NULIDADE DA SENTENÇA
TÍTULO EXECUTIVO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
DECISÃO SURPRESA
ACORDO DE PAGAMENTO
TERMO DE AUTENTICAÇÃO
Sumário


1 - O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação a revogar o despacho proferido pela 1.ª Instância que considerou existir nulidade por ineptidão da petição inicial decorrente da falta de alegação da causa de pedir, não impede este último de, posteriormente, ordenado que foi o prosseguimento dos autos pelo Tribunal da Relação, apreciar questão invocada pela embargante relativa à inexistência de título executivo.
2 - Considerando o valor destes embargos, sendo aplicável o disposto no art.º 597.º do C. P. Civil, a realização de audiência prévia não é obrigatória e, como tal, não tendo a mesma sido realizada, não foi cometida qualquer nulidade.
3 - Tendo a questão da inexistência de título executivo sido invocada na petição de embargos pelo executado, tendo a exequente apresentado contestação em que apresentou os argumentos que, em seu entender, permitiam concluir pela sua existência, a prolação de decisão sobre a mesma não constitui qualquer decisão surpresa.
4 - Não pode valer como título executivo o documento particular assinado pelo devedor do qual resulta a constituição de uma obrigação mas em que o termo de autenticação não está assinado pelo advogado em nome do qual está elaborado.

Texto Integral


Relatora: Paula Ribas
1ª Adjunta: Fernanda Proença Fernandes
2º Adjunto: Anizabel Sousa Pereira

Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz ... – Comarca de Viana do Castelo

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado com base no que existe já nos autos):

Por apenso aos autos de execução que EMP01... Lda instaurou contra AA visando obter a cobrança coerciva da quantia de 3.873,90 euros de capital em dívida, acrescida da quantia de 2.107,61 euros de juros de mora vencidos, a que acrescem os vincendos, citado o executado, este veio alegar a inexistência de título, considerando que o termo de autenticação do “acordo de assunção e pagamento prestacional”, que serve de título executivo à presente execução seria nulo, dado não conter a identificação completa das partes quanto aos segundos e terceiros outorgantes no “acordo de assunção e pagamento prestacional” e, quanto ao executado, não só o termo de autenticação não contém a identificação completa deste, como também não contém a qualidade da sua verificação e a verificação dessa qualidade.
Mais alegou existirem dois termos de autenticação distintos para servir de base à autenticação do referido “acordo de assunção e pagamento prestacional”, os quais igualmente pecam por defeito, o que determinaria a invalidade dos termos de autenticação, na medida em que nenhum deles engloba a identificação e assinatura de todas as partes intervenientes no “acordo de assunção e pagamento prestacional” e tão pouco os referidos termos de autenticação identificam a entidade autenticadora, nem neles se encontra aposta a assinatura dessa entidade, nem a qualidade em que os autenticou, arrastando os mencionados vícios a nulidade dos termos de autenticação e, em decorrência dela, a nulidade do “acordo de assunção e pagamento prestacional”, com a consequente falta de título executivo que serve de base à execução.
Invocou ainda a exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo por falta de alegação de causa de pedir e por ininteligibilidade do pedido.
Concluiu pedindo que se julgasse a oposição à execução procedente e se determinasse a extinção da execução.
Recebidos os embargos, a exequente contestou-os concluindo pela improcedência da exceção de falta de título executivo invocada pelo executado, alegando que os atos notariais apenas são nulos nas situações previstas nos arts.º 70.º e 71.º do Código de Notariado, pelo que, entre os vários vícios que vêm invocados pelo executado, apenas a falta de assinatura dos outorgantes ou do notário (no caso, de advogado) seria suscetível de determinar a nulidade do título executivo, o que não seria o caso, dado que o termo de autenticação se encontra devidamente assinado pelos devedores, e no final deste, encontra-se devidamente assinado e carimbado pelo advogado certificante.
Concluiu também pela improcedência da exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo suscitada pelo executado, sustentando que o teor do documento dado à execução corresponde integralmente ao que se encontra alegado pela exequente no requerimento executivo.
Dispensou-se a realização de audiência prévia e proferiu-se despacho saneador no qual o Tribunal de 1.ª Instância julgou procedente a exceção dilatória de nulidade do requerimento executivo por falta de alegação de causa de pedir e, em consequência, absolveu o executado da instância executiva e declarou extinta a execução.
Inconformada, a exequente recorreu dessa decisão, tendo sido proferido Acórdão, por este Tribunal da Relação, que, julgando procedente a apelação, revogou aquela decisão e ordenou o prosseguimento dos autos (“revogam o despacho saneador recorrido quanto ao segmento decisório em que se julgou procedente a exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo por falta de alegação de causa de pedir e se absolveu o apelado (executado e embargante) da instância executiva e se julgou extinta a execução e, em consequência, ordenam o prosseguimento dos autos”).
Devolvidos os autos à 1.ª Instância, o Mmº Juiz a quo novamente dispensou a realização da audiência prévia – declarando fazê-lo no âmbito do disposto no art.º 593.º, n.º1, do C. P. Civil, ex vi art.º 732.º, n.2, do mesmo diploma – proferindo decisão, nos termos por si referidos do art.º 593.º, n.º2, alínea a) e 595.º, n.º1, alínea b), do C. P. Civil, através da qual, entendendo que o documento particular junto não estava devidamente autenticado, julgou: “procedente a oposição à execução mediante embargos apresentada pelo embargante AA, em consequência do que se determina a extinção da execução”.

