PRINCÍPIO DO PEDIDO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CLÁUSULA PENAL
MORA
Sumário


I- Se, após a cessação do contrato de trabalho, o ex-trabalhador peticiona a condenação da ex-empregadora a pagar-lhe o acréscimo remuneratório de 50% sobre a retribuição horária em singelo por trabalho suplementar diurno prestado, não pode o tribunal condenar a Ré no pagamento de um acréscimo remuneratório de 200% sobre a retribuição horária em singelo, pois tal situação constitui uma condenação em quantidade superior ao pedido.
II- O artigo 74.º do Código de Trabalho não viabiliza esta condenação para além do pedido.
III- Ao abrigo do artigo 72.º do Código do Processo do Trabalho, assegurado que se mostre o principio do contraditório, pode o tribunal ampliar a matéria de facto através da introdução no conjunto dos factos provados de alguns factos essenciais relevantes, não articulados mas abrangidos pela causa de pedir apresentada, por os mesmos resultarem da discussão da causa.
IV- A cláusula 45.ª do CCT celebrado entre a Associação Nacional das Empresas de Segurança AESIRF e a ASSP – Associação Sindical da Segurança Privada, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 26, de 15-07-2019, tem como pressupostos a mora do empregador superior a 60 dias após o vencimento de alguma das prestações previstas no capítulo IX, respeitante à “Retribuição de Trabalho”, que se mostrem devidas.
V- A indemnização prevista na mencionada cláusula 45.ª não é excessiva ou desproporcionada, pelo que não há fundamento para a sua redução, nos termos previstos pelo artigo 812.º do Código Civil.
VI- A referida clausula 45.ª é uma cláusula penal moratória, pois, na mesma, fixa-se a indemnização devida pela mora ou pelo cumprimento defeituoso.
VII- Não é possível cumular a indemnização prevista nesta cláusula com juros moratórios incidentes sobre as retribuições em dívida abrangidas pela cláusula.
VIII- Todavia, a mora no pagamento da indemnização fixada na cláusula penal, que é uma prestação pecuniária, já confere ao credor o direito a juros moratórios, de acordo com o artigo 806.º do Código Civil.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral



P.2294/23.4T8PTM.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
Na presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, interposta por AA contra “2045 – Empresa de Segurança, S.A.”, foi proferida sentença com a seguinte decisão:
«Por tudo o exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, absolvendo-se a ré do demais peticionado, condena-se a ré “2045 – Empresa de Segurança, S.A.” (NIPC 502332905) a pagar ao autor AA (NIF n.º ...15):
a. As quantias ilíquidas de €2.000,81 (dois mil euros e oitenta e um cêntimos), acrescidas de juros contados desde a presente data;
b. A indemnização na quantia líquida de €6.002,43 (seis mil e dois euros e quarenta e três cêntimos), acrescidos de juros contados à taxa legal desde a presente data.
Custas por autor e ré, em função do respetivo decaimento e que se fixa em 53,10/100 para o autor e 46,90/100 para a ré, tudo sem prejuízo da isenção de que beneficia o primeiro.
Registe e notifique.
Após trânsito comunique, com cópia, à ACT, tendo em conta o disposto, entre outros, nos artigos 202.º, n.ºs 3 e 5, 203.º, n.ºs 1 e 5, 214.º, n.º 1 e 4, 231.º, n.º 9, 266.º, 268.º e 521.º, n.º 2, do Código do Trabalho.».

-
A Ré interpôs recurso da sentença, concluindo no final das suas alegações:
«I
A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgando a ação parcialmente procedente, condenando a R. no pagamento da quantia ilíquida de € 2.000,81 e da indemnização na quantia líquida de € 6.002,43, a acrescer juros de mora contados desde
26/10/2023 sobre todas
B) A sentença recorrida incorreu em violação ao disposto no artº 670º do C.P.C. não compatibilizou toda a matéria de facto apurada, fez incorreta apreciação da matéria de facto de acordo com as regras de ónus de prova e efetuou errada interpretação e aplicação do Direito.
C) A Recorrente impugna a matéria assente como provada, pretendendo seja alterada a decisão sobre a matéria de facto relativamente aos concretos pontos de facto, a seguir identificados: O assente como provado no ponto 1.4 deve ser ALTERADO; Deverá ser EILIMINADO o ponto 1.7 e todas as suas alíneas (ou pelo menos alterada a sua redação) os quais considera incorretamente julgados, por os meios probatórios constantes dos autos, (documentos, e prova testemunhal gravada) uma vez reapreciados, imporem decisão diversa.
II
D) Considerando o que consta expresso do nº 1 da clausula 4 do Contrato de trabalho junto com a p.i., documento que motivou a decisão sobre a matéria de facto relativamente ao ponto 1.4 dos factos assentes como provados, o que aí consta está incorreto quanto ao período normal de trabalho semanal do A.
E) Consequentemente, o que consta do Ponto1.4 dos factos assentes como provados deverá ser ALTERADO para a seguinte redação:
1.4 – O Autor prestava os seus serviços profissionais nas instalações dos clientes da Ré, em horário organizado em sistema de turnos rotativos previamente designado pela Ré, com um período normal de trabalho semanal de 40 horas em média.
F) O que consta assente como provado no Ponto 1.7 da Sentença, não resultou minimamente provado (aliás tão pouco foi devidamente alegado, como adiante se dirá), nem documentalmente, nem por via do depoimento da única testemunha ouvida sobre a matéria pois tais provas, devidamente analisadas, não se mostrarem minimamente credíveis, nem tão pouco suficientes a dar como provada a matéria em causa.
G) Tais documentos juntos pelo A. foram impugnados, por se encontrarem total ou parcialmente ilegíveis e/ou indecifráveis, visivelmente truncados, resultando a informação ininteligível, desconhecendo-se a origem e proveniência de tais mapas, designadamente quando, por quem e em que circunstâncias foram elaborados. Trata-se de pretensamente mapas-projeto de horário, na sua grande maioria sem qualquer referência da R. e/ou referência em como o respetivo teor foi levado ao seu conhecimento.
H) Resulta inequivocamente do depoimento da testemunha BB (única ouvida) que o mesmo se encontra em litigio com a R., tendo-lhe movido ação judicial idêntica, resultando ainda do seu depoimento que este não é propriamente superior hierárquico do Autor, antes é Vigilante e colega de trabalho do A., que os horários de trabalho da R. são anuais e não são os que constam dos autos, que terão sido por si elaborados. Também a referida testemunha em momento nenhum do seu depoimento afirmou que o Autor executou as horas de trabalho que constam descritas no ponto 1.7., nem afirmou que as “escalas de trabalho” mencionadas no ponto 1.7 hajam sido autorizadas pela R. ou sequer fossem do conhecimento da R.
I) Consequentemente, o que consta do Ponto1.7 dos factos assentes como provados e todas as suas alíneas, deverá ser ELIMINADO.
J) Sem conceder se dirá que, os documentos juntos pela R. (não impugnados pelo A.) são registos dos tempos de trabalho efetivamente realizados pelo A. com ou sem a devida autorização ou conhecimento prévio da R. e se os mesmos houvessem sido, de alguma forma, conjugados com os que foram juntos pelo A., pelo menos, não teria sido dado assente como provado, o que consta dos pontos 1.7.3.6, 1.7.3.13, 1.7.3.14 e 1.7.3.22,
K) Pelo que, pelo menos, sem conceder, deverá o ponto 1.7 ser alterado para a seguinte redação e excluindo-se os pontos 1.7.3.6; 1.7.3.13; 1.7.3.14 e 1.7.3.22.
1.7 – O executou as seguintes horas de trabalho:
……
L) A sentença recorrida ao decidir diferentemente, conforme alíneas anteriores, violou o disposto no nº 4 do artº 607º do C.P.C., impondo-se a revisão da decisão tomada, nos termos do artº 662º do C.P.C.
III
M) Também sob ponto de vista jurídico a sentença recorrida merece censura, por violação e aplicação incorreta ao disposto no artº 342º do Código Civil, nº 1 do artº 5º do C.P.C., artº 552º do C.P.C, artº 72º, 74º do C.P.T. nº 3 do artº 3º, nº 2 do artº 608 do C.P.C. clausula 45ª do CCT aplicável e artº 812 do Código Civil
N) Nos termos do disposto no artº 342º do Código Civil, ao trabalhador que invoca o direito à remuneração por trabalho suplementar e noturno, compete alegar e provar os factos
essenciais e constitutivos desse direito.
