RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
TRIBUNAL PLENO
PRESSUPOSTOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
CORREIO ELETRÓNICO
NOTIFICAÇÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Sumário


“Quando, em face de apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução remetido por correio electrónico simples, desprovido de assinatura electrónica avançada e sem validação cronológica, não se seguir o envio do seu original, no prazo de 10 dias, conforme o disposto nos artigos 3.º, n.º 1 a 3 e 10.º, da Portaria 642/2004, de 16 de Junho, 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Fevereiro e 287.º, n.º 3, do CPP, deve o tribunal notificar o arguido para, no prazo que lhe for fixado, apresentar o documento em falta.”

Texto Integral




Recurso Extraordinário para Fixação de Jurisprudência


Processo: 707/19.9PBFAR-F.E1-A.S1


Acordam no Pleno das Seções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:


I – RELATÓRIO

1. O Ministério Público (MP) interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Évora (TRE), proferido em 07/06/2022, no processo n.º 707/19.9PBFAR-F.E1, transitado em julgado em 13/06/2022 (acórdão recorrido), alegando que o mesmo se encontra em oposição com o acórdão do mesmo TRE proferido em 13/07/2021, no processo n.º 914/18.1T9ABF-A.E1, transitado em julgado em 30/09/2021 (acórdão-fundamento), publicado em www.dgsi.pt .


O recurso foi interposto em 20/06/2022 e o recorrente MP fundamentou o seu recurso alegando que, em síntese, ambos os acórdãos – fundamento e recorrido –, assentam em soluções opostas, de modo expresso e a partir de situações de facto idênticas, sobre a mesma questão jurídica fundamental, pedindo que seja fixada jurisprudência no sentido de que “face ao quadro legal decorrente dos artigos 3.º, n.º 1 a 3 e 10.º da Portaria 642/2004, de 16/6, 4.º do DL n.º 28/92, de 27/02, 6.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 329-A/95, de 12/2 e 287.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, a apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução (RAI) por correio eletrónico simples (sem assinatura eletrónica avançada e sem validação cronológica), ficando sujeito ao regime estabelecido para o envio através de telecópia, quando não for seguido do envio ao processo dos originais do RAI no prazo de 10 dias, não deve levar à imediata rejeição do RAI por inadmissibilidade legal, devendo essa rejeição ser antecedida da notificação ao arguido para apresentar o original do RAI.”.


A questão de direito consistiria em saber se, i) a falta de apresentação do original do requerimento para abertura da instrução (RAI) do arguido, remetido a juízo, por correio electrónico simples e sem validação cronológica, no prazo legal de 10 dias (cfr. disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 17 de Fevereiro e no artigo 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), tem como consequência imediata a rejeição liminar daquele requerimento, por inadmissibilidade legal, nos termos do disposto no artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal; ou ii) se, ao invés, antes de rejeitar o RAI se impõe o dever de notificar o arguido, na pessoa do seu mandatário, para, em prazo a fixar, apresentar o original do requerimento para abertura da instrução, que foi remetido a juízo, por correio electrónico simples, com a assinatura original do seu subscritor.


A oposição resultaria de o acórdão fundamento ter respondido nos termos da primeira proposição, considerando que o RAI deve ser logo rejeitado por inadmissibilidade legal, não havendo lugar a qualquer notificação para apresentação do original; enquanto o acórdão recorrido, em caso de similar falta de apresentação do original do (RAI) do arguido, respondeu nos termos da segunda proposição, julgando que não devia haver lugar à sua rejeição por inadmissibilidade legal mas proceder-se, previamente, à notificação ao arguido para apresentar o original do requerimento para a abertura de instrução.

2. Por acórdão proferido em 13/04/2023, este Supremo Tribunal de Justiça (STJ) julgou verificada a oposição de julgados e determinou o seu prosseguimento, conforme o disposto no art.º 441.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Penal (CPP).

3. Os sujeitos processuais foram notificados nos termos do art.º 442.º, n.º 1, do CPP, tendo apresentado alegações, apenas o recorrente MP, concluindo as suas motivações, como se transcreve:


1. O correio eletrónico constitui ainda hoje uma forma admissível de prática de atos processuais na fase de inquérito ou instrução, sendo que os termos em que essa forma de apresentação a juízo de atos processuais se efetiva e os efeitos processuais consequentes dependem do cumprimento das disposições constantes da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27de fevereiro e no Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro.


2. Como resulta da leitura do disposto nos artigos 3.º, n.º 1 a 3 e 10.º da Portaria 642/2004, de 16 de junho, 4.º do DL n.º 28/92, de 27 de fevereiro, 6.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, após remessa, por correio electronico, dos articulados ou de documentos autênticos ou autenticados, sem assinatura eletrónica avançada e sem validação cronológica, devem os respetivos originais ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de 10 dias (contados do envio), a fim de serem incorporados nos próprios autos


3. Não tendo o requerente de abertura de instrução cumprido o disposto no artigo 4º, nº 3, do Decreto-lei nº 28/92, de 27-02, isto é, não tendo procedido à junção aos autos do original do requerimento de abertura de instrução, no prazo de 10 dias, afigura-se-nos que o mesmo deve ser notificado para apresentar o original do RAI, sob pena de, não o fazendo no prazo fixado, o tribunal violar o princípio constitucional do direito à tutela jurisdicional efetiva e o direito a um processo equitativo.


4. Com efeito, sendo o RAI liminarmente rejeitado, o requerente vê, sem dúvida, ser restringido o seu direito à ação, que consiste, neste caso, no direito de levar a sua pretensão ao conhecimento do órgão judicial, precludindo desta forma a sua garantia processual de controlo judicial da decisão do inquérito, através da abertura de instrução e o consequente dever do Tribunal se pronunciar, mediante decisão fundamentada (direito à decisão), bem como o direito a um processo equitativo.


5. A exigência consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição de um processo equitativo, não pode afastar a liberdade de conformação do legislador no concreto desenho do processo penal, impondo, por exemplo, determinados ónus aos diversos intervenientes processuais desde que se mostrem conformes com o princípio da proporcionalidade.


6. O Tribunal Constitucional tem vindo a densificar, na sua jurisprudência, o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em questão a imposição de ónus às partes, tendo reconduzido tal juízo à consideração de três aspetos fundamentais; (i) a justificação da exigência processual em causa; (ii) a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; e (iii) a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento do ónus.


7. Aplicando estes três vetores fundamentais à questão em análise não podemos deixar de concluir que atribuir um efeito preclusivo ao incumprimento do ónus de entregar os originais do RAI não é um ónus processual proporcionado e compatível com um processo justo, uma vez que os três requisitos não se mostram cumulativamente preenchidos.


8. De facto, na presente situação parece incontroverso que a imposição da junção do original do RAI é apropriada como forma de garantir a autenticidade dos mesmos, face à forma como os articulados foram enviados – [a justificação da exigência processual em causa]


9. Por outro lado, o cumprimento adequado de tal ónus não implica um sacrifício desproporcionado para o arguido/assistente, - entrega dos originais dos articulados, na secretária no prazo de 10 dias [menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado]


10. Contudo, surge como desproporcionada a atribuição de eficácia irremediavelmente preclusiva à omissão de entrega dos originais do RAI, ditando a rejeição do requerimento de abertura da fase de instrução, sem que o Tribunal deva convidar a parte a cumprir adequadamente o ónus em causa, entregando o original do RAI.


11. Tanto mais que a entrega dos originais do RAI na secretaria tem apenas a função de confirmar o ato antes praticado, através de correio eletrónico, tendo em vista a comprovação do envio, a autenticidade e exatidão do requerimento enviado daquela forma, não servindo para completar ou corrigir eventuais deficiências do Requerimento de abertura de instrução.


12. O convite do Tribunal para que se junte aos autos o original do RAI em nada afeta o princípio da celeridade processual já que, por um lado, não está em causa a concessão de um prazo suplementar para requerer a abertura da instrução, posto que este ato se considera praticado com o envio daquele requerimento, por correio eletrónico e, 13. por outro lado, sendo curto o prazo conferido para o requerente da instrução apresentar os originais, este princípio não sai beliscado.


14. Nos casos em que o não cumprimento, ou o cumprimento defeituoso, de certos ónus processuais, pelo arguido/assistente é suscetível de implicar a perda definitiva de direitos ou a preclusão irremediável de faculdades processuais, afigura-se-nos que se deve previamente formular convite ao requerente para suprimento da deficiência, desde que tal não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual e seja a forma equilibrada e adequada, de cumprir o principio da efetividade da tutela jurisdicional.”.


Propondo, a final, que se fixe a seguinte jurisprudência: “(…) face ao quadro legal decorrente dos artigos 3.º, n.º 1 a 3 e 10.º da Portaria 642/2004, de 16/6, 4.º do DL n.º 28/92, de 27/02, 6.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 329-A/95, de 12/2 e 287.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, a apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução (RAI) por correio eletrónico simples (sem assinatura eletrónica avançada e sem validação cronológica), ficando sujeito ao regime estabelecido para o envio através de telecópia, quando não for seguido do envio ao processo dos originais do RAI no prazo de 10 dias, não deve levar à imediata rejeição do RAI por inadmissibilidade legal, devendo essa rejeição ser antecedida da notificação ao arguido para apresentar o original do RAI.”.

