ALIMENTOS A FILHO MAIOR
POSSIBILIDADE DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
CESSAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
Sumário

I - A prestação de alimentos a um filho maior depende da possibilidade, necessidade e razoabilidade dessa prestação.
II - Não possuiu qualquer possibilidade de a prestar o progenitor que, por motivo de saúde aufere apenas 353 euros mensais e despende 350 euros na amortização de um empréstimo bancário.
III - Não é razoável cessar essa prestação apenas porque a filha não obteve aproveitamento escolar no 12º ano, se um ano depois, logrou obter esse aproveitamento e está actualmente matriculada no ensino superior.
IV - A cessação da prestação por violação do dever de respeito pressupõe uma conduta grave e ponderosa que permita concluir, do ponto de vista social, pela inexigilidade dessa obrigação.
V - Assume essa natureza o conjunto de comportamentos da requerente que além de bloquear o seu pai nas redes sociais, afirma nestas que o verdadeiro pai é o padrasto, não visita o pai e sua família há vários anos, no decurso dos quais teve uma meia irmã com 18 meses que nunca procurou visitar.

Texto Integral

Processo: 5641/15.9T8MTS-G.P2



Sumário:
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1. Relatório

AA, residente na Praça .... Traseiras, na freguesia ..., concelho de Vila do Conde, veio instaurar a presente acção de cessação da obrigação de pagamento do montante de alimentos devidos a filho maior contra BB, residente na Rua ..., ... na freguesia ..., concelho de Vila do Conde, e CC, residente na Rua ..., ... na freguesia ..., concelho de Vila do Conde, pedindo que, pela procedência da acção, seja declarada cessada a obrigação de alimentos uma vez que a filha não estuda com aproveitamento e já atingiu a maioridade.

Inicialmente foi adoptada uma tramitação que terminou com a seguinte sentença “Citadas as Requeridas com a cominação de nada dizendo se considerarem”, tendo sido considerada provada a matéria alegada pelo requerente, julgando-se cessada a prestação alimentar.

Inconformada a requerida interpôs recurso, o qual foi julgado procedente, determinando-se por isso a instrução da causa e a nulidade dos actos praticados.

Foi realizada conferência, tentada a conciliação das partes e realizou-se audiência de discussão e julgamento finda a qual foi proferida decisão que decidiu: “julgo a presente acção proposta por AA totalmente procedente e, consequentemente, declaro cessada a obrigatoriedade de pagamento da pensão de alimentos à requerida CC”.

Novamente inconformadas vieram as requeridas recorrer, recurso esse que foi admitido como de apelação a subir nos próprios autos, tendo efeito devolutivo (artigos 644º, nº 1, al. a), 645º, nº 1, al. a) e 647º, nº 1, todos do Código de Processo Civil), e sem prejuízo do disposto no art. 641º, nº 5 do Código de Processo Civil.


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2.1. As apelantes apresentaram as seguintes conclusões, cujo teor se dá por integralmente reproduzidas, e que se resumem nos seguintes termos:

(…) C- Por não concordarem com a douta decisão, as recorrentes vêm interpor recurso de apelação, desde logo porque os factos que foram dados como provados, nomeadamente o 13, 14, 16, 20, 24, 25, 26, 33, 38, 39, 42, não o deveriam ter sido e o facto dado como não provado d) deveria ter sido provado.

D- Foi dado como provado, nos factos 13, 14, 16, 20, 38 e 39 que o recorrido indagou junto da escola e do Centro de Estudos para saber o que tinha sucedido para as classificações baixas da filha nos exames nacionais e que lhe foi dito que a recorrente CC procedeu à anulação das disciplinas e que, por isso não pode beneficiar da média das notas obtidas durante o ano, tendo como base o documento junto aos autos no requerimento com a referência 37189461.

E- Não foi junta nenhuma prova documental que comprovasse que a recorrente CC tivesse anulado as disciplinas, muito pelo contrário, foi dito pela recorrente BB, em audiência de julgamento, conforme declarações prestadas na sessão de julgamento do dia 28/11/2023 gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 06:40 minutos, mais concretamente ao minuto (03: 54)

F- A Testemunha DD, também confirmou que não tinham conhecimento que a CC tivesse procedido à anulação das disciplinas, nas suas declarações prestadas pela testemunha na sessão de julgamento do dia 28/11/2023, gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 12:51, mais concretamente ao minutos 04:20.

G- Não deveria ter sido dado como provado o facto 16, nomeadamente que o recorrido tivesse indagado junto da professora EE do que teria ocorrido e que lhe foi dito que que a CC muitas vezes marcava as explicações e não aparecia  não dando qualquer justificação para a sua ausência para saber o que tinha acontecido para que a filha tivesse classificações tão baixas, atendendo às declarações prestadas pelo recorrido na sessão de julgamento do dia 28/11/2023 gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 18:30, mais concretamente ao minuto 05:20: (…)

H- A recorrente BB, também referiu que a filha CC nunca faltou às explicações, conforme declarações prestadas na sessão de julgamento do dia 28/11/2023 gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 06:40 minutos, mais concretamente ao minuto 04:40: (…)

I- Foi ainda dado como provado, nos factos 24 e 25 que o recorrido envia mensagens, convites e poucas são as vezes que a recorrente CC lhe responde e que os únicos contactos que tem é com a progenitora, recorrente BB.

