INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO DE BENS
COMUNHÃO GERAL DE BENS
BENS DOADOS A FILHO
FALTA DE CONSENTIMENTO DO OUTRO CÔNJUGE
Sumário


Em sede de inventário para partilha de herança aberta por óbito dos membros de um casal cujo casamento se regia pelo regime de comunhão geral de bens, os móveis comuns doados por um sem o consentimento do outro a um dos filhos de ambos, sem que tenha sido invocada a anulabilidade do ato nos termos do artigo 1687º, nº 1 do Código Civil, devem ser relacionados como bens doados ao respetivo herdeiro legitimário.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

.I - Relatório

Identificação do processo
Cabeça-de-casal  e Apelante:  AA
Interessados e apelados:  BB e CC  
Autos de: apelação em inventário

Nos presentes autos procede-se a inventário para partilha da herança aberta por óbito de DD e EE, falecidos, respetivamente em ../../2019 e ../../2021.
Os interessados BB e CC deduziram incidente de reclamação à relação de bens, alegando, em suma, a falta de relacionamento de contas bancárias tituladas pela inventariada EE e de bens móveis (trator, reboques, alfaias agrícolas, motocultivador e motosserras, roçadoura  e carro de bois, carrinha, bem como objetos em metais preciosos, relógio e mobília e recheio de casa de habitação com arrecadação e mercearia).
Em resposta à reclamação apresentada, na matéria que respeita ao presente recurso, o cabeça-de-casal invocou que o inventariado, quando o seu filho FF ainda era vivo, fez uma partilha verbal entre os seus três filhos: ao seu filho FF doou um prédio onde possuía uma garagem e um armazém, que agora pertence aos reclamantes e sua mãe (os quais não foram relacionados neste inventário); ao seu filho GG doou os alguns bens móveis (agora em discussão: o trator, os dois reboques , as alfaias agrícolas, o motocultivador   com charrua, as motosserras, a roçadora, o carro de bois e a carrinha ...); e ao seu filho DD doou de forma verbal e com reserva de usufruto a favor dos inventariados, em compensação daquelas doações, os prédios urbanos descritos na relação de bens sob as verbas 1 e 2.
Juntou relação de bens adicional.
Os reclamantes impugnaram as doações por não lhe terem sido nunca comunicadas.

Produzidas provas, foi proferida decisão:
decido julgar parcialmente procedente o incidente de reclamação à relação de bens suscitado pelos interessados BB e CC e, em consequência:

a) determinar que o cabeça de casal relacione os valores monetários das contas descritas em 3) d), 4), 5), 8) a 10), dos factos provados;
b) determinar que o cabeça de casal relacione os bens em 12), dos factos provados;
c) declarar a nulidade da doação pelo inventariado DD ao filho GG dos bens descriminados em 11), determinado, em sua consequência, que os mesmos sejam relacionados pelo cabeça de casal como bens dos inventariados;”

É desta decisão que o Réu apela, formulando, para tanto, as seguintes
conclusões:

“1) A doação feita pelo inventariado DD, antes de falecer, a favor do seu filho GG, dos bens móveis comuns do casal discriminados no ponto 11. dos factos considerados provados na decisão proferida pelo tribunal a quo, sem a intervenção da sua esposa, insere-se na previsão do artigo 1682.º do CC.
2). Tendo havido omissão do consentimento da esposa do inventariado para aquele acto de doação, o regime sancionatório não é o da nulidade, mas sim o regime específico da anulabilidade previsto no artigo 1687.º do CC, nos termos do qual, o acto era passível de anulação, a requerimento do cônjuge que não deu o consentimento ou dos seus herdeiros, desde que exercido no prazo previsto no n.º 2 do mesmo artigo.
3). A doação feita pelo inventariado a favor do seu filho ocorreu através de documento particular datado de 24/09/2018. Independentemente da data desse documento, a doação teve lugar antes do falecimento do inventariado, o que sucedeu em ../../2019 (facto provado sob o n.º 11).
4) Não há conhecimento nos autos de que a inventariada ou algum dos herdeiros tenha exercido o direito de anulação daquele ato de doação, pelo que, o vício (anulabilidade) derivado da falta de consentimento do cônjuge do inventariado ficou sanado e o contrato de doação tornou-se definitivamente convalidado (artigos 1682.º e 1687.º, n.ºs 1 e 2 do CC).
5) A sentença recorrida, no segmento em que declara “a nulidade da doação pelo inventariado DD ao filho GG dos bens descriminados em 11)”, e determina que o cabeça de casal relacione esses bens como bens dos inventariados, contém um erro de interpretação e aplicação do direito, por violação do regime específico da anulabilidade previsto no artigo 1687.º do CC para os atos praticados por um dos cônjuges, sem a legitimidade necessária, por falta de consentimento do outro cônjuge.