O) Nos termos do nº 1 do artº 5º do C.P.C., e na alínea d) do nº 1 do artº 552º do C.P.C. às partes cabe alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir e é na petição inicial que o A. deve expor os factos essenciais que integram a causa de pedir.
P) A insuficiência da alegação de factos essenciais na p.i. seria bastante à improcedência da presente ação.
Q) Em consonância com a melhor Jurisprudência dos Tribunais superiores, um crédito relativo a trabalho suplementar e trabalho noturno e em dias feriados deve ser constituído por alegação do horário do trabalhador, indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos e que esse trabalho tenha sido prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou, pelo menos prestado de modo a não ser previsível a oposição do empregador, ou por ele consentido.
R) O A. limitou-se a indicar o período normal de trabalho semanal, no artº 12º da p.i. o A. apenas conclui por referência a cada semana o total de horas executadas e seguidamente apenas conclui o A. um total de 288 horas que considera trabalho suplementar e 355 horas que considera trabalho noturno.
S) O Tribunal “a quo”, invocando o disposto no nº 1 do artº 72º do C.P.T. e em arrepio princípio do contraditório e violação ao disposto no artº 3º do C.P.C. veio dar assente como provado os vários números que constam do ponto 1.7 dos factos provados, com base nos documentos juntos pelo A., suprindo, desta forma, a falta de alegação do A.
T) Documentos que, como decorre do atrás exposto, em sede de impugnação da matéria de facto, que aqui se dá por reproduzido, foram impugnados e não podem merecer qualquer credibilidade.
U) Ao contrário do que se conclui na Sentença o regime da adaptabilidade foi instituído por acordo entre A e R. desde o início da relação laboral, nos termos do disposto no artº 205º do Código do Trabalho, previsto, aliás, no CCT aplicável e vigorou até ao seu termo como, indubitavelmente, resulta do Contrato de Trabalho celebrado – Doc. nº 1 junto com a p.i,
V) O A. não peticionou trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, limitando o seu pedido a trabalho suplementar diurno e noturno em dia útil, com os acréscimos de 50% e 75%.
W) Porém, a Sentença condenou a R. no pagamento de 19 dias de trabalho suplementar prestado em dia de descanso com o acréscimo de 200%.
X) Não se encontram verificados os requisitos legais previstos no artº 74º do C.P.CT, por não resultar minimamente da matéria de facto assente como provada que o A. haja trabalhado em dias em que supostamente devesse gozar descanso semanal e por os créditos salariais em causa integrarem o núcleo dos direitos disponíveis após a cessação do contrato de trabalho que ocorreu em 30/10/2022.
Y) Resulta de tal condenação, a condenação em objeto diverso do pedido em violação ao disposto no nº 2 do artº 608º do C.P.C. e também ao nº 3 do artº 3º do C.P.C. por não ter sido minimamente cumprido o contraditório, ao não ter sido concedida a oportunidade à R. de alegar o que entendesse conveniente relativamente a tal matéria.
Z) A condenação em objeto diverso do pedido e conhecendo o Tribunal de questão que não podia tomar conhecimento é fundamento de Nulidade da Sentença, conforme alínea d) e e) do nº 1 do artº 615º do C.P.C.
AA) A indemnização a que se reporta a clausula 45ª do CCT aplicável pressupõe a ocorrência de danos que o A. não alegou, nem provou.
BB) Ainda que assim não se entenda, a referida clausula é manifestamente excessiva e desproporcionada, traduzindo-se no pagamento de 3 (três) vezes o valor alegadamente em dívida.
CC) Devendo ser especialmente reduzida, nos termos do art.º 812º do Código Civil, o que a R. requereu em sede de Contestação.
DD) Sem prescindir, ainda quanto a condenação em juros de mora, sendo a “Cláusula 45.ª” da CCT uma cláusula penal indemnizatória, de índole moratória, cujo escopo se destina ao ressarcimento dos danos decorrentes do (alegado) atraso no cumprimento, não é legalmente possível cumular a cláusula penal moratória com a indemnização determinada segundo as regras gerais, do dano correspondente ao atraso no cumprimento da obrigação, ou seja, juros de mora.
Termos em que
Deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença recorrida e absolvendo-se a R. de todos os pedidos.
Caso assim não se entenda, deve a aplicação da mencionada clausula 45ª improceder, e caso assim também não se entenda deverá a mesma ser especial e equitativamente reduzida, nos termos do mencionado art.º 812º do CC,
Assim se fazendo JUSTIÇA».
Foi requerida a junção de um documento.
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O Autor, patrocinado pelo Ministério Público, apresentou contra-alegações, pugnando, a final, pela improcedência do recurso.
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A 1.ª instância pronunciou-se pela inexistência da arguida nulidade da sentença e admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo (devido à prestação de caução).
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Tendo o processo subido à Relação, foi mantido o recurso.
Por despacho da relatora não foi admitido o documento junto com as alegações do recurso.
Após a elaboração do projeto de acórdão, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
1.ª Nulidade da sentença.
2.ª Impugnação da decisão de facto.
3.ª Existência do regime de adaptabilidade.
4.ª Interpretação da cláusula 45.ª do CCT aplicável e impossibilidade de acumulação da indemnização aí prevista com o pagamento de juros de mora.
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III. Matéria de Facto
A 1.ª instância deu por provados os seguintes factos:
1.1 No dia 1/05/2022, o Autor celebrou com a Ré um contrato de trabalho com início na mesma data, no sentido de passar a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, contrato que vigorou até 31/10/2022.
1.2 A Ré é uma empresa comercial cuja atividade principal consiste na prestação de serviços de segurança privada.
1.3 Com base no referido contrato, o Autor desempenhava as funções inerentes à categoria profissional de “vigilante”, auferindo uma remuneração base mensal de €816,21, acrescido de €6,18 a título de subsídio de alimentação.
1.4 O Autor prestava os seus serviços profissionais nas instalações dos clientes da Ré, em horário organizado em sistema de turnos rotativos previamente designado pela Ré, com um período normal de trabalho semanal de 40 horas. (redação alterada pelos motivos que se indicam infra)
1.5 A Ré é associada da AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança desde 2006.
1.6 No contrato celebrado ficou consignado que o mesmo seria “regido pelo contrato coletivo de trabalho aplicável ao setor da segurança privada (CAE 80100) publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 26 de 15 de julho de 2019, celebrado entre a Associação Nacional das Empresas de Segurança AESIRF e a ASSP – Associação Sindical da Segurança Privada e pela legislação geral aplicável”.