J- A testemunha DD, companheira do recorrido, esclareceu que o recorrido e a filha nunca tiveram uma relação próxima, comunicando sempre por telefone, conforme declarações prestadas na sessão de julgamento do dia 28/11/2023 gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 12:51, mais concretamente aos minutos 1:30, 03:58 e 08:46: (…)

K- O recorrido referiu que não fala para a sua filha CC, (…)

L- A recorrente BB esclareceu que o recorrido não tem contacto com a filha, que não a procura, nem por telefone, conforme declarações prestadas pela mesma na sessão de julgamento do dia 28/11/2023 (…)

M- Resulta da prova testemunhal e do depoimento do próprio recorrido que existe uma falta de contactos mútua entre pai e filha, e não que o recorrido manda mensagens e convites para a recorrente CC e que esta não corresponde. Pelo que não podem ser dados como provados os factos 24 e 25.

N- O facto 26. não poderia ter sido dado como provado pois, pelas declarações da recorrente BB e do depoimento da Testemunha DD, o tribunal a quo só poderia concluir que a recorrente CC só soube que tinha uma irmã, quando esta nasceu, não tendo lhe sido comunicado a gravidez, facto que foi um choque para a mesma.

O- A recorrente BB esclareceu muito bem que a conduta da recorrente CC é uma reação à conduta do recorrido, que se encontrava magoada com as atitudes do pai, uma vez que só soube que o mesmo tinha casado, pela rede social Facebook e que tinha uma irmã passado uma semana de esta ter nascido, o que o facto dado como provado.

P- Na sentença recorrida, o tribunal a quo fundamentou uma violação grave do dever de respeito para com o progenitor, pelo facto da recorrente já não o visitar há cerca de dois anos , não passar épocas festivas, nem visitas com o mesmo e família paterna, demonstrando total desinteresse.

Q- No entender do Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão proferido no processo 279/07.7TBCLB-J.C1, a 21 de maio de 2019 e relatado pelo juiz relator Luís Cravo, seria sempre necessária a verificação de uma situação de desrespeito grave dos ditos valores, fruto de uma vontade intencional.”

R- Para fundamentar a cessação da obrigação, pois como Maria Clara SOTTOMAYOR esclarece,” aquando da atribuição de alimentos, não se devem considerar situação de mérito ou desmérito, na medida em que os alimentos não são equiparáveis a uma recompensa ou sanção.

S- A existir uma violação por parte da recorrente CC ao não visitar o pai nem a família paterna e não ter qualquer contacto com estes, será uma reação à violação grave do dever de respeito por parte do recorrido para com a recorrente CC,na medida que o próprio não contacta, nem procura a filha.

T- Resulta da prova testemunhal inequivocamente que a relação entre o recorrido e recorrente CC nunca foi próxima e tem vindo a deteriorar-se paulatinamente e tal situação tem-se protelado no tempo, com a anuência de ambas as partes.

U- A recorrente CC não pode ser culpada de ter uma relação mais próxima com o seu padrasto de que com o recorrido, pois, nunca teve uma relação com a filha, sendo que, a relação que têm é única e exclusivamente o facto de na certidão de nascimento constar o nome do recorrido como pai.

V- Não pode ser a recorrente CC culpada de todo o afastamento da relação pai/filha, na medida que o recorrido nunca procurou integrá-la na sua nova vida familiar, nem lhe contou do seu casamento, nem da gravidez esperada.

W- O facto dado como não provado : d) O facto de a requerida CC não querer ter contacto com o pai resulta do desgosto que esta tece com a separação dos pais e de ter  conhecimento de que o pai constituiu uma nova família e tem inclusive outro filho com a atual companheira.”, deveria ter sido dado como não provado pois, resulta das declarações da recorrente BB no minuto 08:53, que referiu que a recorrente CC ficou magoada com o facto de o pai ter casado e não ter comunicado à filha, só lhe disse que tinha uma irmã uma semana depois de esta ter nascido, o que foi corroborado pela testemunha DD, companheira do recorrido.

X- A falta de visitas e contactos com o progenitor e família paterna pela recorrente CC não pode constituir uma violação grave do dever de respeito, por serem mútuas e causadas pelo afastamento do recorrido.

Y- O facto 33º não poderia ter sido dado como provado, uma vez que, resulta do no depoimento da testemunha FF, irmã do recorrido, que já tinha emprestado dinheiro ao seu irmão há alguns anos, conforme o depoimento prestado na sessão de julgamento do dia 28/11/2023 gravadas no sistema de gravação integrada do Tribunal, com duração total de 13:10 minutos, mais concretamente ao minuto 10:25: (…)

Z- Na obrigação de alimentos “impõe se considere que as necessidades dos filhos sobrelevam a disponibilidade económica dos pais, não podendo nunca concluir-se que uma tal responsabilidade é satisfeita - quando o progenitor se limita a dispor do que lhe sobra  - trata-se de uma responsabilidade que impõe ao progenitor assegurar as necessidades do filho de forma prioritária relativamente às suas, designadamente relativamente àquelas que não sejam inerentes ao estritamente necessário para uma digna existência humana”. Neste sentido, vide Ac. RL de 08.11.2011, proc. n.º 4519/08.7TBAMD.L1-7, relatora Maria do Rosário Morgado, acessível em www.dgsi.pt.

AA- Conforme os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.09.2002, e de 07/11/2013: “a condição de pai implica o dever de ter uma situação económica estável para prover ao sustento dos filhos” e “a situação de desemprego não dispensa o progenitor de cumprir a obrigação de alimentos, que será calculada atenta a sua capacidade de trabalhar e de auferir rendimentos.”