Novamente inconformada, a exequente embargada apresentou este recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

I. O presente recurso tem como objeto a matéria de Direito da decisão proferida nos presentes autos que julgou verificadas omissões na autenticação do documento particular autenticado por advogado com o título “ACORDO DE ASSUNÇÃO E PAGAMENTO PRESTACIONAL DE DÍVIDA”, no âmbito do qual foi celebrada uma confissão de dívida e acordo de pagamento em prestações entre a Exequente/ Embargada, a devedora e o Executado/ Embargante.
II. Paralelamente, o despacho recorrido padece de nulidade uma vez que estava vedado ao Tribunal proferir a decisão que proferiu - e, aliás, proferir, de todo, novo despacho saneador, atento o caso julgado formal, o esgotamento do poder jurisdicional, o facto de não serem admissíveis despachos saneadores sucessivos e a circunstância de o Tribunal da Relação apenas ter revogado parte do despacho saneador primeiramente proferido, nulidade que, por isso, ora se deixa invocada para todos os efeitos legais.
III. Através daquele documento, o Executado/ Embargante assumiu a qualidade de fiador e principal pagador da dívida de BB.
IV. Em consequência do incumprimento do acordado, a Executada deu à execução o referido documento particular autenticado.
V. O Tribunal a quo considerou a existência de um vício de falta de causa de pedir do requerimento executivo, gerador de ineptidão nos termos do artigo 186.º, n.º 2, alínea a) do CPC, o qual culminaria numa nulidade de conhecimento oficioso, em conformidade com o artigo 196.º do CPC, absolvendo o Embargante/ Executado da execução, declarando-a extinta,
VI. porquanto a Exequente não teria alegado, no requerimento executivo “os factos constitutivos da relação causal nem os mesmos constam do título executivo.”
VII. A Exequente recorreu, e a 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães ordenou o prosseguimento dos autos, revogando, desta forma, o saneador recorrido, determinando que o título executivo se trata de um negócio jurídico – contrato – em que os contraentes pretenderam regular juridicamente “por acordo, os seus interesses, e em que as declarações negociais por eles aí emitidas se fundiram[…]”
VIII. Após decisão do Tribunal da Relação de Guimarães que revogou o saneador recorrido e, consequentemente, ordenou o prosseguimento dos autos, foi proferido um novo despacho saneador com o qual não se conforma a Recorrente.
IX. De acordo com o artigo 703.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil o documento particular só vale como título executivo se for autenticado por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
X. Os atos notariais são nulos apenas nas situações previstas nos artigos 70.º e 71.º do Código do Notariado.
XI. É, agora, alegada a nulidade do documento que serve de base à execução uma vez que o mesmo não se encontraria assinado por todos os outorgantes
XII. Sucede que foi dada um errónea uso e interpretação do preceito no artigo 70.º, n.º 1 al. e) do Código de notariado, porquanto não ocorre
XIII. Sendo o documento uma confissão de dívida, não é necessária a assinatura, muito menos autenticada, da exequente.
XIV. Pelo que nunca ocorreria uma nulidade nos termos daquele artigo.
XV. De entre os vícios apontados, apenas a eventual falta das assinaturas dos outorgantes ou do notário (in casu, do Advogado) determinaria a nulidade do ato notarial (cf. alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 70.º do Código do Notariado) e, por conseguinte, a inexistência do título executivo.
XVI. Sucede que o título inclui o termo de autenticação devidamente assinado quer pelos devedores e pelo Ilustre Advogado.
XVII. Encontrando-se, inclusive, todas as demais páginas que compõem o título executivo também rubricadas pelo mesmo Ilustre Advogado.
XVIII. Valendo tudo por dizer que tal documento constitui título executivo válido, designadamente, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil.
XIX. Ademais, verificando-se que o Apelado não impugnou a sua assinatura no documento dado à execução, as declarações e os factos que nele constam sempre teriam como têm – de ser dados como provados nos termos, além do mais, do disposto nos artigos 374.º e 376.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
XX. Pelo que se conclui pela existência de título executivo válido e apto enquanto tal.
XXI. todos os elementos prescritos por lei para o reconhecimento de assinatura verificada constam dos documentos de reconhecimento juntos aos autos, não se vislumbrando que tenha ocorrido alguma ofensa aos preceitos legais atinentes, nem que, a existir alguma falta de forma, a mesma determinasse a nulidade do ato.
XXII. Ora, apesar da nulidade que lhes foi assacada pela embargante, e pelo Tribunal a quo nenhuma alegação foi produzida no sentido de questionar a veracidade dos documentos de reconhecimento em questão.
XXIII. Ao pugnar pela não existência de título executivo o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos nos termos dos artigos 703.º, n.º 1, alínea b) e 707.º do CPC e artigos 46.º, n.º 1, alíneas c) e d), aplicável ex vi do 151.º e 49do Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de agosto, preceitos esses que deveriam ter sido interpretados no sentido de que o documento dado à execução constitui título executivo.