4. Colhidos os vistos e reunido o Pleno das secções criminais, cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Como se deixou dito, o Ac. do STJ de 13/04/2023 concluiu pela verificação de oposição de julgados determinando, em consequência, que os autos prosseguissem os seus termos.


Porém, a referida decisão não vincula o pleno das Secções Criminais, pelo que deverá a questão ser autonomamente reexaminada, importando revisitar, ainda que sumariamente, os pressupostos processuais de natureza formal e substancial do presente recurso.


A admissibilidade de recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, de duas decisões com soluções opostas relativamente à mesma questão de direito, no âmbito da mesma legislação, está directamente relacionada com a necessidade de garantir o controle difuso dos fundamentos das decisões das instâncias, que, eventualmente, se contradigam entre si, por via do reexame do tribunal superior. Visa, pois, a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando eventuais conflitos existentes entre decisões sobre a mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação, acautelando-se a previsibilidade e a segurança jurídica sem beliscar a independência dos tribunais.


Ademais, a questão em causa terá de ter sido decidida de modo expresso em ambos os acórdãos e tomada a título principal, pelo que a mera oposição de posições implícitas ou diferente fundamentação não é de molde a sustentar tal oposição. Acresce que as situações de facto terão de ser substancialmente idênticas, pois só assim se poderá aferir se para a mesma questão jurídica foram adotadas soluções opostas. Impõe-se, ainda, que a questão sob apreciação não tenha sido objeto de anterior fixação de jurisprudência.


No que respeita aos pressupostos necessários para se julgar verificada a oposição de julgados, entre muitos outros, veja-se o que se disse nos Acs. do STJ, de 13/01/2022, Proc. n.º 225/18.2PASXL-A.S1 e de 28/04/2022, Processo n.º 123/16.4SWLSB-F.L1-A.S1, em www.dgsi.pt.


Nestes termos entende-se, tal como no acórdão proferido em 13/04/2023 pela 5.ª Secção Criminal deste STJ, estarem preenchidos todos os pressupostos formais e substanciais e, em consequência, estar verificada a oposição de julgados, nada havendo a acrescentar.

2. Com efeito, a factualidade considerada em oposição nos acórdãos recorrido e fundamento é a seguinte:


2.1. No Acórdão Recorrido – Ac. do TRE de 07/06/2022

a. O recurso tinha como objeto o despacho que rejeitou o RAI que havia sido apresentado pelo arguido, através de correio electrónico simples, sem assinatura electrónica avançada, nem aposição de selo temporal por entidade terceira idónea;

b. O arguido tinha procedido à junção aos autos de cópia, em papel, dessa peça processual.

c. Porém, o Juiz de Instrução Criminal não atendeu a tal documento, por o ter considerado inidóneo, em virtude de não conter a assinatura do subscritor, nem a certificação dessa mesma assinatura, pelas formas legais admissíveis, tratando-se de mera fotocópia;

d. Com efeito, na decisão que rejeitou o RAI entendeu-se que o requerimento remetido a juízo pelo arguido, através de correio electrónico, não cumpria os requisitos legais de forma para a prática do acto (a abertura de instrução criminal), decidindo a sua rejeição, por inadmissibilidade legal, ao abrigo do art.º 287.º, n.º 3, do CPP;

e. E, em tal despacho judicial se considerou não haver lugar, previamente, à notificação do interessado para apresentação do respetivo original;

f. O acórdão recorrido do Tribunal da Relação em sede de recurso, revogou o referido despacho, por entender que a rejeição do requerimento de abertura de instrução pressupunha a prévia notificação à parte para apresentação do original respectivo, sendo que apenas na eventualidade de, na sequência dessa notificação, o arguido não apresentar o original desse requerimento, se poderia, com esse fundamento e nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 17 de Fevereiro, rejeitar o requerimento de abertura de instrução.


2.2. No Acórdão-Fundamento – Ac. do TRE de 13/07/2021 –

a. O objecto do recurso era um RAI, também remetido por um arguido, através de correio electrónico simples, sem a aposição de assinatura electrónica e sem validação cronológica do respetivo ato de expedição;

b. Face a tal circunstância, o Juiz de Instrução Criminal determinou que os autos aguardassem o prazo de 10 dias, pelo envio do “original” do RAI;

c. Decorrido esse prazo, não tendo sido tal documento apresentado nos autos, o JIC indeferiu o pedido de abertura de instrução criminal apresentado por correio electrónico, nas referidas circunstâncias;

d. Interposto recurso desse despacho, pelo acórdão fundamento, o TRE decidiu que, no caso de o RAI padecer de irregularidades ou de deficiências, não deve haver convite ao aperfeiçoamento do mesmo, por ausência de normativo legal que permita a formulação desse “convite” e por se violar princípios elementares do processo penal português;

e. Em consequência, julgou que o RAI apresentado pelo arguido não havia respeitado as exigências legais relativas à sua forma de apresentação em tribunal, no prazo previsto para ser requerida a abertura da instrução e considerou tal pedido legalmente inadmissível, ao abrigo do disposto no art.º 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.


Por isso, tal como se decidiu na secção, ocorre a oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito.

3. Verifica-se, assim, que do ponto de vista formal nada obsta à admissão do recurso, pois que o Ministério Público tem legitimidade para interpor o presente recurso de fixação, os acórdãos em causa são ambos de um mesmo Tribunal da Relação (de Évora) e encontram-se transitados em julgado, tendo o recurso sido interposto em 20/06/2022, no prazo de 30 dias prescrito no art.º 438.º, n.º 1, do CPP.


Acresce que o Recorrente identificou apenas um acórdão-fundamento, tendo justificado de modo completo e adequado a oposição de julgados, mencionando o lugar da publicação e a data do trânsito em julgado, 30/09/2021.


Do mesmo modo, e na esteira do teor do acórdão proferido nestes autos em 13/06/2023, o mesmo sucede relativamente aos requisitos substanciais.


Com efeito, estamos perante a mesma questão de direito, que respeita, no essencial, à circunstância de saber se, face ao quadro legal decorrente dos artigos 3.º, n.ºs 1 a 3 e 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro, 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de fevereiro e 287.º, n.º 3 do CPP, a apresentação do requerimento de abertura de instrução por correio electrónico simples (sem assinatura electrónica avançada e sem validação cronológica), quando não for seguido do envio ao processo dos originais respetivos no prazo de 10 dias, deve levar à sua rejeição, por inadmissibilidade legal, ou essa rejeição deve ser antecedida da notificação ao arguido para apresentar o original do requerimento para a abertura de instrução. Tal questão teve, nos acórdãos fundamento e recorrido, soluções opostas.


Os acórdãos em confronto foram proferidos no domínio da mesma legislação, sendo que as normas referidas e citadas no seu percurso argumentativo tinham, à data da sua prolação, a mesma redação.


3.1. No que respeita à identidade fáctica, conclui-se que, à semelhança do juízo que foi efectuado no acórdão que verificou a oposição de julgados, o núcleo factual relevante para a decisão adotada é coincidente. Existe, contudo, uma nuance que radica na circunstância de, no acórdão recorrido, posteriormente ao envio do requerimento de abertura de instrução através de correio electrónico simples, ter sido remetida aos autos, por correio, cópia dessa peça processual, sendo que, contudo, a mesma foi considerada desprovida de valor, por se tratar de uma fotocópia, sem qualquer assinatura. Todavia, tal particularidade em nada contribuiu para o sentido decisório adotado no acórdão recorrido, não tendo sido atribuída relevância à junção da referida fotocópia para a decisão alcançada.


Nesta medida, e porque, conforme consta do anterior acórdão proferido por este Supremo Tribunal, tal singularidade não teve impacto na diversa solução normativa adotada pelo acórdão recorrido, considera-se que o núcleo fundamental pertinente é, efetivamente, idêntico.


Do mesmo modo, as respostas foram, em ambos os arestos, expressas e tomadas a título principal, não tendo a questão em análise sido objeto de anterior fixação de jurisprudência, pelo que, se mantém o entendimento de que se encontram preenchidos os pressupostos formais e substanciais previstos nos art.ºs 437.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 438.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPP, considerando-se, em consequência, verificada a necessária oposição de julgados, porquanto os acórdãos assentam em soluções opostas, a partir de idêntica situação de facto, sendo expressa a oposição das respetivas decisões.

4. No acórdão recorrido apreciou-se a rejeição, efectuada no Juízo de Instrução Criminal de Faro, do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido. Tal rejeição foi efectuada nos termos do disposto no artigo 287.º, n.º 3 do CPP, por se ter entendido que o arguido utilizou um meio legalmente inadmissível para a entrega da referida peça processual – o requerimento de abertura de instrução havia sido enviado sem assinatura manual ou digital e sem validação cronológica –, sendo certo que, o original do documento não fora junto aos autos, no prazo concedido, de 10 dias.


Entendeu-se no acórdão recorrido que, não fixando a lei uma cominação específica para a falta de apresentação do original da telecópia, no prazo de 10 dias, a rejeição liminar do requerimento remetido a juízo corresponde a uma solução demasiado drástica, que o legislador não pretendeu consagrar. Com efeito, nos termos do referido entendimento, o dever de notificar o arguido para apresentar o original do requerimento para a abertura da instrução corresponde à exigência de um processo equitativo, revelando-se desproporcional sancionar essa omissão com a rejeição liminar, pelo que, em conformidade, se determinou a revogação do despacho recorrido.