BB- É do entender da jurisprudência que só é causa para cessação da pensão de alimentos quando haja uma impossibilidade total para prover o seu sustento e que não constitui causa para cessar a pensão de alimentos a situação de desemprego do progenitor pelo que, não pode constituir causa de cessação a diminuição do rendimento do recorrido .

CC- Tendo em conta a necessidade de continuação da formação profissional da recorrente CC, bem como das possibilidades económicas do recorrido, é razoável e justo que este continue a contribuir para o sustento e educação daquela, pelo valor fixado anteriormente, que se tem como o adequado.

DD- Face à prova produzida nos autos, aos factos que deveriam ter sido considerados não provados 13, 14, 16, 20, 24, 25, 26, 33, 38, 39, 42 e que deveria ter sido dado como provado o d), não se encontram reunidos os requisitos para cessar a pensão de alimentos com base na capacidade económica do recorrido, nem com nenhum outro fundamento.

EE- Ao não ter decidido deste modo, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 607º nº 4 e 5 do CPC ao ter considerado provados factos que não resultaram da prova produzida

FF- Em suma, o tribunal a quo deveria ter decidido pela improcedência total do pedido pelo recorrido, mantendo a obrigação deste providenciar o sustento da recorrente CC. E não o tendo feito, o tribunal a quo violou gravemente o disposto nos artigos 342º, 1880, 1885, 1905, 1917, 2004 e 2013 do CC e 36º e 68 da CRP, além de jurisprudência unânime que decidiu em situações análogas.


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2.2. O apelado contra-alegou, nos seguintes termos:

1. O requerente pediu a cessação de alimentos com os seguintes fundamentos: insucesso escolar da requerida CC; no comportamento da filha para com o requerente; e, por último, a insuficiência económica do próprio para manter o pagamento da prestação de alimentos.

2. A ação foi julgada procedente e, em consequência foi declarada cessada a obrigatoriedade de o requerente pagar a prestação de alimentos à CC.

3. A decisão do Tribunal ad quo, assentou nos seguintes elementos de prova: a) Declaração do Externato ... - declarações por email de 22 de novembro de 2023, a folhas dos autos, designado certificado de habilitações, b) Mensagens do WhatsApp do Centro de Estudos ... para o progenitor como doc. 1 da petição inicial; c) Fotografia do resultado dos exames nacionais afixados na Escola Secundária ..., referente ao ano letivo 2021/2022, na 1.ª e 2.ª fase, como doc. 2; d) Mensagens do WhatsApp da requerida BB, para o pai da CC, constantes de documentos junto aos autos, com a petição inicial, doc. 3, - uma verdadeira confissão;

4. E, ainda, na prova produzida em sede de audiência de julgamento, como por exemplo, no facto confessado pela requerida BB, que a filha não obteve sucesso no ano letivo 2021/2022, ano em que atingiu a maioridade em abril e, por isso, teve de repetir o 12.ª ano de escolaridade.

5. Corroborado pela prova documental, junta com a petição inicial, como doc. 3 em que a requerida referiu que sem prévio acordo ou comunicação ao pai decidiu que a CC “no início do próximo ano letivo irá frequentar o Externato ... para fazer essa disciplina e geometria descritiva para subir a média para o ano” (…) “Hoje fui fazer a inscrição e já paguei a mensalidade.”.

6. Para além da prova por confissão, sendo um facto que resulta de prova documental, a mesma foi feita através da junção do email do referido Externato ... e competente Certificado de Habilitações, por onde consta que foi no ano letivo de 2022/2023 que a 06 de junho a CC concluiu o ensino secundário obrigatório.

7. Sendo certo que, a CC deveria ter concluído o ensino secundário no ano letivo anterior, ou seja, 2021/2022.

8. Ora, a prova quanto ao insucesso escolar reside e assenta nestes meios probatórios, no essencial.

9. E, por isso, bem andou o douto tribunal ao dar como provado os factos em causa.

10. Ficou provado que em sede de discussão e julgamento, que a CC não quer contacto com o pai, nem com a família paterna, tendo mesmo se afastado da madrinha, que era a pessoa com quem mantinha mais contacto, nos últimos dois anos.

11. Apesar das várias tentativas por parte da família paterna para manterem contactos, a CC nega-se a mantê-los, tendo inclusive, bloqueado os mesmos das redes sociais – como foi dito na inquirição da madrinha da requerida CC.

12. E, foi confirmado também que, conforme transcrição da inquirição da testemunha: DD “(…) pela CC, nós nunca sabíamos nada.”.

13. Mas como resulta dos vários depoimentos, inclusive da própria requerida, BB, é o pai e a sua família que procuram a CC e nunca o contrário, que como principal interessada nem se dignou a comparecer no Tribunal ou a justificar.

14. Ora, as transcrições trazidas em sede de alegações, dão conta desse afastamento e do interesse manifestado pelo pai nos assuntos da filha, nomeadamente, contactando a explicadora, a escola, etc.

15. Ademais, o recorrido foi pai novamente, quis que a filha mais velha conhecesse a irmã, e esta negou-se, demostrando que não quer conhecer a irmã, que nenhuma culpa tem.

16. De referir que a alegada tese das requeridas não vingou, pois, não fizeram prova de qualquer atitude em concreto que levasse a este comportamento da CC.

