e 9 da Contestação.
46. Para a integral reparação do AC é necessário o montante de 16.334,13€.
47. Por email de 17/07/2020, enviado pelo signatário, o A. reclamou o “pagamento da quantia de € 16.334,13 referente aos danos sofridos em consequência do sinistro supra identificado, definidos pelo relatório de peritagem e de separação dos danos que se envia em anexo”, uma vez que, “Os danos reclamados tiveram origem nas mesmas circunstâncias de facto, pelo que não aceita o meu cliente a divisão dos mesmos, conforme lhe foi transmitido.”. (Doc. ... junto com a PI)
48. A Ré não alterou a sua posição, assumindo apenas uma parte da responsabilidade pelo pagamento dos danos reclamados, que ainda não pagou. (Doc. ... Junto com a PI)

B) FACTOS NÃO PROVADOS

a) Que os danos a que se alude 39 dos factos provados decorram do embate do AC no lancil a que se alude em 15 a 18 dos factos provados;
b) Que ao ver acionado o sinal de falta de óleo, após ligar a ignição do AC, BB tenha saído do automóvel para o examinar e, ao aperceber-se de que o lancil do passeio sob o AC estava danificado e da quantidade de óleo no pavimento, tenha concretamente decidido ausentar-se do local onde o AC estava estacionado ao volante deste, fazendo-o avançar para a EN ...4, aí circulando no sentido Porto ... cerca de 100 metros, até o motor deixar de funcionar;
c) Que após o motor do AC deixar de funcionar, BB tenha conseguido imobilizar o AC na berma direita da EN...4, a cerca de 100 metros do local onde estivera estacionado, e que tenha sido recolhido pelo reboque nesse exato local;
d) Que BB tenha estado, concretamente, a falar ao telefone com o veículo ligado;
e) Que os danos no motor do AC decorram de não ter sido imobilizado logo após o seu embate no solo, pedra ou tampa de saneamento e de ter prosseguido a marcha com o motor em funcionamento com óleo a verter.
(C) A demais matéria contida nos articulados não releva para a decisão da causa, é conclusiva ou de direito, pelo que não foi aqui considerada).
*
I- Da impugnação da matéria de facto:

Insurge-se o recorrente contra a decisão da matéria de facto, mais concretamente quanto aos factos dados como provados em 18, 19, 22, 24, 25, 28, 29, 40 e 42, e quanto ao facto dado como não provado vertido na alínea a), fazendo apelo à prova produzida nos autos, designadamente ao depoimento das testemunhas BB (o condutor da viatura no momento do acidente) e EE, seu acompanhante, e aos documentos juntos aos autos (fotografias juntas pela ré na contestação, inseridas no relatório de peritagem por ela levado a cabo).

Assim, pretende o recorrente ver dado como provado que:

a) Que os danos a que se alude em 39 dos factos provados decorreram do embate do AC no lancil a que se alude em 15 a 18 dos factos provados”;
E pretende ver dado como não provado que:
“18º) O embate da parte inferior do AC no lancil produziu ruido necessariamente audível pelos ocupantes do AC, que efetivamente se aperceberam do embate;
19) Logo após a ocorrência desse embate, BB admitiu, ou devia ter admitido que, dada a violência dessa colisão, a mesma poderia ter causado danos no veículo e até no motor, dada a localização do impacto;
22) Nessa altura, a quase totalidade do óleo que existia no circuito do motor do “AC” já se tinha derramado no pavimento da via, por virtude dos danos que essa peça tinha sofrido em resultado do embate acima descrito, facto de que BB se apercebeu em momento não concretamente apurado, mas não após o momento subsequente à impossibilidade de voltar a ligar o AC;
24) Regressado ao (…) local onde o AC estava estacionado, o BB sentou-se no local do condutor desse veículo e acionou a sua ignição, mantendo o veículo ligado por período e em circunstâncias não concretamente apuradas mas necessariamente suficientes para provocar o aquecimento do motor;
25) De facto, quando o motor de um veículo está em funcionamento, as respetivas peças que (o) compõem estão em contante fricção entre si, o que gera o aquecimento dessas peças.