XXIV. Após decisão do Tribunal da Relação de Guimarães que determinou o prosseguimento dos autos, o Tribunal a quo veio agora e só agora, referir que existirão nulidades, as quais originam a que o documento particular autenticado não sirva de título executivo.
XXV. Se anteriormente o Tribunal a quo não se pronunciou sobre essas eventuais nulidades e alegadas omissões constantes daquele documento é certo que sempre teve aquele como um verdadeiro título Executivo.
XXVI. Não podendo, por isso, vir agora colocar em causa a validade do mesmo.
XXVII. Nesta senda, formou-se caso julgado quanto a essa mesma questão e, por isso, ficou vedado ao Tribunal de primeira instância e ao tribunal da Relação apreciar novamente a matéria da exceção invocada pelos recorrentes e, bem assim, a matéria dada por assente, sob pena de se violar o artigo 595.º, n.º 1 e 3 do CPC.
XXVIII. Pelo que não poderia o Tribunal a quo ter decidido, neste momento, apreciar novamente questões que anteriormente apreciou.
XXIX. Aliás, nos termos do artigo 620.º, n.º 1 do CPC os despachos que recaiam sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo onde foram proferidos.
XXX. Pelo que deverá ser revogado o douto despacho por violação do caso julgado formal, o qual é violador do disposto no artigo 619.º, n.º 1 do CPC.
XXXI. Ao decidir neste sentido o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 595.º, n.º 1 e 3, 619.º, n.º 1 e 620.º, n.º 1 do CPC, preceitos estes que deveriam ter sido interpretados no sentido de que o despacho saneador primeiramente proferido formou caso julgado relativamente à existência, nos presentes autos, de título executivo.
XXXII. No acórdão proferido em 29-09-2023 do Tribunal da Relação de Guimarães decidiu revogar o “despacho saneador recorrido quanto ao segmento decisório em que se julgou procedente a exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo por falta de alegação de causa de pedir e se absolveu o apelado (executado e embargante) da instância executiva e se julgou extinta a execução e, em consequência, ordenam o prosseguimento dos autos”. (Sublinhado nosso).
XXXIII. Vale por dizer que o despacho saneador “originário” se manteve na parte não revogada e que o poder jurisdicional do juiz se extinguiu, não podendo, ademais, ser proferido novo saneador.
XXXIV. Desta feita, ao decidir como decidiu – ao preferir novo despacho - o Tribunal violou o disposto nos artigos 195.º e 613.º do Código de Processo Civil, preceitos que deverão ser interpretados no sentido em que fica esgotado “o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”, nomeadamente na situação em que o despacho é revogado numa das partes.
XXXV. Não são admissíveis saneadores sucessivos, ainda que uns se destinem a substituir os outros, motivo pelo qual, nesta medida, deve ser considerada nula a sentença.
XXXVI. Tendo o Tribunal da Relação de Guimarães determinado o prosseguimento dos autos, revogando, apenas, parte do saneador recorrido, não poderia o Tribunal a quo ter tramitado nestes termos e ter proferido novo despacho saneador.
XXXVII. Ademais, não tendo resultado do primeiro despacho saneador qualquer conhecimento de eventuais exceções, nulidades suscitadas pelas partes ou outras, não poderia agora, em nosso entender, o Tribunal a quo, subsidiariamente, fazê-lo, nulidades essas que, a existirem, deveriam ter sido tidas em conta no momento de prolação do primeiro despacho.
XXXVIII. Acresce que, pretendendo o Tribunal a quo conhecer do mérito da causa, deveria ter proporcionado às partes a discussão da decisão, bem como ter possibilitado as mesmas de carrear para os autos elementos que possibilitassem, ou não, a sua efetivação, sob pena de omissão de um ato que a lei prevê, e que no caso se aplica ao despacho saneador, tendo enquadramento possível nos artigos 195.º e 615.º do Código de Processo Civil,
XXXIX. já que subsistirá a regra a obrigatoriedade de realização da audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 591.º do CPC, sendo exceções a essa regra, são as situações enunciadas do artigo 592.º do CPC.
XL. Pelo exposto, ao decidir como decidiu – proferindo despacho saneador-sentença, sem conferir às partes a discussão sobre as questões de facto e de direito em causa, ainda para mais, proferindo novo despacho saneador-sentença (sucessivo), sem que o anterior se encontrasse revogado – o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 591.º, 592.º, 593.º, 595.º, 615.º, n.º 1, al. d), 195.º do Código de Processo Civil, preceitos estes que, conjugada ou isoladamente, deveriam ter sido interpretados no sentido de que ao Tribunal a quo está vedado a prolação de saneador-sentença, sem que as partes seja dada a oportunidade de se pronunciar sobre as questões de facto e de direito em causa, estando ainda vedado ao Tribunal a prolação de despachos saneadores sucessivos, particularmente, quando o despacho originário não se encontre – como no caso vertente – revogado”.
Não foram apresentadas contra-alegações.