1.7 O Autor executou as seguintes horas de trabalho, conforme as escalas de trabalho que lhe foram entregues pelos seus superiores:
1.7.1 Em Maio de 2022:
1.7.1.1 No dia 1 das 08:00 às 16:00;
1.7.1.2 No dia 2 das 08:00 às 16:00;
1.7.1.3 No dia 3 das 16:00 às 00:00;
1.7.1.4 No dia 4 das 16:00 às 00:00;
1.7.1.5 No dia 5 das 16:00 às 00:00;
1.7.1.6 No dia 8 das 16:00 às 00:00;
1.7.1.7 No dia 14 das 00:00 às 08:00;
1.7.1.8 No dia 15 das 00:00 às 08:00;
1.7.1.9 No dia 16 das 00:00 às 08:00;
1.7.1.10 No dia 17 das 00:00 às 08:00;
1.7.1.11 No dia 18 das 08:00 às 16:00;
1.7.1.12 No dia 19 das 08:00 às 16:00;
1.7.1.13 No dia 20 das 08:00 às 16:00;
1.7.1.14 No dia 21 das 08:00 às 16:00;
1.7.1.15 No dia 22 das 08:00 às 16:00;
1.7.1.16 No dia 24 das 00:00 às 08:00;
1.7.1.17 No dia 25 das 16:00 às 00:00;
1.7.1.18 No dia 26 das 16:00 às 00:00;
1.7.1.19 No dia 27 das 16:00 às 00:00;
1.7.1.20 No dia 28 das 16:00 às 00:00;
1.7.1.21 No dia 29 das 16:00 às 00:00;
1.7.1.22 No dia 30 das 16:00 às 00:00;
1.7.1.23 No dia 31 das 16:00 às 00:00;
1.7.2 Em Junho de 2022:
1.7.2.1 No dia 1 das 08:00 às 16:00;
1.7.2.2 No dia 2 das 08:00 às 16:00;
1.7.2.3 No dia 3 das 16:00 às 00:00;
1.7.2.4 No dia 4 das 16:00 às 00:00;
1.7.2.5 No dia 5 das 08:00 às 16:00;
1.7.2.6 No dia 6 das 00:00 às 06:00;
1.7.2.7 No dia 7 das 00:00 às 08:00;
1.7.2.8 No dia 8 das 00:00 às 08:00;
1.7.2.9 No dia 9 das 00:00 às 08:00 e das 18:00 às 00:00;
1.7.2.10 No dia 10 das 00:00 às 08:00;
1.7.2.11 No dia 11 das 00:00 às 08:00;
1.7.2.12 No dia 12 das 08:00 às 16:00;
1.7.2.13 No dia 15 das 16:00 às 00:00;
1.7.2.14 No dia 16 das 08:00 às 16:00;
1.7.2.15 No dia 17 das 08:00 às 16:00;
1.7.2.16 No dia 18 das 08:00 às 16:00;
1.7.2.17 No dia 19 das 00:00 às 16:00;
1.7.2.18 No dia 20 das 08:00 às 16:00;
1.7.2.19 No dia 23 das 08:00 às 16:00;
1.7.2.20 No dia 24 das 14:00 às 00:00;
1.7.2.21 No dia 25 das 08:00 às 16:00;
1.7.2.22 No dia 26 das 08:00 16:00;
1.7.2.23 No dia 27 das 16:00 00:00;
1.7.2.24 No dia 28 das 16:00 às 00:00;
1.7.2.25 No dia 30 das 14:00 às 16:00;
1.7.3 Em Julho de 2022:
1.7.3.1 No dia 1 das 08:00 às 16:00;
1.7.3.2 No dia 2 das 08:00 às 16:00;
1.7.3.3 No dia 3 das 15:00 às 20:00;
1.7.3.4 No dia 4 das 00:00 às 08:00;
1.7.3.5 No dia 5 das 00:00 às 08:00;
1.7.3.6 No dia 6 das 16:00 às 00:00;
1.7.3.7 No dia 7 das 16:00 às 00:00;
1.7.3.8 No dia 8 das 16:00 às 00:00;
1.7.3.9 No dia 9 das 08:00 às 15:00 e das 16:00 às 00:00;
1.7.3.10 No dia 10 das 08:00 às 16:00 e das 17:00 21:00;
1.7.3.11 No dia 11 das 16:00 às 00:00;
1.7.3.12 No dia 12 das 08:00 às 16:00;
1.7.3.13 No dia 13 das 00:00 às 08:00;
1.7.3.14 No dia 15 das 08:00 às 16:00;
1.7.3.15 No dia 16 das 16:00 às 22:00;
1.7.3.16 No dia 17 das 16:00 às 00:00;
1.7.3.17 No dia 18 das 16:00 às 00:00;
1.7.3.18 No dia 19 das 16:00 às 00:00;
1.7.3.19 No dia 20 das 16:00 às 00:00;
1.7.3.20 No dia 21 das 16:00 às 00:00;
1.7.3.21 No dia 22 das 16:00 às 00:00;
1.7.3.22 No dia 24 das 16:00 às 00:00;
1.7.3.23 No dia 25 das 00:00 às 08:00;
1.7.3.24 No dia 26 das 00:00 às 08:00;
1.7.3.25 No dia 27 das 00:00 às 08:00;
1.7.3.26 No dia 28 das 00:00 às 08:00;
1.7.3.27 No dia 29 das 00:00 às 08:00 e das 16:00 às 00:00;
1.7.3.28 No dia 30 das 16:00 às 00:00;
1.7.4 Em Agosto de 2022:
1.7.4.1 No dia 1 das 00:00 às 08:00;
1.7.4.2 No dia 2 das 00:00 às 08:00;
1.7.4.3 No dia 3 das 00:00 às 08:00;
1.7.4.4 No dia 4 das 00:00 às 08:00;
1.7.4.5 No dia 5 das 00:00 às 08:00;
1.7.4.6 No dia 6 das 08:00 às 12:00 e das 20:00 às 00:00;
1.7.4.7 No dia 7 das 16:00 às 00:00;
1.7.4.8 No dia 9 das 07:00 às 16:00;
1.7.4.9 No dia 10 das 08:00 às 16:00;
1.7.4.10 No dia 11 das 08:00 às 16:00;
1.7.4.11 No dia 12 das 08:00 às 16:00;
1.7.4.12 No dia 13 das 08:00 às 16:00;
1.7.4.13 No dia 14 das 16:00 às 00:00;
1.7.4.14 No dia 15 das 08:00 às 20:00;
1.7.4.15 No dia 16 das 16:00 às 00:00;
1.7.4.16 No dia 17 das 16:00 às 00:00;
1.7.4.17 No dia 18 das 16:00 às 00:00;
1.7.4.18 No dia 19 das 16:00 às 00:00;
1.7.4.19 No dia 20 das 12:00 às 19:00;
1.7.4.20 No dia 21 das 16:00 às 00:00;
1.7.4.21 No dia 22 das 16:00 às 00:00;
1.7.4.22 No dia 26 das 08:00 às 16:00;
1.7.4.23 No dia 27 das 08:00 às 16:00;
1.7.4.24 No dia 28 das 16:00 às 00:00;
1.7.4.25 No dia 29 das 08:00 às 16:00;
1.7.4.26 No dia 31 das 08:00 às 16:00;
1.7.5 Em Setembro de 2022:
1.7.5.1 No dia 16 das 08:00 às 16:00;
1.7.5.2 No dia 17 das 16:00 às 00:00;
1.7.5.3 No dia 18 das 16:00 às 00:00;
1.7.5.4 No dia 19 das 00:00 às 08:00;
1.7.5.5 No dia 20 das 00:00 às 08:00;
1.7.5.6 No dia 21 das 00:00 às 08:00;
1.7.5.7 No dia 22 das 00:00 às 08:00;
1.7.5.8 No dia 23 das 08:00 às 16:00;
1.7.5.9 No dia 25 das 08:00 às 16:00;
1.7.5.10 No dia 26 das 08:00 às 16:00;
1.7.5.11 No dia 27 das 08:00 às 16:00;
1.7.5.12 No dia 28 das 08:00 às 16:00;
1.7.5.13 No dia 29 das 08:00 às 16:00;
1.7.5.14 No dia 30 das 08:00 às 18:00;
1.7.6 Em Outubro de 2022:
1.7.6.1 No dia 1 das 16:00 às 00:00;
1.7.6.2 No dia 2 das 16:00 às 00:00;
1.7.6.3 No dia 3 das 08:00 às 16:00;
1.7.6.4 No dia 4 das 08:00 às 16:00;
1.7.6.5 No dia 5 das 08:00 às 20:00;
1.7.6.6 No dia 6 das 00:00 às 08:00;
1.7.6.7 No dia 7 das 08:00 às 16:00 e das 16:00 às 00:00;
1.7.6.8 No dia 8 das 08:00 às 16:00 e das 16:00 às 00:00;
1.7.6.9 No dia 9 das 16:00 às 00:00;
1.7.6.10 No dia 10 das 10:00 às 16:00;
1.7.6.11 No dia 11 das 10:00 às 16:00;
1.7.6.12 No dia 12 das 08:00 às 16:00;
1.7.6.13 No dia 13 das 16:00 às 00:00;
1.7.6.14 No dia 14 das 16:00 às 00:00;
1.7.6.15 No dia 15 das 08:00 às 16:00;
1.7.6.16 No dia 16 das 08:00 às 16:00;
1.7.6.17 No dia 17 das 16:00 às 00:00;
1.7.6.18 No dia 18 das 00:00 às 08:00;
1.7.6.19 No dia 19 das 00:00 às 08:00;
1.7.6.20 No dia 20 das 00:00 às 08:00;
1.7.6.21 No dia 21 das 16:00 às 00:00;
1.7.6.22 No dia 22 das 08:00 às 16:00;
1.7.6.23 No dia 23 das 16:00 às 00:00;
1.7.6.24 No dia 25 das 08:00 às 16:00;
1.7.6.25 No dia 26 das 00:00 às 08:00;
1.7.6.26 No dia 27 das 00:00 às 08:00;
1.7.6.27 No dia 28 das 00:00 às 08:00;
1.7.6.28 No dia 29 das 16:00 às 00:00;
1.7.6.29 No dia 30 das 16:00 às 00:00.
1.8 O autor não trabalhou entre os dias 9 e 13 de Maio de 2022 e entre os dias 1 e 15 de Setembro de 2022, por se encontrar em gozo de férias.
