MANDATO FORENSE
RESPONSABILIDADE CIVIL
PERDA DE CHANCE
ÓNUS DA PROVA
Sumário


I – O advogado, no exercício do patrocínio forense, não se obriga a obter ganho de causa, mas a utilizar, com diligência e cuidado, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender os interesses legítimos do cliente.
II - Quando o advogado não cumpre as obrigações no âmbito do patrocínio jurídico, seja porque não praticou os atos compreendidos no mandato, tal como lhe impunha o artigo 1161.º, alínea. a), do Código Civil, seja porque violou os deveres deontológicos a que estava obrigado na relação com o cliente resultantes do EOA, e presumida que resulta a sua culpa em face do artigo 799.º do Código Civil, incorre em responsabilidade geradora da obrigação de indemnizar (artigo 798.º do Código Civil).
III - O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade (Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº2/2022 de 26/01/2022).
IV - A probabilidade de ganho de causa deverá ser aferida através de um juízo de prognose póstuma, cabendo ao tribunal que aprecia a ação de responsabilidade civil adotar a perspetiva do tribunal que teria de decidir o processo – o chamado “julgamento dentro do julgamento”.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- RELATÓRIO

AA, propôs a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB e EMP01... SA, pedindo a condenação dos réus no pagamento, solidário, de indemnização no valor de € 100.000,00, acrescido de juros de mora.

Para tanto, alega que mandatou a Dra. BB para o representar no processo-crime a correr termos sob o número 663/09...., no âmbito do qual foi condenado a uma pena única de quatro anos e seis meses de pena de prisão suspensa na sua execução, condicionada a (i) regime de prova, (ii) elaboração de plano de reinserção social e (iii) cumprimento de outros deveres (pagamento de indemnizações), e que a Ré não praticou os atos compreendidos no mandato - entregando o dinheiro que recebeu e para pagamento de indemnizações a que estava por sentença obrigado -, e a tempo de evitar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e o cumprimento efetivo desta, o que lhe provocou danos patrimoniais e não patrimoniais que quer ver ressarcidos. Adiantou ainda que à data a 1.ª ré beneficiava de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado pela OA com a 2.ª ré, onde esta assumira a responsabilidade por danos decorrentes daquela atividade profissional, daí ter de ser igualmente responsável com a 1.ª ré pelo que lhe sucedera.

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A 1.ª ré, BB, contestou, impugnando os factos alegados pelo autor e os danos imputados, bem como o nexo causal, defendendo ser o autor o responsável pela produção dos danos. Arguiu ainda a exceção da prescrição do direito à indemnização, nomeadamente quanto ao valor recebido.
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A 2.ª Ré, EMP01... SA, contestou, excecionando a sua não responsabilidade, atento a data em que foi participado o sinistro e a falta de nexo causal entre a conduta descrita à Ré e a prolação do despacho revogatório da suspensão da execução da pena de prisão, pois ao tempo do início do mandato já as obrigações estavam incumpridas pelo Autor, sendo os danos a este imputáveis, nem existiria a garantia de tal despacho não ser proferido. Arguiu ainda a sua ilegitimidade quanto ao pedido de reembolso por enriquecimento sem causa.
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Foi requerida e deferida a intervenção de EMP02... Company SE.
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Citada, a Interveniente, EMP02... Company SE, apresentou contestação, em que se defendeu invocando designadamente a circunstância de a cobertura temporal da apólice relevante no caso não ter sido observada pela 1.ª Ré, que conheceu do sinistro antes do início da apólice) e a existência de franquia; arguiu a sua ilegitimidade quanto ao pedido de reembolso e, por fim, defendeu-se mediante impugnação, de facto e de direito, concluindo que não verificam os pressupostos da responsabilidade civil.      
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A final foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu as rés e a interveniente do pedido deduzido pelo autor.
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Inconformado com a sentença, o autor interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

I. Importa desde logo, dizer que, perante toda a prova produzida nos autos, o Tribunal não poderia dar como não provados os factos que deu, como tal e, consequentemente, concluir pela absolvição da Ré.
II. Analisada a fundamentação do Tribunal para que tivesse dado como provado os factos que resultaram como tal na sentença, sobretudo que a 1ª Ré não estava obrigada a indemnizar o Autor, não está, de todo, em harmonia com a prova produzida na audiência de discussão e julgamento.
I - Da impugnação da matéria de facto:
III. O Tribunal andou mal ao categorizar, de entre o mais, os factos D, F, M, R, T e OO como não como não provados.
Facto D (não provado) - O Autor contactou com a 1.ª Ré antes de partir para ..., para que esta o patrocinasse.
IV. A 1ª Ré/Interveniente Acidental (minuto 00:02:55 a 00:04:02 do Áudio – 5 – Dia 07.09.2023) afirmou: “Quando cheguei a ..., encontrei uma Senhora e um jovem, se me perguntar hoje já não conheço a cara dele, porque só o vi naquele dia, que é o Senhor AA. E que assim, amedrontado não é, disse-me que estava fugido, que tinha sido decretada uma sentença, que precisava de ajuda. Trazia-me na mão uma carta da Reinserção Social a pedir para se dirigir aos serviços, já tinha passado muito tempo, onde lá constava o número do processo, que tinha sido condenado a uma pena de prisão, por um sequestro e roubo, que estavam três, mas que um deles aparecia nos autos como ofendido que era um Senhor CC. E que, portanto, não concordava, e queria ver o que é que se podia fazer”.
V. Pelas declarações prestadas pela 1ª Ré resulta que o Autor contactou a Ré para que esta o patrocinasse.
VI. Ademais, o Tribunal na “Motivação quanto aos factos” refere: “Isto é, o Tribunal convenceu-se suficientemente: que o Autor emigrou para parte e data incerta após a prolação o acórdão; que contactou de forma fugaz a 1ª Ré em finais de Abril de 2011…”.
VII. Razão pelo qual deve tal facto (D dos não provados) ser considerado como provado.
Facto F (não provado) - F. A partir da outorga daquele documento, o Autor, considerou-se pela Ré representado em todos os atos e termos que ao processo nº 663/09.... diziam respeito.
VIII. A 1ª Ré afirmou (00:27:02 a 00:27:21 do Áudio – 6 – Dia 07.09.2023) que “a procuração tinha uma finalidade que era, era, era. Tinha, tinha várias nuances: consultar o processo; poder eventualmente recorrer, porque eu não sabia qual era o estado do processo; poder pagar indemnizações; custas processuais; etc”.
IX. Conforme consta do fato provado 19, o recorrente conferiu à 1ª Ré “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos e os especiais para os representar nos autos de acção crime que corre os seus termos sob o Proc. Nº 663/09..... ... Juízo Criminal de ..., podendo assistir a todas as diligências e actos processos, receber notificações, pagar ou receber custas, pagar indemnizações e multas etc. substabelecer”.
X. Deste modo, ao outorgar a procuração–inclusive com poderes especiais–a favor da 1ª Ré, o Recorrente considerou-se representado em todos os atos e termos que ao processo nº 663/09.... diziam respeito.
XI. Assim sendo, deve o facto F da matéria não provada ser alterado para provado.
Facto M (não provado) - Na data da audição de condenado, a 08.09.2011, a 1.ª Ré já era frequentemente contactada pela mãe e pela irmã do Autor.
XII. Conforme descrito no facto M a audição do condenado realizou-se em 08.09.2011.
XIII. Conforme consta igualmente dos Autos (facto 19 da matéria provada) a procuração outorgada, pelo Recorrente, a favor da 1ª Ré, data de 23.04.11.
XIV. Ou seja, a audição do condenado realizou-se mais de 4 meses após a outorga da procuração forense.
XV. A testemunha DD (mãe do Recorrente) afirmou na audiência de discussão e julgamento (minuto 00:03:29 a 00:05:02 do Áudio – 10 – Dia 07.09.2023):
Mandatária do Autor: Vamos, vamos com calma dona DD! Portanto a Senhora foi conversar, daquilo que estava a explicar, foi falar com a Drª. Conceição e explicou-lhe o processo. O seu filho foi consigo?
Testemunha: Uma vez, quando o meu filho me passou a procuração foi. Mandatária do Autor: E a Senhora já lá tinha ido antes?
Testemunha  Já! Tinha ido lá muitas vezes. Juíza: (inaudível minuto 00:04:14)
Mandatária do Autor: Pronto, então já tinha lá ido antes, então vamos começar por essas vezes em que a Senhora foi antes. A Senhora levou papeis? A Senhora tinha papeis sobre o processo? A Senhora tinha documentos ou explicou pelas suas palavras? Testemunha: Eu expliquei pelas minhas palavras. Não tinha, não tinha documentos nenhuns.
Mandatária do Autor: E o que é que a Senhora mais ou menos explicou à Senhora Advogada? O que é que pediu à Senhora Advogada?
Testemunha: Eu pedi, que o meu filho tinha um processo em Tribunal, se ela me queria ajudar para pagar. E ela disse que sim, mas que tinha que ter uma procuração do meu filho.
O meu filho veio cá de ... e passou a Procuração. E depois eu fui muitas vezes lá a ver se ela já tinha pago, se já tinha pago, ela dizia “esteja descansada” ...

XVI. Na “Motivação quantos aos factos” refere o tribunal:
- “EE, marido da testemunha FF e cunhado do Autor, também referiu que levou a sogra à Advogada”…
- ”O depoimento da amiga da mãe do Autor, GG referiu ter (também) acompanhado aquela ao escritório da 1ª Ré”… J
-Já as irmãs FF e HH e cunhado AA…tendo todos acompanhado a D.
DD ao escritório da 1ª Ré…”.