Pelo exposto, deve a sentença em recurso, na parte em que declara “a nulidade da doação pelo inventariado DD ao filho GG dos bens descriminados em 11)” dos factos provados, e determina que o cabeça de casal relacione esses bens como bens dos inventariados, ser revogada, sendo declarado que aquele acto de doação se tornou definitivamente válido, por falta de exercício do direito de anulação, nos termos supra referidos,  de molde a fazer-se  JUSTIÇA..”

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Assim, é apenas uma a questão a apreciar: se devem ser relacionados como bens da herança os bens móveis que integraram os bens móveis comuns do falecido casal e que  foram objeto da doação efetuada pelo inventariado a favor de um dos herdeiros legitimários,  sem menção do consentimento da inventariada, por tal disposição padecer de nulidade de conhecimento oficioso.
  
III- Fundamentação de Facto

Segue o elenco da matéria de facto provada e não provada a considerar, indicando-se os factos selecionados na sentença, com indicação das alterações provenientes da decisão da impugnação da matéria de facto efetuada neste recurso:

a) Factos provados:

Com relevância para o presente incidente resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia ../../2019, faleceu DD, no estado de casado no regime da comunhão geral de bens com EE.
2. No dia ../../2021, faleceu EE, no estado de viúva de DD.
3. Os inventariados identificados em 1) e 2) foram cotitulares da conta com o IBAN  ...09, junto do Banco 1..., S.A., relativamente à qual no dia ../../2019 existia:
a. Um depósito à ordem (000.001) no montante de 7.720,72€;
b. Um depósito a prazo (420.001), no montante de 5.470,46;
c. Um depósito a prazo (422.001), no montante de 15.000,00;
d. Obrigações PPR/... – Banco 1... Reforma, 1227,67290 unidades de participação, correspondente ao montante de 16.927,10€.
4. O depósito à ordem identificado em 3) a), no dia ../../2021, apresentava um saldo de 216,70€.
5. A inventariada identificada em 2) era titular de uma conta bancária com o IBAN  ...03, aberta em 31.01.2019, junto do Banco 1..., S.A., relativamente à qual no dia ../../2021 existia:
a. Um depósito à ordem, no montante de 21.657,72€.
6. Os inventariados eram cotitulares juntamente com FF da conta de depósitos à ordem número ...46, junto do Banco 2..., que no dia ../../2019 apresentava um saldo de 1.934,65€ e no dia ../../2021, um saldo de 0,00€, tendo sido encerrada em 04.08.2021.
7. A conta bancária identificada em 6) tinha associada as seguintes contas depósito a prazo: a. Conta depósito a prazo número ...61 que, em ../../2019, apresentava um saldo 6.746,29, tendo sido liquidado em 01.02.2019 e o seu valor creditado na conta à ordem associada;
b. Conta depósito a prazo número ...26 que, em ../../2019, apresentava um saldo 1.946,64€, tendo sido liquidado em 01.02.2019 e o seu valor creditado na conta à ordem associada.
8. A inventariada era cotitular da conta depósito à ordem número ...88, junto do Banco 2..., com GG, a qual em ../../2021 apresentava um saldo de 14.079,56€, pertencendo àquela 7.039,78€, correspondente a metade do saldo.
9. A conta bancária identificada em 8) tem associada uma conta depósito a prazo com o número ...19 que, em ../../2021, apresentava um saldo de 50,00€, pertencendo à inventariada o montante de 25,00€, correspondente a metade do saldo.
10. O inventariado DD era cotitular da conta depósitos à ordem número ...00, junto da Banco 3... com AA, apresentando em ../../2019, um saldo de 366,44€, pertencendo ao inventariado o montante de 183,22€, correspondente a metade do saldo.
11. O inventariado DD antes de falecer dispôs, a título gratuito, a favor do seu filho GG, os bens móveis que infra se descriminam, os quais passaram a estar na sua disponibilidade:
a. Trator ...;
b. Dois reboques (marca ...), um deles basculante com matrícula AV-....4;
c. Carrinha ... com a matrícula ..-..-JN;
d. Alfaias agrícolas:
i. Freze;
ii. caixa/gamela;
iii. Retofreze;
iv. escarificadoras;
v. charrua.
e. Motocultivadora ... com charrua;
f. Três motosserras;
g. Roçadora a gasolina;
h. Carro de bois.
12. À data do óbito da inventariada existiam os seguintes bens móveis no seu património, além dos relacionados na relação de bens de 06.01.2021:
a. Duas alianças de casamento;
b. Um fio de ouro com fotografia da inventariada;
c. Dois brincos (argolas);
d. Dois relógios de pulso;
e. Mobília de quarto 1, composto de cama, duas mesinhas de cabeceira e guarda-fatos;
f. Mobília de quarto 2, composto de cama, duas mesinhas de cabeceira e guarda-fatos;
g. Mobília de quarto 3, composto de cama, duas mesinhas de cabeceira e guarda-fatos;
h. Mobília de quarto 4, composto de cama, duas mesinhas de cabeceira e guarda-fatos;
i. Mobília de sala, composta de 1 sofá de dois lugares, 2 sofás individuais, mesa, 6 cadeiras e 2 móveis de apoio;
j. Mobília de cozinha, composta de 1 mesa, 1 frigorifico, 1 fogão, 1 televisão, 1 armário de parede;
k. Uma cuba de vinho vazia e uma pipa vazia da adega;
l. Um forno de pedra da arrecadação;
m. Ferramentas de trabalho agrícola e dois fardos de palha da loja das vacas; n. 2 arcas e 1 frigorifico na taberna