1.9 A Ré pagou ao autor:
1.9.1 Em Junho 2022: Trabalho noturno - € 55,75 e Trabalho suplementar - € 216,66
1.9.2 Em Julho 2022: Trabalho noturno - € 50,44 e Trabalho suplementar - € 103,62
1.9.3 Em Agosto 2022: Trabalho noturno - € 69,91 e Trabalho suplementar - € 131,88
1.9.4 Em Setembro 2022: Trabalho noturno - € 53,10 e Trabalho suplementar - € 160,14
1.9.5 Em Outubro 2022: Trabalho noturno - € 14,75 e Trabalho suplementar - € 37,68.
*
IV. Arguição da nulidade da sentença
A recorrente veio arguir a nulidade da sentença, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e) do Código de Processo Civil.
Para tanto, sustenta, em síntese, que o tribunal a quo ao condená-la a pagar trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, crédito este que não foi peticionado, condenou em objeto diverso do pedido e, em simultâneo, conheceu questão de que não podia tomar conhecimento.
A 1.ª instância pronunciou-se pela inexistência do apontado vício da sentença.
Cumpre apreciar.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1 do Código do Processo Civil, aplicável ao processo laboral “ex vi” do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho:
«É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.(…)».
A causa de nulidade contemplada na citada alínea d) reporta-se àquilo que habitualmente se designa como “omissão e excesso de pronúncia” e está em correspondência direta com o artigo 608.º, n.º 2 do mesmo código. Estabelece-se nesta norma que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, verifica-se a “omissão de pronúncia” quando o juiz deixe de apreciar as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Por seu turno, o “excesso de pronúncia” ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.
Importa esclarecer que não se deverá confundir questões com razões ou argumentos invocados pelos litigantes em defesa do seu ponto de vista, pois esses não têm que ser obrigatoriamente conhecidos pelo tribunal. Já o Professor Alberto dos Reis ensinava que: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»[2].
Quanto à causa de nulidade consagrada na citada alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º, cita-se, por relevante, o que foi escrito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2013 (Proc. 2424/07.3TBVCD.P1.S1):[3]
«O juiz há-de pronunciar-se apenas sobre as questões que as partes lhe tenham conferido para a sua apreciação e julgamento - n.º 1, al. d) do artigo 668.º do C.P.Civil.
Particularmente relacionado com este imperativo legal está o princípio estatuído no artigo 661.º, n.º 1[4], do mesmo diploma legal, que estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
O pedido é o ponto de partida de toda a tramitação processual, posta ao serviço das pessoas para a resolução do conflito de interesses que trazem a juízo.
Em abono dos ditames da confiança e da segurança de que o cidadão usufrui e enquadráveis na prerrogativa da tutela dos seus direitos, o Tribunal terá de ter na devida conta as metas que a própria parte estabelece na ação, ao fixar os contornos do seu próprio pedido, ferindo de nulidade a sentença que não consagra este comando legal - art.º 668.º, n.º1, al. e), do CPC.
Não pode, pois, a sentença exteriorizar efeitos jurídicos que as partes não abordaram no desenvolvimento da lide, nem questionar controvérsias que o autor ou réu omitiram nos articulados.».
Efetivamente, a lei processual civil impõe limites á condenação.
O n.º 1 do artigo 609.º do Código de Processo Civil é explicito e inequívoco ao estatuir que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Porém, esta regra não é absoluta no processo laboral, pois o artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho contém uma norma especial. Sob a epígrafe “Condenação extra vel ultra petitum”, dispõe este artigo: « O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.».
Exposto, assim, o enquadramento jurídico a considerar para a apreciação da arguida nulidade da sentença, passemos ao seu conhecimento.
Alega a recorrente que houve excesso de pronúncia e condenação em objeto diverso do pedido na decisão que a condenou a pagar ao recorrido trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, por este crédito laboral não ter sido peticionado no articulado que introduziu a ação.
Vejamos.
Na petição inicial, o ora recorrido, formulou, entre outros, pedido de condenação da ora recorrente a pagar-lhe a quantia de € 2.033,28, a título de trabalho suplementar diurno prestado.
Esta quantia foi calculada a partir de um acréscimo remuneratório de 50% sobre a retribuição horária em singelo.
Alegou, em resumo, que o seu período normal de trabalho era de 40 horas semanais, em sistema de turnos rotativos. Especificou as horas de trabalho que executou ao serviço da empregadora, em cada semana de trabalho, ao longo da vigência da relação laboral.
Referiu ter prestado 288 horas de trabalho suplementar diurno, sem diferenciar se tal trabalho foi prestado em dia útil ou em dia de descanso.
Mais apresentou a base legal em que apoiou o pedido formulado.
Sendo assim, foi solicitado ao tribunal a quo que se pronunciasse sobre a existência do alegado trabalho suplementar diurno.
Por conseguinte, quando, na sentença recorrida, se aprecia e conclui que o recorrido prestou trabalho suplementar diurno, nomeadamente em 19 dias de descanso, o tribunal está apenas a pronunciar-se sobre a questão que lhe foi submetida.
Não se verifica, pois, qualquer excesso de pronúncia.
Sucede que, devido ao trabalho suplementar prestado em dia de descanso, o tribunal a quo entendeu que o ora recorrido tem direito a uma remuneração especial correspondente a 200% do valor da retribuição horária em singelo x 8 horas, por cada dia de descanso trabalhado.
Contudo, na petição inicial, apenas foi pedido o acréscimo remuneratório correspondente a 50% sobre o valor da retribuição horária por todo o trabalho suplementar diurno prestado.
Ora, a petição inicial foi apresentada após a cessação do contrato de trabalho que se aprecia nos autos.
É consabido que o direito à retribuição e aos restantes créditos laborais apenas é considerado um direito indisponível durante a vigência da relação laboral.
Escreveu-se, com relevância, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-03-2004 (Proc. 04S2846):[5]
«(…) o direito à retribuição (e aos restantes créditos laborais) só se consideram indisponíveis durante a vigência da relação laboral, o que se justifica, quer pela natureza da retribuição, entendida como crédito alimentar, indispensável ao sustento do trabalhador e da sua família, quer pela situação de subordinação económica e jurídica em que o trabalhador se encontra face ao empregador, que o pode inibir de tomar decisões verdadeiramente livres, em resultado do temor reverencial em que se encontra face aos seus superiores ou do medo de represálias ou de algum modo poder vir a ser prejudicado na sua situação profissional (veja-se João Leal Amado, A Proteção do Salário, 1973, pag. 196-222; J. Barros Moura, A Convenção Coletiva entre as Fontes do Direito, pag. 210-212 e Parecer de J. Mesquita, na Revista do Ministério Público, Ano I, T. 1, pago 43-47).
Mas, cessada a relação laboral, já nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos seus eventuais créditos resultantes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, uma vez que já não se verificam os constrangimentos existentes durante a vigência dessa relação.».
Com efeito, no momento em que foi apresentada a petição inicial os limites quantitativos do eventual direito de crédito pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal estavam apenas dependentes da vontade do ex-trabalhador.
E o mesmo limitou-se a pedir o acréscimo remuneratório de 50% sobre o valor da retribuição horária em relação a este trabalho, que, aliás, se encontra previsto no artigo 268.º n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho na versão em vigor à data dos factos[6], pelo que, o tribunal a quo ao condenar a ora recorrente a pagar o acréscimo remuneratório de 200%, proferiu condenação que não respeitou a meta quantitativa estabelecida na petição inicial.
E não se diga que a norma especial contida no artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho viabiliza esta condenação para além do pedido.
É que esta norma apenas permite que o juiz condene em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando esteja em causa a aplicação à matéria de facto assente no processo ou à cognoscível oficiosamente de «preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho».
Leite Ferreira, escreveu:[7]
«Os preceitos inderrogáveis são apenas aqueles que o são absolutamente, isto é, que reconhecem um direito a cujo exercício o seu titular não pode renunciar, como o será o direito à indemnização por acidente de trabalho ou doença profissional ou o direito ao salário na vigência do contrato. Se, em vez disso, os preceitos são inderrogáveis apenas no plano jurídico porque o exercício do direito que reconhecem está confiado à livre determinação da vontade das partes, a possibilidade de condenação ultra vel extra petita tem de se considerar excluída».
Ora, em relação ao crédito que se aprecia, por ter cessado o contrato de trabalho e não existir qualquer norma que retire a disponibilidade do exercício do direito à vontade do trabalhador, nomeadamente quanto aos seus limites quantitativos, mostra-se inaplicável a regra do artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho.