XVII.    A testemunha HH (irmão do recorrente) afirmou ao Tribunal (minuto 00:04:27 a 00:04:52 do Áudio – 9 – Dia 07.09.2023): “uma vez, já não moro com a minha mãe vai fazer 16 anos, eu já moro aqui na ... há alguns anos. Eu, eu não sei muito bem do, do caso, a única coisa que eu posso dizer é que eu uma vez fui ver os meus pais a ..., que eles moravam em ... e, e eu disse à minha mãe, a minha mãe ia à Advogada, e eu disse à minha mãe que eu ia com ela,e quando eu cheguei à Advogada, eu perguntei a essa Advogada pelo dinheiro da minha mãe, já que ela não tinha pago nada”.
XVIII. Deste modo, parece-nos inequívoco que a 1ª Ré era frequentemente contactada pela mãe do Autor, inclusive antes da audição do condenado.
XIX. Desta feita, o facto M) deverá ser incluído nos factos dados como provados, o que se pede.
Facto R (não provado)- "Com o valor do cheque na sua posse, a Ré comprometeu-se a pagar essas indemnizações e juros de mora, entretanto, vencidos”.
XX. A testemunha DD (mãe do Recorrente) referiu (minuto 00:05:48 a 00:06:20 do Áudio – 10 – Dia 07.09.2023), o seguinte a saber:
Mandatária do Autor: Ok. E depois de junt... de, de, de dar a Procuração, de o seu filho assinar a procuração o que, o que é que a Senhora Advogada lhe disse do processo, se é que disse, em que estado estava o processo.
Testemunha: Disse que ia pagar, que ia resolver e que ia pagar. Eu fui lá muitas vezes e ela disse “Vamos com calma que temos que procurar as pessoas e depois vamos tentar”, até que um dia ela me disse para lhe dar cinco mil euros, que ela que ia pagar, que ia por o dinheiro no Tribunal. E eu fui lá muitas vezes a saber se ela tinha pago.
XXI. A testemunha HH afirmou na audiência de discussão e julgamento (minuto 00:03:34 a 00:05:18 do Áudio – 9 - Dia 07.09.2023), o seguinte saber: Juíza: Ora bem então dona HH, a pergunta é esta: O que é que sabe de toda esta situação? Vai ser uma pergunta assim aberta que é para depois irmos assim ao detalhe. Testemunha: A única coisa que eu sei é que a minha mãe deu cinco mil euros à advogada e sei que essa advogada não pagou o que devia ter pago e bem sei que por causa disso aconteceu o que aconteceu ao meu irmão, hum...
Juíza: Olhe a mãe na altura explicou-lhe em que condições é que ia dar dinheiro à advogada? Exatamente para que....
Testemunha: (inaudível 00:04:06) hum!
Juíza: Para que era, para que não era. Quando é que isso aconteceu? Foi ao tempo da, dessas, desses dinheiros ou foi agora, mais, mais, muito mais tarde já depois de o seu irmão estar preso?
Testemunha: Não! Logo no início, mesmo antes disto acontecer o meu irmão, a minha mãe já tinha dado, cinco mil euros à Advogada...
Juíza: Certo!
Testemunha: e uma vez, já não moro com a minha mãe vai fazer 16 anos, eu já moro aqui na ... há alguns anos. Eu, eu não sei muito bem do, do caso, a única coisa que eu posso dizer é que eu uma vez fui ver os meus pais a ..., que eles moravam em ... e, e eu disse à minha mãe, a minha mãe ia à Advogada, e eu disse à minha mãe que eu ia com ela, e quando eu cheguei à Advogada, eu perguntei a essa Advogada pelo dinheiro da minha mãe, já que ela não tinha pago nada.
Porque disseram à minha mãe que o processo não estava (inaudível 00:04:55) porque essa Advogada não tinha pago o que devia ter pago. E eu perguntei a essa advogada o que, onde estava o dinheiro, o que fazia com o dinheiro da minha mãe, e ela responde-me o dinheiro é da sua mãe não é seu. Eu só vi a Advogada uma vez, eu só estive com a Advogada uma vez, se eu a vir na rua eu nem sei quem ela é, de certeza... Juíza: Ok...
Testemunha: Pronto!
XXII. Conforme resulta do depoimento da testemunha, a 1ª Ré com o valor do cheque na sua posse – aliás foi depositado na sua conta – comprometeu-se a pagar as indemnizações e juros de mora, entretanto vencidos.
XXIII.   Deste modo, tal facto (R) deve ser modificado para a matéria provada.
Facto T (não provado) - " Angustiado pela falta de informação, o A. pediu à sua mãe paras e dirigir diretamente à secretaria do Tribunal e deu instruções para que desse conhecimento à autoridade judicial de que o a quantia teria sido entregue à defensora, ora 1ª Ré, no caso de ainda não se encontrar depositada no Tribunal.”
XXIV.  A testemunha DD (minuto 00:11:33 a 00:11:49 do seu depoimento – Áudio – 10 – Dia 07.09.2023) referiu “Ele nem disse que estava pago nem nada, eu é que vim aqui ao Tribunal, de ... e aqui disseram-me que não tinham o processo e que estava em Guimarães. E eu fui a Guimarães, em Guimarães é que me disseram que ela não tinha pago dinheiro nenhum”.
XXV. Acresce que, por requerimento datado de 11/08/2014, a mãe do recorrente, deu conhecimento, à autoridade judiciária, que a quantia de 5.000€ tinha sido entregue à 1º Ré, conforme se afere do doc. ... junto com a Petição Inicial e como resulta do facto 48 dado como provado.
XXVI.  Nessa sequencia, a mãe do Recorrente fez saber à 1ª Ré que havia dirigido o requerimento ao Tribunal e questionou o motivo pelo qual o dinheiro da indemnização ainda não havia sido transferido, pedindo à Advogada que fizesse o depósito junto do Tribunal, conforme se extrai dos factos 52 e 53 dados como provados.
XXVII. Deste modo, o facto T da matéria não provada deve ser alterado para provado.
Facto OO (não provado) - " A 1.ª Ré possuía aptidão e capacidade para: i) consultar o processo em tempo de advertir o R. quanto ao cumprimento, também em tempo, das respetivas injunções; juntar procuração a tempo de ser notificada dos despachos que promoviam a revogação da suspensão.”
XXVIII. Conforme resulta do facto provado 1 a Ré exerce a profissão de Advogada, estando inscrita na Ordem dos Advogados com a cédula ....
XXIX. Resulta, ainda, do facto provado 19 que o recorrente, através de procuração forense outorgada em 23/04/2011, conferiu à 1ª Ré “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos e os especiais para os representar nos autos de acção crime que corre os seus termos sob o Proc. Nº 663/09..... ... Juízo Criminal de ..., podendo assistir a todas as diligências e actos processos, receber notificações, pagar ou receber custas, pagar indemnizações e multas etc. substabelecer”.
XXX. Assim sendo, possuía requisitos profissionais e estava mandatada, através de procuração com poderes especiais, para representar o Recorrente no âmbito dos presentes autos.
XXXI. Ademais, O Tribunal deu como provado o seguinte facto (facto 61 da matéria provada): “A 1.ª Ré podia e tinha aptidão para: i) juntar procuração forense aos autos; e ii) ser notificada e estar presente na diligência para audição do A. e demais diligências que se realizaram e dar conhecimento ao A.
XXXII. Acresce que, a procuração a favor da 1ª Ré, foi outorgada, pelo Recorrente, em 23/04/11 – facto 19 da matéria provada
XXXIII. A 08/09/2011 realizou-se a audição do arguido (aqui recorrente), conforme se extrai do facto 32 dado como provado.
XXXIV. Ou seja, a audição do arguido sucedeu mais de 4 meses após a 1ª Ré ter em seu poder a procuração outorgada pelo Recorrente.
XXXV. Neste espaço temporal a 1ª Ré não juntou aos Autos a respectiva procuração forense, como se infere do facto 34 dado como provado.
XXXVI. A procuração foi junta ao processo crime, pela Ré, apenas em 15/10/2015 –facto 55 e 56 dados como provados.
XXXVII. Ou seja, a procuração forense foi junta aos autos sensivelmente quatro anos e meio após ter sido outorgada pelo recorrente a favor da 1ª Ré.
XXXVIII. No requerimento subscrito pela 1ª Ré, datado de 15/10/2015, esta requereu que “em virtude da ausência do Autor, as notificações no âmbito do referido processo para o qual fora mandatada passassem a ser feitas através de si” – facto 55 da matéria provada.
XXXIX. Deste modo, somos a concluir que A 1.ª Ré podia e tinha aptidão para juntar procuração forense aos autos; ser notificada e estar presente na diligência para audição do A. e demais diligências que se realizaram e dar conhecimento ao Autor.
XL. Deste modo, o facto OO da matéria não provada deve ser alterado para provado.
XLI. Toda a prova carreada nos autos ou que tenha sido produzida em audiência de julgamento em que se possa basear o Tribunal recorrido para dar como não provado os factos D, F, M, R, Te OO, mal andou o Tribunal em considerá-los como tal.
XLII. Nessa conformidade, esse Venerando Tribunal deve revogar a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” dar os factos constantes nos pontos D, F, M, R, T e OO como provados.
XLIII. Posto isto, tal matéria dada como não provada deverá ser alterada para PROVADA e as Rés serem, solidariamente, condenadas ao pagamento da quantia peticionada pelo Autor, aqui Recorrente.
II - Da manutenção dos factos dados como provados na sentença e da sua subsunção ao direito:
XLIV.   A não proceder ao pedido de alteração da matéria de facto descrita no capítulo anterior, sempre diremos que, com a matéria de facto dada como provada deveria - ou deverá - sempre a decisão ser revogada por outra que condene as Rés nos pedidos formulados pelo Autor.