5. Por sua vez, no acórdão-fundamento considerou-se que, tendo o requerimento de abertura de instrução apresentado sido remetido ao tribunal por meio de correio electrónico simples, sem a aposição de assinatura electrónica avançada e sem validação electrónica, o seu original deveria ter sido entregue no prazo de 10 dias. Não o tendo sido, não há lugar a qualquer convite para o efeito, por inexistir normativo legal que o permita e por violação de elementares princípios do processo penal português.

6. Os acórdãos em confronto procederam ao tratamento distinto da mesma questão jurídica, ou seja, decidir se a apresentação do requerimento de abertura de instrução por correio electrónico simples (sem assinatura electrónica avançada e sem validação cronológica), quando não for seguido do envio ao processo dos originais respetivos no prazo de 10 dias, deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, ou se essa rejeição deve ser antecedida de notificação ao arguido para apresentar o original do documento.

7. Para melhor compreensão do complexo normativo em causa importa contextualizar a evolução do regime jurídico aplicável ao envio de peças processuais através de correio simples.


7.1. Os artigos 98.º e 111.º a 117.º, do CPP, regulam, por um lado, o modo de apresentação de exposições, memoriais e requerimentos pelo arguido e outros participantes processuais e, por outro, a comunicação pelo tribunal de atos processuais ou convocação para eles. Todavia, em nenhum dos mencionados normativos legais – ou outros do mesmo Código – consta qualquer regra acerca da forma como deverão ser apresentados em juízo os atos processuais das partes. Face à dispersão de tal matéria noutros diplomas legais, por aplicação do disposto no art.º 4.º do CPP, se fará um breve cotejo das normas em causa.


Assim, na versão que lhe era dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, o Código de Processo Civil (CPC) previa, no seu art.º 150.º, sob a epígrafe «Entrega ou remessa a juízo das peças processuais», que:


1 - Os articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem ser entregues na secretaria judicial ou a esta remetidos pelo correio, sob registo, acompanhados dos documentos e duplicados necessários, valendo, neste caso, como data do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal.


(…)


3 - Podem ainda as partes praticar actos processuais através de telecópia, nos termos previstos no respectivo diploma regulamentar.”.


Nestes termos, as peças processuais poderiam ser entregues pessoalmente, na secretaria judicial ou através de envio por correio registado ou por telecópia, o que ocorreu até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, que adoptou medidas no sentido de simplificar e desburocratizar a tramitação judicial, com vista a ultrapassar a morosidade processual que, então, se verificava. Assim, e na prossecução do aludido objetivo, o art.º 150.º, do CPC, foi alterado, aí se tendo estabelecido que:


1 - Os articulados, as alegações e as contra-alegações de recurso escritas devem ser apresentados em suporte digital, acompanhados de um exemplar em suporte de papel, que valerá como cópia de segurança e certificação contra adulterações introduzidas no texto digitalizado e dos documentos juntos pelas partes que não estejam digitalizados; quaisquer outros actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem igualmente ser apresentados em suporte digital.


2 - Os articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem ser:


a) Entregues na secretaria judicial, sendo exigida a prova da identidade dos apresentantes não conhecidos em tribunal e, a solicitação destes, passado recibo de entrega;


b) Remetidos pelo correio, sob registo, valendo neste último caso como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;


c) Enviados através de telecópia ou por correio electrónico, sendo neste último caso necessária a aposição da assinatura digital do seu signatário, valendo como data da prática do acto processual a da sua expedição.”.


No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 183/2000 explicitava-se que “[e]m face da necessidade de adaptação dos profissionais do foro e da integral informatização dos tribunais, prevê-se em disposição transitória que a apresentação dos articulados e alegações ou contra-alegações escritas em suporte digital só é obrigatória a partir do dia 1 de Janeiro de 2003, sendo facultativa desde a data da entrada em vigor do diploma, quer para tais peças processuais, quer para quaisquer outros actos processuais que devam ser praticados por escrito, deixando de existir a necessidade de junção dos duplicados e cópias legais no caso de as peças processuais serem apresentadas em suporte digital.”, sendo que, de acordo com o disposto no artigo 7.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, tal normativo entraria em vigor no dia 01/01/2003, podendo as partes dele prevalecer-se desde o dia 01/01/2001. E, na sequência de tal alteração legislativa, a Portaria n.º 624/2004, de 16 de Junho, veio regular a forma de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico.


Acresce que o Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, veio alterar o art.º 150.º do CPC, clarificando o regime do envio ali previsto. O n.º 2, deste art.º 150.º, do CPC, veio dizer que os termos a que deve obedecer o envio são definidos por portaria do Ministério Justiça. É com base neste n.º 2, na redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, que foi editada a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho.


7.2. O Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mantendo como objetivo a progressiva desmaterialização dos processos judiciais, alterou, novamente, o teor do artigo 150.º, do CPC, passando a dispor no seu n.º 1, que “(…) os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição”. E, quanto à sua aplicação no tempo, dispunha-se no art.º 11.º, n.º 2, do mesmo diploma legal que os seus efeitos dependeriam “(…) da entrada em vigor da portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A do referido Código e aplica-se aos processos pendentes nessa data.”.


Nessa sequência, a Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, que visava aumentar a desmaterialização e simplificação dos actos e processos judiciais, através da utilização intensiva de novas tecnologias, destacava no seu preâmbulo que “(…) o projecto de desmaterialização dos processos judiciais não se concretiza num único momento. Resulta antes de um processo evolutivo e de um conjunto concertado de acções diversas, realizadas ao longo do tempo, que envolvem esforços de construção e disponibilização de novas aplicações informáticas, de novos instrumentos de trabalho, de formação inicial e permanente a diversas categorias de profissionais do sector da justiça, de renovação de equipamentos e da aprovação de instrumentos normativos.”.


Assim se estabeleceu nesse instrumento legislativo que, a apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados, seria efectuada através do sistema informático Cítius, tendo tal tramitação ficado circunscrita às ações declarativas cíveis, às providências cautelares, às notificações judiciais avulsas, com exceção dos pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal e, às ações executivas cíveis, com exceção da apresentação do requerimento executivo (art.ºs 2.º e 4.º, da Portaria).


7.3. Porém, não obstante tal profusão de actos legislativos, nada se referia expressamente nos mesmos relativamente à possibilidade de ser utilizada a transmissão electrónica de dados no âmbito do processo penal. Por isso, e na sequência da prolação de vários acórdãos em sentido contraditório, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça terminou com a referida controvérsia, tendo decidido, no seu Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2014, publicado no Diário da República n.º 74, I Série, de 17 /04/2014, disponível para consulta em


https://files.dre.pt/1s/2014/04/07400/0244002447.pdf, que: “Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.”.


Paralelamente, o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, entrou em vigor no dia 01/09/2013, estabelecendo no seu art.º 144.º, n.º 1, que “[o]s atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição”, ou seja, através do sistema informático Citius.


7.4. Por sua vez, a Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, revogou a Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, vindo a regular aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais, disciplinando, nomeadamente, a “Apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados, nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 144.º do Código de Processo Civil, incluindo a apresentação do requerimento de interposição de recurso, das alegações e contra-alegações de recurso e da reclamação contra o indeferimento do recurso e a subida dos recursos, nos termos dos artigos 643.º, 644.º, 646.º, 671.º, 688.º e 696.º do Código de Processo Civil” (art.º 1.º, al. b) da referida Portaria n.º 280/2013, na sua primeira versão).


E, por outro lado, o art.º 2.º da Portaria em causa circunscreveu o seu âmbito de aplicação à tramitação electrónica das acções declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judiciais avulsas, com exceção dos processos de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo e dos pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal, bem como das ações executivas cíveis e de todos os incidentes que corram por apenso à execução, sem prejuízo do previsto em regulamentação específica do processo executivo.


7.5. No que concerne ao processo penal, a Portaria n.º 280/2013 veio a ser alterada pela Portaria n.º 170/2017, de 25 de Maio, tendo sido estendida a tramitação electrónica aos processos-crimes, a correr termos nos tribunais judiciais de 1.ª instância, embora apenas “(…) a partir da receção dos autos em tribunal a que se referem o n.º 1 do artigo 311.º e os artigos 386.º, 391.º-C e 396.º do Código de Processo Penal”, conforme art.º 1.º, n.º 2, da Portaria n.º 280/2013, na redação dada pelo art.º 2.º, da Portaria n.º 170/2017.


Assim, nos termos regulados pela Portaria n.º 280/2013, aos processos penais a correr termos nos tribunais judiciais de 1.ª instância, a tramitação electrónica e a apresentação de peças processuais por transmissão electrónica de dados, apenas, é aplicável à fase do julgamento.


A Portaria n.º 170/2017 veio, ainda, regulamentar a tramitação electrónica da “ (…) apresentação do requerimento de interposição de recurso, das motivações, da reclamação contra a não admissão ou retenção do recurso, e da resposta ao recurso, nos termos dos artigos 405.º, 411.º e 413.º do Código de Processo Penal”, conforme art.º 1.º, n.º 6, al. b), da Portaria n.º 280/2013, na redação dada pelo artigo 2.º da Portaria n.º 170/2017.