17. Por fim, importa referir que, a CC feriu, intencionalmente, os sentimentos do pai, ao publicar nas redes sociais da própria uma fotografia com o padrasto, mencionando que “Se tens orgulho no teu pai posta foto dele” e “Pai não é quem faz, mas sim quem cria! E tu és o exemplo disso, obrigada por estares lá sempre” - vide doc. 6 da petição inicial.

18. Tal expressão foi transmitida por terceiros ao requerente, isto porque, ele foi eliminado pela mesma das suas redes sociais, o que o deixou extremamente magoado, triste e desgostoso, conforme foi transmitido pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência e discussão de julgamento.

19. Ora, dúvidas não restam para homem comum, bom pai de família, que tais expressões são violadoras do dever de respeito e assistência dos filhos para com os pais.

20. Aliás, pai que mesmo para além das suas possibilidades financeiras, tendo mesmo contraído vários empréstimos, endividando-se, para que nada faltasse à filha.

21. O aqui recorrido padece de uma doença que o impossibilita de poder exercer a sua atividade profissional de forma plena, passando a trabalhar a part-time.

22. Ora, face aos factos provados, bem como, dos documentos juntos aos autos, resulta claro que o mesmo não tem como prestar alimentos à sua filha maior, considerando as despesas que tem e os rendimentos que aufere – tudo prova documental nos autos.

23. Ademais, como supra se disse, as requeridas faltam à verdade quanto à sua verdadeira condição económica, pois omitem no seu agregado familiar o padrasto e o seu rendimento que será bem alto, atendendo que trabalha no estrangeiro – vide apoio judiciário, também junto aos autos.

24. Ficou provado documentalmente e por declarações de parte e das testemunhas que se afiguraram sinceras que o requerido não poderá continuar a pagar a prestação de alimentos.

25. Como bem percecionou o douto Tribunal, “(…) a requerida só se lembra que tem um pai por necessitar dos alimentos deste para completar a sua formação profissional.”.

26. Com o devido respeito, por opinião diversa, a convicção do Tribunal ad quo, baseou-se: na ausência da requerida CC, principal interessada nos autos, nas diligências, declarações de parte prestadas pela outra requerida, que foi perentória a reconhecer que toma decisões e comunica ao pai que não é tido nem achado, enviando apenas as faturas para pagamento,

27. Bem como, das declarações do requerente que de forma sincera expôs as suas dificuldades de saúde e financeiras e a sua tristeza pela ausência de contactos com a filha,

28. E ainda, dos restantes familiares que gostariam de ter a CC presente, e não serem afastados da vida da mesma, ou na nova moda, exclusão das redes sociais.

29. É de concluir, pois, que no caso em concreto, “E porque assim é não parece razoável exigir que um pai continue a prover ao sustento, saúde e educação de uma filha maior quando esta não cumpre, em relação a ele, os apontados deveres de respeito, auxílio e assistência.”

30. “Concluiu-se, por isso, que a requerida CC violou gravemente o dever de respeito para com o pai, não sendo razoável que este lhe continue a prestar alimentos até completar os seus estudos.”.

31. No mais, sempre se dirá que, a prever a possibilidade de cessação, conforme fez o legislador ao aplicar o conceito de razoabilidade, foi para estes casos em concreto, porque, não se vislumbram nenhum outro suscetível de se enquadrar nesta exceção,

32. Ou seja, em que à uma violação evidente dos deveres de assistência, auxílio e respeito da beneficiária dos alimentos e há uma impossibilidade por insuficiência económica do obrigado, a par do insucesso escolar da requerida, no momento, em que atinge a maioridade.


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3. questões a decidir

1. Apreciar o recurso sobre a matéria de facto.

2. verificar depois se existe ou não fundamento para decretar a cessação da prestação de alimentos, analisando para tal, se necessário, os três fundamentos alegados pelo requerente (impossibilidade de prestar alimentos; insucesso escolar; comportamento da alimentante).


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4. Do recurso da matéria de facto

Pretendem as apelantes a alteração da decisão de facto quanto a quase toda a matéria.

Ou seja: não devem ser provados os factos nºs 13, 14, 16, 20, 24, 25, 26, 33, 38, 39, 42 e que deveria ter sido dado como provado o d), não se encontram reunidos os requisitos para cessar a pensão de alimentos com base na capacidade económica do recorrido, nem com nenhum outro fundamento.

Em primeiro lugar, não se entende sequer a utilidade desse recurso quanto aos factos relativos à prestação escolar da requerente, pois, note-se essa causa de pedir foi julgada improcedente pela decisão recorrida.

Ou seja, as apelantes, pretendem que seja alterada a factualidade de uma questão em que já obtiveram ganho de causa.

Depois, a reapreciação da prova na instância de recurso funda-se na existência de erros de valoração e não visa qualquer repetição de julgamentos.

Isso é o que decorre do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15/02, que introduziu o artigo 690º-A do Código de Processo Civil, na versão anterior à do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto onde se dispõe: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido” (nossos sublinhados).

Ora, quem leia os documentos juntos aos autos verifica desde logo que estes apelantes comprovam parte dos factos provados agora postos em causa.

Com efeito, a requerente juntou: a) Fatura relativa à taxa de candidatura da Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário; Fatura da taxa de matrícula, do seguro e da 1.º prestação de propinas relativo ao ano letivo 2023/2024; e Fatura da 2.º prestação de propinas relativas ao ano letivo 2023/2024, é evidente que não terminou o 12º ano em 2022.

