CONTRA-ORDENAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário

I - A notificação da sociedade visada por uma decisão da autoridade administrativa, para efeitos da possibilidade de impugnação judicial dessa decisão, não tem de ser efetuada ao representante legal dessa mesma sociedade (o aviso de receção pode ser assinado por quem não é seu gerente ou seu representante legal).
II - É válida e eficaz a notificação efetuada à sociedade arguida através de carta registada enviada para a sua sede, carta que, nesse local, foi rececionada por pessoa que assinou o respetivo aviso de receção, aviso esse do qual ficou a constar o nome e o número do documento de dentificação dessa pessoa.
III - O prazo de impugnação judicial é de 30 dias, contados da data da notificação da decisão condenatória à arguida, sendo tal prazo contínuo (ou seja, não se suspende aos sábados, domingos e feriados, mas apenas durante as férias judiciais, e, se o seu termo cair em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte).

Texto Integral


No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Loulé, J2, foi, em 24 de janeiro de 2024, proferido despacho com o seguinte teor (transcrição):

“O tribunal é o competente (art. 72.º do RJCE e art. 130.º, n.º 2, al. d), da LOSJ).


*

Da intempestividade da impugnação:

O prazo de interposição do recurso de impugnação judicial é de 30 dias contados da data da notificação da decisão condenatória ao arguido (art. 69.º, n.º 1, Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas (RJCE), aprovado pelo DL n.º 9/2021, de 29 de Janeiro.

Tal prazo é contínuo, «sendo aplicáveis as regras do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações» (art. 44.º do RJCE), ou seja, não se suspende aos sábados, domingos e feriados, mas apenas durante as férias judiciais, e se o seu termo cair em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (art. 138.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Civil ex vi art. 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

In casu, a presente impugnação judicial foi apresentada em 16-11-2023 (fls. 42).

A impugnante foi notificada da decisão da autoridade administrativa por carta registada com aviso de recepção (em observância do disposto no art. 46.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 5, do RJCE), tendo aquela sido expedida em 22-09-2023 e este sido assinado em 26-09-2023 (fls. 41).

Nos termos do art. 46.º, n.º 6, do RJCE, «A notificação por carta registada com aviso de receção considera-se efetuada na data em que for assinado o aviso de receção ou no terceiro dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação constar do ato de notificação».

Tal cominação consta nesses exactos termos da notificação efectuada (fls. 41), pelo que, mesmo na interpretação mais favorável à impugnante (considerar os 3 dias posteriores como úteis), a mesma sempre se consideraria notificada em 27-09-2023.

Assim, o referido prazo de 30 dias terminou em 27-10-2023, ocorrendo o 3º dia útil seguinte em 02-11-2023 (art. 107.º-A do Código de Processo Penal e art. 139.º, n.ºs 1, 3 e 5, do Código de Processo Civil).

A impugnação é, pois, intempestiva.

Não se verifica qualquer nulidade da notificação efectuada, posto que, como se disse, a mesma o foi em observância das normas já indicadas e a impugnação é intempestiva mesmo considerando a data de notificação mais favorável, cuja cominação consta expressamente da missiva remetida.

Por outro lado, não existe qualquer imposição legal de que a notificação deva conter a advertência de que o prazo é contado “em dias ocorridos ou úteis”, como não existe qualquer “contradição aparente” entre os art. 47.º e 79.º do RJCE relativamente à forma de contagem de prazo, pela singela razão de que este último normativo remete para RGCO apenas subsidiariamente “em tudo quanto não se encontre previsto no presente regime”, o que não é manifestamente o caso.

Em face de todo o exposto e ao abrigo do disposto no art. 63.º, n.º 1, do RGCO ex vi art. 79.º do RJCE, rejeita-se a presente impugnação judicial por intempestiva.

Custas pela impugnante, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (arts. 93.º n.º 3 e 94.º n.º 3 do RGCO, e art. 8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).

Notifique e deposite.

Após trânsito em julgado, comunique à autoridade administrativa (art. 70.º, n.º 4, do RGCO) e devolva os autos.”


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Inconformada com a decisão, C, interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

Refere expressamente o artº.: 87º / 1 do RGCO : “As pessoas colectivas são representadas no processo por quem legal ou estatutariamente as deve representar” = neste caso a administração / gerência = ( artºs.: 195º / 1 do C.C. e 193º / 1, 261º / 3 e 408º/ 3 do C. S. C ).