XLV. O Tribunal fundamentou a sua decisão, de entre o mais, com o seguinte a saber, conforme se extrai do capítulo “II.B. Do Direito”: …”É certo que os atos subsequentes que não foram praticados, como a de não ser notificada e de representar o Autor na audição de condenado de 08.09.2011 e a de ser notificada e dar conhecimento ao Autor do despacho revogatório da suspensão da pena de 04.10.2011 para que pudesse reagir (eventualmente), estão demonstrados que aconteceram e já se enquadravam no âmbito de um mandato jurídico e da procuração forense passada a favor da 1ª Ré. Todavia, ao tempo, está demonstrado que a 1.ª Ré já tinha dado por terminada a prestação dos seus serviços ao Autor, face à sua não colaboração, logo, não tinha “como” nem “porque” ser notificada e representar o Autor nesses autos. No caso dos autos, é de concluir que o contrato em apreço não foi culposamente incumprido pela 1.ª Ré (cf. art.º 799.º do CC), por não se encontrar demonstrada a violação ainda que por negligência das legis artis por esta, passível de se considerar preenchidos os requisitos da ilicitude e da culpa exigidos pela responsabilidade civil.”- negrito e sublinhado nosso.
XLVI.   Ora, salvo o devido respeito – que é muito – não pode o Recorrente concordar com a fundamentação do Tribunal “a quo”.
XLVII. Ao tempo audição de condenado, de 08.09.2011, e do despacho revogatório da suspensão da pena, de 04.10.2011, a Ré não tinha dado por terminada a prestação de Serviços ao Autor/recorrente, conforme infra se demonstrará.
XLVIII. Para tanto, importa trazer à colação alguns factos dados como provados pelo Tribunal “a quo”; bem como, a sua contextualização temporal:
• A 1ª Ré recebeu o Autor no seu escritório no dia 23 de Abril de 2011 – factos 13 e 14 da matéria provada.
• Nesse mesmo dia foi elaborada procuração forense, a favor da1ª Ré, datada de 23 de Abril de 2011 (negrito e sublinhado nosso).
• A partir de tal data, a 1ª Ré ficou mandatada para representa o Autor no âmbito do processo 663/09.....
• A procuração forense continha os seguintes dizeres “[o Autor confere à 1.ª Ré] “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos e os especiais para os representar nos autos de acção crime que corre os seus termos sob o Proc. nº 663/09...., ... Juízo Criminal de ..., podendo assistir a todas as diligências e actos processuais, receber notificações, pagar ou receber custas, pagar indemnizações e multas etc. subestabelecer”. – facto 19 da matéria provada - negrito e sublinhado nosso.
• “A 08.09.2011, realizou-se naqueles autos de processo crime a diligência de audição do Arguido, aqui A, por incumprimento das condições a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena, à qual não compareceu o aqui Autor”. – facto provado 32 - negrito e sublinhado nosso.
• “À data da sobredita diligência, nesses autos de processo crime, a 1ª Ré não havia procedido à junção da procuração que lhe havia sido entregue”. – facto provado 34.
• “A 14.09.2011, o MP manteve a promoção de revogação da suspensão da execução da pena de prisão”. – facto provado 35 - negrito e sublinhado nosso.
• “E, em 04.10.2011, o Tribunal proferiu decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão do aí Arguido e ora A…” – facto provado 36 –negrito e sublinhado nosso.
• “A mãe do Autor entregou à 1.ª Ré um cheque datado de 27.03.2012 no valor de € 5.000 (cinco mil euros), valor esse estimado por esta para a liquidação das obrigações do A. quanto a custas e aos ofendidos”. - facto provado 41- negrito e sublinhado nosso.
• “A 15.10.2015, a 1.ª Ré deu entrada de um requerimento no sobredito processo crime, requerendo, em nome do Autor, autorização para depositar aquela quantia de €2250 à ordem do Tribunal, para que os ofendidos levantassem as respetivas quantias assim que entendessem, que esse depósito fosse efetuado através da própria, enquanto defensora, justificando que em virtude daquela condenação, o R. tivera de se ausentar do país para obter melhores rendimentos que lhe permitissem assegurar o pagamento daquela indemnização e ao mesmo tempo prover o sustento do seu filho menor, e que, em virtude da ausência do Autor, as notificações no âmbito do referido processo para o qual fora mandatada passassem a ser feitas através de si. – facto provado 55 -negrito e sublinhado nosso.
XLIX. Dos factos supra mencionados resulta que ao tempo audição de condenado, de 08.09.2011, e do despacho revogatório da suspensão da pena, de 04.10.2011, a Ré não tinha dado por terminada a prestação de Serviços ao Autor.
L. Após a audição do condenado e do despacho de revogação da suspensão da pena, a 1ª Ré, recebeu da mãe um cheque datado de 27.03.2012, no valor de € 5.000 (cinco mil euros), valor esse estimado por esta para a liquidação das obrigações do Autor (aqui Recorrente).
LI. Igualmente após a audição do condenado e do despacho de revogação da suspensão da pena, em  15.10.2015, a 1.ª Ré deu entrada de um requerimento no sobredito processo crime, requerendo, em nome do Autor, autorização para depositar aquela quantia de €2250 à ordem do Tribunal, para que os ofendidos levantassem as respetivas quantias assim que entendessem, que esse depósito fosse efetuado através da própria, enquanto defensora, justificando que em virtude daquela condenação, o R. tivera de se ausentar do país para obter melhores rendimentos que lhe permitissem assegurar o pagamento daquela indemnização e ao mesmo tempo prover o sustento do seu filho menor, e que, em virtude da ausência do Autor, as notificações no âmbito do referido processo para o qual fora mandatada passassem a ser feitas através de si.
LII. Deste modo, somos a concluir que a 1ª Ré, desde o momento em que foi outorgada a procuração forense, em 23/04/2011, pelo menos, até ../../2015 (data em que fez requerimento ao processo e juntou a referida procuração forense), prestou, ininterruptamente, os seus serviços ao Autor/Recorrente.
LIII. Caso assim não fosse, a 1ª Ré, em 15/10/2015, não juntaria aos autos uma procuração que lhe foi outorgada em 23/04/2011.
LIV. A própria 1ª Ré, na audiência de julgamento admite ter elaborado o requerimento supra mencionado: (minuto 00:41:41 a 00:42:08 do Áudio – 5 – Dia 07.09.2023) Juíza: Eu tinha percebido que fez o requerimento...
1ª Ré/Interveniente Acidental: Eu fiz um requerimento... Juíza:Mas nunca lá meteu o dinheiro no processo?
1ª Ré/Interveniente Acidental: Não, eu fiz um requerimento ao processo... Juíza:A dizer...
1ª Ré/Interveniente Acidental: A dizer que pretendia proceder ao depósito da quantia... Juíza: Mas não fez o depósito?
1ª Ré/Interveniente Acidental: Não, porque o houve logo um despacho judicial a dizer que poderia proceder ao depósito mas que...
LV. Assim sendo, os actos que não foram praticados, como a de não ser notificada e de representar o Autor na audição de condenado de 08.09.2011 e a de ser notificada e dar conhecimento ao Autor do despacho revogatório da suspensão da pena de 04.10.2011 para que pudesse reagir (eventualmente), estão demonstrados que já se enquadravam no âmbito de um mandato jurídico e da procuração forense passada a favor da 1ª Ré.
LVI. Saliente-se que, o Recorrente conferiu à 1ª Ré “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos e os especiais para os representar nos autos de acção crime que corre os seus termos sob o Proc. Nº 663/09..... ... Juízo Criminal de ..., podendo assistir a todas as diligências e actos processos, receber notificações, pagar ou receber custas, pagar indemnizações e multas etc. substabelecer “ – facto provado 19.
LVII. Razão pela qual, a 1ª Ré estava devidamente mandatada para participar na audição do condenado e sindicar o despacho de revogação da suspensão da pena, o que não sucedeu.
LVIII. Assim, é de concluir que o contrato em apreço foi culposamente incumprido pela 1.ª Ré (cf. art.º 799.º do CC), por se encontrar demonstrada a violação das “legis artis” por esta, passível de se considerar preenchidos os requisitos da ilicitude e da culpa exigidos pela responsabilidade civil.
LIX. A propósito da referida violação das “legis artis”, por banda da Ré, refira-se, conforme supra alegamos, que a procuração a favor da 1ª Ré, foi outorgada, pelo Recorrente, em 23/04/11 – facto 19 da matéria provada.
LX. A 08/09/2011 realizou-se a audição do arguido (aqui Recorrente), conforme se extrai do facto 32 dado como provado.
LXI. Ou seja, a audição do arguido sucedeu mais de 4 meses após a 1ª Ré ter em seu poder a procuração outorgada pelo Recorrente.
LXII. Neste espaço temporal a 1ª Ré não juntou aos Autos a respectiva procuração forense, como se infere do facto 34 dado como provado.
LXIII.   A procuração foi junta ao processo crime, pela Ré, apenas em 15/10/2015 –facto 55 e 56 dados como provados.
LXIV. Ou seja, a procuração forense foi junta aos autos, sensivelmente, quatro anos e meio após ter sido outorgada pelo recorrente a favor da 1ª Ré.
LXV. Durante o hiato de tempo supra descrito, a Ré alheou-se das obrigações a que contratualmente estava obrigada para com o Recorrente.