***
b) Factos não provados

Resultaram não provados:
i. À data do óbito da inventariada existiam os seguintes bens móveis no seu património, além dos relacionados na relação de bens de 06.01.2021:
a. Duas alianças;
b. Um fio;
c. Dois brincos meias libras;
d. Relógio de pulso;
e. Recheio da mercearia

IV -Fundamentação de Direito

Apenas está em causa a relacionação dos bens móveis objeto da doação a que se refere o ponto 11 da matéria de facto provada, discutindo-se em primeira linha a validade da doação de bens móveis efetuada pelo inventariado a um seu filho.
Os inventariados eram casados entre si, segundo o regime de comunhão geral de bens e por isso os bens móveis consideram-se comuns (artigo 1732º do Código Civil).
A sentença considerou que, porque à data da doação efetuada pelo inventariado, a inventariada ainda era viva e estes eram casados no regime da comunhão geral de bens, o ato carecia da intervenção daquela, pelo que o doador era desprovido de legitimidade para a prática desse ato sem tal consentimento. Recorrendo ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 12.10.2021, no processo 3890/17.4T8FNC.L1-7, aplicou ao caso o regime das doações de bens alheios. Nesse acórdão afirmou-se que “vigorando quanto a atos de disposição unilateral do património comum o disposto nos artigos 1682º e 1687º do Código Civil, e nas relações internas o princípio da indivisibilidade do património comum até à cessação dos efeitos do casamento e consequente partilha conforme ao disposto no artigo 1688º do Código Civil, tal não contende, nem comporta limitação à situação em que, o cônjuge desautorizado e lesado pelo ato de disposição do consorte sobre o património comum, pretenda que o património comum seja restituído/restaurado pelos terceiros beneficiados e conheceu dessa nulidade oficiosamente.”
É certo que este tema tem exigido “atenção na casuística de situações geradas pela complexidade da vida atual, e da evolução do paradigma dos poderes e deveres de cada cônjuge relativamente à gestão e disposição do património conjugal, as quais nem sempre surgem com resposta clara no ordenamento jurídico“, como se escreveu nesse acórdão.
Com efeito,  as atuais conceções sociais aceitam com maior dificuldade a sobrevalorização do casal como entidade cujo respeito justifica a indefesa prática dos direitos do cônjuge cujo consentimento foi postergado, obrigando-o a ter que esperar pelo final do casamento para efetivar o seu direito, embora o casamento crie um regime especial para as relações patrimoniais dos cônjuges, porque se pretende agora já não (tanto ou só) a defesa da ideia de família fundada pelo casamento, mas a realização pessoal no seu projeto, pela evolução do respeito pela autonomia de cada ser humano e da tutela da sua personalidade (mesmo que unido a outro pelo casamento).
 E assim, tal acórdão encontrou uma solução para “a situação, em que um dos cônjuges atuou em violação dos limites legais estabelecidos para a administração e alienação gratuita dos bens que integram o património comum, que o outro cônjuge não consentiu, nem aceita, pretendendo restaurar o património comum à situação anterior”, entendendo que “o enquadramento sancionatório específico previsto no artigo 1687º do Código Civil aplicável na relação interna dos esposados (e seus herdeiros), não excluiu, nem contende, com as relações emergentes entre o cônjuge defraudado e os terceiros que, beneficiaram gratuitamente do património comum do casal, mediante ato de disposição unilateral ilegítimo pelo outro consorte”. Este problema não se levanta no presente caso, em que não está em causa a posição do cônjuge, nem de terceiros, mas em que se discute apenas a situação entre os herdeiros de ambos os cônjuges, já falecidos.