Acresce que as requerentes não apresentaram qualquer testemunha tendo apenas prestado declarações a mãe/requerente.

No seu depoimento esta confirma. “ficou retida no 12º ano ficou”; que foi ela quem unilateralmente decidiu inscrevê-la na escola particular”, que “não tem relações com o pai” e justifica até esse corte total porque “o pai Informou a filha CC que tinha uma irmã, uma semana depois de ter nascido”.

Ou seja, apenas com base nos meios de prova da apelante este tribunal já pode concluir pela manifesta improcedência do recurso sobre a matéria de facto, nesta parte.

Depois, se dúvidas houvesse bastaria ouvir os restantes depoimentos e analisar os demais documentos.

Desde logo as declarações do pai/apelado são não apenas coerentes, mas além de emocionais, aparentemente credíveis.

Depois o atestado multiuso junto com o requerimento inicial comprova uma incapacidade definitiva de 63%, datado de 2018. O seu salário em 2022 foi de 1436 euros (recibo junto pelo requerente). Mas, de junho a outubro de 2023 o requerente auferiu a quantia de 356 euros mensais (130,54 em junho). Nas suas declarações esclareceu que efectua hemodiálise, que não consegue actualmente trabalhar um dia inteiro. Tem uma filha com 18 meses e diz que já teve de contrair 2 empréstimos (um com irmã e outro com a entidade bancária), e que “a sua vida é muito, muito complicada”.

Se dúvidas houvesse a irmã deste e madrinha confirma que emprestou a quantia de 2.500 euros ao seu irmão para este custear despesas da filha mais velha, como confirma não apenas o afastamento desta do pai e de si (bem como da avó paterna), confirmando a complicada situação de saúde do seu irmão.

Por fim, não deixa de ser curioso que as apelantes omitam que a actual companheira do apelado também depôs e esclareceu de forma pronta, imediata e emocionada que o seu companheiro tem múltiplas dificuldades pessoais (ao fim de anos de hemodiálise não consegue trabalhar, teve aliás de ser operado aos olhos e espera operação à fistula que consta da foto dos autos). Que quem alimenta a filha de ambos com 18 meses é ela através do seu salário; que quem sustenta a casa é ela com o seu salário, e que o parco salário do apelado serve apenas para suportar o empréstimo habitação.

Nesta matéria, se dúvidas houvesse, foi junta aos autos uma foto justificativa da necessidade futura de uma cirurgia do apelante (29.11.23). Está, como vimos comprovado o seu actual salário, e é evidente que um doente que efectua hemodiálise, com uma incapacidade permanente de 64% (que por certo actualmente será maior), não pode trabalhar como habitualmente.

Curioso, pois, que face a esses meios de prova, pretendam as apelantes alterar a decisão probatória.

Esta não apenas é congruente e racional, como até prejudicou o apelado ao não considerar provado que este possui uma filha com 18 meses, e que se encontra numa difícil situação económica.

Bastará confrontar o teor gravado da tentativa de conciliação, com a conclusão probatória para se concluir que nenhum meio de prova idóneo sustenta a tese factual das apelantes.

No restante:

As alegações de recurso, omitem e parecem pretendem esconder que foi junta aos autos a mensagem da apelada na qual afirma (nomeando o padrasto) “se tens orgulho do teu pai, posta foto dele” e “Pai não é quem faz, mas sim quem cria! E tu és exemplo disso, obrigada por estares lá sempre”. Ao que acresce que “bloqueou o pai das redes sociais”. Para além disso, a explicação da apelante /mãe (que a sua filha teria cortado relações depois de não ter sido informada da gravidez da sua irmã), claudicou inteiramente com o depoimento da sua madrinha/irmã do apelante. Esta explica que pura e simplesmente a filha/apelante deixou de contactar o pai e família, mesmo com ela (sua madrinha) que teve o cuidado de se informar do resultado dos seus exames.

Acresce que, conforme afirma a Sra. BB (apelante, ré e mãe): “sabe que a filha chumbou; o pai foi falar com a explicador – porque ela lhe disse – e que que ela ficou retida no 12º ano, ficou”. Inscreveu e comunicou a inscrição no externato se pedir opinião. Mais confirma “que não há contactos entre o pai a filha”, deixou de falar com este (totalmente) em 2019, porque este lhe disse que por ser transplantado não podia correr o risco.

Note-se, portanto, a manifesta incongruência da depoente/apelante.
· Afinal “o pai falou com a explicadora”. Em 2019 (e não 2020 data da pandemia).
· Depois, por exemplo, “soube que o pai casou (só) pelas redes sociais”, quando afinal o mesmo vive em comunhão de facto (depoimento deste e companheira).
· E que afinal foi a mãe/apelante que “ligou ao AA a dizer que não tinha o direito de dizer que tinha uma filha”.

Logo, o recurso sobre a matéria de facto claudica inteiramente porque está, além do mais, em desconformidade com o próprio depoimento da apelante.


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5. Motivação de facto

1. A requerida, CC, nascida a ../../2004, é filha do requerente, AA, e da requerida, BB.

2. Por decisão datada de 01/10/2010, transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo nº 15086/2010 da Conservatória de Registo Civil de Vila do Conde, foi fixado que a CC ficava a residir com a mãe, as questões de particular importância decididas por ambos os progenitores, fixou-se o regime de visitas mediante o qual o pai poderia estar com a filha sempre que quisesse desde que avisasse a progenitora com pelo menos um dia de antecedência, o valor da pensão de alimentos era fixado em €75,00 e as despesas tidas com a CC sempre que esta estivesse doente seriam dividas por ambos os progenitores.