Por conseguinte, verifica-se uma condenação em quantidade superior à pedida (e não em objeto diverso do pedido, como, de modo impreciso, refere a recorrente), pelo que a sentença é nula, de harmonia com o disposto no artigo 615.º , n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil.
Consequentemente, declara-se a sentença nula por condenar em quantidade superior ao pedido.
Estatui o artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil:
«Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.».
Como se escreveu no Acórdão da Relação de Guimarães de 20-02-2020 (Proc. 976/19.4T8VRL.G1)[8], a consequência da regra citada «resume-se, em regra, à substituição da decisão proferida pela solução que venha a ser obtida no tribunal de apelação, com resultado semelhante ao que se obtém com a normal apreciação da decisão impugnada objeto do recurso.».
Deste modo, por o processo conter os elementos necessários, decide-se conhecer das questões suscitadas no recurso, no exercício dos poderes de substituição do tribunal recorrido.
*
V. Impugnação da decisão de facto
Em sede de recurso, a recorrente impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto relativamente aos pontos 1.4 e 1.7 do elenco dos factos provados.
No seu entender, a redação do ponto 1.4 deve ser alterada e o ponto 1.7 deve ser eliminado, ou, pelo menos, alterado.
Mostra-se observado o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, aplicável por força da remissão prevista no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Portanto, nada obsta ao conhecimento da impugnação.
O ponto 1.4 tem a seguinte redação:
- O Autor prestava os seus serviços profissionais nas instalações dos clientes da Ré, em horário organizado em sistema de turnos rotativos previamente designado pela Ré, com um período normal de trabalho semanal de 40 horas.
Argumenta a recorrente que este ponto está incompleto, pois atendendo ao que ficou referido no artigo 32.º da contestação e ao que consta da cláusula 4.ª do contrato de trabalho celebrado (documento n.º 1 junto com a petição inicial), deverá acrescentar-se que o período normal de trabalho semanal era de 40 horas em média.
Analisemos.
No artigo 3.º da petição inicial, alegou-se a factualidade que se encontra descrita no ponto impugnada, ou seja, não se fez qualquer menção de que o horário de 40 horas semanais era um horário prestado em média.
Em resposta a esta matéria referiu-se na contestação:
« 32º
Conforme resulta da clausula 4ª do contrato de trabalho (doc. nº 1 junto com a p.i.), o período normal de trabalho horário de trabalho do A, era de 40 horas semanais em média, em consonância com o clausulado do instrumento de regulamentação coletiva aplicável.
33º
Que, nos termos da clausula 22ª do CCT aplicável também consagra um regime de adaptabilidade do período normal de trabalho de “quarenta horas semanais em média”, sendo que o limite diário pode ir até 10 horas, desde que não exceda um total de 50 horas semanais».
Considerando o citado, revela-se evidente que não há um pleno acordo em relação ao alegado na petição inicial.
No contrato de trabalho junto com a petição inicial consta da cláusula 4.ª:
«1- O período normal de trabalho semanal é o que vem regulado na Cláusula 22.ª do Contrato Coletivo de Trabalho e corresponde a 40.00 horas semanais em média, sendo o período de referência para apuramento dos tempos médios de trabalho o que se encontra previsto no Contrato Coletivo de Trabalho.
2- O período de trabalho diário corresponde a 8.00 horas diárias, podendo atingir as 10 horas diárias como previsto no n.º 1 da cláusula 22 do Contrato Coletivo de Trabalho (…)».
Ouvimos a gravação do julgamento e nada foi referido, quer pelo Autor, quer pela única testemunha ouvida, BB, sobre o horário semanal concretamente acordado.
Ficamos, pois, exclusivamente, com a prova documental, isto é, com o contrato de trabalho celebrado que foi apresentado e aceite por ambas as partes.
E o teor da cláusula 4.ª aposta no mesmo revela que, com efeito, a redação do ponto 1.4 se mostra incompleta.
Assim, corrigindo a situação, altera-se o conteúdo do aludido ponto, que passará a ser o seguinte:
-O Autor prestava os seus serviços profissionais nas instalações dos clientes da Ré, em horário organizado em sistema de turnos rotativos previamente designado pela Ré, com um período normal de trabalho semanal de 40 horas em média.
E, ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, com fundamento no mesmo meio de prova documental (contrato de trabalho), e por se tratar de matéria relevante para a boa decisão da causa, adita-se o ponto 1.4-A, com o seguinte teor:
- Ficou convencionado na cláusula 4.ª do contrato de trabalho celebrado:
«1- O período normal de trabalho semanal é o que vem regulado na Cláusula 22.ª do Contrato Coletivo de Trabalho e corresponde a 40.00 horas semanais em média, sendo o período de referência para apuramento dos tempos médios de trabalho o que se encontra previsto no Contrato Coletivo de Trabalho.
2- O período de trabalho diário corresponde a 8.00 horas diárias, podendo atingir as 10 horas diárias como previsto no n.º 1 da cláusula 22 do Contrato Coletivo de Trabalho (…)».
Prosseguindo na apreciação da impugnação…
No ponto 1.7 do conjunto dos factos provados consta:
- O Autor executou as seguintes horas de trabalho, conforme as escalas de trabalho que lhe foram entregues pelos seus superiores: (…)
(elencam-se, no seguimento, os dias e horários trabalhados entre maio e outubro de 2022).
Na motivação da convicção, escreveu o tribunal a quo:
«A divergência entre as partes prendia-se com a existência dos tempos de trabalho do autor. Atendeu-se aos documentos juntos pelo autor, que foram confirmados pelo depoimento de BB (superior hierárquico daquele e que os explicou, assumindo a autoria dos mesmos e a sua adesão à realidade); sobretudo, atendeu-se à conjugação desses documentos com os documentos juntos pela ré (a notificação do Tribunal) de onde constam os registos dos tempos de trabalho do autor (e que, fora alguns dias em Julho, coincidem com os documentos do autor e, assim, contribuem para lhes dar credibilidade).
Naturalmente que, face ao disposto no artigo 72.º, 1, do Código de Processo do Trabalho (e porque sobre a matéria incidiu ampla discussão), só tinha o Tribunal de concretizar a matéria em questão com base nas indicadas provas e, por isso, dar como provados os vários números do ponto 1.7 dos factos provados desta sentença.»
Sustenta a recorrente que os documentos juntos com a petição inicial foram impugnados e, para além disso, os mesmos são, total ou parcialmente, ilegíveis ou indecifráveis. Acrescenta que o depoimento prestado pela testemunha BB não é credível, porque o mesmo está em litígio com a recorrente.
Também refere que o tribunal a quo aplicou incorretamente o artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho porque sobre a matéria em causa não incidiu discussão e não foi respeitado o princípio do contraditório.
Comecemos por apreciar este último argumento.
Estatui o artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho:
«1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
3 - Abertos os debates, é dada a palavra, por uma só vez e por tempo não excedente a uma hora, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para fazerem as suas alegações, tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito. (…)».
Este artigo confere poderes inquisitórios ao juiz laboral, ou seja, a lei atribui-lhe o poder-dever de diligenciar pelo apuramento da verdade material podendo, para o efeito, atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultem da discussão da causa, mesmo que não tenham sido articulados e desde que tais factos não impliquem uma nova causa de pedir, nem a alteração ou ampliação da causa ou causas de pedir iniciais.[9]
Ora, no caso sub judice, o recorrido, na petição inicial, alegou ter executado as horas de trabalho semanais indicadas no artigo 12.º, concluindo, nos artigos 13.º e 14.º, que trabalhou 288 horas de trabalho diurno, para além do período normal de trabalho de 40 horas semanais, e 355 horas de trabalho noturno.
Mais referiu que as horas de trabalho que executou são as que resultam dos mapas de trabalho anexados (documento n.º 3 junto com a petição inicial).
Do exposto decorre que, para as horas de trabalho suplementar diurno e trabalho noturno que alegou ter sido realizado, ofereceu como meio de prova os aludidos mapas de horários.
À recorrente foi dada a possibilidade de exercer o contraditório – como veio a exercer – quer sobre a matéria articulada, quer sobre o aludido meio probatório.
O que o tribunal a quo fez no ponto 1.7 dos factos provados foi ampliar a matéria de facto, indicando os concretos horários praticados, por ter considerado que os mesmos resultaram apurados em função da discussão da causa.