7.6. Em face dos citados normativos legais, e na esteira do decidido pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2014, surge irrefutável a validade das peças processuais remetidas aos autos através de correio electrónico, no âmbito de processo de natureza penal que se encontre em fase de inquérito ou em fase de instrução.


De facto, ao excluir-se a aplicabilidade da Portaria n.º 280/2013 aos processos-crime que não se encontrem em fase de julgamento há que recorrer, necessariamente, ao regime constante da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho. Efectivamente, disse-se no Ac. do STJ, de 24/01/2018, Proc. n.º 5007/14.8TDLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt , que: “I - A jurisprudência fixada no AFJ 3/2014, de 06-03-2014, mantém plena actualidade, na medida em que a Portaria 280/2013, de 26-08, continua a ter um âmbito de aplicação restrito às acções referidas no seu artigo 2.º, ficando desta forma excluídos de tal regulamentação, os processos de natureza penal, mantendo-se assim plenamente válidos os fundamentos invocados para fundamentar o referido acórdão de fixação de jurisprudência.


II - Deve, em consonância com o mencionado AFJ 3/2014, de 06-03-2014, considerar-se admissível, em processo penal, a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no art. 150.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CPC de 1961, na redacção do DL 324/2003, de 27-12, e na Portaria 642/2004, de 16-06, aplicáveis conforme o disposto no art. 4.º do CPP.”.


7.7. A Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, regula a forma de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico, estabelecendo, nos seus art.ºs 2.º e 3.º, as formalidades que a remessa de peças processuais, através desse meio, deverá observar.


No art.º 2.º, n.ºs 5 e 6, determina-se que “[a] mensagem de correio electrónico remetida por mandatário forense deve conter necessariamente a aposição da assinatura electrónica do respectivo signatário» e que «[a] assinatura electrónica referida no número anterior deve ter associado à mesma um certificado digital que garanta de forma permanente a qualidade profissional do signatário”.


Por sua vez, no art.º 3.º, n.º 1, prevê-se que “[o] envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada”, constando, do seu n.º 3, que “[a] expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea”.


Deste modo, nos termos da Portaria, em causa, fez-se equivaler o envio das peças processuais por correio electrónico à remessa por via postal registada, desde que tal correio electrónico cumpra dois requisitos fundamentais: que lhe seja aposta assinatura electrónica avançada e que se encontre validado cronologicamente, através da aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea. Caso estes requisitos não sejam cumpridos comina-se no art.º 10.º, da mesma Portaria, que “À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia”.


Nessa circunstância há que ter em consideração o disposto no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, que disciplina o modo de utilização de outras tecnologias, – como seja a telecópia – para a prática de atos processuais. Desta feita, o art.º 4.º, n.ºs 1 e 3, relativamente à força probatória da telecópia, prevê que “As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário”, sendo certo que, “[o]s originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos”.


O prazo de sete dias foi aumentado para dez dias, em face do disposto no art.º 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, onde lê que “Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3, os prazos de natureza processual estabelecidos em quaisquer diplomas a que seja subsidiariamente aplicável o disposto no artigo 144.º do Código de Processo Civil consideram-se adaptados à regra da continuidade pela forma seguinte:


(…)


b) Passam a ser de 10 dias os prazos cuja duração seja igual ou superior a 5 e inferior a 9 dias”.


Em face dos citados instrumentos legais inexistem dúvidas de que o correio electrónico consubstancia uma forma válida de praticar actos processuais nas fases de inquérito e de instrução, sendo certo que terá, necessariamente, de cumprir alguns requisitos determinados por lei, com vista a ser garantida a autenticidade da sua proveniência.

8. No caso, reagindo contra a decisão final de inquérito, o arguido apresentou um requerimento de abertura de instrução (RAI), peça que juntou aos autos através de correio electrónico simples, sem assinatura electrónica avançada e sem validação cronológica. Por isso, em conformidade com o art.º 10.º, da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, às peças processuais apresentadas em incumprimento dos requisitos previstos no art.º 3.º, n.ºs 1 e 3, é aplicável o regime estabelecido para o envio de documentos por telecópia.


Perscrutado o disposto no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, verifica-se que se exige que os originais dos documentos juntos por telecópia – procedimento aplicável ao envio através de correio electrónico simples, ex vi art.º 3.º, n.º 3, da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho – deverão ser remetidos ou entregues na secretaria judicial, no prazo de 10 dias, conforme art.º 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, por referência ao art.º 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro.


Sucede que, nas situações apreciadas no âmbito dos acórdãos recorrido e fundamento, o arguido não remeteu aos autos ou entregou na secretaria judicial, no prazo previsto no art.º 4.º, n.º 3, do DL n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, o original do RAI que havia remetido via correio simples. Porém, quer no âmbito do citado DL n.º 28/92, quer de qualquer outro instrumento legislativo relacionado com esta matéria, não se mostra equacionada qualquer sanção para a falta da entrega dos originais dos documentos.


Com efeito parece não ser aplicável o disposto no n.º 4, do art.º 4.º, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, que dispõe que “Incumbe às partes conservarem até ao trânsito em julgado da decisão os originais de quaisquer outras peças processuais ou documentos remetidos por telecópia, podendo o juiz, a todo o tempo, determinar a respectiva apresentação”, sendo manifesto que não se aplica aos originais dos articulados, cuja junção está legalmente definida nos termos do citado n.º 3, desse normativo legal, mas antes a “quaisquer outras peças processuais”.

9. Desconsiderada que seja tal possibilidade, por se aplicar a outras peças processuais – que não os articulados – ou a documentos remetidos por telecópia, importa aferir qual o meio processualmente adequado de reação àquela omissão, o que consubstancia o cerne da divergência que ocorre entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento.


Nos termos do acórdão-fundamento, não tendo a parte procedido à junção do original do articulado do RAI, em incumprimento do dever legalmente imposto pelo art.º 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, o juiz deverá rejeitar essa peça processual e sem que conceda qualquer prazo adicional para a parte diligenciar pela sua entrega. Assim sendo, tendo a parte enviado o RAI através de correio electrónico simples sem que, por sua própria iniciativa e no prazo de 10 dias, tenha juntado aos autos o original respetivo, tal requerimento deve ser imediatamente rejeitado, por legalmente inadmissível.


São dois os motivos que sustentam essa decisão:

1. No caso de o RAI padecer de irregularidades ou de deficiências, não deve haver convite ao aperfeiçoamento do mesmo, por ausência de normativo legal que permita a formulação desse “convite”;

2. Caso tal convite fosse efectuado, violaria “elementares princípios do processo penal português”.

E, este sentido decisório encontra-se plasmado em diversas decisões jurisprudenciais, dos Tribunais da Relação, todos em www.dgsi.pt. Disse-se no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), de 13/12/2016, Proc. n.º 4069/13.0TACSC.L1-5, que “(…) o requerimento de abertura de Instrução, não preenchendo os requisitos exigidos pelas normas jurídicas aplicáveis, torna-se inexistente, impondo-se, por isso, a confirmação da douta decisão recorrida, a qual não viola qualquer preceito constitucional, nomeadamente os invocados princípios da igualdade, da confiança (dos cidadãos nos meios de comunicação com Tribunais, legalmente admissíveis, cfr. Ac STJ 3/2014), do acesso ao direito (art 20 da CRP) e das garantias de defesa do arguido em processo penal (art 32 da CPP).”.


No mesmo sentido, no Ac. do Tribunal da Relação de Évora (TRE), de 09/03/2021, Proc. n.º 1670/18.9T9FAR.E1, a propósito da conformidade constitucional da decisão de rejeição do RAI sumariou-se que “ 1 - Uma vez incumprida a obrigação de remessa dos originais do RAI remetido pelo assistente por correio electrónico e sem a aposição de assinatura electrónica nem validação cronológica, não deve haver lugar a convite a aperfeiçoamento.


2 - Admitir no presente caso tal possibilidade, na ausência de qualquer norma habilitante – e o legislador prevê expressamente o aperfeiçoamento para outros casos, não o tendo feito aqui, v. art. 417.º, n.º 3, do CPP –, traduzir-se-ia sempre num favorecimento da posição do assistente em detrimento da posição do arguido. Arguido que também tem direito ao processo justo e equitativo, o qual pressupõe o direito a um juiz de instrução imparcial.”, e, considerou-se que “(…) a preclusão prevista não se revela “totalmente desproporcionada”, colocando em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.


E, no Ac. do TRE, de 13/04/2021, Proc. n.º 914/18.1T9ABF-B.E1, decidiu-se que, “(…) a validade endoprocessual do requerimento remetido a juízo por correio electrónico está condicionada à observação das regras constantes da Portaria n.º 642/2004, de 16/06, nomeadamente, nos seus artigos 3.º, n.ºs 1 a 3 e 10.º. (…) A realização de um convite por parte do Tribunal, para junção dos originais, redundaria na obnubilação de dever legalmente imposto (o previsto n.º 3 do artigo 4.º do DL 28/92) e na “implosão” do prazo peremptório de 20 dias para requerer a abertura da instrução previsto no artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.”.