3. Por decisão datada de 2/03/2011, transitada em julgado, proferida nos autos de incumprimento 3479/10.0TBVCD – A foi homologado o seguinte acordo: acrescentam uma cláusula ao acordo que se encontra junto a fls. 8, referente à actualização anual da pensão de alimentos, de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE e também que a pensão de alimentos será paga até ao dia 15 de cada mês a que corresponde, por transferência bancária para o NIB:  ...69; alteraram a cláusula nº 7 nos seguintes termos: 7º "As despesas extraordinárias escolares e de saúde serão pagas por ambos os progenitores em partes iguais e mediante a apresentação de recibo."

4. Por sentença datada de 29/10/2016, transitada em julgado, proferida nos autos principais de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, foi homologado o acordo mediante o qual o pai passou a contribuir com a quantia de €100,00 (cem euros) mensais a título de prestação de alimentos a favor da Menor, a ser entregue à Progenitora, por qualquer forma documentada, até ao dia 10 de cada mês a que disser respeito e além das despesas discriminadas na cláusula sétima do exercício da regulação das responsabilidades parentais, alterada pela redação dada na conferência de pais de 02/03/2011, as despesas do centro de estudo da Menor serão suportadas por ambos os Progenitores, na proporção de 50% para cada um, mediante entrega de comprovativo de pagamento da despesa.

5. Por decisão datada de 7/03/2017, transitada em julgado, proferida no apenso B, foi homologado o seguinte acordo: “Requerente e Requerido acordam em fixar o montante em dívida na quantia de € 108 (cento e oito euros); o Requerido compromete-se a pagar tal quantia de forma mensal, em 3 prestações de € 36 (trinta e seis euros) cada uma; alteraram a cláusula das despesas, passando a mesma a ter a seguinte redação "O Progenitor contribuirá, ainda, na proporção de metade, nas despesas escolares (inicio do ano letivo) e das despesas de saúde extraordinárias, exibindo para o efeito a Progenitora os respectivos documentos comprovativos de tais despesas."

6. Por decisão datada de 23/03/2018, transitada em julgado, proferida no apenso E, o acordo quanto à alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais relativamente à cláusula “despesas” constante do acordo da Regulação das Responsabilidades Parentais e alterações subsequentes, passando a reger-se pelas seguintes cláusulas: 1) As despesas mencionadas na dita cláusula e até Outubro de 2018, inclusive, serão suportadas integralmente pela Progenitora, com a excepção das despesas com a manutenção do aparelho ortodêntico que nessa parte será suportada pelos progenitores em partes iguais; 2) A partir de Novembro de 2018, inclusive, continuará a vigorar a cláusula atinentes às despesas indicadas a fls. 20.

7. Por decisão datada de 28/03/2023, transitada em julgado, foi homologado o acordo constante do apenso F) nos seguintes termos: “1) O Requerido AA reconhece estar em dívida a quantia de € 337,52 (trezentos e trinta e sete euros e cinquenta e dois anos) título de despesas de saúde, bem como as actualizações reclamadas no requerimento inicial e ainda € 150,00 (cento e cinquenta euros) relativo a aquisição de óculos e lentes de contacto. 2) O progenitor compromete-se a pagar o valor global da cláusula 1) em 4 prestações, mensais e sucessivas de € 121,88 (cento e vinte e um euros e oitenta e oito cêntimos), a pagar até ao dia 8 de cada mês, com início no próximo mês de Abril de 2023. 3) A falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento das restantes. 4) As custas serão suportadas em partes iguais entre Requerente e Requerido.

8. A requerida CC frequentou a Escola Secundária ... no Curso de Ciências e Tecnologias, no 12º ano de escolaridade até dia 07 de junho de 2022, tendo efetuado os exames nacionais na 1.ª e 2.ª fase (arts. 5º e 6º).

9. O pai pagou mensalmente a prestação de alimentos e a metade da comparticipação das despesas referentes às explicações que a CC frequentava no Centro de Estudos – ..., em Vila do Conde, às disciplinas de Físico-química e Biologia e Geologia (arts. 7º e 8º).

10. Foi transmitido ao requerente como justificação para as explicações que seriam disciplinas cuja nota é utilizada para fazer média ou então necessárias para se candidatar ao ensino superior (art. 9º).

11. O requerente dirigiu-se à escola para verificar as notas obtidas pela filha que se encontravam afixadas no placard próprio, tendo constatado que a CC obteve classificações negativas em ambas as fases e em ambas as disciplinas (art. 10º).

12. Não obtendo qualquer informação nem explicação para o sucedido pelas requeridas, o requerente indagou junto da Escola e do Centro de Estudos o que sucedeu para que a filha tivesse classificações baixas (art. 12º).

13. Foi-lhe dito que a aluna procedeu à anulação da inscrição às duas disciplinas acima referidas e, que por isso, não pode beneficiar da média das notas obtidas durante o ano qua caso fossem superiores a 10 valores faziam média com a nota obtida em exame (art. 13º).

14. Ao anular a disciplina, a única forma de puder passar à disciplina, seria com a obtenção de classificação igual ou superior a 10 no exame nacional (art. 14º).