Ou seja, introduziu no conjunto dos factos provados alguns factos essenciais relevantes, não articulados mas abrangidos pela causa de pedir apresentada, e que resultaram da discussão da causa, atuando em prol do princípio da verdade material.
Citemos, por pertinentes, as palavras de Hermínia Oliveira e Susana Silveira:[10]
«O princípio fundamental a ter em conta no âmbito da matéria de facto a apreciar nos autos é o do dispositivo, no sentido de que devem ser as partes a, nos respetivos articulados, alegar os factos constitutivos do direito que se arrogam ou das exceções que arguam.
Ao abrigo do princípio do inquisitório e do princípio da oficiosidade, o incumprimento desse ónus e/ou a insuficiência alegatória são, no domínio da jurisdição do trabalho, suscetíveis de ser ultrapassados ou corrigidos em distintas fases processuais: na audiência de partes; em despacho de aperfeiçoamento; na audiência prévia; em sede de audiência de discussão e julgamento; no momento da fixação da matéria de facto.
É, todavia, na possibilidade de aquisição, conformação e delimitação dos factos “novos” trazidos ao conhecimento do Tribunal na audiência e discussão de julgamento, prevista do art. 72.º, n.º 1, do CPT, que reside o paradigma e a excelência, no âmbito da decisão da matéria de facto, dos poderes exclusivamente atribuídos ao juiz da 1.ª Instância.
Este poder-dever visa satisfazer o princípio da verdade material, impondo o seu exercício o justo equilíbrio dos princípios do dispositivo e do inquisitório, sempre com observância do contraditório.
Relembrando a velha máxima de Séneca, «Quanto maior a pressa, maior a distância», diremos que, ainda que a aquisição dos factos, ao abrigo dos poderes inquisitórios e oficiosos do juiz, possa, numa primeira análise, criar a ilusão de um entorpecimento da ação, significará, todavia e seguramente, sempre que necessário, o caminho mais curto para o alcance da justa composição do litígio.».
Enfim, entendemos que a realizada ampliação da matéria de facto não implicou qualquer violação do princípio do contraditório e encontra apoio legal no artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho.
Avancemos, assim, para a reapreciação da prova.
Desde logo, importa referir que os mapas de horários juntos com a petição inicial – documento n.º 3 – são legíveis e percetíveis, ao contrário do alegado pela recorrente.
E não obstante tenham sido impugnados, o depoimento da testemunha BB, que era chefe do recorrido, permitiu esclarecer o contexto em que surgiram e a sua finalidade. A testemunha explicou que, apesar de existir um mapa de horário anual, a recorrente lhe transmitiu instruções no sentido de ser ele a organizar a escala dos vigilantes no posto em causa, porquanto não existiam vigilantes suficientes. Assim, a empresa facultava-lhe um ficheiro que ele depois preenchia com os efetivos horários praticados por cada vigilante, nomeadamente pelo recorrido, contabilizando, a final, as horas extra e horas noturnas efetuadas. Depois enviava para a empresa e entregava aos vigilantes os ficheiros preenchidos. Mais esclareceu que os mapas de horários apresentados correspondem aos ficheiros finais.
Apesar de esta testemunha ter assumido que tem um litígio com a recorrente, o seu depoimento afigurou-se-nos espontâneo e sincero, razão pela qual entendemo-lo como credível e com capacidade de reforçar a prova documental impugnada.
Por fim, quando confrontamos os mapas de horários apresentados juntamente com a petição inicial com os registos de horários de trabalho juntos pela recorrente, verificamos, tal como foi referido na motivação da convicção, que grande parte dos horários é coincidente, o que fortalece a prova apresentada pelo recorrido.
Em suma, tendo por base os mesmos meios probatórios indicados pelo tribunal a quo, acompanhamos a convicção de que existe suporte probatório consistente para dar como verificada toda a factualidade descrita no ponto 1.7 (e suas alíneas).
Improcede, assim, nesta parte a impugnação.
Concluindo a impugnação da decisão de facto procede parcialmente, com a consequente alteração do ponto 1.4, nos termos supramencionados.
Além disso, ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil aditou-se o ponto 1.4-A ao elenco dos factos provados.
*
VI. Da alegada existência do regime de adaptabilidade
Alega a recorrente que o regime de adaptabilidade foi instituído, por acordo, no contrato de trabalho, e que a sentença recorrida errou ao concluir pela inexistência de tal regime.
Apreciemos.
Por força da alteração da matéria de facto – ponto 1.4 – e do aditamento do ponto 1.4-A, ficou demonstrado que as partes convencionaram, entre si, que o recorrido cumpriria as funções para as quais foi contratado em horário organizado em regime de turnos rotativos previamente designado pela recorrente, com um período normal de trabalho semanal de 40 horas em média, sendo o período de referência para apuramento dos tempos médios de trabalho o que se encontra previsto na cláusula 22.ª do CCT aplicável.
Ora, o instrumento de regulamentação coletiva aplicável, por acordo das partes, é o CCT celebrado entre a Associação Nacional das Empresas de Segurança AESIRF e a ASSP – Associação Sindical da Segurança Privada, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 26, de 15-07-2019.
Dispõe a referida cláusula 22.ª:
«1- O período normal de trabalho pode ser definido em termos médios, podendo o limite diário de oito horas ser aumentado até dez horas e a duração do trabalho semanal atingir cinquenta horas, não podendo o período normal de trabalho diário ser inferior a 6 horas.
2- A duração média do trabalho é apurada por referência a um período não superior a 6 meses, cujos início e termo têm que ser indicados na escala de cada trabalhador. (…)».
Vejamos.
De harmonia com o disposto no artigo 203.º, n.º 1 do Código do Trabalho, o período normal de trabalho não pode exceder 8 horas por dia e 40 horas por semana.
Idêntico período de trabalho, diário e semanal, mostra-se previsto na cláusula 19.ª do CCT que as partes acordaram aplicar à relação laboral.
Todavia, tanto o Código do Trabalho, como o instrumento de regulamentação coletiva aplicável preveem a possibilidade de o tempo de trabalho ser organizado de modo diferente. Designadamente, para o que ora interessa, em ambas as fontes de direito mostra-se previsto o regime da adaptabilidade – artigos 204.º a 207.º do Código do Trabalho e cláusula 22.ª supracitada.
No caso dos autos, as partes acordaram na aplicação de um regime de adaptabilidade, em que o período normal de trabalho semanal seria de 40 horas médias, atendendo a um período de referência não superior a seis meses.
O contrato de trabalho em causa vigorou entre 1 de maio e 30 de outubro de 2022.
Ora, com arrimo nos factos assentes, designadamente tendo em atenção as horas de trabalho que o recorrido executou, conforme as escalas que lhe foram entregues pelos seus superiores, verificamos que em 26 semanas de duração da relação laboral, o recorrido realizou 1200 horas de trabalho, o que dá uma média de 46,15 horas semanais.
Os números revelam, assim, que houve trabalho prestado para além do horário de trabalho do recorrido, trabalho esse que foi realizado por determinação da empregadora - artigo 226.º do Código do Trabalho e cláusula 38.ª do CCT aplicável.
Consequentemente, tal trabalho suplementar confere ao recorrido o direito a receber um acréscimo remuneratório correspondente ao valor da retribuição horária em singelo com a majoração de 25% na 1.ª hora e com a majoração de 45% nas restantes horas nos dias que não são de descanso – n.º 2 da aludida cláusula 38.ª.
Em relação aos dias de descanso em que foi prestado trabalho suplementar (um total de 19 dias), apesar da cláusula 39.ª do CCT prever uma remuneração especial igual à retribuição em singelo acrescida de 200%, por força da limitação do princípio do pedido, apreciada supra, a condenação da recorrente não poderá exceder o pedido formulado.
A 1.ª instância calculou, corretamente, o valor da retribuição horário em singelo (€ 4,71), o valor hora do trabalho suplementar prestado na primeira hora (€ 5,89) e o valor hora do trabalho suplementar prestado nas restantes horas (€6,83).
Relativamente aos dias de descanso trabalhados, o acréscimo remuneratório devido, em função do pedido formulado, é de € 7,07 por hora, ou seja € 56,56 por cada dia x 19 dias.
Logo, é devido ao recorrido pelos dias de descanso trabalhados o valor de € 1.074,64.
Deste modo, teremos de condenar, mais adiante, a recorrente de acordo com este crédito apurado.