No Ac. de 30/11/2021, do TRE, Proc. n.º 261/20.9T9EVR-A.E1, considerou-se que “1 - Ao requerimento de abertura de instrução enviado através de correio eletrónico com o recurso ao servidor de correio eletrónico da Ordem dos Advogados, não constando assinatura eletrónica certificada nem a aposição de selo temporal por entidade terceira idónea, aplica-se o artigo 10º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, do qual resulta que à apresentação de peças processuais por correio electrónico é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia.


2 - Este último regime encontra-se regulado no DL n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, o qual estabelece no seu artigo 4º, a obrigatoriedade de serem remetidas, no prazo de 10 dias, (artigo 6.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 329-A/95, de 12-12), ou entregues na secretaria, os originais das peças processuais.”.


Veja-se, ainda, o decidido no Ac. do TRE, de 08/02/2022, Proc. n.º 157/19.7T9RMZ-A.E1, onde se declarou que “(…) para os casos, como o dos autos, em que não se trata de conservar os originais mas sim de os juntar no prazo de 10 dias, não há lugar a qualquer notificação para a prática do acto que deveria ter sido praticado anteriormente (junção dos originais), precisamente porque há a obrigação de os juntar no prazo de 10 dias.


Se a “parte” não juntar os originais nos termos do referido nº 3, fica precludido o direito que se pretendia fazer valer e que neste caso é a abertura da instrução.


É assim que acontece sempre que é estabelecido um prazo para a prática de um acto, excepto quando a lei prevê expressamente que haja lugar a qualquer notificação que permita ainda a prática do acto para além do prazo legalmente previsto, o que, como já se viu, não é o caso”.


E. ainda, veja-se o decidido no Ac. do TRE, de 22/11/2022, Proc. n.º 1481/20.1GBABF.E1, onde se entendeu que “(…) o convite/notificação à remessa do original, apesar de não ser dirigido ao aperfeiçoamento do conteúdo do RAI, mas sim a um aspecto formal do mesmo acto processual, ainda assim representaria, na ausência de qualquer norma habilitante – e o legislador prevê expressamente o aperfeiçoamento para outros casos, não o tendo feito aqui, vg. art.º 417.º, n.º 3, do CPP –, sempre num favorecimento da posição do arguido/requerente em detrimento da posição do assistente, ambos merecedores a um processo justo e equitativo, o qual pressupõe o direito a um juiz de instrução imparcial.

10. O primeiro argumento utilizado pelo acórdão fundamento para sustentar a sua decisão, e que é transversal aos elementos jurisprudenciais aqui indicados, tem por referência a impossibilidade legal de serem formulados convites ao aperfeiçoamento na fase processual de abertura de instrução, independentemente da questão concreta que conduz a essa necessidade de aperfeiçoamento. E, este Supremo Tribunal já se pronunciou, tendo fixado jurisprudência, conforme o AFJ n.º 7/2005, publicado no Diário da República n.º 212, I Série, de 04/11/2005, assentando que “(…) não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.”.


Com efeito, no AFJ n.º 7/2005, estava em causa a omissão da narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido, por parte do assistente, no âmbito do RAI, sendo uma questão substancial. Entendeu-se, então, que a faculdade de o assistente apresentar um novo requerimento, na sequência de um convite de aperfeiçoamento colidiria com a perentoriedade do prazo previsto no artigo 287.º, n.º 1, do CPP, sendo que tal dilação atentaria contra os direitos de defesa do arguido, uma vez que a fixação de prazo funciona a favor do arguido e dos seus direitos de defesa.


Concluiu-se, assim, que “(…) o convite à correcção encerraria, isso sim, uma injustificada e desmedida, por desproporcionada, compressão dos seus direitos fundamentais, em ofensa ao estatuído no artigo 18.º, n.os 2 e 3, da CRP…” sendo, ainda, significativo o facto de o juiz de julgamento estar proibido de convidar o Ministério Público para completar o elenco factual acusatório, nos termos do artigo 311.º, n.º 3, al. b), do CPP.


A legislação processual penal não prevê expressamente qualquer convite ao aperfeiçoamento do RAI, pois que o art.º 287.º, n.º 3, do CPP, apenas determina os fundamentos que deverão conduzir à rejeição do requerimento de abertura de instrução – extemporaneidade, incompetência do juiz ou inadmissibilidade legal da instrução. A tais fundamentos de rejeição acrescerá, ainda, a omissão de narração de factos pelo assistente.

11. Quanto à formulação, em geral, de convites ao aperfeiçoamento, importa referir como o Tribunal Constitucional se tem pronunciado sobre esta questão. E, de um modo quase unânime, vem decidindo que o direito a um processo equitativo “(…) não beneficia de tutela constitucional um genérico, irrestrito e ilimitado ‘direito’ das partes à obtenção de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de todas e quaisquer deficiências dos atos por elas praticados em juízo”, sendo certo que “o convite – que não tem que ser sucessivamente renovado ou reiterado – só tem sentido e justificação quando as deficiências notadas forem estritamente ‘formais’ ou de natureza secundária” e que “não será constitucionalmente exigível nos casos em que a deficiência formal se deva a um ‘erro manifestamente indesculpável do recorrente’”, CARLOS LOPES DO REGO, em “O direito de acesso aos tribunais na jurisprudência recente do Tribunal Constitucional” – Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Coimbra, 2007, pp. 846 847) (cfr. Acórdão n.º 215/2007, 2.ª Secção, ponto 2.4 e o Ac. do TC n.º 174/2020, processo n.º 564/2018, de 11/03/2020, em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200174.html).


Nesta medida, a omissão legal no sentido de não determinar expressamente a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento na fase de instrução – ao contrário do que sucede no art.º 417.º, n.º 3, do CPP – não significa, sem mais, que o mesmo não poderá ocorrer, independentemente do motivo que o sustente. Como tal, embora não exista normativo no sentido de prever a possibilidade de convite, também não existe qualquer preceito legal que o proíba.

12. Ademais, a doutrina maioritária entende que o convite ao aperfeiçoamento é admissível, dependendo dos motivos que o sustentam.


Assim, Maia Gonçalves, no “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, Coimbra, 2009, anotação ao artigo 287.º, pág. 692, afirma que “(…) se o requerimento para abertura de instrução não indicar os factos integradores da infracção criminal, a instrução será inexequível e, talqualmente sucede no caso de acusação que não inclua factos, não haverá lugar a convite para que o requerimento seja completado ou aperfeiçoado. (…) Tratando-se de outra deficiência, o juiz deverá proceder do seguinte modo: Quanto ao assistente notificá-lo-á para que complete o requerimento com os elementos que omitiu e não devia ter omitido (art. 287.º, n.º 3). Se o assistente não completar o requerimento, o juiz não procederá à instrução. Quanto ao arguido, procederá do mesmo modo; no entanto o facto de o arguido não completar o requerimento pode não ser caso de o juiz não proceder à instrução, sempre que se deduz que o único intuito do arguido e requerente é contrariar os factos constantes da acusação e tiver indicado os actos de instrução que para o efeito deseja que sejam levados a cabo. Neste último caso o juiz dispõe, apesar de todas as deficiências do requerimento, de um campo delimitado de factos (os da acusação), que o arguido se propõe contrariar na instrução».


No mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque entende que “(…) o juiz deve mandar completar o requerimento se nele faltarem algum ou alguns elementos que deviam constar. Não é esse o caso se o requerimento do assistente for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido (…) A não concessão de prazo requerido pelo arguido para completar o requerimento de abertura de instrução constitui uma irregularidade, uma vez que não se trata de acto obrigatório do processo” – em “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2011, 4.ª edição, anotação ao artigo 287.º, pág. 782.


Por isso que se entende que aos casos em que não é aplicável a doutrina constante do AFJ n.º 7/2005, a Lei não impede que seja formulado um convite ao aperfeiçoamento, seja ao assistente, seja ao arguido, para que proceda à correção do requerimento de abertura de instrução apresentado. Neste sentido, vd. MAIA COSTA, em “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 4.ª edição, 2022, anotação ao artigo 287.º, pág. 973, considerando que “(…) o assistente ou o arguido devem ser convidados a aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, faltando algum ou alguns dos seus requisitos. Excetua-se, porém, a falta de narração dos factos no requerimento do assistente, que constitui o elemento definidor do âmbito temático da instrução (ver jurisprudência fixada e jurisprudência constitucional abaixo citada). Nessa situação, o requerimento terá de ser indeferido, não podendo ser renovado.”.

13. Deste modo, relativamente ao caso sob análise, o AFJ não contribui para a resolução da questão colocada, pois que não se verifica o necessário paralelismo para o efeito.


De facto, afigura-se essencial destrinçar as situações em que as insuficiências e omissões detectadas na peça processual são relativas ao seu conteúdo material, daquelas em que o vício respeita a um aspeto formal. No caso, não existe qualquer convite ao aperfeiçoamento do conteúdo do requerimento de abertura de instrução, mas tão só a junção do original do mesmo, pelo que a doutrina desse acórdão aqui não se aplica.


Ora, no caso, partindo da hipótese abstrata de ser possível a formulação de convite ao aperfeiçoamento, importa, contudo, aferir se o juiz tinha o dever, ou não, de conceder ao arguido a possibilidade de suprir o vício, antes de rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado.