O representante legal da empresa arguida é o gerente chamado J

Resulta do aviso de recepção que foi P, o notificado.

E o douto tribunal recorrido não apurou a eventual responsabilidade individual deste, em relação à pessoa colectiva.

São os órgãos que no exercício das suas funções representam no processo, por quem legal ou estatutariamente as deve representar.

Antes deste tribunal apurar quem recebeu a notificação em face da certidão de constituição da sociedade de modo a certificar-se sobre a identificação de quem detém essa capacidade e quem representa a sociedade e assim apurar se a sociedade foi devidamente notificada ( CA : 4848-3676-2167 )

O douto tribunal recorrido não apurou quem detém essa capacidade e figura naquela certidão como representante legal e nem fez qualquer alusão e relacionamento de quem foi notificado em relação à referida sociedade.

E uma vez assinado o aviso de recepção, por quem não é gerente, ou ninguém que represente este, nada se sabendo se o mesmo agiu em nome e no interesse da arguida,

Esta notificação não se pode presumir como tendo sido feita ao representante legal da firma, quando o não foi.

10ª

E se se rejeita uma impugnação administrativa alegando a extemporaneidade, quando a notificação da arguida não foi feita legalmente,

11ª

O douto despacho recorrido é nulo, convidando-se, na ausência da disposição específica do RJCE que o contemple, o disposto na al. c). do artº 119º do C.P.P. aplicável ex vi pelo artº 41º do RGCO.

12ª

Nulidade insanável que ora se invoca e que por isso deve ser conhecida.

13ª

Devendo este douto tribunal ou absolver a arguida das contraordenações em que foi condenada,

14ª

Ou não sendo assim considerado, ordenar o reenvio da decisão para a douta entidade administrativa, para suprimento da nulidade invocada.

15ª

Por outro lado, além de existir um princípio constitucional que impõe o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva ( artº 20º da CRP ) e os princípios da legalidade e objectividade, que obrigam à caracterização exacta dos infractores e das situações ilícitas e à subsunção devida destas às normas,

16ª

Existe uma norma constante do artº 58º do RGCO que se aplica subsidiariamente ao RJCE e que no nº 2 alude que uma decisão administrativa torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artº 59º, que aponta para um prazo de 20 dias.

17ª

E sendo esta uma fase administrativa, e não judicial este prazo conta-se em dias úteis.

18ª

Tendo o RJCE um prazo específico, de 30 dias, e estando este direito de impugnação incluso num prazo administrativo, este devia prever um prazo contado em dias úteis,

19ª

Não o fazendo, deve fundamentar devidamente os seus actos e decisões administrativas, como o impõe os artºs 13º, 3º, 4º e 5º do C.P.A.

20ª

Não o tendo feito, entre outras situações aludidas na impugnação, a notificação da contraordenação é ilegal, porque não indica a forma de contagem do prazo, sendo os 30 dias corridos, especial em relação ao prazo do RGCO, que se aplica subsidiariamente,

22ª

E à natureza da fase administrativa em que circunscreve o prazo da impugnação judicial e que aquela obriga à contagem em dias úteis.

23ª

Estando esta ilegalidade ferida de nulidade, por falta de informação e fundamentação devida da notificação.

24ª

Atentas as razões invocadas o recurso foi interposto em tempo, e por quem tem legitimidade, devendo por isso ser admitido nos termos legais.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS E SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXª. DEVE ESTE RECURSO MERECER PROVIMENTO, REVOGANDO-SE O DESPACHO DE REJEIÇÃO DO DOUTO TRIBUNAL “ A QUO “,

SUBSTITUINDO-A POR OUTRA, QUE ADMITA POR TEMPESTIVO E LEGAL O RECURSO DE IMPUGNAÇÃO, INTERPOSTO PELA RECORRENTE,

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA !


*

O Ministério Público respondeu ao recurso interposto nos seguintes termos:

“ (…) Salvo melhor entendimento, as questões a apreciar são:

- Da nulidade da notificação da decisão administrativa por não ter sido efectuada na pessoa do gerente da sociedade;

- Da forma de contagem do prazo para impugnação judicial e da falta de menção da forma de contagem na notificação;

Da nulidade da notificação da decisão administrativa por não ter sido efectuada na pessoa do gerente da sociedade

Alega a arguida, ora recorrente que “O representante legal da empresa arguida é o gerente chamado J” e que “Resulta do aviso de recepção que foi P, o notificado, sendo que o tribunal devia “apurar quem recebeu a notificação em face da certidão de constituição da sociedade de modo a certificar-se sobre a identificação de quem detém essa capacidade e quem representa a sociedade e assim apurar se a sociedade foi devidamente notificada”

Conclui a recorrente que o douto despacho recorrido é nulo do RJCE que o contemple, o disposto na al. c). do artº 119º do C.P.P. aplicável ex vi pelo artº 41º do RGCO. Salvo o devido respeito não assiste razão à recorrente.

Na verdade, a notificação foi efectuada em conformidade com o disposto no artigo 46.º do RJCE.

Da análise dos autos resulta que a sociedade recorrente foi notificada da decisão administrativa por carta registada com aviso de recepção, nos termos do artigo 46.º n.º 1 b) do RJCE, tendo sido o respectivo aviso de recepção sido assinado em 26.09.2023.

Tal como resulta do respectivo aviso de recepção, o qual consta dos autos a fls. 41 o aviso foi assinado em “26.09.2023” ,“pelo destinatário” a quem foi “Entregue”. Consta ainda do aviso de recepção o nome “P” e o respectivo numero do documento de identificação e bem assim a assinatura e a data.

Mais consta do respectivo aviso de recepção a identificação da sociedade arguida e bem assim a morada de tal sociedade.

A recorrente não põe em causa a morada nem alega que a sociedade arguida designadamente, o seu gerente) não tenha tido conhecimento da decisão administrativa. Aliás apenas esse conhecimento pode ter permitido à sociedade arguida apresentar impugnação judicial.

Acresce que sociedade arguida também não alega desconhecer a pessoa que assinou o avido de recepção. Aliás, diga-se que da impugnação judicial consta que foi indicado como testemunha uma pessoa com o nome de “P” com “domicilio profissional na sede da empresa”.

A notificação foi expedita por carta registada com aviso de recepção para o domicilio ou sede do notificando nos termos do artigo 46.º 1 b) e 5 do RJCE, local onde foi recepcionada pela pessoa que assinou o respectivo aviso de recepção.

Salvo o devido respeito não faz sentido que para a sociedade se considerar notificada a carta tenha de ser entregue pelo distribuidor do correio directamente ao seu gerente e/ou administrador e que tenha que ser o gerente e/ou o administrador de uma sociedade que tenha que assinar o respectivo aviso de recepção.

A letra da lei permite que a entrega seja feita a terceiro que se encontre na sua sede, o qual é identificado, ficando este com a obrigação subsequente de entregar a notificação com prontidão ao representante legal do ente colectivo.

O que a lei impõe, isso sim, é que a carta seja endereçada para a sede ou local onde funciona habitualmente a administração, como aqui sucedeu.

Assim, entendemos que deve ser considerada por válida e eficaz a notificação efectuada à arguida através da carta registada endereçada para a sua sede, que nesse local foi recepcionada por pessoa que assinou o respectivo aviso e do qual consta o número do seu documento de dentificação.

Inexiste assim qualquer irregularidade ou nulidade, tendo a notificação da sociedade arguida sido efectuada em conformidade com o previsto no RJCE

Da forma de contagem do prazo para impugnação judicial e da falta de menção da forma de contagem na notificação

A recorrente entende que a contagem do prazo de 30 dias previsto no RJCE para apresentação de impugnação judicial deve ser feita em dias úteis, por se tratar de uma fase administrativa e não judicial e alega que a notificação é nula pois não consta da notificação a forma de contagem do prazo.

Sucede que tal como resulta expressamente do artigo 44.º do RJCE “Os prazos para a prática de quaisquer atos previstos no presente regime são contínuos, sendo aplicáveis as regras do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações”.

Assim, e tendo em conta o citado artigo duvidas não existem em como a contagem do prazo é continua e não em dias úteis.