Vejamos o regime que se aplica à nossa situação (agora que assentámos que inexiste paralelo a atender entre a situação destes autos e o acórdão em que se fundou a sentença).
A regra encontra-se prevista no artigo 1682º do Código Civil: quando estão em causa bens móveis quem administra pode dispor; se a administração couber aos dois cônjuges a alienação ou oneração carece do consentimento de ambos, salvo se se tratar de ato de administração ordinária.
Fora dos casos específicos tratados no artigo 1678º nº 2 do Código Civil, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de atos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal e os restantes atos de administração só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges.
De mais relevante importa atentar que cada um do cônjuges tem a administração dos seus bens próprios e ainda dos proventos que receba pelo seu trabalho e dos bens móveis próprios do outro cônjuge ou comuns, por ele exclusivamente utilizados como instrumento de trabalho, dos bens próprios do outro cônjuge, se este se encontrar impossibilitado de exercer a administração por se achar em lugar remoto ou não sabido ou por qualquer outro motivo, e desde que não tenha sido conferida procuração bastante para administração desses bens e dos bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir por mandato esse poder, nos termos do artigo 1678º nº 1 e 2 do Código Civil.
Também carece de ambos os cônjuges a alienação ou oneração de móveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida do lar ou como instrumento comum de trabalho e os móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge que os não administra, exceto se tal alienação se traduzir num ato de mera administração ordinária (nº 3 do artigo 1682º do Código Civil).
Dispõe o nº 4 deste artigo 1682º do Código Civil que quando um dos cônjuges, sem consentimento do outro, alienar ou onerar, por negócio gratuito, móveis comuns de que tem a administração, será o valor dos bens alheados ou a diminuição de valor dos onerados levado em conta na sua meação, salvo tratando-se de doação remuneratória ou de donativo conforme aos usos sociais.
O artigo 1687º do Código Civil contém as sanções para a prática dos atos de alienação sem o devido consentimento do cônjuge: a alienação ou oneração de móveis comuns sem o necessário consentimento são anuláveis a requerimento do cônjuge que não o deu ou dos seus herdeiros, o qual pode ser exercido nos seis meses subsequentes à data em que o requerente teve conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos três anos sobre a sua celebração. Decorrido esse período o ato torna-se definitivamente válido. No entanto, a anulabilidade não pode ser oposta ao adquirente de boa-fé, se for de bem móvel não sujeito a registo.
À alienação ou oneração de bens próprios do outro cônjuge, feita sem legitimidade, são aplicáveis as regras relativas à alienação de coisa alheia.
Do exposto resulta que as regras relativas à alienação de coisa alheia apenas se aplicam diretamente aos casos em que foi efetuada a alienação de bens próprios do outro cônjuge sem o devido consentimento, não aos bens comuns.
Assim, não havendo dúvidas que os bens móveis descritos no ponto 11 da matéria de facto provada eram bens comuns do casal, atento o regime de casamento que os unia e o disposto no artigo 1732º e 1725º do Código Civil, o que é aceite por todos, a sua doação a um só herdeiro constitui um ato de disposição, que necessitava do consentimento do cônjuge não doador, mas por faltar tal consentimento, o ato era anulável, nos termos do artigo 1687º, nº 1 do Código Civil.
O contrário do que sucede com a nulidade, a anulabilidade não é de conhecimento oficioso, e tem que ser invocada pelas pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, como decorre claro dos artigos 286º e 287º,1 Código Civil.