14. Como já se deixou dito, o Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro, relativamente ao incumprimento da junção dos respetivos originais, não estabelece qualquer obrigação de convidar o requerente para suprir a sua omissão, verificando-se uma verdadeira lacuna quanto a essa matéria. Por isso, em tal situação, o juiz terá de optar pelo meio que aparenta ser o mais adequado, sendo certo que, o terá de fazer recorrendo a outros elementos estranhos a esse preceito, nomeadamente fazendo uso dos princípios constitucionais que subjazem ao processo penal.

15. Importa, assim, averiguar, qual o mecanismo de reação que deverá ser utilizado – convite ou rejeição.


Nos termos do disposto no art.º 20.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP) prevê-se que:


1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.


2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.


3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.


4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.


5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”.


Conforme referem JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS – em “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, página 189, o direito de acesso ao direito não se esgota no acesso à via judiciária,(…) apresentando, para além dessa dimensão inicial, um conteúdo muito rico, que se desdobra em diversos subprincípios e em vários direitos fundamentais, assumindo (…) uma significativa relevância prática,


A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente:

i. o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional;

ii. o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada;

iii. o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa;

iv. o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas

Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional: n.º 204/2015, de 25 /03/2015, Proc. n.º 1054/14; n.º 401/2017, de 12 /07/2017, Proc. n.º 658/16; n.º 675/2018, de 18/12/2018, Proc. n.º 726/18; e o n.º 687/2019, de 13/12/2019, Proc. n.º 294/2019; todos disponíveis em https://www.tribunalconstitucional.pt.


Com efeito, o art.º 20.º, da CRP garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo, expressamente no seu n.º 4, que esse direito se efetive através de um processo equitativo – vd. Ac. do TC, n.º 29/2020, de 16/01/2020.


Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editoria, 2007, 4.ª edição, Volume I, anotação ao art.º 20.º, pág. 415, o processo equitativo significa, primariamente, que o processo deverá conformar-se de modo materialmente adequado a uma tutela judicial-efetiva. Nesta medida, o processo equitativo deverá ser entendido “(…) não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais” – vd. Ac. TC, n.º 268/2020, de 14 de maio de 2020.


Assim sendo, “(…) a garantia da via judiciária – ínsita no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e a todos conferida para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos – envolve, não apenas a atribuição aos interessados legítimos do direito de acção judicial, destinado a efectivar todas as situações juridicamente relevantes que o direito substantivo lhes outorgue, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, se deve subordinar a determinados princípios e garantias fundamentais: os princípios da igualdade, do contraditório e (após a revisão constitucional de 1997) a regra do “processo equitativo”, expressamente consagrada no n.º 4 daquele preceito constitucional”, conforme CARLOS LOPES DO REGO, em “O direito de acesso aos tribunais na jurisprudência recente do Tribunal Constitucional”, em Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Coimbra, 2007, pág. 836.

16. No que concerne ao processo penal, a exigência de um processo equitativo é concretizada pela própria CRP, no seu art.º 32.º, aí se estabelecendo princípios basilares do ordenamento jurídico português, entre outras, as garantias de defesa do arguido, a presunção de inocência, o julgamento em prazo curto compatível com as garantias de defesa, o direito à escolha de defensor e à assistência de advogado, a reserva de juiz quanto à instrução de processo, a observância do princípio do contraditório e o direito de intervenção no processo.


Também, a doutrina e a jurisprudência têm densificado o conceito do processo equitativo através da afirmação e tratamento de outros princípios fundamentais que enformam o processo penal português, designadamente como afirmado por GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editoria, 2007, 4.ª edição, Volume I, anotação ao art.º. 20.º, página 415: “(1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias; (2) o direito de defesa e do direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas; (3) direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade exíguos do direito de acção ou de recurso (cfr. AcTC nº 148/87); (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em tempo razoável; (6) direito ao conhecimento dos dados processuais; (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalística.

17. Por outro lado, e a par dessa conformação legislativa, também, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a entender que o direito de acção ou direito de agir em juízo, efetivado através de um processo equitativo, deverá ser entendido num sentido amplo, pelo que todo o processado deverá ser pautado pelos princípios materiais da justiça, com vista a adequar-se a uma tutela judicial efetiva.


Nesta senda, e estando em causa a imposição de ónus às partes, o Tribunal Constitucional tem densificado o juízo de proporcionalidade que deve ser tido em conta, reconduzindo tal juízo à consideração de três vetores essenciais:

i. a justificação da exigência processual em causa;

ii. a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado;

iii. e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus;


– conforme, entre outros o Ac. do TC n.º 277/07, de 02/05/2007, Proc. n.º 113/07


Nesta medida, é aceitável a imposição de regras processuais que impliquem um condicionamento desproporcionado de direitos dos interessados, desde que imprescindíveis à tutela de outros interesses igualmente protegidos, como por exemplo a exigência de celeridade processual. E, é certo que tais regras deverão ser proporcionais e necessárias, em cumprimento, do princípio consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, que determina que “(…) a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, devendo, tais ónus encontrarem-se inseridos na teleologia própria da tramitação processual e cuja consagração, nessa medida, prosseguirá interesses dignos de tutela – vd. Ac. do TC, n.º 384/98, de 19/05/1998, Proc. n.º 880/96.


Também, neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., página 191, referem que o princípio pro actione não poderá impedir a existência de requisitos processuais, antes visando impedir que simples obstáculos formais sejam transformados em pretextos para recusar uma resposta efetiva à pretensão formulada. Por isso, “(…) a ampla liberdade do legislador no que respeita ao estabelecimento de ónus que incidem sobre as partes e à definição das cominações e preclusões que resultam do seu incumprimento está sujeita a limites, uma vez que os regimes processuais em causa não podem revelar-se funcionalmente inadequados aos fins do processo (isto é, traduzindo-se numa exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável) e têm de se mostrar conformes com o princípio da proporcionalidade. Ou seja, os ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a atuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva” – vd. Ac. TC n.º 462/2016, de 14/07/2016.

18. Visto o caso dos presentes autos afigura-se legítima a exigência processual de junção dos originais do correio electrónico simples. Efectivamente, com as necessidades de simplificação, agilização e desmaterialização processuais, foram aumentando os meios pelos quais as partes podem apresentar peças processuais em juízo. Todavia, pela solenidade que tal acto representa, devem ser mantidas as regras de apresentação dos documentos, a fim de garantir a fidedignidade do documento que é junto aos autos.


Assim, no que respeita, nomeadamente, ao correio electrónico, as partes poderão enviar as peças respetivas através desse meio, sendo certo que deverão respeitar dois vetores essenciais – a aposição de assinatura electrónica avançada e de selo temporal por uma terceira entidade idónea, conforme se disse no Ac. do TRE, de 09/03/2021, “A prova electrónica em ambiente digital caracteriza-se pela volatilidade, instabilidade, diversidade de tecnologias utilizadas e o anonimato oferecido pelas TIC Tecnologias da Informação e da Comunicação; o Message - Digest Algorithm 5 (MD 5), utilizado na assinatura digital certificada, gera uma mensagem com um código de identificação único e irrepetível, a que se denomina função "hash", sobre determinado conteúdo de mensagem de correio electrónico; o valor MD5 é, assim, o equivalente ao DNA digital, na medida em que é univocamente identificada uma determinada informação de carácter digital, pois só assim, se garante que a informação transmitida tem as características necessárias para produzir os efeitos legais pretendidos, ou seja, características de integridade, de molde a assegurar que o conteúdo da informação produzida e transmitida a Juízo não foi alterado de forma propositada ou acidental; e características de autenticidade, de molde a permitir identificar inequivocamente o responsável pela produção da informação electrónica, o propósito e em que termos esta foi produzida e o controlo exclusivo por parte do possuidor ou possuidores dessa informação.”.


Por isso, a exigência legal de na utilização do correio electrónico para a prática de actos processuais, ser exigível a aposição de uma assinatura digital certificada. Não o fazendo, em aplicação do regime previsto relativamente à telecópia, a parte fica obrigada a proceder à junção do respetivo original, no prazo de 10 dias, de forma a garantir a veracidade daquele acto. Tal exigência não se afigura como sendo excessivamente onerosa para as partes, pois, bastará a entrega na secretaria judicial do original da peça que foi remetida eletronicamente.

19. Diferentemente, importa refletir acerca da gravidade das consequências processuais, quando a junção do documento original não é efectuada, de modo voluntário e no referido prazo de 10 dias. A resposta a essa questão deverá ter em consideração os princípios constitucionais, sempre pautados por um juízo de proporcionalidade.


Acresce que, e no que respeita à possibilidade de ser feito um tal convite – cuja formulação não se encontra legalmente proibida – importa referir que o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado na sua jurisprudência que o direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efetiva, impõe que se atribua prevalência à justiça material sobre a justiça formal, evitando-se soluções que, devido à exigência de cumprimento de requisitos processuais, conduzam a uma decisão que, em bom rigor, se traduz numa verdadeira denegação de justiça – veja-se o Ac. do TC, n.º 462/2016, de 14/07/2016, Proc. n.º 64/16.