15. O que não veio a acontecer e acabou por resultar no chumbo de 12.º ano, impedindo assim, a conclusão do ensino secundário e comprometendo o acesso ao ensino superior (art. 15º).

16. O requerente indagou junto da explicadora – Professora EE (coordenadora do Centro de Estudos), do que teria ocorrido e foi-lhe dito que a CC muitas vezes marcava as explicações e não aparecia, não dando qualquer justificação para a sua ausência (art. 16º).

17. Ao requerente nunca foi transmitido qualquer uma das decisões acima tomadas pelas requeridas nem previamente consultado sobre qualquer uma delas (art. 17º).

18. A filha ficou retida no 12.º ano devendo repetir o ano ou as disciplinas que deixou por fazer (art. 19º)..

19. Para concluir o 12.º ano, a requerida CC inscreveu-se, sem falar previamente com o pai, no Externato ..., entidade de ensino privado com o NIF ...30, sito na Rua ..., Porto – conforme melhor se alcança do teor dos docs. 18, 19 e 20 juntos ao apenso F, referente ao incumprimento, tendo comunicado tal decisão ao requerente por mensagem via WhatsApp (art. 22º).

20. A actuação da requerida CC obstou a que concluísse a sua formação no tempo de duração normal, ao anular a frequências das disciplinas e a falta às explicações previamente agendadas e suportadas pelos pais (art. 23º)..

21. A requerida CC não passa com o requerente as épocas festivas, o aniversário ou até em visitas (art. 24º).

22. Nem no Dia do Pai costuma a filha falar com o pai (art. 25º).

23. A última vez que a requerida CC visitou a família do pai foi na Páscoa do ano passado, com o intuito de aí levantar o “folar” (art. 26º).

24. O requerente envia convites, manda mensagens e poucas são as vezes que a filha lhe corresponde (art. 27º).

25. O único contacto que o requerente tem é com a progenitora para efetuar os pagamentos que lhe são enviados (art. 28º).

26. No ano passado com o nascimento da irmã, o requerente comunicou-lhe tal facto, com vista apresentar a bebé, tendo a CC demonstrado total desinteresse (art. 29º).

27. A CC também já não visita os avós paternos, sem qualquer motivo (art. 30º).

28. O requerente apenas sabe do estado de saúde da filha quando lhe apresentam alguma fatura de consulta ou medicamentos a pagar (art. 31º).

29. O requerente possui uma incapacidade permanente de 63% que o limita da prática de algumas tarefas, cfr. atestado médico de incapacidade multiuso datado de 21-12-2018 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (art. 34º).

30. O agregado familiar do progenitor é constituído por si, pela sua companheira, DD (art. 35º).

31. O requerente trabalha, tendo como categoria profissional Serralheiro de 1ª, tendo auferido a tal título em Novembro de 2022 a quantia de €1.436,23 e em Dezembro de 2022 a quantia liquida de €711,57 (arts. 36º e 37º).

32. O requerente e a companheira, que é auxiliar na Santa Casa da Misericórdia auferindo a tal título quantia equivalente ao salário mínimo nacional, contraíram um empréstimo bancário para aquisição de um imóvel para habitação própria permanente, pelo qual paga a competente prestação bancária, no montante de cerca de €350,00 (art. 38º).

33. O requerente para fazer face às despesas contraiu neste último ano dois créditos pessoais: um numa instituição e outro junto da irmã, este no valor de €2.500,00 (art. 40º).

34. Desde há dois anos que a CC não visita nem está com o pai e nos últimos dois anos deixou de ter contacto regular com os avós paternos e afastou-se da madrinha (art. 46º).

35. A requerida CC partilhou nas redes sociais a foto com o padrasto aí escrevendo: “se tens orgulho no teu pai, posta foto dele. Pai não é quem faz, mas sim quem cria” (art. 47º).

36. A CC bloqueou o pai das redes sociais (art. 48º).

Da contestação

37. A requerida CC conseguiu concluir a escolaridade obrigatória e encontra-se no momento presente a frequentar um estabelecimento de ensino superior, mais concretamente num Curso Técnico Superior Profissional (CTSP) na CESPU – Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário, NIF ...40, mais uma vez, uma instituição de ensino privado, para frequência no ano letivo 2023/2024 , tendo procedido ao pagamento de taxas de candidatura, inscrição e propina e, demais despesas (art. 3º).

Do requerimento com a refª 37189461:

38. A referida CC, por iniciativa própria cancelou as disciplinas a meio do ano letivo anterior, nomeadamente as disciplinas de físico-química e biologia e geologia (art. 3º).

39. Ao anular as disciplinas impediu-a de as fazer em regime interno de escola e concluir o ciclo de estudo do secundário, na Escola Secundária ... – que frequentava (art. 5º).

40. Não apresentou sucesso na prova (exame nacional) realizada de acesso ao ensino superior de biologia e geologia, obtendo o resultado de 074 em 200 e faltou à prova de físico-química (art. 10º).

41. A referida CC até 25 de março de 2021, manteve contactos com o pai e a companheira deste, data que coincidiu com a retirada do aparelho e conclusão do tratamento dentário (art. 26º).

42. Deixou a CC de ter contactos com o pai sem qualquer explicação ou facto que determinasse tal mudança (art. 27º).

43. A CC manteve contactos com a família do pai, nomeadamente com a família até à Páscoa de 2022, data a partir da qual deixou de mostrar qualquer interesse pelo pai e pela família paterna (art. 28º).