No que toca à necessidade de constar da notificação a forma de contagem do prazo e tendo ainda em conta a obrigatoriedade de constituição de Mandatário e o conhecimento exigível a estes, e salvo o devido respeito e melhor entendimento também que não se vislumbra que tal menção tenha que constar da notificação.

Assim, e salvo o devido respeito e melhor entendimento, também nesta parte entendemos que não assiste razão à recorrente.


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Face a todo o exposto, não nos merece, qualquer crítica a douta decisão recorrida.

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, a decisão recorrida não é passível de censura e deverá ser mantida.”


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Neste Tribunal da Relação de Évora, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta apôs visto.

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Cumpre decidir.

- Fundamentação

- Delimitação do objeto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr.Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).

No caso sub judice as questões suscitadas pela recorrente e que, ora, cumpre apreciar, são:

- nulidade da notificação da decisão administrativa por não ter sido efetuada na pessoa do legal representante da sociedade;

- forma de contagem do prazo para impugnação judicial e a falta de menção da forma de contagem na notificação.


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Apreciando

- Da invocada nulidade da notificação da decisão administrativa por não ter sido efetuada na pessoa do legal representante da sociedade.

Dispõe o artigo 46.º do DL n.º 9/2021, de 29 de Janeiro ( REGIME JURÍDICO DAS CONTRAORDENAÇÕES ECONÓMICAS) (RJCE)

“Notificações

1 - As notificações referidas no presente regime efetuam-se mediante:

a) Contacto pessoal no lugar em que for encontrado o notificando;

b) Carta registada, com aviso de receção, expedida para o domicílio ou sede do notificando;

c) Carta simples expedida para o domicílio ou sede do notificando;

d) Correio eletrónico ou através do Serviço Público de Notificações Eletrónicas (SPNE).

2 - A notificação por contacto pessoal deve ser efetuada, sempre que possível, no ato de autuação, podendo ainda ser utilizada para qualquer ato do procedimento, designadamente para a notificação da decisão de aplicação de medida cautelar, coima, admoestação ou sanção acessória, quando o notificando for encontrado pela entidade competente.

3 - Se não for possível proceder nos termos do número anterior a notificação deve ser efetuada através de carta registada com aviso de receção expedida para o domicílio ou sede do notificando.

4 - Se, por qualquer motivo, a carta prevista no número anterior for devolvida à entidade remetente, a notificação é reenviada ao notificando, para o seu domicílio ou sede, através de carta simples.

5 - Considera-se domicílio ou sede do notificando o que conste do registo organizado pela entidade competente para concessão de autorização ou licença de atividade ou, subsidiariamente, o que conste dos autos de contraordenação ou que tenha sido indicado pelo arguido.

6 - A notificação por carta registada com aviso de receção considera-se efetuada na data em que for assinado o aviso de receção ou no terceiro dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação constar do ato de notificação.

7 - Na notificação por carta simples deve ser junta ao processo cópia do ofício de envio da notificação com a indicação da data da expedição e do domicílio para o qual foi enviada, considerando-se a notificação efetuada no quinto dia posterior ao da data indicada, cominação que deve constar do ato de notificação.

8 - Sempre que o notificando se recusar a receber a notificação ou a assinar o aviso de receção, o agente certifica a recusa, considerando-se efetuada a notificação.

9 - Sempre que exista consentimento expresso do notificando ou do mandatário, as notificações podem ser efetuadas por correio eletrónico, sem prejuízo do disposto no n.º 12.

10 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se consentimento expresso e informado a utilização, no procedimento respetivo, de correio eletrónico pelo notificando ou mandatário como meio de contactar a autoridade administrativa competente.

11 - Quando efetuadas por via eletrónica, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

12 - Sempre que se verifique que o notificando ou o mandatário tenham aderido ao SPNE, a notificação é realizada através daquele serviço, nos termos do Decreto-Lei n.º 93/2017, de 1 de agosto.

13 - Após a constituição de mandatário, o arguido é notificado apenas na pessoa deste, exceto para o exercício do direito de audição e defesa e da decisão final administrativa, caso em que deve igualmente ser notificado o arguido.”

Como resulta dos autos (fls. 41), a impugnante foi notificada da decisão da autoridade administrativa por carta registada com aviso de receção, em observância do disposto no art. 46.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 5, do RJCE, tendo tal carta sido expedida em 22-09-2023 e o aviso de receção assinado em 26-09-2023.