28) Certo é que, ao acionar a ignição do AC, necessariamente surgiu no painel de instrumentos, um sinal luminoso indicativo de falta de óleo no motor, que assim permaneceu;
29) Após estar ligado, como se refere em 24), o motor do veículo foi abaixo e desligou-se, o que se deveu ao aquecimento do motor e ao bloqueio, em circunstâncias não concretamente apuradas, e por falta de óleo no motor.
40) Nenhum dano teria sofrido o AC no seu motor se o BB, depois de ter constatado que o veículo embatera no lancil, não (o) tivesse mantido em funcionamento, em moldes que possibilitaram o aquecimento do motor;
42) Desse facto e enquanto esse veículo estivesse imobilizado e a verter óleo, nenhum dano foi ou poderia ser causado no seu motor.”
*
Considerando que pelo recorrente foi dado cumprimento integral aos ónus que lhe são impostos pelo art.º 640º do CPC, em ordem a poder Impugnar a decisão da matéria de facto, vejamos se lhe assiste ou não razão:
Considerou-se na decisão recorrida, para a prova dos factos (impugnados) dados como provados, o seguinte: 
“No apuramento da factualidade julgada provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração crítica e conjugada dos meios de prova juntos aos autos e dos meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, atentas as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador (…).
BB, filho do autor, era a pessoa que conduzia o AC na ocasião dos factos (…) afirma não ter sentido ou ouvido pancada alguma e foi normalmente almoçar, afigurando-se verdadeiramente inverosímil esta afirmação de que nada ouviu ou sentiu, pois que qualquer pancada por baixo dos veículos é ouvida no habitáculo, muito mais o sendo uma pancada com violência suficiente para partir o radiador do óleo (sendo que o próprio autor o admite em 11º da PI, o mesmo resultando da participação de acidente que fez à ré ou do e-mail que a ré junta sob doc....1 com a contestação). Regressados do almoço (…) ligou o carro que foi abaixo quase de seguida e voltou a tentar ligar uma ou duas vezes (…), assumiu que era problema de bateria (…). Negou categoricamente ter aberto o capot do AC (…), o que não merece credibilidade, pois que (o) afirma precisamente no e-mail junto com a contestação sob doc....1 (…) em que afirma ter aberto o capot e ter-se apercebido, ao estacionar, da raspagem do AC no passeio (…). Questionado a respeito, disse que quando regressou ao AC e o ligou, acenderam as luzes todas, indo abaixo uns segundos depois, tentou liga-lo umas duas vezes, desconhecendo, então, que o veículo não tinha óleo, até porque, reafirmou, não se apercebeu do embate no lancil (…). Só depois de ser retirado o AC viu a mancha de óleo (até lá tapada pelo AC) (…) negou ter estado ao telemóvel com o carro ligado (…) ou imaginar, sequer, que o AC pudesse ter fuga de óleo, explicando bem saber que não podia circular com o carro sem óleo, mais acrescentando que se tivesse ideia de que tinha havido uma fuga de óleo, teria chamado o reboque de imediato, o que diz bem do seu conhecimento de que não podia ter o AC em funcionamento sem óleo.
GG (…), confirma ter levado a cabo diligências de averiguação (…) vê como impossível que a totalidade do óleo escorresse sem que o motor do AC estivesse a trabalhar (…)
EE (…) afirma que só no dia seguinte viu a mancha de óleo, que teria cerca de 50 cm (…).
HH, coordenador/supervisor de averiguação (…) explicou que o motor do AC estava gripado, o que significa que esteve a trabalhar sem óleo e que o fez durante tempo suficiente para que aquecesse, provocando a dilatação das peças componentes, até (…) impedir o normal funcionamento (podendo, inclusive, partir…). De forma categórica afirma que a dilatação das peças do motor pressupõe pelo menos 20 minutos de funcionamento, e forçosamente o veículo teria sinalizado a falta de óleo com luz vermelha e sinal sonoro, que deveriam ter levado à imediata imobilização. Mais afirma que o carro tem de ter funcionado, pois que as rotações do motor com o carro parado não provocam o aquecimento necessário à dilatação em menos de 20 minutos, tempo que reduz substancialmente se circular. Questionado a respeito, mais disse que ainda que todo o óleo do radiador pudesse ter escorrido, há óleo no circuito que só sai na totalidade com o funcionamento do motor, mais afirmando que os vestígios de óleo no chão da oficina eram diminutos.