LXVI.   A este propósito não podemos ignorar as declarações da Ré na audiência de Julgamento em que a própria refere ter “andado a empatar”., conforme se afere da transcrição infra:
1ª Ré/Interveniente Acidental: Porque eu empatei, entre aspas, eu andei ali a empatar durante um ano, até à promoção. Porque a Reinserção Social também não comunicava ao Tribunal - (minuto 00:19:21 a 00:20:11 do Áudio – 5 – Dia 07.09.2023)
LXVII. E, ainda, as declarações da 1ª Ré supra transcritas, na qual esta refere: “E, e é assim no meio disto, obviamente que se eu não tenho dinheiro, e não vou fazer recurso, eu não vou juntar procuração, que não faz sentido nenhum”.
LXVIII. Ao decidir como decidiu violou o Tribunal “a quo” o disposto nos artigos 798º, 799º, 1157º e ss. do Código Civil.
LXIX. Assim, a sentença recorrida deve ser revogada por Acórdão que, no respeito do ónus da prova, e com base, na matéria factual dada como provada nos autos, condene as Rés, solidariamente, nos pedidos ormulados pelo Autor, decretando-se a procedência da ação.
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Foram apresentadas contra-alegações defendendo a 2ª ré e a interveniente a improcedência do recurso e a manutenção do decidido.
A ré EMP01... SA requereu a título subsidiário a ampliação do âmbito do recurso, nos termos previstos no artigo 636.º, n.º 1 do CPC, para o que requer seja apreciada e julgada procedente a aplicabilidade das cláusulas 4.ª e 7.ª das condições especiais das da apólice de seguro, por a mesma ser consentânea com a letra da lei, e bem assim perante os factos dados como provados nos autos, absolvendo-se a Recorrida de todos os pedidos formulados pelo Autor.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

As questões decidendas a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, consiste em saber se deve ser alterada a matéria de facto, se a ré advogada praticou ato ilícito, e se o autor logrou demonstrar o dano consistente e sério da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.1.1. Factos Provados
Elencam-se os factos considerados provados pela primeira instância e também se incluem, em itálico, aqueles que resultaram da alteração decorrente da impugnação da matéria de facto:
1. A Ré exerce a profissão de Advogada, estando inscrita na Ordem dos Advogados com a cédula ....
2. O ora Autor foi e é arguido no processo criminal com o nº 663/09...., que correu termos no ... no ... Juízo Criminal, entretanto extinto, passando a correr termos no, agora, Juízo Central Criminal de Guimarães - Juiz ....
3. No âmbito do referido processo, o A. foi acusado pela prática, em co-autoria material e concurso real, de um crime de roubo e de um crime de sequestro e, em autoria singular, de um crime de ofensa à integridade física qualificada e de um crime de injúria.
4. E condenado, por sentença datada de 02.07.2010, pela prática de tais crimes na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, «condicionada esta à sujeição do autor ao regime de prova e aos deveres que resultarem do mesmo e do plano a elaborar e, ainda, à entrega ao ofendido CC de outros 1.000,00€ no prazo de 04 meses (a contar do trânsito desta decisão) e, bem assim, do pagamento de indemnização deferida à ofendida II, esta no prazo de 02 meses a contar do trânsito desta decisão.», «condenar o arguido AA no pagamento de 4UC´s de taxa de justiça e em 50% dos encargos do processo» e «condenar o demandado AA, no pagamento à demandante II de indemnização por danos morais no valor de € 1.250,00, acrescida de juros e mora, à taxa legal acima referida, desde hoje e até integral pagamento.»
5. Esta decisão transitou em julgado a 22.07.2010.
6. À data, o Autor beneficiava de proteção jurídica, na modalidade de nomeação e pagamento de defensor e dispensa de taxa de justiça, pelo que ficou dispensado do pagamento da taxa de justiça e demais encargos.
7. Nesse processo crime, a 24.01.2011 o Ministério Público promoveu a notificação do aí arguido (aqui Autor) para comprovar o cumprimento das condições a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão, o que foi deferido judicialmente.
8. Não se conseguiu a notificação do aí arguido, alegadamente por estar em parte incerta de ..., conforme informara a GNR.
9. A 17.02.2011, o MP promoveu a elaboração do plano de reinserção social ao aí arguido, aqui Autor.
10. A 29.03.2011, a DGRS informou esses autos de processo crime não ser possível a elaboração do plano porque o arguido não comparecera à entrevista agendada para 22.03.2011, a mãe do arguido, contactada, informara que ele estava ausente em parte que desconhecia desde ../../2010 e o arguido, após ter contatado a DGRS, se recusara a prestar as informações necessárias, sobre a sua localização e trabalho, o que inviabilizou a elaboração do plano.
11. A 30.03.2011, nesse processo crime, o MP promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, por incumprimento das condições.
12. A Defensora nomeada ao arguido foi notificada a 11.04.2011 para se pronunciar quanto ao promovido pelo MP, nada tendo dito ou requerido.
13. Entretanto, a Ré, na qualidade de advogada, foi abordada por familiares/amigos do Autor que, em aflição, lhe solicitaram que esta recebesse o Autor no dia 23 de Abril de 2011.
14. O que fez, deslocando-se de propósito ao seu escritório, já que era sábado de Aleluia (sábado de Páscoa).
15. Nessa data, conheceu o Autor e este, achando-se injustiçado mas ciente da sua responsabilidade penal, expôs-lhe que tinha sido julgado como co-arguido num processo crime que corria termos no Tribunal Judicial Criminal de ..., que fora condenado ele e o co-arguido JJ a uma pena de prisão substituída por “multas e indemnizações” a dois ofendidos, de nomes CC e II.
16. O Autor trazia consigo uma notificação do Tribunal onde estava identificado o Processo (Proc. 663/09....- ... Juízo Criminal Colectivo) e indicou como sendo sua Defensora a Drª FF.
17. O A. deu conhecimento, ainda, à R. de que estava fora do país e disponibilizou ainda o contacto da sua mãe, DD, a fim de facilitar o contacto, enquanto o A. estivesse fora do país.
18. Face ao relato do Autor, à sua forte decisão de voltar para o estrangeiro no fim do dia seguinte e sem poder consultar os autos, a Ré sem saber da data em que foi proferido o Acórdão nos autos em que era arguido, acordou com o Autor em consultar o processo, apurar se estava em curso o prazo de recurso e, caso aquele se tivesse esgotado, apurar dos deveres processuais e respectivos prazos impostos pelo dito Acórdão.
19. Para tanto, foi elaborada a procuração forense com data de 23.04.2011 e com os seguintes dizeres: [o Autor confere à 1.ª Ré] “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos e os especiais para os representar nos autos de acção crime que corre os seus termos sob o Proc. nº 663/09...., ... Juízo Criminal de ..., podendo assistir a todas as diligências e actos processuais, receber notificações, pagar ou receber custas, pagar indemnizações e multas etc. subestabelecer”.
19.A- A partir da outorga daquele documento, o Autor, considerou-se pela Ré representado em todos os atos e termos que ao processo nº 663/09.... diziam respeito.
20. A partir da outorga daquele documento, o Autor ficou convicto de que todos os esforços seriam encetados pela R. para defender os seus interesses.
21. Após o dia da outorga da procuração, o Autor não teve mais nenhum contacto presencial com a Ré, tendo-a contactado por telefone umas semanas depois.
22. Após o encontro, a Ré procurou consultar e consultou o processo no Tribunal.
23. Da consulta do mesmo a Ré percebeu que i) o Acórdão condenatório datava de 02/07/2010 e ii) que o Autor, ali arguido, tinha estado presente na leitura do mesmo e que tinha ficado ciente do seu conteúdo, porque lhe foi explicado.
24. A 1.ª Ré constatou também ter decorrido i) o prazo para a interposição de recurso do Acórdão; ii) o prazo para cumprimento das obrigações de pagamento ao ofendido CC (de 4 meses) e à ofendida II (de 2 meses); e iii) que o MP já havia promovido a revogação da suspensão da execução da pena.
25. Assim e no contacto telefónico supra referido, a Ré esclareceu o Autor nesse sentido, bem como que se tinha que apresentar aos Serviços de Reinserção Social para se sujeitar ao regime de prova ainda não elaborado, liquidar as quantias indemnizatórias aos ofendidos e liquidar os encargos judiciais a que estava obrigado.
26. Foi-lhe informado, ainda, que tais condições tinham que ser cumpridas simultaneamente.
27. O Autor respondeu que estava fora de questão regressar a Portugal,
28. E que não tinha dinheiro para pagar as indemnizações aos ofendidos pois ainda não estava a trabalhar.
29. A 1.ª Ré, na qualidade de advogada, advertiu-o de que poderia ser emitido um mandado de captura, caso lhe fosse revogada a suspensão da pena de prisão proposta pelo MP, e que mais nenhuma intervenção poderia fazer no processo, dada a não colaboração do Autor.
30. Entretanto, a 20.06.2011, no id. processo crime foi marcada a audição presencial do aí arguido para o dia 08.09.2011, para que pudesse se explicar quanto ao incumprimento das condições.
31. Não se logrou notificar pessoalmente o Autor, aí arguido, por ausente em parte incerta de ..., segundo aí informara a GNR.
32. A 08.09.2011, realizou-se naqueles autos de processo crime a diligência de audição do Arguido, aqui A, por incumprimento das condições a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena, à qual não compareceu o aqui Autor.
33. Por notificada, foi a Sra. Dra. FF a Il. Defensora presente na diligência, nada tendo dito ou requerido.
34. À data da sobredita diligência, nesses autos de processo crime, a 1ª Ré não havia procedido à junção da procuração que lhe havia sido entregue.
35. A 14.09.2011, o MP manteve a promoção de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
35-A. A 1.ª Ré possuía aptidão e capacidade para juntar procuração a tempo de ser notificada dos despachos que promoviam a revogação da suspensão.