E, como bem refere o Ministério Público na resposta ao recurso “ (…) Da analise dos autos resulta que a sociedade recorrente foi notificada da decisão administrativa por carta registada com aviso de recepção, nos termos do artigo 46.º n.º 1 b) do RJCE, tendo sido o respectivo aviso de recepção sido assinado em 26.09.2023.

Tal como resulta do respectivo aviso de recepção, o qual consta dos autos a fls. 41 o aviso foi assinado em “26.09.2023” ,“pelo destinatário” a quem foi “Entregue”. Consta ainda do aviso de recepção o nome “P” e o respectivo número do documento de identificação e bem assim a assinatura e a data.

Mais consta do respectivo aviso de recepção a identificação da sociedade arguida e bem assim a morada de tal sociedade.

A recorrente não põe em causa a morada nem alega que a sociedade arguida designadamente, o seu gerente) não tenha tido conhecimento da decisão administrativa. Aliás apenas esse conhecimento pode ter permitido à sociedade arguida apresentar impugnação judicial.

Acresce que sociedade arguida também não alega desconhecer a pessoa que assinou o avido de recepção. Aliás, diga-se que da impugnação judicial consta que foi indicado como testemunha uma pessoa com o nome de “P” com “domicilio profissional na sede da empresa”.

A notificação foi expedita por carta registada com aviso de recepção para o domicilio ou sede do notificando nos termos do artigo 46.º 1 b) e 5 do RJCE, local onde foi recepcionada pela pessoa que assinou o respectivo aviso de recepção.

Salvo o devido respeito não faz sentido que para a sociedade se considerar notificada a carta tenha de ser entregue pelo distribuidor do correio directamente ao seu gerente e/ou administrador e que tenha que ser o gerente e/ou o administrador de uma sociedade que tenha que assinar o respectivo aviso de recepção.

A letra da lei permite que a entrega seja feita a terceiro que se encontre na sua sede, o qual é identificado, ficando este com a obrigação subsequente de entregar a notificação com prontidão ao representante legal do ente colectivo.

O que a lei impõe, isso sim, é que a carta seja endereçada para a sede ou local onde funciona habitualmente a administração, como aqui sucedeu.

Assim, entendemos que deve ser considerada por válida e eficaz a notificação efectuada à arguida através da carta registada endereçada para a sua sede, que nesse local foi recepcionada por pessoa que assinou o respectivo aviso e do qual consta o número do seu documento de dentificação.

Inexiste assim qualquer irregularidade ou nulidade, tendo a notificação da sociedade arguida sido efectuada em conformidade com o previsto no RJCE “.

Termos em que se conclui pela inexistência de qualquer nulidade, improcedendo o recurso neste particular.


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- Da forma de contagem do prazo para impugnação judicial e da alegada falta de menção da forma de contagem na notificação.

Como resulta dos autos (fls. 41) e já supra dito, a ora recorrente foi notificada da decisão da autoridade administrativa por carta registada com aviso de receção, em observância do disposto no art. 46.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 5, do RJCE, tendo tal carta sido expedida em 22-09-2023 e o aviso de receção assinado em 26-09-2023.

A decisão proferida pela autoridade administrativa foi judicialmente impugnada pela ora recorrente em 16-11-2023 (fls. 42).

Vejamos

Dispõe o artigo 69.º do RJCE

“Prazo e forma da impugnação

1 - O prazo de interposição do recurso de impugnação judicial é de 30 dias, contados da data da notificação da decisão condenatória ao arguido.

2 - O recurso é apresentado por escrito, junto da autoridade administrativa que aplicou a coima ou a sanção acessória e dirigido ao tribunal competente, nele devendo constar alegações e conclusões.”

E dispõe o artigo 44.º do mesmo diploma legal:

“Prazos

Os prazos para a prática de quaisquer atos previstos no presente regime são contínuos, sendo aplicáveis as regras do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações.”

Ora, a impugnante, ora recorrente, foi notificada da decisão da autoridade administrativa por carta registada com aviso de receção (em observância do disposto no art. 46.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 5, do RJCE), tendo tal carta sido expedida em 22-09-2023 e o aviso de receção assinado em 26-09-2023 (fls. 41).