II, engenheiro eletrotécnico de formação (…) teve acesso aos dois Relatórios de Peritagem, um dos quais atinente às peças danificadas pelo embate no lancil, e o outro com valor superior, que inclui substituição do motor e outras peças. Explicou que o motor “agarrou” devido à dilatação das peças (…). Também esta testemunha aludiu à função do óleo no sentido da lubrificação e refrigeração, aludindo à essencialidade de parar imediatamente o carro com falta de óleo para evitar a dilatação das peças e subsequente “agarrar” do motor. Explicou que o carro a funcionar, parado, pode igualmente “agarrar”, mas demora mais tempo até que tal suceda. Deu igualmente conta de que todos os carros, incluindo o AC, têm sinal luminoso (…) e sonoro. Admitindo a saída do óleo do radiador por força da gravidade, nega que o do circuito do motor saísse sem que o veículo estivesse a trabalhar (…)”
Estas foram, no essencial, as declarações prestadas pelas testemunhas ouvidas em audiência, relacionadas com os factos impugnados, por nós confirmadas após audição integral dos seus depoimentos, e que o recorrente não põe em causa.
A sua discordância relativamente ao decidido tem apenas a ver com a valoração que foi feita pelo tribunal recorrido de tais declarações.
Mas nessa parte, subscrevemos o que foi considerado pelo tribunal recorrido:
“…Na verdade, e sendo inequívoco o embate da parte de baixo frontal do AC no lancil – que a própria ré aceita na contestação e que é compatível com os sinais no local e com os danos produzidos na parte da frente/baixo do AC -, não se vê como possível que não se tenha a testemunha BB (nisto secundada por EE, com as ligações já referidas ao autor e ao seu filho) dado conta do embate.
Necessariamente ouviram o barulho e sentiram o impacto, e a única explicação para que venham negar o óbvio, e que, aliás, havia sido assumido por BB, é procurar afastar a responsabilidade pelos danos no motor, até porque, BB assumiu estar ciente da danosidade associada à circulação ou manutenção em funcionamento de um veículo automóvel sem óleo (por isso mesmo afirmou que, se se tivesse apercebido da pancada e da fuga de óleo, teria chamado o reboque de imediato). Não pode, aliás, escamotear-se que estava em causa um condutor oriundo de uma família a operar no ramo da reparação automóvel, pelo que terá conhecimentos acrescidos em termos mecânicos.
Mas a verdade é que tanto BB como EE se apressaram a afirmar não se terem apercebido do impacto do radiador no lancil, mais procurando reduzir ao mínimo o tempo de funcionamento do AC, em moldes tais que nem sequer daria tempo a desligar as luzes do painel de instrumentos, ou, sequer, para levar o motor a “gripar”.
Na verdade, e como explicaram de forma absolutamente coerente e cristalina as testemunhas II, GG, e HH, assinalando-se a formação académica e formação profissional da primeira destas (engenharia mecânica e longos anos de experiência profissional como Chefe de Oficina) e a assunção, quer por BB, quer por CC, da imperiosidade de não tentar mover veículo sem óleo, que não basta a perda de óleo para que o motor “gripe”, explicando o processo que é necessário ocorrer até que a dilatação prenda o motor. O mesmo será dizer, que a pressa em desmentir o óbvio e a reduzir ao mínimo o tempo de funcionamento do AC, visa precisamente afastar a responsabilidade do condutor pelos danos no motor, danos que não se bastariam nunca com o embate no lancil e a subsequente perda de óleo.
É contudo manifesto que o AC esteve em funcionamento, no mínimo, não se podendo afirmar que circulou (até porque inexiste evidência – desde logo denunciada por vestígios da perda do óleo que permaneceria no circuito do motor – de tal), nem o tempo que esteve em funcionamento, mas evidente sendo que esteve em funcionamento (com ou sem circulação) tempo suficiente para provocar o sobreaquecimento das peças do motor, e que nesse tempo, mais não seja no painel de instrumentos, havia indicação de falta de óleo.