Concluindo, quanto à questão que se analisa no presente item: embora se reconheça que o recurso procede quanto à existência de um regime de adaptabilidade, na realidade, este regime, no vertente caso, não provoca alterações relativas à constatação da quantidade de trabalho suplementar diurno prestado.
*
VII. Sobre a cláusula 45.ª do CCT e a alegada impossibilidade de acumulação da indemnização aí prevista com a obrigação de pagamento de juros de mora
A 1.ª instância condenou a recorrente a pagar ao recorrido a indemnização no valor de € 6.002,43, acrescida de juros contados à taxa legal desde prolação da sentença recorrida.
Tal indemnização resulta da aplicação da cláusula 45.ª do CCT que rege a relação laboral que se aprecia.
Esta decisão foi impugnada no recurso.
Alega a recorrente, essencialmente, que a indemnização prevista na aludida cláusula pressupõe a ocorrência de danos que o recorrido não alegou. Ademais, a referida cláusula é manifestamente excessiva e desproporcionada, pelo que, a reconhecer-se o direito à indemnização, deve o seu valor ser especialmente reduzido, nos termos do artigo 812.º do Código Civil. Por fim, argumenta que estando em causa uma cláusula penal indemnizatória, de índole moratória, não é possível cumular com a mesma a obrigação de pagamento de juros de mora.
Analisemos, pois, a impugnação.
Sob a epígrafe [m]ora no pagamento ou pagamento por meio diverso”, prescreve a cláusula 45.ª do CCT:
«O empregador que incorra em mora superior a sessenta dias após o seu vencimento no pagamento das prestações pe­cuniárias efetivamente devidas e previstas no presente capí­tulo ou o faça através de meio diverso do estabelecido, será obrigado a indemnizar o trabalhador pelos danos causados, calculando-se os mesmos, para efeitos indemnizatórios, no valor mínimo de 3 vezes do montante em dívida.».
Esta cláusula encontra-se inserida no Capítulo IX, respeitante à {r]etribuição de trabalho” e constitui uma consequência para a mora do empregador no pagamento das prestações retributivas previstas no capítulo e que sejam efetivamente devidas ao trabalhador.
A consequência é o pagamento de uma indemnização que compense os danos causados pelo atraso no pagamento. Tal indemnização terá necessariamente o valor mínimo correspondente ao triplo do montante em dívida.
Todavia, esta indemnização apenas será devida quando a mora no pagamento ultrapasse os 60 dias após o vencimento das prestações em dívida.
Esta Secção Social já teve oportunidade de se pronunciar sobre a cláusula 45.ª do CCT celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança e a FETESE – Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços e outro, que se encontra publicado no BTE N.º 38/2017, de 15 de outubro[11] e sobre a cláusula 45.ª do CCT celebrado entre a Associação de Empresas de Segurança (AES) e a Associação Nacional de Empresas de Segurança (AESSIRF), por um lado e, por outro, o STAD, publicado no BTE n.º 17, de 8 de Maio de 2011[12], que têm idêntico teor.
Nos arestos proferidos entendeu-se que a cláusula 45.ª apenas tem como pressupostos a mora do empregador superior a 60 dias após o vencimento do pagamento de alguma das prestações previstas no capítulo IX, que se mostrem devidas.
Um dos arestos proferidos, designadamente o de 25-02-2021 (Proc. 251/20.1T8PTM.E1) foi objeto de recurso de revista excecional, tendo sido proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça acórdão, com data de 22-02-2022, que não admitiu a revista, com apoio na seguinte fundamentação:
«A presente revista excecional tem como único fundamento a alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, sendo que a questão cuja apreciação por este Supremo Tribunal, pela sua relevância jurídica, seria claramente necessária para uma melhor aplicação do direito seria a interpretação da cláusula 45.º do Contrato Coletivo de Trabalho entre a Associação Nacional das Empresas de Segurança - AESIRF e a AESSP - Associação Sindical de Segurança Privada, in BTE n.º 26, de 15/07/2019, aplicável por força da Portaria de Extensão n.º 357/2017, DR, I série, de 16/11/2017, com a seguinte redação: “O empregador que incorra em mora superior a sessenta dias após o seu vencimento no pagamento das prestações pecuniárias efetivamente devidas e previstas no presente capítulo ou o faça através de meio diverso do estabelecido, será obrigado indemnizar o trabalhador pelos danos causados, calculando-se os mesmos, para efeitos indemnizatórios, no valor mínimo de 3 vezes o montante em dívida”.
Antes de mais, sublinhe-se que a revista excecional é, como o seu próprio nome já indica, excecional e que sendo invocada a alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC só deverá ser admitida se for claramente necessária a apreciação da questão pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Ora não se vislumbra qualquer necessidade de tal apreciação. O recorrente não dá conta de qualquer controvérsia doutrinal ou jurisprudencial sobre a questão.
Acresce que sendo pacífica na jurisprudência deste Tribunal a afirmação de que a parte normativa da convenção coletiva deve ser interpretada utilizando os mesmos critérios hermenêuticos aplicáveis à interpretação da lei, é claro face à letra da cláusula que a interpretação que o Acórdão recorrido fez da mesma é a correta, isto é, o que o trabalhador tem que alegar e provar é a mora do empregador superior a sessenta dias, procedendo a cláusula da convenção coletiva a uma fixação a forfait do dano – “calculando-se os mesmos, para efeitos indemnizatórios, no valor mínimo de 3 vezes o montante em dívida”.
Não existe, pois, qualquer complexidade ou controvérsia na aplicação da norma que justifique a intervenção deste Tribunal.».[13]
Com efeito, desconhecemos qualquer controvérsia na jurisprudência sobre a interpretação da cláusula 45.ª.
Vejam-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes arestos:
- Acórdão da Relação do Porto de 22-06-2020 (Proc. 14805/18.2T8PRT.P1);
- Acórdão da Relação do Porto de 12-09-2022 (Proc. 8947/20.1T8PRT.P1);
- Acórdão da Relação de Guimarães de 25-05-2023 (Proc. 1945/22.2T8VCT.G1).[14]
Assim, de acordo com a jurisprudência pacífica existente, mantemos que o preenchimento dos requisitos da mencionada cláusula 45.ª verifica-se sempre que se apure que são devidas prestações previstas no capítulo IX e que o empregador incorreu em mora superior a 60 dias, desde a data do seu vencimento, não se mostrando necessária a alegação e prova da verificação concreta de quaisquer danos resultantes da mora.
No vertente caso, resultou demonstrado que a recorrente não pagou ao recorrido subsidio de alimentação (cláusula 33.ª), trabalho suplementar diurno (cláusulas 38.ª e 39.ª) e trabalho noturno (cláusula 41.ª), que eram devidos ao trabalhador e que, por se tratarem de prestações que se venciam com prazo certo, se verifica uma mora no pagamento superior a 60 dias.
Todas estas prestações estão previstas no capítulo IX.
Mostram-se, em consequência, preenchidos os requisitos previstos na cláusula 45.ª.
Argumenta a recorrente que a indemnização prevista nesta cláusula é manifestamente excessiva ou desproporcionada, pelo que deverá ser reduzida, nos termos do artigo 812.º do Código Civil.
Desde já, adiantamos que não lhe assiste razão.
Estatui o artigo 812.º do Código Civil:
«1 - A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.».
É incontroverso que a cláusula 45.ª constitui uma cláusula penal (cf. artigo 810.º, n.º 1 do Código Civil), isto é, uma “pena convencional”[15], através da qual se estabelece a obrigação de liquidação de uma indemnização para o empregador que incorra em mora superior a sessenta dias no pagamento das prestações pe­cuniárias devidas e previstas no capí­tulo IX ou o faça através de meio diverso do estabelecido.
Ora, nos termos previstos pelo supracitado artigo 812.º, o juiz pode proceder a uma redução equitativa da pena convencional quando a mesma for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.
Sobre esta possibilidade, escreveu Mota Pinto:[16]
«A redução da pena só deve efetuar-se em casos excecionais. A redução destina-se a evitar abusos evidentes, situações de clamorosa iniquidade a que conduzem penas “manifestamente excessivas”, francamente exageradas, face aos danos efetivos. Doutro modo, anular-se-iam as vantagens da cláusula penal. O tribunal não só não deve fixar a pena abaixo do prejuízo do credor, como nem sequer deverá fazê-la coincidir com os prejuízos efetivos, pois a redução da pena destina-se apenas a afastar o exagero da pena e não a anulá-la».
Por seu turno, J. Calvão da Silva escreveu:[17]
«A intervenção judicial do controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excecional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal, e nunca perdendo de vista o seu carácter “à forfait”. Daí que apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente».