Nesta medida, entende o Tribunal Constitucional que em situações em que o não cumprimento, ou o cumprimento defeituoso, de certos ónus processuais pelo arguido é suscetível de implicar a perda definitiva de direitos ou a preclusão irremediável de faculdades processuais, deverá equacionar-se a prévia formulação de convite ao interessado para suprimento dessa deficiência – Ac. do TC, n.º 174/2020, de 11/03/2020, Proc. n.º 564/2018.


O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre questão idêntica à que se coloca nestes autos – Ac. do TC, n.º 126/2022, de 29/03/2023, Proc. n.º 581/2022 –, que julgou inconstitucional, por violação dos art.ºs 20.º, n.º 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a interpretação normativa do art.º 287.º, n.º 3, do CPP, no sentido de ser admissível a rejeição do requerimento de abertura de instrução, quando o mesmo foi apresentado através de correio electrónico simples e não foi junto o original do aludido requerimento no prazo legalmente previsto, sem que o requerente seja previamente notificado para vir juntar o original desse requerimento. Entendeu, assim, o Tribunal Constitucional que uma interpretação no sentido da rejeição imediata é desproporcional, desrespeitando o disposto no artigo 18.º, n.º 2, in fine, da CRP.


De facto, conforme se entendeu nesse acórdão e, também, nos arestos aí citados – acórdãos do TC n.ºs 174/2020 e 268/2020 –, “Se se compreende perfeitamente, por razões de segurança jurídica e de fidedignidade e genuinidade do próprio ato, a existência de formalidades específicas para a prática de atos processuais em processos criminais (mas sendo certo também que estas exigências ficarão perfeitamente acauteladas se houver a junção, mesmo que na sequência de notificação para o efeito, do original do requerimento em apreço), a verdade é que não se afigura que resulte evidente e patente da legislação processual penal (bastando compulsar, para o efeito, as referências ao percurso interpretativo muito tortuoso e nada linear necessário para o efeito no primeiro aresto citado) que não fosse admissível a prática de atos processuais pela forma como foi praticado este ato concreto pela recorrente ou que a mesma tivesse agido de uma forma grosseiramente negligente ao praticar o ato em causa deste modo.(…)


De resto, refira-se que não se trata de conceder um novo prazo para a prática de um ato processual omitido ou para o aperfeiçoamento material de um ato processual deficiente ou inepto, mas antes, ao invés, o conceder um prazo para a prática, agora formalmente adequada, de um ato processual praticado de forma processualmente não admissível (não servindo, assim, para alterar substancialmente esse ato, mas antes somente para permitir o aproveitamento e a consideração formal desse ato, que se mantém totalmente inalterado no seu conteúdo), sendo certo que se trata de um ato processual cuja não consideração tem um efeito particularmente grave para o seu autor, levando, conforme os casos, ao terminar do processo.


E, por sua vez, quanto à objeção de que se está a privilegiar, neste caso, os assistentes e a prejudicar os arguidos, postergando os seus direitos e garantias (também constitucionais) enquanto arguidos em processos criminais, diga-se, desde logo, que o ato em questão (a apresentação do requerimento de abertura de instrução) pode ser praticado, conforme os casos, por assistentes e arguidos (…), pelo que essa possibilidade de prévio convite ao requerente se poderá (e deverá) aplicar sempre a assistentes e arguidos.


Desta forma, no equilíbrio dialético (sempre difícil) entre a celeridade e eficácia processual (que correspondem igualmente a interesses constitucionalmente tutelados) e o direito das partes a um processo equitativo, considera-se que o rejeitar, sem mais e unicamente por motivos formais, este tipo de requerimentos corresponde a uma solução desproporcionada e que viola injustificadamente o direito de acesso aos tribunais, concluindo-se, assim e na esteira dos dois acórdãos supra referenciados (mutatis mutandis), pela inconstitucionalidade da interpretação normativa em questão.


Como escreve GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2.ª Edição, Coimbra, 1998, p. 453, itálico do autor), “A imposição de clareza na concretização legal do direito de acesso aos tribunais não significa a necessidade de adoção da forma processual mais simples nem desvincula o particular do seu dever de informação quanto às possibilidades de acesso à via jurisdicional. Pressupõe, porém, que a determinação legal da via judiciária adequada não se traduza na prática, num jogo formal sistematicamente reconduzível à existência de formalidades e pressupostos processuais cuja ‘desatenção’ pelos particulares implica a ‘perda automática das causas’. Os autores aludem aqui ao dever funcional dos juízes de convidarem as partes à regularização do processo”. (sublinhado da signatária)”.

20. Assim, e conforme se desenvolve no indicado acórdão do TC, a situação identificada nos presentes autos respeita, tão só, ao cumprimento de uma formalidade secundária – a junção do original de uma peça processual, com vista a assegurar a fidedignidade da mensagem enviada, ao nível da preservação do respetivo conteúdo, da comprovação da autoria e da certificação cronológica – vd. Ac. do TC, n.º 152/2017, de 22/03/2017, Processo n.º 57/2017.


Efectivamente, não se pretende o aperfeiçoamento de qualquer questão de fundo que o requerimento de abertura de instrução apresente, mas a mera entrega do seu original, a fim de comprovar a sua veracidade. Importa, pois, destacar que o meio utilizado – correio electrónico – é legalmente admissível e a peça processual é tempestiva, pelo que a entrega do requerimento de abertura de instrução não consubstancia um acto inválido ou desprovido de valor, tendo, contudo, de ser complementado, com vista à sua confirmação – neste sentido, vd. o Ac. do TRE, de 14/06/2023, Proc. n.º 398/21.7GELLE.E1, em www.dgsi.pt.


O envio do original de um documento cuja cópia se encontra junta aos autos não representa uma inovação face ao requerimento, não sendo feito qualquer tipo de acrescento ou modificação do mesmo. Disse-se no Ac. do TRE, de 25/05/2023, Proc. n.º 2218/21.3T9STB.E1 que, “(…) permitir a junção dos originais do RAI no prazo fixado em notificação para tal, não desencadeia um maior prazo para requerer a instrução já que a instrução foi efetivamente pedida no prazo devido sendo que o original de um documento em cópia, como decorre do vocábulo original, não encerra qualquer inovação em relação àquela, e nessa medida, não contém qualquer acrescentamento, novidade, alteração”.


Assim sendo, a concessão de tal prazo não significará um alargamento do prazo de 20 dias para requerer a abertura de instrução – “(…) não tem qualquer aplicação, em situação do tipo, a doutrina ensaiada pelo Acórdão do STJ nº 7/2005, publicado no D.R. nº 212, Série I-A, de 04.11.2005, uma vez que aqui não há novo RAI da Assistente, não há qualquer correção/alteração/emenda a fazer ao conteúdo da peça apresentada, há apenas e só a confirmação de um articulado/peça que fora junta em devido tempo. VIII- Esta solução não belisca a vertente da celeridade processual pois o que está em causa é um prazo curto – 10 dias figuram como prazo supletivo para a prática de atos processuais -, representando assim um tempo razoável / equilibrado / aceitável.” – vd. Ac. TRE, de 07/02/2023, Proc. n.º 223/15.8T9EVR.E1, em www.dgsi.pt.


Com efeito, a apresentação do original do requerimento de abertura de instrução tem apenas a função de confirmar o acto antes praticado, através de telecópia, permitindo a respetiva conferência, não servindo para completar ou corrigir eventuais deficiências da peça processual – vd. os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 26/04/2022, Proc. n.º 708/19.7T9OLH.E1, e de 22/09/2022, Proc. n.º 223/15.8T9EVR-B.E1.


Ou seja, a concessão de prazo, com vista à junção do original e comprovação da fidedignidade da peça processual entregue, não belisca o prazo peremptório constante do artigo 287.º, n.º 1, do CPP, pois que a instrução foi efetivamente requerida no prazo legalmente estabelecido. O momento relevante, para efeitos de contagem de prazo, é o do envio do requerimento de abertura de instrução através de correio electrónico, o qual, por não se mostrar assinado eletronicamente e por não conter validação cronológica do respetivo acto de expedição, tem o valor de telecópia – vd. Ac. do STJ, de 11/01/2001, Processo n.º 2719/00, em www.dgsi.pt.

21. Entende-se, assim, que a prolação de um convite, dirigido à parte, com vista a proceder à junção de um original já constante dos autos não implica qualquer alargamento daquele prazo, configurando apenas uma formalidade secundária que se impõe cumprir, não consubstanciando uma alteração à peça processual junta. Não está em causa um despacho de aperfeiçoamento propriamente dito, mas apenas o suprimento de uma condição que não foi cumprida.


Contudo, é certo que tal tramitação suplementar no sentido de ser suprida a irregularidade formal que se verificou implicará, necessariamente, um atraso processual, razão pela qual alguns dos arestos invocam a violação do princípio da celeridade processual, com vista a fundamentar a decisão de não optar pelo proferimento desse convite. Importa, de facto, encontrar um necessário e adequado equilíbrio entre, por um lado, a celeridade processual, e, por outro, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, harmonizando os dois direitos em confronto.


Nestes termos, entende-se como CARLOS LOPES DO REGO – em “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, pág. 855 –, que “(…) as exigências de simplificação e celeridade – assentes na necessidade de dirimição do litígio em tempo útil – terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional – podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes ou a adoção de “mecanismos que desencorajem as partes de adotar comportamentos capazes de conduzir ao protelamento indevido do processo”, sem, todavia, aniquilar ou restringir desproporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional – não apenas célere - mas também justa, adequada e ponderada”.