A propósito dos prazos processuais escreve o Prof. Manuel Cavaleiro de Ferreira, in Curso de Processo Penal, Lisboa 1981, I vol., págs 252 – 253: “A circunstância de tempo tem importância extraordinária na ordenação do processo. É mesmo um modo dessa ordenação. A sequência do processo é naturalmente determinada pela natureza dos próprios actos, e por isso, se compreende que uns actos só devam praticar-se em seguida ou em consequência doutros actos; hão-de suceder-se no tempo. E se esta sucessão pode ser logicamente estabelecida, em razão da própria natureza ou função dos actos, também não raramente a lei indica expressamente a dependência de actos processuais da prática ou verificação anterior doutros actos. Esta hipótese, porém, confunde-se na ordenação geral do processo, com o condicionamento de actos processuais, por outros actos processuais.

O tempo em que deve ser praticado um acto processual pode consistir directamente na indicação dum período dentro do qual o acto pode ser praticado. É o que se chama um prazo.

O prazo tem um início e um termo («dies a quo»; «dies ad quem». Entre o seu início e termo se conta a sua duração.

(…)

Porque o prazo consiste num período de tempo, a contagem da sua duração pode fazer-se partindo do seu início ou do seu termo. A duração referir-se-á ao período que se segue ao início do prazo, ou ao período que antecede o termo do prazo.

(…)

Quanto à sua função, os prazos distinguem-se em dilatórios e peremptórios.

(…)

O prazo peremptório, destina-se, pelo contrário, a acelerar o andamento do processo; é o período dentro do qual deve ser praticado o acto processual.

(…)

O prazo é peremptório quando a inobservância do prazo torna inadmissível o acto posterior, porque é afectado de caducidade o direito ou faculdade de o praticar. Extinguiu-se, caducando, o poder de causar quaisquer efeitos jurídicos através do acto que só era possível dentro do prazo”.

Ora, o prazo de interposição de recurso, tem, inequivocamente, natureza perentória.

A ora recorrente foi notificada da decisão da autoridade administrativa por carta registada com aviso de receção (em observância do disposto no art. 46.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 5, do RJCE), tendo tal carta sido expedida em 22-09-2023 e o aviso de receção assinado em 26-09-2023 (fls. 41).

E, como plasmado, e bem, na decisão sob recurso ”Nos termos do art. 46.º, n.º 6, do RJCE, «A notificação por carta registada com aviso de receção considera-se efetuada na data em que for assinado o aviso de receção ou no terceiro dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação constar do ato de notificação».

Tal cominação consa nesses exactos termos da notificação efectuada (fls. 41), pelo que, mesmo na interpretação mais favorável à impugnante (considerar os 3 dias posteriores como úteis), a mesma sempre se consideraria notificada em 27-09-2023.

Assim, o referido prazo de 30 dias terminou em 27-10-2023, ocorrendo o 3º dia útil seguinte em 02-11-2023 (art. 107.º-A do Código de Processo Penal e art. 139.º, n.ºs 1, 3 e 5, do Código de Processo Civil”, pelo que tendo a decisão proferida pela autoridade administrativa sido judicialmente impugnada pela recorrente em 16-11-2023 (fls. 42), é óbvio que o foi fora do tempo [perentório] a que a lei sujeita a prática da interposição de recurso pelo arguido, sendo manifesta a extemporaneidade daquele recurso, conforme se decidiu no despacho recorrido, sendo certo que também não merece censura a decisão recorrida quando refere que “Por outro lado, não existe qualquer imposição legal de que a notificação deva conter a advertência de que o prazo é contado “em dias ocorridos ou úteis”, como não existe qualquer “contradição aparente” entre os art. 47.º e 79.º do RJCE relativamente à forma de contagem de prazo, pela singela razão de que este último normativo remete para RGCO apenas subsidiariamente.

Improcede, assim, o recurso.


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Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- negar provimento ao recurso interposto, mantendo a decisão recorrida.

- Condenar a recorrente em custas, fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça .


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Elaborado e revisto pela primeira signatária

Évora, 23 de abril de 2024

Laura Goulart Maurício

Artur Vargues

Anabela Simões Cardoso