Assim, por um lado, não podia a sentença recorrida conhecer da mesma oficiosamente e por outro concluir pela verificação de uma nulidade ou, sequer, da anulabilidade, que não foram suscitadas. Não se presume a vontade nessa invocação: a preterição da vontade do progenitor por não constar do ato um consentimento da progenitora não se presume com a simples afirmação que se desconhece a doação.
Desta forma, não se pode concluir pela nulidade da doação, atendendo-se nos autos aos seus efeitos translativos da propriedade para o donatário (artigo 940º do Código Civil), havendo que proceder o recurso.
Mas tal não significa que os bens doados não devam ser relacionados, tão só, como escreve nas alegações o Recorrente que “não deverão, por isso, ser relacionados pelo cabeça de casal como bens da herança dos inventariados”.
Isto por virtude do instituto da colação: “os descendentes que pretendam entrar na sucessão do ascendente devem restituir à massa da herança, par a igualação da partilha, os bens ou valores que lhes foram doados por este” diz-nos artigo 2104º). Há que conhecer as liberalidades já recebidas do autor da herança para compor a legítima na parte em que os herdeiros têm de receber uma parte igual.
Referindo-se a doações a herdeiros legitimários: “Não obstante as coisas doadas não integrarem o acervo hereditário devem, no processo de inventário, havendo herdeiros legitimários, ser objeto de relacionação, com o objetivo de lhes ser fixada a natureza, qualidades e valor, para efeitos de cálculo das legítimas e com vista à sua integralidade, com eventual redução, por inoficiosidade, ou à mera igualação da partilha”, sumariou-se no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães em 06/14/2018, no processo 156/07.1TBMDR.G1.
A relação do acervo patrimonial a partilhar, ainda que a administração não pertença ao cabeça-de-casal, é acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo ou na matriz (n.º 3, al. c)). Em especial, devem ser relacionados os bens legados e, se existirem herdeiros legitimários, os bens doados, com o objetivo de lhes ser fixada a natureza e o valor, para efeitos de cálculo da legítima e de eventual redução por inoficiosidade (cf. arts. 2168.º ss. CC; arts. 1118.ºs.), bem como para igualação da partilha, através da respetiva conferência (art. 2174.º CC)”, escrevem Miguel Sousa, Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pedro Torres em “O Novo Regime Do Processo De Inventário E Outras Alterações Na Legislação Processual Civil”, Almedina 2020, a pág. 62.
A relacionação de bens no inventário alcança todos os bens móveis, imóveis, semoventes, direitos e ações, créditos e dívidas do autor da herança que desta não devam excetuar-se, inclusive, havendo herdeiros legitimários, os bens doados, compreendendo aquela genérica atribuição as benfeitorias, também o dizia Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 4ª edição, volume I, Almedina, pág 429 e seguintes.
Temos em que se entende que os bens doados referidos no ponto 11 da matéria de facto provada têm que ser relacionados não como bens da herança, mas como bens doados ao herdeiro legitimário GG.
           
V- Decisão

Por todo o exposto, julga-se   procedente a apelação   e em consequência, revoga-se a sentença proferida quanto ao segmento especificado sob a alínea c), relativa aos bens discriminados em 11) e em sua substituição determina-se que o cabeça-de-casal os relacione como bens doados a GG.
Custas do recurso pelos interessados reclamantes que nesta parte ficaram vencidos (artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Guimarães, 18 de abril de 2024

Sandra Melo
Margarida Gomes
José Manuel Flores