Não pode, ademais, deixar de apontar-se a estranheza de a participação ser feita cerca de um mês após os factos (…). Esta dilação foi passível de tornar impercetíveis eventuais vestígios de óleo de eventual tentativa de circulação, mas a verdade é que não pode ter-se isso por certo, ainda que a convicção da testemunha JJ quanto à forma como carregou o AC o pareça corroborar (…).
O que o Tribunal tem por certo é que, depois de perder o óleo, o AC foi mantido em funcionamento e, com o lapso temporal entre o embate no lancil e o momento em que o motor prendeu, associada à indicação de que chegou a ser posto em funcionamento, fica completamente arredada a possibilidade de o “agarrar do motor” ter sido imediatamente subsequente ao embate no lancil (…).
No que tange à factualidade vertida em 8) a 34) e 40) a 44), o Tribunal considerou os depoimentos das testemunhas, conjugados com as regras da normalidade, nos termos supra explicitados.
No que tange à factualidade vertida em a) a e) dos factos não provados, dir-se-á que a prova não permite afirmar que a factualidade alegada tenha correspondência com a realidade…”.
*
Ora, analisada a prova produzida nos autos, só podemos concluir que ela foi muito bem apreciada e valorada pelo tribunal recorrido, que apreendeu muito bem a matéria de facto que tinha para apreciar, e que soube apreciar criticamente a prova produzida, e cotejá-la muito bem com as regras da experiência.
Efetivamente, preceitua o art.º 607º, n.º 4, do CPC que, “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Ora, o que vemos da análise da matéria de facto provada, é que o tribunal recorrido, partindo de factos objetivos dados como provados – e incontestados -, retirou deles a ilação que lhe pareceu mais correta, face às regras da experiência e da realidade da vida.
Concretizando: o tribunal recorrido, dando como assente o embate da viatura no lancil do passeio - o embate da parte de baixo frontal do AC no lancil –, que levou à quebra do radiador por força do embate, começando o mesmo imediatamente a verter óleo (facto 17), concluiu que “O embate da parte inferior do AC no lancil produziu ruído necessariamente audível pelos ocupantes do AC, que efetivamente se aperceberam do embate” (facto 18).
E parece-nos legítimo que assim se tenha concluído; não é admissível que um embate dessa natureza (capaz de partir do radiador da viatura) passe despercebido a um condutor normal, dotado das normais capacidades auditivas e sensoriais.
Donde, também seja legítimo concluir, que após a ocorrência desse embate, o condutor do AC admitiu, ou deveria ter admitido que, dada a violência dessa colisão, a mesma poderia ter causado danos no veículo e até no motor, dada a localização do impacto (facto 19). Tal embate causou, de facto, danos avultados na viatura (descritos no ponto 45, e aceites pelo recorrente), que determinaram a necessidade de substituição do para-choques frontal (incluindo a grelha dos faróis de nevoeiro, direito e esquerdo, e grelha do para-choques), da travessa inferior frente, radiador de água (com moto ventilador), condensador de ar condicionado, carga de ar condicionado, anti congelante, radiador de óleo, radiador de óleo direção e óleo de direção, reparação da travessa inferior frente e pintura, os quais não poderiam ter passado despercebidos ao condutor da viatura.
E também se afigura razoável concluir, que devido à quebra do radiador, e ao tempo durante o qual o condutor permaneceu no restaurante a almoçar (cerca de 1 hora), a quase totalidade do óleo que existia no circuito do motor da viatura foi derramado no pavimento da via, facto de que o condutor se apercebeu, ou deveria ter-se apercebido (facto 22), dado o embate que o veículo sofreu.
Acontece que o condutor, após regressar à viatura, acionou a sua ignição e verificou que surgiu no painel de instrumentos um sinal luminoso indicativo de falta de óleo no motor, que assim permaneceu (facto 28) – facto admitido pelo próprio condutor -, o que deveria ter levado o mesmo a desligar de imediato o motor e a chamar a assistência.