36. E, em 04.10.2011, o Tribunal proferiu decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão do aí Arguido e ora A, onde se fez constar que «“… o arguido AA nunca colaborou com a DGRS, com vista à elaboração de um plano de reinserção social, conforme determinado, tendo inclusive se recusado a informar àquela entidade sobre o país onde se encontra emigrado e o tipo de trabalho ou vida que leva a cabo. Também não fez prova de que já cumpriu com a obrigação de pagar uma indemnização ao ofendido CC. O arguido, decorrido mais de um ano sobre o trânsito em julgado da decisão condenatória, quanto a si, não envidou esforços alguns por forma a cumprir as obrigações a que ficou sujeito e constante da decisão proferida nos autos.”
37. Desta decisão foi notificada a Il. Defensora oficiosa, Dra FF, que da mesma não reagiu.
38. O aqui Autor aí arguido foi notificado via postal da decisão revogatória e para a morada conhecida desses autos.
39. A 01.03.2012 foi ordenada a emissão de mandados de detenção contra o aqui Autor, aí arguido, para cumprimento da pena de prisão.
40. A mãe do Autor dirigiu-se ao escritório da 1.ª Ré e esta informou desconhecer a situação do processo daquele momento, mas que iria contactar os Colegas intervenientes no processo para verificar da disponibilidade de proceder ao pagamento das indemnizações e contactar o Instituto de Reinserção Social de ..., o que fez.
41. A mãe do Autor entregou à 1.ª Ré um cheque datado de 27.03.2012 no valor de € 5.000 (cinco mil euros), valor esse estimado por esta para a liquidação das obrigações do A. quanto a custas e aos ofendidos.
41-A. Com o valor do cheque na sua posse, a Ré comprometeu-se a diligenciar pelo pagamento das indemnizações e juros de mora, entretanto, vencidos.
42. Porém, não foi possível entregar as indemnizações aos ofendidos, porque, apesar das tentativas, não se logrou encontrar o paradeiro do ofendido CC e a ofendida II, apesar de encontrada mais tarde e de forma informal, recusou-se a receber sem ser ouvido o seu Mandatário.
43. E disso foi dado conhecimento à mãe do Autor, que não se conformou com tal situação.
44. Até então, a 1.ª Ré não apresentou requerimentos, articulados ou recurso do despacho que determinou a revogação da suspensão da pena.
45. A mãe do A., a Sra. DD, foi quem procurou renuir com a Ré, para tomar conhecimento do estado dos autos, deslocando-se ao escritório da Ré, sito em ..., umas vezes sozinha e outras, acompanhada da filha FF, irmã do A, sendo que, em certas ocasiões, DD acabava por não conseguir chegar à fala com a Ré, ou porque esta não tinha disponibilidade ou por simplesmente se recusar a receber a mãe do Autor.
46. No Verão de 2014, a GNR continuava nas tentativas de localizar o Autor junto da sua antiga residência e dos seus familiares.
47. Por essa altura, a mãe do Autor deslocou-se ao tribunal e verificou que a quantia do cheque não constava como entregue pelos Ofendidos nem transferida à ordem do tribunal.
48. Nesse seguimento, a 11.08.2014, a mãe do Autor dirigiu ao processo crime requerimento onde informou que entregou € 5.000,00 à 1.ª Ré «a fim de liquidar a multa e custas em que o seu filho foi condenado, uma vez que o mesmo está a viver no ....», anexou «cópia do depósito efetuado» e «Consigna ainda a requerente que entregou procuração forense passada pelo seu filho, à Exma Sra Dra BB.»
49. Em setembro de 2014, foi determinada a emissão de Mandados de Detenção Europeu.
50. Não se logrou a notificação por contacto pessoal do Autor do despacho que determinou a emissão dos MDE, por se desconhecer o seu paradeiro.
51. Em setembro de 2014, em data que não pode o A. precisar, a sua mãe reuniu com a 1.ª Ré.
52. A mãe do Autor fez saber a 1ª Ré que havia dirigido o requerimento ao Tribunal e questionou a R. o motivo pelo qual o dinheiro da indemnização ainda não havia sido transferido.
53. Por fim, a mãe do A. pediu à 1.ª Ré que depositasse junto do Tribunal os valores das indemnizações.
54. A 07.10.2015 fez-se a emissão do mandato de detenção europeu.
55. A 15.10.2015, a 1.ª Ré deu entrada de um requerimento no sobredito processo crime, requerendo, em nome do Autor, autorização para depositar aquela quantia de €2250 à ordem do Tribunal, para que os ofendidos levantassem as respetivas quantias assim que entendessem, que esse depósito fosse efetuado através da própria, enquanto defensora, justificando que em virtude daquela condenação, o R. tivera de se ausentar do país para obter melhores rendimentos que lhe permitissem assegurar o pagamento daquela indemnização e ao mesmo tempo prover o sustento do seu filho menor, e que, em virtude da ausência do Autor, as notificações no âmbito do referido processo para o qual fora mandatada passassem a ser feitas através de si.
56. Com este requerimento, a 1.ª Ré juntou a procuração forense outorgada pelo A. a seu favor.
57. Este requerimento mereceu o seguinte despacho, datado de 22.10.2015 «Sem prejuízo da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada a AA proferida a fls. 349, ter transitado em julgado e o condenado não poder ver alterada essa decisão com o depósito das quantias à ordem dos presentes autos, nada obsta ao depósito das mencionadas quantias, devendo informar-se em conformidade.»
58. A 1.ª Ré foi notificada do despacho, não reagiu ao despacho nem efetuou nenhum depósito.
59. E a 15.02.2016, o Autor, arguido nesse processo crime, foi declarado contumaz.
60. O A. foi encontrado e detido em ..., tendo ficado em reclusão desde ../../2018 até ../../2021.
61. A 1.ª Ré podia e tinha aptidão para: i) juntar procuração forense aos autos; e ii) ser notificada e estar presente na diligência para audição do A. e demais diligências que se realizaram e dar conhecimento ao A.
62. O Autor saiu do país sem avisar os autos e sem se apresentar junto da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRS), estando capaz e podendo tê-lo feito.
63. Apesar de dizer-se desempregado e em Portugal até fevereiro, altura em que diz ter emigrado, o Autor não se dirigiu, estando capaz, aos serviços da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais ( DGRS) para elaborar o Plano de Regime de Prova e dessa forma saber dos seus deveres, tendo ai uma oportunidade de “contar a situação de desemprego em que se encontrava”.
64. A entrega de € 3.250,00 e de € 1.750,00 foi consensual.
65. A 1.ª Ré imputou € 1.750,00 ao vencimento de honorários.
66. A partir de 2013, o Autor trabalhou na empresa EMP03..., com sede em 12 avenue ..., ..., exercendo as funções de motorista de ligeiros e de pesados.
67. Ao tempo da sua detenção, o Autor auferia rendimento médio mensal líquido de 1500€.
68. O Autor, mulher e filho ainda menor viviam em casa arrendada, pela qual pagavam € 593,00.
69. A mulher e filho do A. continuaram a residir em ....
70. Enquanto cumpriu pena (2 anos, 2 meses e 13 dias), o A. deixou de auferir qualquer tipo de rendimento.
71. A 22.01.2021, o Autor beneficiou de liberdade condicional e foi restituído à liberdade.
72. Devido à sua reclusão, o Autor sofreu com o estar impedido de usufruir da relação conjugal e dos seus amigos e demais familiares.
73. À data da atuação da 1.ª Ré, estava em vigor um seguro de responsabilidade civil, celebrado entre a Ordem dos Advogados e a 2.ª Ré, que visava assegurar a responsabilidade civil decorrente da atividade profissional de advogado, titulado pela apólice de seguro ....
74. O id. seguro teve início em 01.01.2014, foi sendo renovado e cessou vigência a 31.12.2017, face à não renovação do contrato.
75. Por esse contrato, a 2.ª Ré (Seguradora) assumiu, perante a Ordem dos Advogados (Tomador de Seguro), nos termos expressamente definidos nas condições particulares do contrato e não excluídos, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia, conforme regulado no estatuto da Ordem dos Advogados, desenvolvida pelos seus Segurados (advogados com inscrição em vigor) e até ao limite de capital definido, o eventual pagamento de indemnizações “pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados” – cfr. artigo 2.º, n.º 1 das condições especiais do contrato.
76. Ora, nos termos acordados na cláusula 4.ª das Condições Especiais da id. apólice, sob a epígrafe “Delimitação Temporal”,  «É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice: a) Contra o segurado e notificadas ao segurador; b) Contra o segurador em exercício de ação direta; c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto (…)».
77. E, nos termos previstos na cláusula 7.ª das condições especiais da id. apólice, sob a epígrafe “Âmbito Temporal”,  «O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroatividade.» e «Pelo contrário, uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato, sem prejuízo sempre de norma ou princípio mais favoráveis da legislação portuguesa reguladora do contrato de seguro e da atividade seguradora».
78. Este contrato de seguro prevê a aplicação de uma franquia contratual, a cargo dos segurados, no montante de € 5.000,00 por sinistro.
79. Os presentes factos foram reclamados à 2.ª Ré com a presente ação e a sua citação para a presente ação, em 05.03.2021.
80. Entre a EMP02... Company SE e a OA foi celebrado contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo da responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º ..., com início às 0:00 do dia 01.01.2021 e termo às 0:00 do dia 01.01.2022.
81. Através do referido contrato, a Interveniente segurou a «Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de 150.000,00 € por sinistro (…).», entre outros riscos (primeiro do 6. A).
82. «Mediante o pagamento do prémio, e sujeito aos termos e condições da apólice, a presente apólice tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido (a) pelo segurado (…) no desempenho da atividade profissional (…).» (art.º 2.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”).