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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se:
1 - A decisão proferida é nula por violação dos arts.º 195.º, 613.º, 619.º e 620.º do C. P. Civil.
2 - O despacho saneador é nulo por existir já um despacho desta natureza nos autos e por não ter sido realizada audiência prévia.
3 -  Existiu erro do Tribunal a quo ao considerar inexistente o título executivo, atentas as omissões detetadas no procedimento da autenticação. 
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III - Fundamentação de facto:

Tem apenas relevo para esta decisão a natureza do documento dado à execução como título executivo, aqui considerado reproduzido:

1 - Foi apresentado na execução apensa, como título executivo, documento particular, datado de 18/01/2021, denominado “acordo de assunção e pagamento prestacional de dívida” em que figuram como outorgantes EMP01... Ldª, como primeira outorgante e representada pelo seu mandatário judicial, BB, como segunda outorgante, e AA, como terceiro outorgante.
2 - Nesse documento, a segunda outorgante BB declarou reconhecer ser devedora da quantia de 3.680,00 euros relativa ao litígio que corria termos sob o nº55/17...., no Juízo de competência genérica de Vila Nova de Cerveira, Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, assumindo que tal quantia seria paga em 70 prestações mensais de 52,56 euros, vencendo-se a primeira no dia 18/06/2027.
3 - Ficou ainda declarado que o terceiro outorgante se constituía fiador e principal pagador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, assumindo todas as obrigações emergentes desse contrato para a segunda outorgante, então estabelecidas e as que resultassem das prorrogações contratuais, durante vinte anos, respondendo diretamente perante a primeira outorgante.
4 - Mais foi declarado que, em caso de incumprimento do acordo celebrado no processo 4069/16.... que corria termos no Juiz ... do Juízo Local Cível de Viana do Castelo do mesmo Tribunal, o acordo aqui estabelecido ficaria em incumprimento independentemente do vencimento ou não de qualquer prestação do presente acordo.
5 – Desse documento constam três assinaturas com os nomes de CC, BB e AA.
6 – Foi elaborado um termo de autenticação, estando nele referido que tem o registo na Ordem dos Advogados número ...9, com o código de acesso ...55, do qual consta que:
No dia 18 de Janeiro de 2021, em sede de diligência de penhora realizada no âmbito da ação executiva para pagamento de quantia certa que corre termos sob o n.º 55/17.... corre termos no juízo de competência genérica de Vila Nova de Cerveira, Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, na morada Rua ..., ... ..., perante mim, DD, Advogado, cédula profissional nº... com domicílio na Rua ..., ... Porto, compareceu EMP01... Ldª, com sede na Zona Industrial ...- lote ...6, NIPC ...10, aqui representada pelo Mandatário, Dr. CC, cuja identificação conferi pela exibição da procuração forense e certidão permanente.
Os quais me apresentaram para efeitos de autenticação, o documento particular em anexo, denominado acordo de assunção e pagamento prestacional de dívida, que disse haver lido e assinado e que a mesma exprime a sua vontade.
Este termo foi lido à outorgante e à mesma explicado o seu conteúdo”.
7 – Este termo está datado de 18 de janeiro de 2021, pelas 17.00 horas, e dela consta uma assinatura com o nome CC.
8 -  Foi elaborado um termo de autenticação, estando nele referido que tem o registo na Ordem dos Advogados número ...9, com o código de acesso ...55, do qual consta que:
No dia 18 de Janeiro de 2021, em sede de diligência de penhora realizada no âmbito da ação executiva para pagamento de quantia certa que corre termos sob o n.º 55/17.... corre termos no juízo de competência genérica de Vila Nova de Cerveira, Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, na morada Rua ..., ... ..., perante mim, DD, Advogado, cédula profissional nº... com domicílio na Rua ..., ... Porto, compareceu BB, residente em Rua ..., ... ..., NIF ...60 e AA, residente em Rua ..., ... ..., NI ...59, cujas identidades verifiquei, poe exibição dos documentos de identificação, os quais restitui.
Os quais me apresentaram para efeitos de autenticação, o documento particular em anexo, denominado acordo de assunção e pagamento prestacional de dívida, que disse haver lido e assinado e que a mesma exprime a sua vontade.
Este termo foi lido à outorgante e à mesma explicado o seu conteúdo”.
9 – Este termo está datado de 18 de janeiro de 2021, pelas 17.00 horas, e dele constam duas assinaturas com os nomes BB e AA.
10 – Foi elaborado um registo on line de ato de advogado, nos termos do art.º 38.º do DL 76/A/2006, de 29/03, Portaria 657-B/2006, de 29/06, em nome de DD, com o código de acesso ...55, com o nº.../29, em que estão identificados como interessados BB com o cartão de cidadão nº ... e AA com o cartão de cidadão ..., registado em 18/01/2021.
11 – Esse registo contém uma assinatura com o nome DD e está aposto um carimbo relativo a este nome, identificando-o como advogado e com a sua morada e contactos telefónicos.
12 – Do acordo constam quatro rubricas e de cada um dos termos de autenticação uma rubrica.

IV - Do objeto do recurso:

1 –  Começa a exequente embargada por alegar que a decisão proferida padece de nulidade, porquanto estava vedado ao Tribunal proferir novo despacho saneador (ou despachos saneadores sucessivos), verificando-se a formação de caso julgado com a anterior decisão e tendo-se esgotado o poder jurisdicional do Juiz.
Entende assim que se verifica uma nulidade, considerando as disposições conjugadas dos arts.º 195.º, 613.º, 619.º e 620.º do C. P. Civil.
Não assiste qualquer razão ao recorrente, sendo certo que se o Tribunal tivesse cometido qualquer nulidade processual, não teria o recorrente arguido a mesma dentro do prazo que a lei estabelece para que a mesma pudesse ser arguida.
Explicando:
A nulidade prevista no art.º 195.º do C. P. Civil, norma invocada pela recorrente exequente, apenas poderia ser arguida pela parte a quem aproveita no prazo de 10 dias, considerando a data em que foi notificada da decisão proferida, pois que então teria tomado conhecimento dos vícios que alega existirem na decisão proferida – art.sº 199.º e 144.º do C. P. Civil.
Tendo a sentença sido notificada às partes, via sistema citius, por comunicação elaborada em 30/11/2023, quando foram apresentadas as alegações de recurso, em 16/01/2024, já há muito havia decorrido o prazo de 10 dias que permitiria à exequente embargada arguir qualquer das nulidades subsumíveis ao art.º 195.º do C. P. Civil.
Seria, assim, intempestiva tal arguição, fundamentada na norma invocada, efetuada em sede de alegações de recurso, estando, por isso, este Tribunal da Relação impossibilitado de dela conhecer.
Ainda que assim se não entendesse, sempre se dirá, com clareza, que não existe qualquer das apontadas violações ao disposto nos arts.º 613.º, 619.º e 620.º do C. P. Civil.
O art.º 613.º do C. P. Civil estabelece que “proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa”. Os arts.º 619.º e 620.º do mesmo diploma definem o valor da sentença transitada em julgado e o caso julgado formal, respetivamente, estabelecendo que “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo ou fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º e 702.º”, embora “as sentenças e despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.
Ora, o Tribunal a quo não proferiu despachos saneadores sucessivos, como alega a recorrente.
O que fez, no primeiro despacho proferido e que foi objeto de recurso, foi apenas:
 a) dispensar a realização da audiência prévia, pois que, como afirmou, estava em causa a situação do art.º 593.º, n.º1, do C. P. Civil, ou seja, aquela destinar-se-ia aos fins das alíneas d), e) e f) do n.º1 do art.º 591.º do C. P. Civil;
b) proferir despacho saneador, nos termos do art.º 591.º, n.º1, alínea d) e 595.º, n.º1, do C. P. Civil:
- afirmando a competência absoluta do Tribunal;
- apreciando a exceção dilatória invocada de ineptidão do requerimento executivo por alegada falta de indicação da causa de pedir no requerimento executivo e concluindo pela sua procedência, com a consequente absolvição do executado da instância executiva.
Nada mais afirmou o Tribunal quanto a outras exceções dilatórias que pudessem existir (invocadas ou de que pudesse conhecer oficiosamente) ou ao mérito dos próprios embargos, se entendesse que tal conhecimento poderia ser feito em sede de despacho saneador.
Tendo aquela concreta decisão de absolvição da instância sido revogada, a única questão que ficou definitivamente decidida foi a que foi apreciada, ou seja, que inexistia qualquer nulidade por falta de causa de pedir que obstasse ao prosseguimento dos autos de embargo.
Ora, este prosseguimento implica, naturalmente, retomar o despacho saneador onde ele ficou e, assim, seria sempre necessário verificar se existiam outras exceções dilatórias que implicassem a absolvição da instância executiva do executado ou se seria possível o imediato conhecimento do mérito dos embargos.
Assim decidindo, apreciando outra exceção dilatória, diferente daquela que foi objeto de decisão, ou o mérito dos embargos, não está o Tribunal de 1.ª Instância a proferir um segundo e repetido despacho saneador mas, apenas, a retomar o primeiro no exato momento processual em que, por via da decisão que proferiu, determinou a absolvição da instância executiva do executado e que, por via do Acórdão deste Tribunal da Relação, se entendeu estar incorretamente decidida, devendo os autos prosseguir.
Resulta assim com clareza que, com a decisão proferida em 24/03/2023, se esgotou o poder jurisdicional do Tribunal a quo sobre a concreta questão apreciada – a nulidade resultante da ineptidão por falta de causa de pedir -, não podendo a mesma voltar a ser apreciada. Ora, na decisão de 29/11/2023 não volta aquele Tribunal a aprecia-la, limitando-se a entender que poderia ser proferida decisão de mérito, conhecendo de outra questão jurídica que, note-se, havia também sido invocada pelo executado como fundamento dos embargos deduzidos.
Quanto a esta questão – relativa aos termos de autenticação do acordo apresentado como título executivo – não havia, até à decisão de 29/11/2023, qualquer pronúncia e, como tal, não existia qualquer caso julgado formal ou material.
Daqui decorre que o Tribunal não estava impedido de decidir esta questão (que, repete-se, estava invocada pelo executado embargante), pois que não a havia antes apreciado ou proferido sobre ela qualquer decisão, não se verificando qualquer violação do disposto nos arts.º 613.º, 619.º ou 620.º do C. P. Civil.
Pelo contrário, tendo o executado embargante alegado a inexistência do título executivo por irregular autenticação do documento particular apresentado, teria o Tribunal de 1.ª Instância cometido a nulidade do art.º 615.º, n.º1, alínea d), do C. P. Civil se proferisse sentença sem apreciar tal questão, pois que se impunha tal apreciação.
Se fosse tempestivamente invocada, e não foi, sempre se concluiria pela inexistência de qualquer nulidade, pois que não estava esgotado o poder do Juiz titular de se pronunciar sobre a questão apreciada na decisão de 29/11/2023 e a primeira decisão de 24/03/2023 não produzia qualquer caso de julgado formal ou substantivo em relação à mesma.
Equivoca-se a exequente quando refere que foi dada como provada determinada matéria de facto e que esta não podia ter sido alterada.
Como resulta claro da natureza dilatória da exceção que foi objeto de análise na primeira decisão proferida – a nulidade resultante da ineptidão do requerimento executivo por falta de alegação de causa de pedir (arts.º 278.º, n.º1, alínea b), 576,º, 577.º, alínea b), do C. P. Civil) – a sua verificação obsta à apreciação do mérito da causa e, como tal, a sua apreciação não depende dos factos provados e não provados (que inexistem, e bem, no despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância).
De igual modo, quando no Acórdão proferido nestes autos se elencaram os factos relevantes para o conhecimento do objeto do recurso, estavam em causa, não os factos relevantes para o mérito da causa, mas aqueles que permitiriam, porque extraídos dos atos processuais praticados, decidir a questão enunciada ou seja: “saber se o despacho saneador recorrido, ao nele se julgar procedente a exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo por falta de alegação de causa de pedir e, em consequência, ao se ter absolvido o apelado (executado) da instância executiva, declarando extinta a execução, padece de erro de direito”.