O que não aconteceu certamente, segundo o que foi afirmado pelas testemunhas da ré, as quais, apesar de não terem presenciado o acidente, nem o comportamento do condutor após o regresso do seu almoço, afirmaram ao tribunal, de forma perentória, que o veículo teve necessariamente de ter estado ligado por tempo suficiente para provocar o aquecimento do motor e levar a que o mesmo tenha “gripado” – facto que lhe é imputável (facto 24).
E aqui vigoram as regras da experiência – afirmadas, ademais, pelas testemunhas da ré, peritos na matéria -, de que quando o motor de um veículo está em funcionamento, as respetivas peças que o compõem estão em constante fricção entre si, o que gera o aquecimento dessas peças (facto 25), sendo que a aludida fricção das peças não ocorre quando o motor está desligado (facto 27 – não questionado pelo recorrente).
Ora, ainda segundo as mesmas testemunhas, e à luz das regras da experiência, após ter estado ligado, o motor do veículo “foi abaixo” e desligou-se, o que se deveu ao aquecimento do motor e ao bloqueio, em circunstâncias não concretamente apuradas, e por falta de óleo no motor (facto 29).
Aliás, é o próprio recorrente que admite que “Em rigor, apenas por força da manutenção do AC em funcionamento após a colisão com o lancil, se tornou necessária a substituição do motor, do elemento do filtro do óleo, catalisador, juntas do motor, compressor volumétrico, elemento filtro do ar e óleo de transmissão…” (facto 39 não impugnado).
Perante os factos descritos, é legítimo concluir, que “Nenhum dano teria sofrido o AC no seu motor se o BB, depois de ter constatado que o veículo embatera no lancil, não (o) tivesse mantido em funcionamento, em moldes que possibilitaram o aquecimento do motor” (facto 40).
Porquanto, mesmo após o radiador do “AC” ter sofrido os indicados danos decorrentes da referida colisão no lancil, e ter começado a verter e a perder o óleo existente no seu interior e no circuito do motor, enquanto esse veículo estivesse imobilizado e a verter óleo, nenhum dano foi ou poderia ser causado no seu motor (facto 42).
Como admite o recorrente no facto 44 (não impugnado) “Os aludidos danos decorreram da movimentação normal das peças do motor, geradora da já falada fricção dos seus componentes e do sobreaquecimento, por não disporem de suficiente substância lubrificante, gerando, por seu turno, danos para o motor, catalisador, juntas do motor e compressor do automóvel”.
Ora, considerando tudo quanto ficou demonstrado, não poderia o tribunal recorrido concluir, contrariamente ao pretendido pelo recorrente “Que os danos a que se alude em 39 dos factos provados decorram do embate do AC no lancil a que se alude em 15 a 18 dos factos provados” (alínea a) dos factos não provados).
*
Como decorre da análise da apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido – com a qual estamos plenamente de acordo -, o que serviu de base ao tribunal como “meio de prova” foi essencialmente o uso de presunções judiciais, extraindo-se de factos conhecidos (dados como assentes) os factos desconhecidos, decorrentes daqueles.
Efetivamente, a primeira instância fez uso das chamadas presunções judiciais (art.º 349º e 351º do CC) que são as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um desconhecido, o que lhe é permitido, à luz do que dispõe o art.º 607º, n.º 4, “in fine” do CPC; os factos comprovados podem ser trabalhados com base em regras racionais e de conhecimentos, decorrentes da experiência comum, de modo a revelarem outras vivências desconhecidas (Acs. do STJ de 30/06/2011, e de 22/05/2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Existe em todas as presunções uma ilação que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, servindo-se o julgador, para esse fim, de regras da experiência da vida, segundo o padrão do "homem médio".
Inseridas sistematicamente no Código Civil no capítulo das provas, é comum dizer-se que as presunções judiciais não são propriamente meios de prova, mas antes meios lógicos ou mentais da descoberta de factos através de afirmações formadas em regras de experiência; a partir de factos conhecidos (factos índice ou base) inferem-se outros que com eles se apresentam por via de regra ligados, seja por força da natureza das coisas, seja por força da lógica ou da ciência, seja por força da experiência (factos presumidos).