83. Através do contrato de seguro contratado junto da Interveniente foi, ainda, acordada a franquia de € 5.000,00 por sinistro (ponto 9 das “Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil”).
84. Nos demais termos acordados, «Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:  a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…)» (art.º 3.º, alínea a) da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”).
85. A 1.ª ré teve conhecimento e consciência de que a sua conduta, no exercício do patrocínio do autor, poderia dar origem a uma “Reclamação” e possível responsabilização profissional antes do dia 01.01.2021.
86. A 1.ª Ré participou o evento à Interveniente a 11.05.2021.
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3.1.2. Factos Não provados

Foram considerados como não provados os seguintes factos (com a menção a itálico dos excluídos em virtude da impugnação da matéria de facto):
A. Pouco depois da data da condenação, o A. ficou desempregado e sem quaisquer meios de subsistência.
B. Encontrou na emigração uma solução para acorrer aos encargos da vida familiar, bem como para saldar a dívida que tinha para com a sua mãe, por conta da quantia que lhe havia emprestado.
C. O Autor emigrou para ... junto com a sua Esposa e filho menor, em fevereiro de 2011.
D. O Autor contactou com a 1.ª Ré antes de partir para ..., para que esta o patrocinasse.
E. O A. inteirou a 1ª Ré das medidas de coação que lhe foram aplicadas e disponibilizou todos os seus contactos.
F. A partir da outorga daquele documento, o Autor, considerou-se pela Ré representado em todos os atos e termos que ao processo nº 663/09.... diziam respeito. Excluído
G. O A. não voltou a ter contacto com a Dra. FF.
H. E não mais o A. recebeu diretamente, através da Ré, ou da sua mãe, qualquer notificação relativa aquele processo.
I. Ainda que ausente de Portugal, o Autor não se olvidou das obrigações que lhe foram impostas pelo Tribunal.
J. Apesar da sua frágil situação económica, à altura, o Autor manifestou vontade de proceder ao pagamento das quantias condenadas, junto dos ofendidos.
K. O Autor desde sempre colaborou com os serviços da Direção Geral de Reinserção Social, mostrando-se disponível para o cumprimento do regime de prova.
L. Nunca, por qualquer forma, o A. foi notificado por aqueles serviços para dar cumprimento àquela medida concretamente ordenada.
M. Na data da audição de condenado, a 08.09.2011, a 1.ª Ré já era frequentemente contactada pela mãe e pela irmã do Autor.
N. Após perceber da presença da GNR na sua área de residência, de imediato a Sra. DD entrou em contacto com a Ré, a fim de entender o propósito daquelas diligências.
O. A 1ª Ré mostrou-se surpreendida e procurou averiguar junto do Tribunal a motivação daquelas diligências.
87. Apesar da insistência da Sra. DD, a Ré não logrou oferecer qualquer esclarecimento sobre a razão pela qual a GNR tentaria localizar o A.
P. Sabe agora o A. que a GNR tentava cumprir o despacho proferido por aquele Tribunal de 01/03/2012, onde foi emitido mandado de detenção contra o A., para cumprimento da pena de prisão.
Q. O A. reuniu a quantia para pagamento das indemnizações e pediu à mãe que passasse o cheque à ordem da Ré, conforme esta tinha solicitado.
R. Com o valor do cheque na sua posse, a Ré comprometeu-se a pagar essas indemnizações e juros de mora, entretanto, vencidos. Excluído
S. Depois de tentativas de contacto com a 1.ªR., quer por via telefónica, quer presencialmente através da mãe, o A. não conseguiu obter qualquer esclarecimento por parte da Ré.
T. Angustiado pela falta de informação, o A. pediu à sua mãe para se dirigir diretamente à secretaria do Tribunal e deu instruções para que desse conhecimento à autoridade judicial de que o a quantia teria sido entregue à defensora, ora 1ª Ré, no caso de ainda não se encontrar depositada no Tribunal.
U. O requerimento de 11.08.2014 não mereceu qualquer resposta por parte do douto Tribunal. 
V. Nesse momento, o A. soube, através da secretaria do tribunal, que as forças de segurança diligenciavam pelo cumprimento do mandado de detenção europeu, motivo pelo qual o tentavam localizar.
W. A 1ª Ré apossou-se daquela quantia e sem pejo!
X. Em consequência da atuação da 1ª R. o A. não pôde dar cumprimento, em tempo útil, às condições de suspensão da pena de prisão.
Y. E as diligências de detenção contra o A., naturalmente, prosseguiram.
Z. A conduta omissiva da 1.ª R. ocorreram à revelia do A. e sem o seu conhecimento ou autorização.
AA. O A. nunca desistiu de tentar entrar em contacto com a R., para que esta lhe          esclarecesse qual o estado dos autos e o trabalho levado a cabo pela R., até aquele   momento, o que nunca obteve.
BB. Em setembro de 2014, a 1.ª R. alegou não ter feito o depósito da quantia titulada no cheque, por esta não era suficiente em virtude dos juros de mora, entretanto, vencidos e de que necessitaria de mais dinheiro para fazer face a este encargo.
CC. A 1.ª Ré garantiu que uma vez cumprido aquele último dever de depósito da quantia para a indemnização, todos os deveres do A. enquanto Arguido naquele processo criminal estariam cumpridos.
DD. Mais garantiu a Ré, que a pena de prisão condenada continuaria suspensa pelo tempo da execução e nada obstaria a que o A. continuasse a viver em ....
EE. O Autor não teve conhecimento do requerimento subscrito pela Ré a 15.10.2015, nem acesso ao correspetivo despacho que não se opôs ao depósito das quantias à ordem dos autos.
FF. A Ré não prestou as informações pedidas pelo Autor sobre o estado dos autos.
GG. Não informou o autor sobre os atos de execução do mandato levados a cabo.
HH. Quando a mãe do A. conseguia, após muita persistência, obter consulta com  a 1ª Ré, esta adiantava muito poucos detalhes do processo, nunca chegando a esclarecer exatamente em que a circunstâncias concretas se encontrariam os autos àquela data, e/ou quais os ulteriores termos que se seguiriam.
II. Contudo, sempre garantiu à Sra. DD que, em tudo quanto lhe cabia, enquanto defensora do A., seu filho, a sua posição estava assegurada e que este poderia continuar a trabalhar em ..., não existindo motivos para se preocuparem.
JJ. Por sua vez, a mãe do A. transmitia-lhe o que a R. então lhe dizia.
KK. O A. sempre assumiu como verdadeiras todas as declarações da Ré.
LL. O Autor nunca perdeu a convicção de que os trâmites do processo estavam a correr             conforme esperado.
MM. O Autor não soube do despacho que determinou a emissão dos MDE.
NN. O Autor não soube do despacho da sua declaração de contumácia.
OO. A 1.ª Ré possuía aptidão e capacidade para: i) consultar o processo em tempo de advertir o R. quanto ao cumprimento, também em tempo, das respetivas injunções; juntar procuração a tempo de ser notificada dos despachos que promoviam a revogação da suspensão – Parte excluída.
PP. O Autor era considerado um trabalhador empenhado, responsável, sendo  respeitado pelos pares e pelo seu empregador.
QQ. O rendimento do A. constituía o único meio de seu sustento e do seu agregado familiar.
RR. Por conta da reclusão do Autor, o seu agregado familiar revê de se socorrer da ajuda de amigos para fazer face às despesas com o filho menor e da renda da casa,
SS. O que muito angustiou o Autor.
TT. O Autor temeu pelo próprio casamento e perda da sua esposa, por não poder com ela conviver e ter trato carnal.
UU. Por conta do sofrimento causado pela reclusão, o Autor não dormia, tinha pesadelos constantes, necessitava de medicação constante, andava sempre nervoso, com vontade de bater constantemente com a cabeça nas paredes.
VV. Devidos às dificuldades financeiras, foram raríssimas as vezes em que mulher e filho foram capazes de viajar desde ... para visitar o Autor.
WW. Em virtude do distanciamento, o A. padece de um desmedido desgosto por não poder acompanhar o crescimento do seu filho.
XX. Por motivos financeiros, não foi com frequência que recebeu a visita da sua restante família e amigos.
YY. O que o fez tornar-se numa pessoa triste, de constantes maus humores, desconfiado e temeroso.
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3.2. O Direito

Da impugnação da matéria de facto
Existem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, os quais, se não observados conduzem à sua rejeição.
Assim, o artigo 640.º, CPC impõe ao recorrente o ónus de:
a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Impõe-se que nas conclusões o recorrente indique concretamente os pontos da matéria de facto que impugna e o que entende que deve ser assente, apresentando a sua pretensão de forma inequívoca, de forma a que se possa, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação da alteração da matéria de facto, e saber claramente em que sentido pretende que a matéria de facto provada seja alterada.
No caso, considera o recorrente que foram incorretamente julgados os factos constantes das alíneas D, F, M, R, T e OO do elenco dos factos não provados, os quais, em seu entender, deveriam ser dados como provados.
Os factos têm a seguinte redação:
D. O Autor contactou com a 1.ª Ré antes de partir para ..., para que esta o patrocinasse.
F. A partir da outorga daquele documento, o Autor, considerou-se pela Ré representado em todos os atos e termos que ao processo nº 663/09.... diziam respeito.
M. Na data da audição de condenado, a 08.09.2011, a 1.ª Ré já era frequentemente contactada pela mãe e pela irmã do Autor.
R. Com o valor do cheque na sua posse, a Ré comprometeu-se a pagar essas indemnizações e juros de mora, entretanto, vencidos.