No caso sob análise verifica-se que a rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução terá consequências gravosas para os interessados.


Com efeito, sendo o requerimento apresentado pelo arguido, este vê-se privado da garantia processual de controlo judicial da decisão do inquérito. Nos termos do art.º 308.º, n.º 1, do CPP, o arguido tem o direito de não ser julgado – só o podendo ser quando os autos contêm prova consistente sustentadora de uma probabilidade razoável de lhe vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, nos termos do artigo 283.º, n.º 2 do CPP. Por outro lado, sendo o requerimento apresentado pelo assistente, este encontrar-se-á impossibilitado de accionar o mecanismo de comprovação judicial de arquivamento, ficando o processo definitivamente encerrado e de imediato precludido um direito processual muito relevante, terminando o processo definitivamente, sem possibilidade de reação à decisão final de inquérito.


De salientar que, igualmente, a circunstância de que esta consequência drástica ocorre de modo inovatório e inesperado – a mesma não se encontra legalmente prevista e também não decorre de modo pacífico e maioritário da jurisprudência dos Tribunais portugueses. Acresce que se trata de uma mera formalidade secundária, prevista em diploma avulso, não correspondendo a qualquer prazo comummente utilizado e que conste da tramitação processual penal habitual.

22. Finalmente, importa sublinhar que se trata do cumprimento de um ónus processual, sendo certo que, o Tribunal Constitucional tem vindo, de modo coerente e unânime, a consagrar o entendimento de que, quando o incumprimento ou cumprimento defeituoso de ónus processuais pelo arguido é suscetível de implicar a perda definitiva de direitos ou a preclusão irremediável de faculdades processuais, se deverá, por regra, equacionar a prévia formulação de convite ao arguido para suprimento da deficiência.


Considerando tais circunstâncias, não se justifica que exista motivo ponderoso e justo para o afastamento deste regime-regra, instituindo a radical solução adotada no acórdão-fundamento. Afigura-se, assim, que, tendo por base o princípio da proporcionalidade consagrado no art.º 18.º, n.º 2, da CRP, é possível alcançar um equilíbrio entre o princípio da celeridade processual e a exigência de um processo equitativo, salvaguardando-se o direito à tutela jurisdicional efetiva, através da fixação de um prazo curto para junção do original do requerimento de abertura de instrução.


Na verdade, não se afigura que a atribuição suplementar de um prazo para essa junção – o qual poderá, e deverá, ser reduzido, uma vez que a parte não tem de cumprir qualquer obrigação que implique um investimento significativo de tempo –, afete de modo relevante a normal tramitação do processo. Com efeito, visto o tempo decorrido entre o início de um processo-crime até à prolação da decisão final, o decurso de mais ou menos dez dias não tem impacto relevante, pelo que não se considera que essa concessão de prazo ofenda de modo significativo o princípio da celeridade processual, quando comparado com as consequências que essa ausência de convite, implicam. Neste sentido, disse-se nos arestos do TRE, de 22/09/2022 e de 09/05/2023, respectivamente Procs. n.º 223/15.8T9EVR-B.E1 e n.º 2978/20.9T9FAR.E1, que “(…) em relação ao principio da celeridade processual, também não fica afectado, se a referida notificação tiver lugar, sendo fixado um prazo curto, havendo que procurar o necessário equilíbrio entre esse princípio e a justiça da decisão, em ordem a salvaguardar o direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa e a respeitar o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, nº 2, da mesma Constituição da República Portuguesa”.

23. Entende-se, assim, que a preclusão da garantia processual em causa – controlo judicial da decisão de encerramento do inquérito – apenas por não ter sido cumprida uma mera formalidade secundária, sem que seja concedida uma oportunidade ao interessado no sentido de juntar o original respetivo, comprovando, assim, a fidedignidade da peça validamente enviada, é absolutamente injustificada e desproporcionada.


Em face disso deverá ser concedido ao requerente um prazo para poder regularizar o processado, o que configura uma simples medida de adequação processual, que não compromete de modo significativo o equilíbrio de obrigações e direitos dos intervenientes, como é pressuposto num processo justo e equitativo – Ac. do TRE, de 14/06/2023, Proc. n.º 398/21.7GELLE.E1, já referenciado.


Entende-se, assim, tal como referenciado no Ac. do TC, n.º 434/2011, de 29/09/2011, Proc. n.º 283/10, que “(…) uma falha processual – maxime que não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual ou que não reflita considerável grau de negligência - não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitetura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efetividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais – que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade a e relevância – e as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes.


Nestes termos, em conformidade, aliás, com o juízo efectuado no Ac. do TC, n.º 174/2020, de 11/03/2020, Proc. 564/2018, que, embora respeite à rejeição de um recurso, tem plena aplicabilidade aos presentes autos, pelo que se entende que a rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução configura uma consequência desproporcional. Nesse aresto do TC afirmou-se que “(…) a desproporção não resulta propriamente da consequência (rejeição do recurso), mas sim do seu caráter imediato, com efeitos definitivos, sem intermediação de uma oportunidade de suprimento. Neste caso, o convite à apresentação do requerimento de recurso pela via considerada exigível configura uma medida de adequação do processado apta a suprir uma omissão estritamente formal, não comprometendo o equilíbrio de obrigações e direitos inerente a um processo justo e equitativo. Assim, diante da existência de alternativas válidas e adequadas, a imposição de uma consequência traduzida na desconsideração definitiva do requerimento de recurso, funda o juízo de desproporcionalidade da solução normativa que não admite aquele convite”.


O Tribunal Constitucional tem vindo a pronunciar-se, com expressiva frequência acerca de situações análogas à dos presentes autos – relativamente ao requerimento de interposição de recurso e por referência ao mesmo conjunto de normas – tendo considerado inconstitucional a dimensão interpretativa do complexo normativo em causa nos presentes autos, se dele resultar a preclusão de um direito processual relevante – cf. Acs. do TC, n.º 174/2020, n.º 215/2007, ponto 2.4., e n.º 485/2008.


Acresce que não se vislumbra em que medida poderá ser violado o princípio da igualdade, tanto mais que a peça processual em causa poderá ser apresentada tanto pelo arguido (como sucede neste caso), como pelo assistente (em conformidade com a situação analisada Ac. do TC, n.º 126/2023). Ademais, no que respeita ao requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido, como é o caso dos autos, não existem questões que sobressaiam relacionadas com a eventual violação do modelo acusatório do processo penal.

24. Assim, em face do exposto, e na esteira das doutas alegações apresentadas pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto, a rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução apresentado, por correio simples, pelo arguido, conducente à perda do direito de dar início a essa fase processual, por mero incumprimento de uma formalidade secundária, é manifestamente desproporcional e impede que o processo seja efetivamente equitativo e ajustado à garantia da tutela jurisdicional efetiva, sendo, em consequência, desconforme ao exigido pelo princípio ínsito no art.º 20.º, n.º 4, da CRP, bem como no art.º 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e no art.º 47.º, da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia.


Para que o procedimento seja efetivamente equitativo e ajustado à garantia da tutela jurisdicional efetiva, afigurando-se necessária a junção de original do documento remetido pela parte por correio electrónico, a preclusão só poderá operar se a parte não corresponder, no prazo estipulado, ao convite formulado pelo Tribunal para apresentar o original do documento que enviou por correio electrónico, tal como resulta do quadro legal decorrente dos artigos 3.º, n.º 1 a 3 e 10.º da Portaria 642/2004, de 16 de Junho, 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Fevereiro e 287.º, n.º 3, do CPP.


III – DECISÃO


Termos em que, acordando, em pleno das secções criminais, se decide confirmar o acórdão recorrido e fixar a seguinte jurisprudência:

a. “Quando, em face de apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução remetido por correio electrónico simples, desprovido de assinatura electrónica avançada e sem validação cronológica, não se seguir o envio do seu original, no prazo de 10 dias, conforme o disposto nos artigos 3.º, n.º 1 a 3 e 10.º, da Portaria 642/2004, de 16 de Junho, 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Fevereiro e 287.º, n.º 3, do CPP, deve o tribunal notificar o arguido para, no prazo que lhe for fixado, apresentar o documento em falta.”.

b. Cumpra-se o disposto no artigo 444.º, n.º 1, do CPP.

c. Sem custas.


Lisboa, 13 de Março de 2024 (processado e revisto pelo relator)


Leonor Furtado (Relatora)


Teresa de Almeida


Ernesto Carlos dos Reis Vaz Pereira


Agostinho Torres


António Latas


Jorge Gonçalves


João Rato


Heitor Bernardo Cardoso Vasques Osório


Jorge Manuel Almeida dos Reis Bravo


Antero Luís


Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira


José Luís Lopes da Mota


Nuno António Gonçalves


Maria Teresa Féria Gonçalves de Almeida


Ana Maria Barata de Brito (revertendo posição anterior atenta a publicação do Ac. TC nº 174/2020)


Orlando M. J. Gonçalves


Maria do Carmo Silva Dias


Pedro Branquinho Ferreira Dias