O certo é que a presunção judicial constitui uma das formas lícitas do julgador extrair conclusões e proferir uma decisão de mérito que salvaguarde a verdade material e a justiça do caso concreto (Ac. STJ, 29.11.2005, disponível em www.dgsi.pt).
À semelhança da prova testemunhal (art.º 351.º do CC), a presunção judicial depende apenas da convicção do julgador, porque extraída dos demais factos provados, notórios ou de conhecimento oficioso.
As presunções judiciais representam processos mentais do julgador, numa dedução decorrente de factos conhecidos e "são afinal o produto das regras de experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência conclui que aquele denuncia a existência doutro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um facto é consequência de outro" (Lopes Cardoso, in Revista dos Tribunais, 86.º-112).
Sem a utilização dessas presunções seria impossível, em muitos casos concretos, fazer justiça, na sua asserção de efetivação da verdade material.
Efetivamente, no caso das presunções judiciais (contrariamente às presunções legais), elas não dispensam a parte de alegar e provar determinado facto, ficando o tribunal com a faculdade, em homenagem ao princípio da verdade material, de “auxiliar” a prova da parte, dando como provado determinado facto, por presunção, a partir de outro.
Ou seja, enquanto que as presunções legais estão subtraídas, à partida, à livre apreciação da prova pelo julgador, impondo-se-lhe, as presunções judicias convocam ativamente essa liberdade de apreciação e decisão, fazendo apelo ás regras da experiência, do conhecimento das realidades da vida e ao bom senso do julgador, segundo o padrão do "homem médio", para decidir determinado facto.
Em suma, a presunção judicial constitui uma das formas lícitas do julgador extrair conclusões e proferir uma decisão de mérito que salvaguarde a verdade material e a justiça do caso concreto e, à semelhança da prova testemunhal (art.º 351.º do CC), depende apenas da convicção do julgador, porque extraída dos demais factos provados, notórios ou de conhecimento oficioso.
Por isso se afirma que as presunções judiciais representam processos mentais do julgador, numa dedução decorrente de factos conhecidos e são afinal o produto das regras da experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência conclui que aquele denuncia a existência doutro facto.
Trata-se de situações em que, num quadro de conexão entre factos, uns provados e outros não provados, a existência dos primeiros, com considerável grau de probabilidade, segundo a experiência comum, juízos correntes de probabilidade, princípios de lógica corrente e os dados da intuição humana, fazem admitir a existência dos últimos (Ac do STJ, 7.12.2005, disponível em www.dgsi.pt).
As presunções judiciais fundam-se nas regras práticas da experiência e da vida, e nos ensinamentos colhidos pela observação (empírica) dos factos, condensados nas máximas da experiência, na intuição dos juízos de probabilidade e nos princípios da lógica. Em suma, a presunção judicial baseia-se numa prova prima facie ou de primeira aparência (Lopes Cardoso “Alguns Aspetos das Dividas dos Cônjuges no Novo Código Civil”, in RT, 86º, pág. 112).
Tais presunções são inspiradas, como observam Pires de Lima e Antunes Varela (CC Anotado, vol. I, 3ª ed., pág. 310), nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.
*
Isto posto,

É contra este (impropriamente chamado) “meio de prova” – o uso de presunções judiciais pelo tribunal -, que se insurge o recorrente, discordando das ilações que o tribunal recorrido retirou dos factos dados como assentes para concluir pelos demais.
Mas como já fomos adiantando, nenhuma objeção temos a fazer às conclusões extraídas pelo tribunal recorrido da matéria de facto assente, pois elas resultam, à evidência, das regras da experiência,  e do normal acontecer da vida.  
É certo que as presunções judiciais não invertem o ónus da prova. Elas não passam de “meios de prova” que podem ser afastadas ou abaladas mediante simples contraprova (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc. citados), pelo que, após a reapreciação dos meios probatórios, e refletindo neles a sua convicção, incumbirá a final ao tribunal de recurso decidir se se justifica alterar a decisão da primeira instância, tendo por objeto os concretos pontos de facto impugnados.
Importa ademais precisar que não está vedado sequer a este tribunal lançar mão de presunções judiciais, nos termos dos artºs 349º a 351º, do CC, socorrendo-se também das regras da experiência, sendo que o seu uso consubstancia também critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica  (Ac. do STJ de 6/7/2011, in www.dgsi.pt.).