T. Angustiado pela falta de informação, o A. pediu à sua mãe para se dirigir diretamente à secretaria do Tribunal e deu instruções para que desse conhecimento à autoridade judicial de que o a quantia teria sido entregue à defensora, ora 1ª Ré, no caso de ainda não se encontrar depositada no Tribunal.
OO. A 1.ª Ré possuía aptidão e capacidade para: i) consultar o processo em tempo de advertir o R. quanto ao cumprimento, também em tempo, das respetivas injunções; juntar procuração a tempo de ser notificada dos despachos que promoviam a revogação da suspensão.
O facto D foi expressamente contrariado pelas declarações de parte da ré, Drª BB, corroboradas pelo encadeamento objetivo dos atos e com sustento no depoimento das testemunhas ouvidas, inclusive, os familiares do autor. O autor ausentou-se do país logo após a prolação da decisão condenatória, vindo fugazmente a Portugal por altura da Páscoa, período em que contactou a 1.ª ré, que para se inteirar da sua situação processual lhe solicitou a outorga de procuração. Resultou, assim, da prova produzida, que o autor já se havia ausentado antes de contactar com a 1.ª Ré. Este facto deverá, pois, manter-se como não provado.
Quanto ao facto F, cremos ser de meridiana clareza, face até ao conteúdo e extensão dos poderes conferidos pela procuração, que a partir de então o autor se considerou pela ré representado, atestando essa convicção a circunstância de que todos os contactos posteriores foram encetados com a ré e não com a defensora oficiosa que lhe havia sido nomeada.
Assim, o facto F, deve ser considerado provado.
Quanto ao facto M - Na data da audição de condenado, a 08.09.2011, a 1.ª Ré já era frequentemente contactada pela mãe e pela irmã do Autor – referiram-se a tal matéria as testemunhas do autor, seus familiares, que, no entanto, prestaram depoimentos confusos e pouco credíveis. Ao invés, o depoimento da testemunha Dra. FF, defensora oficiosa do autor no processo crime, mostrou-se claro, conciso e convincente tendo do mesmo resultado um certo descomprometimento dos familiares, pelo que não foi feita prova no sentido pretendido pelo autor.
Relativamente ao facto R, a entrega à ré do cheque no valor de € 5.000,00, não teve outro propósito que não fosse o pagamento da indemnização em que o autor havia sido condenado. Sendo a ré a advogada e tendo aceitado o dinheiro, ela é que é a técnica e deve, por conseguinte, saber, quando e como proceder ao cumprimento dessa obrigação. Assim, o facto R deverá ser dado como provado, mas com diferente redação: «Com o valor do cheque na sua posse, a Ré comprometeu-se a diligenciar pelo pagamento das indemnizações e juros de mora, entretanto, vencidos.».
Relativamente ao facto T da prova produzida não resultou mais do que já consta dos factos provados 47 e 48.
Finalmente quanto ao Facto OO, está já demonstrado que a ré consultou o processo e advertiu o autor das respetivas injunções e consequências do seu incumprimento (factos provados 22 a 26), sendo que o MP promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, por incumprimento das condições, a 30 de Março de 2011, e o contacto do autor com a ré, com a outorga da procuração, ocorreu a 23 de Abril de 2011. Assim, é de manter como não provado este facto.
Em face do exposto, procede, parcialmente, a impugnação da decisão da matéria de facto.
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3.2.2. Responsabilidade civil do advogado e o dano da perda de chance processual

Pretende o autor, pela presente demanda, ver-se ressarcido dos danos que alega ter sofrido em virtude da omissão, pela ré, da defesa da sua posição processual, consistente na não junção atempada de procuração forense aos autos de processo crime, com o que não veio a ser notificada e não representou o autor na audição de condenado, não veio a ser notificada e não deu conhecimento ao autor do despacho revogatório da suspensão da pena para que pudesse reagir, na falta de depósito da quantia recebida para pagamento das indemnizações e a omissão de não informar o autor do estado dos autos.
A pretensão do autor alicerça-se na responsabilidade civil contratual da ré, enquanto advogada.
Apesar de alguma controvérsia sobre a natureza da responsabilidade civil dos advogados, mostra-se largamente maioritária a corrente que lhe atribui natureza mista (contratual e extracontratual, conforme as circunstâncias), havendo assim responsabilidade contratual sempre que o advogado não cumpra (incumprimento em qualquer das modalidades que o conceito comporta, desde a impossibilidade do cumprimento, à simples mora, passando pelo cumprimento defeituoso) as obrigações emergentes do contrato de mandato e responsabilidade extracontratual quando incorra na prática de facto ilícito lesivo dos direitos do seu constituinte, mas fora, como é óbvio, das obrigações geradas pelo contrato.
No caso, estabeleceu-se uma relação contratual sendo imputada à mandatária o incumprimento do mandato, havendo a responsabilização da ré de ser apreciada à luz dos pressupostos previstos no artigo 798.º do Código Civil.
Nos termos deste normativo “o devedor que falta culposamente ao cumprimento de uma obrigação torna-se responsável pelo prejuízo causado ao credor”.
Assim, haverá primeiramente de apreciar-se se a ré faltou culposamente ao cumprimento de uma obrigação, o mesmo é dizer se a ré praticou algum ato ilícito e culposo.
Dado o interesse público do patrocínio judiciário, o mandatário forense não se encontra apenas adstrito às obrigações do mandatário comum elencadas no artigo 1161.º do Código Civil (dever de praticar os atos jurídicos acordados, de informar o mandante sempre que para tal seja solicitado, de prestar contas e de restituir o que lhe foi entregue em execução ou no exercício e não despendeu no cumprimento do contrato), mas encontra-se ainda sujeito a um elenco de deveres mais alargado previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados (deveres para com a Ordem dos Advogados, para com a sociedade, para com os Colegas e Magistrados e para com o cliente) e enumerados nos artigos 90.º e ss. do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Assim, o advogado (entre outros) tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (cfr. artigo 97.º, n.º 2, do EOA), não devendo aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente (cfr. artigo 98.º, n.º 2, do EOA), estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade (artigo 100.º, n.º 1, alínea b), do EOA); e não devendo cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas (cfr. artigo 100.º, n.º 1, alínea e), do EOA).
Pode também assentar-se que a prestação devida pelo mandatário forense se insere nas denominadas obrigações de meios (o devedor obriga-se a praticar ou desenvolver determinada atuação, comportamento ou diligência com vista à produção do resultado pretendido pelo credor), por oposição às obrigações de resultado (em que o devedor se obriga à produção de certo resultado).
De facto, o advogado, no exercício do patrocínio forense, não se obriga a obter ganho de causa, mas a utilizar, com diligência e cuidado, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a cumprir com o dever que lhe resulta do artigo 97.º, n.º 2, do EOA (“defender os interesses legítimos do cliente”), tão bem e adequadamente quanto possível, ou seja, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as leges artes.
Daí que, sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de atuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de competência (saber e experiência) e diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços (cfr. Ac. do STJ de 4/12/2012, processo n.º 289/10.7TVLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt).
Temos, assim, que a ilicitude da conduta do advogado, seja por ação ou omissão, decorrerá normalmente da violação dos deveres deontológicos a que está sujeito para com o cliente, deveres estes especificados no artigo 100.º do EOA.
O advogado, pela relação estabelecida, obriga-se a desenvolver determinada atividade, que se analisa, essencialmente, na prática de atos jurídicos, com determinado objetivo visado pelo cliente, sem que se vincule à obtenção do resultado, mas a empenhar a sua atuação diligente e o seu saber jurídico, de acordo com as boas práticas da profissão (ou da leges artis), procurando não perder oportunidades ou as chances possíveis (permitidas) para alcançar essa finalidade (cfr. Ac. da RP de 14/7/2010, processo n.º 2555/07.3TBVNG.P1, disponível in www.dgsi.pt).
“Daí que, se, após se inteirar da pretensão do cliente, estudar o assunto submetido, atuar com zelo e diligência, de acordo com as regras da profissão (que exige preparação técnica e científica adequada), não perder oportunidades de êxito, informar o cliente sobre o andamento dessa pretensão, não se pode censurar o advogado por incúria na defesa dos interesses daquele, mesmo que a finalidade proposta se frustre.
De contrário, violando tais deveres, pratica ato ilícito que, se danoso, implica a sua responsabilidade pela reparação dos danos causados. Salvo se provar que o incumprimento ou cumprimento defeituoso (a violação de tais deveres ou das obrigações assumidas para com o cliente) não procede de culpa sua (artigo 799º/1 do CC)” – referido Ac. da RP de 14/7/2010.
Feito este enquadramento, vejamos se a factualidade demonstra que a ré atuou com violação dos deveres a que estava adstrita para com o autor de acordo com o mandato com este celebrado.
Como resulta da matéria de facto assente, a ré acordou com o autor em consultar o processo, apurar se estava em curso o prazo de recurso e, caso aquele se tivesse esgotado, apurar dos deveres processuais e respetivos prazos impostos pela decisão condenatória.
Mais se retira daquela factualidade que a ré consultou o processo tendo constatado ter decorrido i) o prazo para a interposição de recurso do Acórdão; ii) o prazo para cumprimento das obrigações de pagamento ao ofendido CC (de 4 meses) e à ofendida II (de 2 meses); e iii) que o MP já havia promovido a revogação da suspensão da execução da pena.
A ré esclareceu o autor nesse sentido, bem como da obrigação de se apresentar aos Serviços de Reinserção Social para se sujeitar ao regime de prova ainda não elaborado, liquidar as quantias indemnizatórias aos ofendidos e liquidar os encargos judiciais a que estava obrigado.
Para a prática destes atos e na defesa do interesse do arguido (autor), a ré não tinha de proceder à junção da procuração que lhe havia sido conferida pelo autor.