Daí que seja claro que a questão de saber se o documento particular dado à execução poderia ou não ser considerado título executivo, atentos os termos em que foi autenticado por advogado, não tenha sido apreciada nos autos de recurso, pois que ela não constituía o seu objeto.
Aquele despacho proferido, não tendo apreciado a falta de título executivo, não constitui caso julgado que impeça apreciação dessa questão, após ter sido determinado o prosseguimento dos autos pelo Tribunal da Relação, quando julgou procedente a apelação apresentada pela exequente embargada, não existindo qualquer nulidade por ter sido apreciada questão que foi também suscitada pelo embargante.
Note-se que, nos termos do art.º 595.º, n.º 3, do C. P. Civil, o caso julgado formal só existe em relação às exceções dilatórias e nulidades que tenham sido efetivamente apreciadas, pelo que o facto de o Juiz a quo nada ter dito sobre a questão suscitada pelo executado embargante de falta de título executivo por irregularidades da autenticação do documento particular, não produz qualquer efeito de caso julgado formal que o impedisse de, perante a decisão deste Tribunal da Relação de determinar o prosseguimento dos autos, sobre ela se pronunciar.
Aliás, mesmo que existisse uma pronúncia tabelar do Tribunal de 1.ª Instância (afirmando por exemplo que nada impedia o prosseguimento dos autos), este não estava impedido de, posteriormente, apreciar qualquer exceção dilatória ou nulidade invocada nos autos, sendo que, oficiosamente, poderia fazê-lo até ao momento temporal definido no art.º 734.º do C. P. Civil. Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, em anotação ao art.º 595.º do C. P. Civil, in Código de Processo Civil Anotado, “importa ter em atenção que o caso julgado apenas se forma relativamente às questões ou exceções dilatórias que tenham sido concretamente apreciadas e nos limites dessa apreciação, não valendo como tal a mera declaração genérica sobre a ausência de alguma ou da generalidade das exceções dilatórias”.
Em rigor, contrariamente ao que alega a exequente embargada, não está o Tribunal a “retroceder na sua análise” ou sequer “a reponderar questões que necessariamente foram, permita-se, de forma correta ultrapassada” (veja-se que o Tribunal não pode ultrapassar questões sem sobre elas se pronunciar, ainda que fosse para declarar que o seu conhecimento havia ficado prejudicado, o que nunca seria o caso, considerando a falta de relação entre as questões apreciadas nos dois despachos citados da 1.ª Instância).
Se analisarmos o art.º 278.º do C. P. Civil, de entre as causas que conduzem à absolvição da instância está desde logo enumerada em segundo lugar aquela que resulta da anulação de todo o processado, como é o caso da ineptidão por falta de causa de pedir - art.º 186.º do C. P. Civil -, não estando aqui em causa a incompetência absoluta enumerada em primeiro lugar, sendo por isso natural que, tendo julgado procedente a exceção invocada, o Juiz titular do processo não tenha chegado a apreciar qualquer outra exceção invocada ou equacionado a possibilidade de conhecer do mérito dos embargos deduzidos. 
Improcede, assim, a alegação recursiva relativa à nulidade da decisão proferida.
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2 – No âmbito do recurso interposto acaba a exequente embargada por invocar nova nulidade (agora referindo-se à nulidade do despacho saneador ou da sentença, mas sem invocar norma concretamente violada), considerando que, tendo sido proferido o primeiro, estava o Tribunal de 1.ª Instância impedido de proferir o segundo e que é agora objeto desta apelação.
Vimos já que existem duas decisões diferentes, uma que aprecia a nulidade de todo o processo por ineptidão por alegada falta de causa de pedir do requerimento executivo e uma outra que entendeu inexistir título executivo e que a existência da primeira e a sua revogação não eram obstáculo a que fosse proferida a segunda.
Com outra denominação está a recorrente, afinal, a invocar a mesma nulidade já apreciada e que, como vimos, não existe.
Acrescenta, porém, um segundo argumento e que consiste na violação do direito de as partes se pronunciarem sobre a decisão a proferir e que, na sua visão, determinaria a sua nulidade, pois que conheceu do mérito dos embargos, invocando, mais uma vez, o disposto no art.º 195.º do C. P. Civil, e alegando que deveria ter sido realizada audiência prévia, considerando que foi confrontado com uma decisão surpresa.
Entende assim ter sido violado o disposto no art.º 3º, n.º 3, do C. P. Civil.
Invoca ainda a nulidade resultante do art.º 615.º, n.1, alínea d), 2ª parte do C. P. Civil, afirmando que a audiência prévia não podia ter sido dispensada.
Existe numerosa jurisprudência que evidencia a necessidade da realização de audiência prévia quando, no enquadramento do art.º 595.º, n.º 1, alínea b), do C. P. Civil, o Juiz de 1.ª Instância decide de mérito no despacho saneador e os termos em que tal omissão pode ser invocada, em sede de alegações de recurso – vide, por todos, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15/12/2022, proc. 689/19.7T8PTL.G1, da Juiz Desembargadora Maria Conceição Bucho, de 15/06/2022, proc. 194/09.0TBAVV-A.G1, da Juiz Desembargadora Margarida Pinto Gomes, e de 20/05/2021, proc. 125/20.6T8AMR-G1, do Juiz Desembargador José Alberto Moreira Dias, todos in www.dgsi.pt.
A situação dos autos não se subsume, contudo, a este normativo.
Estão em causa embargos deduzidos no âmbito de processo de execução com o valor de 5.981,51 euros e, portanto, com valor não superior a metade da alçada da Relação.
Assim, a norma aplicável é o disposto no art.º 597.º do C. P. Civil, ex vi art.º 732.º, n.º 2, do C. P. Civil.
Como se conclui no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/09/2022, do Juiz Desembargador João Ramos Lopes, proc. 1098/21.3T8PRT-A.P1, in www.dgsi.pt, nas situações subsumíveis a este normativo “a decisão de mérito, findos os articulados, encontra sustentação em tal aplicação subsidiária da tramitação estabelecida para o processo comum de declaração (art. 595º, nº 1, b) do CPC) –, terá de concluir-se que a realização da audiência prévia não é, no caso, obrigatória (melhor, que a tramitação legalmente incluísse a realização da audiência prévia).
Nas causas (como a presente) de valor não superior a metade da alçada do tribunal da Relação, face ao disposto no art. 597º do CPC, compete ao juiz decidir sobre a prática de certos atos que a lei insere na tramitação do processo comum – o poder do juiz é, em princípio, discricionário a propósito de tais atos (como a convocação/realização da audiência prévia). Assim, ainda que ‘tenha sido abolida a diversidade de formas de processo em função do valor da causa, este não é de todo irrelevante’, pois nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação ‘é ao juiz que cabe definir quais os trâmites processuais que devem ser seguidos, tendo em conta a natureza e a complexidade da ação e a necessidade de adequação dos atos ao seu julgamento.