Consideramos no entanto que, para além da matéria de facto provada ter apoio suficiente nos depoimentos das testemunhas indicadas pelo tribunal (as testemunhas da ré), é também nosso entendimento que a convicção do tribunal recorrido que se mostra subjacente ao julgamento da matéria de facto impugnada, é aquela que melhor se compagina com as mais elementares regras da experiência ou da normalidade da vida.
Aliás, é precisamente no âmbito do julgamento da matéria de facto, e em sede de função probatória, que as máximas da experiência hão-de servir de filtro à adesão do julgador a determinadas alegações fácticas, atuando como verdadeiros elementos auxiliares do juiz em sede de valoração das provas. Não se pode esquecer que o juiz é também um ser humano comum, sujeito a valorações subjetivas da realidade que o cerca, sendo-lhe exigível e dele se esperando, que a valoração que faça das provas carreadas para os autos não se afaste muito da opinião comum/média que faria em relação às mesmas o tão falado bónus pater famílias - o modelo da pessoa capaz e responsável.
Como bem notou CALAMANDREI (In Veritá e verossimiglianza nel processo civile, Rivista di diritto processuale, Padova,  CEDAM, 1955), há-de o convencimento do órgão jurisdicional operar-se à luz de critérios de racionalidade, utilizando-se as máximas da experiência, sendo de exigir que o juiz atente ao que acontece na normalidade dos casos, como parâmetro para concluir pela validade ou não de uma determinada pretensão, e não olvidando que tal convencimento do juiz não é asséptico, pois que, o juiz, ao formar o seu convencimento sobre o facto, não age como ser inerte e neutro, desprovido de qualquer “pré-conceito”, preconceitos ou vontade anterior.
Em conclusão, como bem se dissertou no já citado Ac. do STJ de 6/7/2011 (disponível em www.dgsi.pt), não sendo as regras da experiência meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos de conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além da hipótese a que respeitem, permitem elas muitas vezes atingir continuidades, imediatamente apreensivas nas correlações internas entre factos, conformes à lógica, sem incongruências para o homem médio e que, por isso, legitimam a afirmação de que dado facto é a natural consequência de outro, surgindo com toda a probabilidade forte, próxima da certeza, sem receio de se incorrer em injustiça.
*
Tudo visto e ponderado, em consonância com as razões acabadas de aduzir, nenhuma alteração se justifica introduzir na redação dos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente, pelo que é de manter, na íntegra, a decisão da matéria de facto – provada e não provada – proferida na primeira instância.
*
E perante essa matéria de facto, consideramos que a decisão recorrida não poderia ser outra que não a que foi proferida.
Aliás, a discordância do recorrente prendia-se apenas com a discordância quanto à matéria de facto – como decorre do relatório deste acórdão e sobretudo das conclusões de recurso do apelante -, que a ser alterada poderia levar à alteração da decisão no sentido por ele pretendido, o que não aconteceu.
Assim sendo, e respeitando o disposto no art.º 608º, nº2, do CPC (ex vi do nº2 do art.º 663º do mesmo diploma legal), não se nos impondo tecer quaisquer considerações atinentes à bondade e acerto da primeira instância no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, concluímos pela improcedência da apelação e pela confirmação da decisão recorrida.
*
IV- DECISÃO:

Por todo o exposto, Julga-se Improcedente a Apelação, e confirma-se na íntegra a sentença recorrida.
Custas da Apelação pelo recorrente (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC).
Notifique e DN
*
Sumário do Acórdão:

I- É lícito ao julgador socorrer-se de presunções judiciais na apreciação da matéria de facto, à luz do disposto no art.º 607º nº4 do CPC, “meios de prova” que podem ser reapreciados pelo tribunal da Relação em sede de recurso.
II- Não merece censura o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal recorrido, pelo que a mesma deve ser mantida.
III - Baseando-se a pretensão do recorrente na alteração daquela matéria de facto e mantendo-se a mesma inalterada, deve ser mantida também, em conformidade, a decisão proferida.
*
Guimarães, 18.4.2024