Destas citações, retira-se que a faculdade de redução equitativa da clausula penal só deve ocorrer em casos verdadeiramente excecionais, isto é, quando os elementos concretos, segundo um critério de equidade e justiça, apontem para um manifesto abuso de cláusula penal.
Ora, quanto à cláusula 45.ª, que estabelece uma indemnização correspondente, no mínimo, ao triplo do montante em dívida, acompanhamos o entendimento manifestado na sentença recorrida. Aí se escreveu:
«Finalmente, invoca a ré que tal cláusula é excessiva e desproporcionada, pelo que deverá ser reduzida, até porque existe abuso de direito por parte do autor. No entanto, importa ter presente que uma cláusula penal (e tem essa natureza, dada a posição das partes em querer assumir todo o conteúdo do CCT, incluindo desta cláusula 45.ª, para regular o contrato individual que celebraram) tem sempre uma natureza de reforço ou agravamento da indemnização devida pelo obrigado faltoso (neste caso a empresa de segurança empregadora que se vê, por receio da sua aplicação, menos tentada a faltar a cumprimento pontual da obrigação pecuniária) e, por outro, visa facilitar o cálculo da indemnização exigível (libertando as partes da alegação e prova de eventuais danos que a falta de cumprimento atempado possa ter causado em concreto). Por ser assim, até pela aplicação que tal cláusula teve noutros casos semelhantes, porque tal cláusula resultou de acordo entre várias entidades patronais e sindicais e não se vislumbrando que a ré tenha sido forçada a inserir a remissão para tal cláusula no contrato de trabalho, não se vê como se possa considerar a mesma excessiva ou desproporcionada.».
No mesmo sentido, v.g. o Acórdão da Relação de Guimarães de 25-03-2023 e o Acórdão da Relação do Porto de 12-09-2022, anteriormente identificados, nos quais se escreveu:
«No caso, a cláusula foi negociada pelas federações patronais e sindicais, pessoas esclarecidas sobre as consequência nela previstas, que obviamente quiseram, e nenhum facto concreto se provou do qual se possa concluir pelo excesso da mesma.».
Enfim, em face do exposto, improcede a pretendida redução da indemnização estabelecida na cláusula 45.ª.
Importa, porém, referir que, em virtude da alteração do montante devido pelo trabalho suplementar prestado em dia de descanso, o valor da indemnização a pagar pela recorrente terá de ser corrigido para o montante de € 2.783,07 (€ 927,69 x 3).
Finalmente, chegámos à última das questões suscitadas no recurso: a recorrente entende que não é possível cumular a indemnização prevista na cláusula 45.ª com o pagamento de juros moratórios.
Quanto a este ponto, importa distinguir duas situações: (i) a dos juros de mora que incidiram sobre as retribuições em dívida; (ii) a dos juros de mora que incidiram sobre a indemnização.
A clausula 45.ª é uma cláusula penal moratória, pois, na mesma, fixa-se a indemnização devida pela mora ou pelo cumprimento defeituoso.
Ora, destinando-se a cláusula a fixar uma indemnização pela mora, não é possível cumular com tal indemnização juros moratórios a incidir sobre as quantias em dívida, por a tal se opor o artigo 811.º do Código Civil.
Cita-se o Acórdão da Relação de Évora de 28-11-2013 (Proc. 117744/11.8VIPRT-A.E1)[18] que aprecia a questão:
«Para o caso concreto, interessa-nos apenas as chamadas cláusulas penais puramente compulsórias cuja razão de ser é obrigar o devedor ao cumprimento da prestação negocial a que se encontra obrigado, nada obstando, de acordo com o princípio da liberdade contratual já por nós referido, que uma tal sanção seja cumulada com a prestação em falta, tratando-se assim de uma clausula penal moratória e não de uma clausula penal compensatória onde, à partida, se estabelece o montante total da indemnização sem possibilidade de cumular com a obrigação principal. Ora, esta distinção resulta claramente do preceituado no nº 1 do artº 811.º do CCivil onde claramente se estabelece que “O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário“ – sublinhado nosso. Esta doutrina acha-se hoje explicitada no preceito aditado, com o n.º 1, ao artigo 811.° do Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 200-C/80, e mantido pelo Decreto-Lei n.º 262/83.
Tal significa, como acontece no caso concreto, que a cláusula penal moratória pode cumular-se com o pagamento do montante ainda em dívida sem possibilidade, no entanto, de serem aditados juros moratórios conforme reclamado uma vez que a tal se opõe o art. 811.º do CCivil. É que, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (artº 806º, nº 1). Tratando-se de obrigação pecuniária, a lei presume (iuris et iure) que há sempre danos pela mora e fixa, em princípio, à forfait, o montante desses danos.
Como refere Calvão da Silva in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pag. 258/259, “ a nossa lei não permite, assim, cumular a cláusula penal e a indemnização segundo as regras gerais, justamente porque aquela é indemnização à forfait fixada preventivamente. Permitir o seu cúmulo significaria (...) admitir duas vezes a indemnização do credor: uma, a cláusula penal, que é uma indemnização à forfait; a outra, a indemnização segundo as regaras gerais”. (...)
Não é possível cumular (...) a cláusula penal moratória com a indemnização, determinada segundo as regras gerais, do dano correspondente ao atraso no cumprimento da obrigação (indemnização moratória)”. E bem se compreende que assim seja, pois, caso contrário, não se justificaria o estabelecimento da indemnização fixada a priori.»
Deste modo, não poderia o tribunal a quo ter condenado a recorrente a pagar juros de mora sobre as retribuições em dívida.
Nesta parte, procede o recurso.
Todavia, a mora no pagamento da indemnização fixada na cláusula penal, que é uma prestação pecuniária, confere ao credor o direito a juros moratórios, de acordo com o artigo 806.º do Código Civil.[19]
Daí que nenhuma censura nos mereça a sentença recorrida na parte que condenou a recorrente a pagar juros de mora sobre o valor da indemnização, desde a data da prolação da sentença (artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil)
Nesta parte, improcede, pois, o recurso.
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Concluindo, o recurso procede parcialmente, e, em consequência, deve ser parcialmente revogada a decisão recorrida.
*
VIII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente, e consequentemente, revogam parcialmente a decisão recorrida, condenando a Ré a pagar ao Autor:
a) A quantia líquida de € 927,69[20], respeitante a trabalho suplementar diurno, trabalho noturno e subsídio de alimentação, em dívida.
b) A indemnização no valor de € 2.783,07[21] , acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a prolação da sentença.
Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que beneficia o Autor.
Notifique.
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Évora, 20 de fevereiro de 2024
Paula do Paço (Relatora)
João Luís Nunes
Mário Branco Coelho

_________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, volume V, pág. 143.
[3] Este Acórdão, publicado em www.dgsi.pt, embora se reporte ao artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do anterior CPC, mantém atualidade pela correspondência desta norma com o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do atual CPC.
[4] O artigo 661.º do anterior CPC corresponde ao artigo 609.º do atual CPC.
[5] Acessível em www.dgsi.
[6] Versão anterior à que foi introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril.
[7] In “Código de Processo do Trabalho anotado”, 4.ª edição, 1996, pág. 355.
[8] Consultável em www.dgsi.pt.
[9] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008 (Proc. 07S2898), acessível em www.dgsi.pt.
[10] In “VI Colóquio sobre Direito do Trabalho”, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 22-10-2014, em “Colóquios”, disponível em www.stj.pt.
[11] Cf. Acórdão de 25-02-2021 (Proc. 251/20.1T8PTM.E1), publicado em www.dgsi.pt.
[12] Cf. Acórdão de 17-06-2021 (Proc. 2863/19.7T8PTM.E1), acessível na base de dados anteriormente referida
[13] Este Acórdão encontra-se publicado na base de dados da dgsi – Proc. 251/20.1T8PTM.E1.S2.
[14] Todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[15] Cf. Ana Prata, “Cláusulas de Exclusão e limitação da responsabilidade contratual”, Almedina, 1985, pág. 222
[16] In “Direito Civil”, 1980, pág. 224.
[17] In “Cumprimento e sanção pecuniária compulsória”, pág. 273.
[18] Acessível em www.dgsi.pt.
[19] Neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 18-10-2005 (Proc. 1448/05), consultável em www.dgsi.pt.
[20] (€ 705,88 + € 203,27 + € 18,54).
[21] (€ 927,69 x 3).