Cabendo assim ao tribunal o poder discricionário de decidir sobre a realização/convocação da audiência prévia, não pode considerar-se que tenha sido omitido ato legalmente estabelecido/previsto como obrigatório na tramitação da causa”, citando José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª Edição, pág. 673, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2ª Edição, p. 558, e Miguel Teixeira de Sousa, em cometário de 04/07/2022 ao Acórdão da Relação do Porto de 22/11/2021, no blog do IPPC, no sítio blogippc.blogspot.com. e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 703.
Como referem na obra citada Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro em anotação ao art.º 597.º do C. P. Civil, “a decisão de gestão processual que resulta na prática de um ou mais desses atos e na recusa dos restantes, é proferida no uso legal de um poder discricionário”.
Vide, neste mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/11/2021, proc. 908/19.0T8PTL-A.G1, da Juiz Desembargadora Alexandra Rolim Mendes e o voto de vencido proferido no âmbito do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/03/2021, proc. 7763/20.5T8LSB.L1.2, de Juiz Desembargador Pedro Martins, ambos in www.dgsi.pt.
Resulta assim claro que, sendo aplicável o disposto no art.º 597.º do C. P. Civil, era legítimo ao Juiz de 1.ª Instância proferir de imediato despacho a apreciar o mérito dos embargos deduzidos, conhecendo de questão que constituía fundamento daqueles e sobre a qual a exequente embargada se havia já pronunciado na contestação que deduziria.
É que, como resulta claro da análise dos autos, a questão apreciada havia já sido discutida nos articulados pela parte que a suscitou (embargante) e pela parte que a contestou (embargada), não sendo as partes surpreendidas pela prolação de decisão proferida, tendo o Juiz titular proferido de imediato decisão sobre a mesma em vez de agendar audiência prévia no exercício do poder discricionário que resulta do art.º 597.º do C. P. Civil.
Decisão surpresa é aquela que “contém uma decisão que a parte, atuando com uma diligência normal, não tinha a obrigação de prever”, nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa em anotação ao art.º 3.º do C. P. Civil, no Código de Processo Civil On Line. Ora, invocada que estava a questão relativa à inexistência de título por vícios do ato de autenticação efetuado por advogado, sabia a exequente, desde o momento em que foi notificada para apresentar contestação, que tal questão teria de ser apreciada pelo Tribunal.
Não decorrendo da lei a obrigatoriedade da realização de audiência prévia e não tendo sido proferida qualquer decisão surpresa, inexiste fundamento para considerar verificada a nulidade invocada pela exequente embargada que, assim, se julga improcedente.
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3 – Por fim, considera a exequente embargada que existe título executivo e que, como tal, a decisão proferida deve ser revogada.
Começa por dizer-se que carece de sentido a alegação de que não está colocada em causa a assinatura do executado no acordo de pagamento que foi apresentado e que constitui o título executivo que fundamenta a execução e que, portanto, as declarações dele constantes se consideram provadas (art.º 63.º das alegações).
Não está em discussão saber se que a devedora BB e o executado AA se obrigaram nos termos declarados no acordo que foi celebrado e que contém a assinatura deste último, sem que este a tenha impugnado (já que na execução a que estes autos estão apensos, apenas este foi demandado).
A questão que se coloca é, apenas, a de saber se o acordo em causa, importando a constituição ou reconhecimento de dívida pelo devedor, constitui título executivo em relação ao aqui executado (pois que, em relação à devedora BB, estava expressamente previsto o prosseguimento dos autos de execução no âmbito dos quais foi o acordo celebrado).
Assim, para estes autos de natureza executiva não basta que exista um acordo escrito do qual resulte a constituição e reconhecimento de uma dívida, sendo ainda necessário que se possa afirmar que tal acordo constitui título executivo.
Que o acordo escrito não foi colocado em causa pelo executado embargante, não restam dúvidas, pois que nada foi alegado para afastar a sua validade enquanto fonte de obrigações.
Como se referiu no Acórdão deste Tribunal da Relação já proferido nos autos, analisando a natureza do documento particular apresentado e perante a questão de saber se se estava ou não perante um negócio jurídico unilateral:  “trata-se, portanto, de um negócio jurídico unitário – um contrato – em que os nele(s) contratantes regularam juridicamente, por acordo, os seus interesses, e em que as declarações negociais por eles aí emitidas se fundiram, formando mútuo consenso, sintetizando-se num único negócio jurídico trilateral, ou seja, num contrato, no qual fizeram extinguir o anterior direito de crédito que a apelante tinha sobre BB, e em que constituíram um novo direito de crédito da primeira sobre a última (a nova dívida que BB reconheceu dever à apelante), regularam o modo de cumprimento dessa nova dívida, fixaram as consequências jurídicas que decorreriam do incumprimento desta e constituíram uma outra obrigação – obrigação de garantia – em que o apelado (executado) se obrigou pessoalmente perante a apelante a satisfazer as obrigações assumidas por BB em caso de incumprimento do acordado quanto à nova dívida por esta assumida perante a apelante e renunciando ao benefício da excussão prévia”.
O que é contestado é, pois, que exista título executivo e não a obrigação assumida no acordo celebrado.
Com efeito, com a reforma do processo executivo introduzida em 2013, foi fortemente restringida a exequibilidade de documentos particulares assinados pelo devedor.
Se, até então, a lei considerava exequíveis todos os documentos particulares assinados pelo devedor que importassem o reconhecimento de uma obrigação pecuniária (art.º 46.º, n.º 1, alínea c), do C. P. Civil na versão anterior à Lei 41/2013 de 26/07), a partir da reforma de 2013, tal natureza de título executivo foi confiada apenas àqueles que fossem exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, nos termos do art.º 703.º, n.º 1, alínea b), do C. P. Civil.
Como referem António dos Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, em anotação ao art.º 703.º, in Código de Processo Civil Anotado, esta alteração legislativa foi determinada pelo “uso abusivo que foi feito do regime anterior, o qual, pretendendo dispensar, em certos casos, o recurso à ação declarativa ou ao procedimento de injunção, atribuía exequibilidade a documentos particulares (pretensamente) assinados pelo devedor que fossem recognitivos de alguma obrigação. Os casos de falsidade documental ou a sustentação do pressuposto da exequibilidade do título a partir de um encadeado de documentos de sentido equívoco levaram o legislador a inverter a solução, atenta a incerteza e insegurança jurídicas subjacentes a tais situações”.
Ou seja, para além de resultar do acordo escrito apresentado a constituição pelo executado embargante de uma obrigação, como resulta, para que se possa prescindir da ação declarativa é necessário que o documento tenha sido exarado ou autenticado por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal.