O que a ré não poderia, a nosso ver, era de deixar de acompanhar os termos posteriores do processo e designadamente representar o autor na audição de condenado e dar-lhe a conhecer o despacho revogatório da suspensão da pena de 04.10.2011 para que pudesse reagir (eventualmente), mas sobretudo, depois de receber o dinheiro para pagamento das indemnizações, não ter procedido ao seu depósito à ordem do processo.
Ao assim não proceder, não cumpriu escrupulosamente o dever de informação sobre o andamento das questões que lhe foram confiadas, nos termos do artigo 100.º, n.º 1, alínea a), do EOA, nem aplicou devidamente os valores que lhe foram entregues, nos termos do artigo 101.º, nº1, do EOA.
Ora, tal factualidade demonstra que a ré não cumpriu as obrigações a que se encontrava adstrita no âmbito do patrocínio jurídico, seja porque não praticou os atos compreendidos no mandato, tal como lhe impunha o artigo 1161.º, alínea. a), do Código Civil, seja porque violou os deveres deontológicos a que estava obrigada na relação com o autor, não o tendo representado na audição de condenado, nem informado dos atos subsequentes designadamente da revogação da suspensão da execução da pena, e principalmente não tendo depositado nos autos a quantia que lhe havia sido entregue para pagamento das indemnizações. O que por si demonstra, a nosso ver, a violação dos deveres a que estava adstrita nos termos dos citados artigos 97.º, n.º 2, e 100.º, n.º 1, alínea. a), e 101.º, nº1, do EOA.
Violados, então, os aludidos deveres comportamentais, e presumida que resulta a culpa da ré em face do artigo 799.º do Código Civil, temos que está demonstrado o incumprimento gerador da obrigação de indemnizar (artigo 798.º do Código Civil).
Demonstrado o incumprimento, a questão posta no recurso reside em saber se concorre o necessário nexo de causalidade entre os danos invocados e a conduta omissiva.
O autor reclama o pagamento dos danos patrimoniais causados com a atuação omissiva da ré, que sustenta que conduziu à privação da sua liberdade, com o que deixou de auferir rendimentos laborais enquanto em cumprimento de prisão efetiva, bem como danos morais, assentes no sofrimento de não estar em liberdade e poder fruir livremente das pessoas e das coisas.
Sob outro angulo, o autor pretende ser indemnizado pela perda da chance de não ser revogada a suspensão da execução da pena a que foi condenado.
Ou seja, em apreciação está o dano da perda de chance processual.
A obrigação do advogado é uma obrigação de meios.
No exercício do mandato forense, reafirma-se, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas sim a utilizar, com diligência e zelo, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender os interesses do seu cliente, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as legis artis, com o objectivo de vencer a lide, visto tratar-se de uma obrigação de meios e não de resultado’ – como bem se refere no Ac. desta Relação de Guimarães de 24/11/2022, proferido no processo nº2285/21.0T8BRG.G, disponível em www.dgsi.pt..
O advogado não assume a obrigação de alcançar um determinado resultado em benefício do cliente, mas apenas de desenvolver as diligências adequadas para que este resultado possa ser alcançado. Assim, o que está em causa é saber se, em consequência da atuação do advogado ou da conduta que omitiu, ficou inviabilizada a possibilidade de o cliente alcançar um resultado que permitia que obtivesse um benefício ou não sofresse um prejuízo e se deve ser atribuída uma indemnização por este dano.
É esta probabilidade que conforma a perda de chance.
Todavia, como de forma impressiva se concretizou no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/2018 'para que se considere autónoma a figura da perda de chance, como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante, ponderando como requisito caracterizador dessa autonomia, se se pode afirmar, no caso concreto, que o lesado tinha uma chance, uma probabilidade séria, real e credível de, não fora a actuação que a frustrou, obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse, ou que a actuação omitida, se não tivesse ocorrido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão desfavorável como o que ocorreu' - proferido no processo nº1337/12.1TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
A perda de chance pressupõe uma probabilidade de obtenção do resultado. Só assim se compreende que seja atribuída uma indemnização para compensar o lesado por este dano. Não basta, porém, uma qualquer probabilidade, designadamente uma mera possibilidade abstrata ou especulativa, exigindo-se que seja demonstrado um elevado índice de probabilidade que se traduz numa possibilidade consistente e séria de que o resultado seria alcançado (neste sentido pode ver-se Nuno Santos Rocha, in A Perda de Chance como uma Nova Espécie de Dano, pág. 58, e Bruna de Sousa, in Da Perda de Chance na Responsabilidade Civil do Médico, pág. 81).
O ónus da prova relativamente à demonstração desta probabilidade compete ao lesado, nos termos do artigo 340.º nº1, do Código Civil.
Neste sentido decidiu o Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº2/2022 de 26/01/2022, de acordo com o qual 'o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade - publicado no Diário da República de 22 de Janeiro de 2022 (Série I).
Neste aresto uniformizador, o STJ concretiza esta fundamentação afirmando que para se estar “perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável do que a sua ocorrência”.
A probabilidade de ganho de causa deverá, assim, ser aferida através de um juízo de prognose póstuma, cabendo ao tribunal que aprecia a ação de responsabilidade civil adotar a perspetiva do tribunal que teria de decidir o processo – o chamado “julgamento dentro do julgamento”.
Na responsabilidade do advogado pela atuação no processo, o lesado tem assim de demonstrar que existia um elevado índice de probabilidade de que conseguia obter no processo em que ocorreu a atuação ilícita do advogado o resultado que permitia que obtivesse o benefício que perdeu ou evitar o prejuízo que sofreu. Para este efeito deve aferir-se no processo em que é reclamada a indemnização, com a prova que o lesado apresentou neste processo, qual teria sido a decisão provável no processo em que ocorreu a perda de chance, procedendo-se a um verdadeiro julgamento dentro do julgamento.
É também este o sentido afirmado no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 15/11/2018, ao sustentar que 'o tribunal da indemnização terá de realizar uma apreciação hipotética a partir da perspectiva do tribunal que teria decidido o processo, tentando determinar qual teria sido a sua decisão e com que probabilidade. O cálculo da probabilidade de vitória na acção falhada será determinado através daquilo a que a doutrina vem denominando de julgamento dentro do julgamento. O juiz está, nestes casos, obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de vitória nesse processo'- proferido no processo nº296/16.6T8GRD.C1.S2, in www.dgsi.pt.
É esse exercício, de apreciação hipotética, que agora cumpre fazer.
Quando o autor mandatou a ré, já o Ministério Público havia promovido a revogação da suspensão da execução da pena, por incumprimento das condições impostas.
Marcada a audição presencial, o autor não foi notificado porque se encontrava ausente em parte incerta, tendo estado presente, em sua representação, a sua defensora oficiosa, Dra. FF.
Nesta diligência poderia estar presente, em vez da defensora oficiosa, a ré, enquanto mandatária. Todavia, não se vislumbra que valia poderia acrescer a sua representação, já que o regime de prova não tinha sido cumprido, nem as indemnizações pagas, não se descortinando que fundamento sério e verdadeiro poderia ser invocado pela mandatária para obstar à decisão de revogação.
A não comunicação ao autor da decisão de revogação de suspensão da pena, poderia ter relevo para a formação da decisão de impugnar a mesma.
Mas também aqui não ocorreria fundamento fáctico e jurídico que pudesse sustentar a interposição de recurso, estando o mesmo votado ao insucesso.
Finalmente, quanto à falta de depósito da quantia referente às indemnizações após a entrega do cheque para o efeito, é de concluir com suficiente segurança que a prática de tal ato não seria suficiente para reverter a decisão de revogação.
Em primeiro lugar, já tinha sido proferido e transitado em julgado o despacho de revogação da suspensão da execução da pena, ao tempo da entrega do cheque à ré.
Depois, sempre continuaria a faltar o cumprimento pelo condenado da primeira condição: sujeição e cumprimento de regime de prova.
Em suma, formou este tribunal a convicção segura de que a falta da ré não implicou uma efetiva perda de chance para o autor.
Dito de outro modo, realizado o “julgamento dentro do julgamento” resulta o claro não convencimento de um elevado índice de probabilidade de que o autor, por intermédio dos atos que foram omitidos pela ré, obteria uma vantagem ou benefício, consistente na não revogação da suspensão da pena de prisão.
Em face do exposto, a apelação terá de improceder.
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Improcedendo a apelação, não há lugar à ampliação do recurso, deduzido a título subordinado pela 2ª ré/recorrida.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)

I – O advogado, no exercício do patrocínio forense, não se obriga a obter ganho de causa, mas a utilizar, com diligência e cuidado, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender os interesses legítimos do cliente.
II - Quando o advogado não cumpre as obrigações no âmbito do patrocínio jurídico, seja porque não praticou os atos compreendidos no mandato, tal como lhe impunha o artigo 1161.º, alínea. a), do Código Civil, seja porque violou os deveres deontológicos a que estava obrigado na relação com o cliente resultantes do EOA, e presumida que resulta a sua culpa em face do artigo 799.º do Código Civil, incorre em responsabilidade geradora da obrigação de indemnizar (artigo 798.º do Código Civil).
III - O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade (Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº2/2022 de 26/01/2022).
IV - A probabilidade de ganho de causa deverá ser aferida através de um juízo de prognose póstuma, cabendo ao tribunal que aprecia a ação de responsabilidade civil adotar a perspetiva do tribunal que teria de decidir o processo – o chamado “julgamento dentro do julgamento”.        
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, embora com diferente fundamento, a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 18 de Abril de 2024

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Anizabel Sousa Pereira
2º - Adj. - Des. Maria Amália Santos