É apenas aqui que se centra a decisão recorrida.
Entendeu o Tribunal de 1.ª Instância que o documento do qual resulta para o executado a constituição de uma obrigação não foi devidamente autenticado pelo advogado em nome de quem está elaborado o termo de autenticação.
E, aqui, não podemos deixar de concordar com a decisão proferida.
Dispõe o art.º 38.º do DL 76-A/2006, de 29/03:
1 - Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março.
2 - Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
3 - Os atos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respetivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça”.
Este registo está regulado na Portaria 657-B/2006, de 29/06.
Existem desde logo dois termos de autenticação, com o mesmo número e o mesmo código de acesso, mas o registo na Ordem dos Advogados refere-se apenas ao que se reporta aos devedores pois que apenas o executado e a devedora original estão identificados como interessados.
Estão omissas nos dois termos de autenticação todas as menções que são referidas na decisão proferida, não contestando a exequente embargada que as mesmas efetivamente se verifiquem.
E se concordamos com a recorrente quando refere que a generalidade das omissões não implica a nulidade do ato (como não implicariam a nulidade do ato notarial se a autenticação tivesse sido efetuada por notário, nos termos do art.º 70.º do Código do Notariado), o mesmo não acontece, como ela própria admite (art.º 55.º das suas alegações), com a falta de assinatura daquele que pratica o ato.
Nenhum dos dois termos de autenticação está assinado por quem declara autenticar e dar fé pública ao ato praticado, o advogado DD.
A sua assinatura surge num outro documento que comprova o registo efetuado desse ato de advogado, na plataforma da Ordem dos Advogados, nos termos da Portaria acima referida.
Estão em causa dois atos distintos: o referente à autenticação e o relativo ao seu registo no sistema informático da Ordem dos Advogados.
Apenas este último está assinado pelo Advogado DD.
Note-se que não existe qualquer razoabilidade na alegação da exequente recorrente quando, nos arts.º 57.º a 59.º das suas alegações, refere que o título executivo é constituído por documento particular, termos de autenticação e registo efetuado na Ordem dos Advogados, estando este último assinado pelo advogado e as demais folhas rubricadas.
De nenhum elemento dos documentos juntos com o requerimento executivo retira o Tribunal que esteja em causa apenas um documento, com aquelas quatro componentes.
O termo de autenticação em que surge assinado o nome de CC contem apenas uma rubrica.
O termo de autenticação em que surge assinado o nome de BB e do executado contem apenas uma rubrica.
O documento particular que consubstancia o acordo contem três assinaturas com o nome de CC, BB e do executado e quatro rubricas.
O registo na Ordem dos Advogados contém a assinatura com o nome DD.
Se estivessem em causa apenas um documento, todos teriam sido assinados na última folha e rubricadas as anteriores por todos os outorgantes.
Por outro lado, o texto de cada uma destas quatro menções está elaborado com tipo de letra, espaçamento e configuração tão diversa que dele não se retira que esteja em causa apenas um documento. Pelo contrário, da sua análise retira-se, com clareza, que estão em causa quatro documentos diferentes, pretendendo a exequente que o seu conjunto seja considerado como um documento particular autenticado por advogado que importa a constituição de uma obrigação para o executado.
Ora, nos termos em que foi realizada a autenticação do documento, tem de considerar-se que a mesma não observa o que está previsto no art.º 70.º, n.º 1, alínea f), do Código do Notariado, pois que, por falta de assinatura do advogado, o ato praticado é nulo.
Não tinha, pois, o executado que questionar a “veracidade das assinaturas”, como alega a recorrente, mas, apenas, como fez, invocar a inexistência de título executivo por nulidade do ato praticado pelo advogado em nome de quem foi efetuada a autenticação do documento (pois que, não estando os termos assinados, não podemos sequer afirmar que foi ele quem procedeu à sua autenticação, sabendo-se apenas que foi efetuada em seu nome e que foi seu o registo efetuado na plataforma eletrónica da Ordem dos Advogados).
Não é, assim, a falta de assinatura da exequente no documento particular ou no termo de autenticação que está em causa (embora não lhe assista razão, como resulta do Acórdão desta Relação proferido nos autos e supra citado, quando a exequente refere estarmos perante um negócio jurídico unilateral para justificar a irrelevância daquela assinatura), sendo, por isso, destituída de relevância para a questão a decidir a referência jurisprudencial efetuada no art.º 48.º das suas alegações de recurso.
De facto, quando está em causa um negócio jurídico unilateral de confissão de dívida apenas o devedor assume uma obrigação e, como tal, apenas a sua assinatura tem de constar do documento escrito e, assim, ser tal obrigação autenticada pelo notário ou advogado. Mas, mesmo nesta situação, como é evidente, o advogado que procede à autenticação tem de assinar o documento que a comprova, nos termos do art.º 46.º, n.º 1, alínea n), do Código do Notariado, pois que o ato “é praticado nos termos previstos na lei notarial”, como decorre do citado n.º1 do art.º 38.º do DL 76-A/2006, de 29/03.
Improcedem assim todos os fundamentos da presente apelação.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil):

1 - O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação a revogar o despacho proferido pela 1.ª Instância que considerou existir nulidade por ineptidão da petição inicial decorrente da falta de alegação da causa de pedir, não impede este último de, posteriormente, ordenado que foi o prosseguimento dos autos pelo Tribunal da Relação, apreciar questão invocada pela embargante relativa à inexistência de título executivo.
            2 - Considerando o valor destes embargos, sendo aplicável o disposto no art.º 597.º do C. P. Civil, a realização de audiência prévia não é obrigatória e, como tal, não tendo a mesma sido realizada, não foi cometida qualquer nulidade.
            3 - Tendo a questão da inexistência de título executivo sido invocada na petição de embargos pelo executado, tendo a exequente apresentado contestação em que apresentou os argumentos que, em seu entender, permitiam concluir pela sua existência, a prolação de decisão sobre a mesma não constitui qualquer decisão surpresa.
4 - Não pode valer como título executivo o documento particular assinado pelo devedor do qual resulta a constituição de uma obrigação mas em que o termo de autenticação não está assinado pelo advogado em nome do qual está elaborado.

V – Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação apresentada pela embargada exequente, mantendo-se a decisão proferida.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
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Guimarães, 18/04/2024
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)