44. A CC bloqueou o pai das redes sociais onde partilha fotografias com o padrasto escrevendo que “se tens orgulho do teu pai, posta foto dele” e “Pai não é quem faz, mas sim quem cria! E tu és exemplo disso, obrigada por estares lá sempre” (art. 29º).

45. Fruto da sua incapacidade permanente de 63%, resultante de ser utente transplantado de rim – sendo seguido na consulta de Nefrologia - pós transplante, viu o requerente a sua vida limitada, nomeadamente a nível profissional, não conseguindo realizar atividade profissional a tempo inteiro (art. 33º).

46. Fruto da doença de que padeceu, vê-se obrigado a fazer intervenções nomeadamente, oculares e outras, sendo seguido frequentemente em consultas e obrigado a realizar exames (art. 34º).

47. Face aos constantes tratamento, exames, consultas e preparação para os mesmos, resultou para o requerente uma diminuição da sua capacidade de trabalho que se refletiu na sua atividade profissional que é bastante exigente a nível físico (serralheiro) (art. 35º).

48. Por forma a poder conciliar a sua vida pessoal (de saúde) e profissional o requerente encontra-se a trabalhar apenas, e em média, cerca de 20 horas semanais, auferindo em média um vencimento líquido de €356,00, que é totalmente canalizado para o pagamento da sua prestação bancária (em regime especial fruto da incapacidade), para aquisição de imóvel de habitação permanente (art. 36º).


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6. Motivação jurídica

Está em causa a cessação da prestação de alimentos.

Esta, obrigação está regulada nos artigos 2003º e seguintes do Código Civil e os critérios a que deve obedecer a sua fixação estão previstos no artigo 2004º do Código Civil que prescreve que “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los” (nº 1) e que “na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência” (nº 2).

Nos termos do art. 1880º, do CC: “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.

Esta norma, deriva “(d)a carência económica dos filhos depois de atingirem a maioridade e enquanto prosseguem os seus cursos universitários ou a sua formação técnico-profissional. Os pais devem, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, assegurar aos filhos esta formação profissional que exige, normalmente, um esforço e uma concentração dificilmente compatíveis com um emprego que permita aos filhos sustentarem-se a si próprios”.[1]

Ou seja, estes alimentos visam a educação, não a sobrevivência ou sustento dos filhos e por isso, a possibilidade dos pais terá de ser valorada de forma mais objectiva e menos restrita do que naquelas situações em que está em causa a fixação de uma prestação de alimentos a um menor incapaz, por qualquer meio, de prover à sua sobrevivência.

Nestes termos, o art. 1905º, nº2, do CC [2]actualmente dispõe que “2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.

Deste modo para que a obrigação continue basta apenas a demonstração:

a) da idade inferior a 25 anos

b) não conclusão da formação e continuação da mesma.

A apelante comprovou que se encontra matriculada (nesta data), pelo que importa, antes demais averiguar “se é razoável exigir” ao apelado o cumprimento da sua prestação.


*

1. Da possibilidade de prestação de alimentos

Desde logo cumpre salientar que nos termos do art. 36º, n.o 5 da CRP, "os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos".

Mas o dever de alimentos depende, antes demais da possibilidade de o pai/apelado os puder prestar. E note-se que, nos termos do art. 1880º, do CC estamos perante uma obrigação “excepcional com um carácter temporário”.[3]

Porque estes são alimentos destinados à educação de um maior e não à sobrevivência de um menor incapaz de prover à sua subsidência.

Depois, o pai padece de uma grave doença (63% de incapacidade total), necessita de uma operação grave a uma fistúla (cfr. foto junta aos autos), e mesmo assim continua a trabalhar a tempo parcial auferindo a quantia mensal de 354 euros mensais.

Tendo em conta que tem de pagar a quantia mensal de 350 euros a título de empréstimo de habitação, só possui a quantia de 4 euros mensais (sem a contribuição da sua companheira), para sustentar as suas mais básicas necessidades de alimentação, transportes e medicamentos e ainda custear as despesas básicas de água, luz e saneamento.

É, pois, manifesto que não possui capacidade para prestar alimentos de qualquer valor.

Diga-se, aliás, que caso fosse necessário, sempre se determinaria a junção aos autos da certidão de nascimento da alegada filha do pai/apelado que terá 18 meses de idade para, caso fosse necessário, se concluir que entre as meritórias e louváveis necessidades de educação da apelada e a simples necessidade de sobrevivência dessa outra filha, o tribunal sempre teria de optar por aquele que não possui qualquer alternativa de sobrevivência a não ser a ajuda dos seus pais, por ter apenas 18 meses de idade.

Com base nessa impossibilidade económica, matemática e objectiva de prestar alimentos por parte do progenitor, a apelação terá de improceder, sendo certo que essa foi uma das várias causas de pedir alegadas pela parte e que, o tribunal deve, nos termos do art. 611º, nº1, do CPC, atender à realidade provada constante dos autos na data da sentença.


*

2. Das restantes causas de cessação da prestação

Em rigor, a procedência da primeira causa de pedir aduzida implica a prejudicialidade das restantes.

Tendo em conta a tensão familiar patente nos autos, sempre se dirá que o art. 1880º, do CC supra exposto consagrou uma cláusula de razoabilidade.

Razoabilidade essa imposta quer à fixação da medida dos alimentos a prestar quer ao sucesso ou insucesso do alimentante no desempenho da tarefa da educação.

Nesta medida não será a existência de uma reprovação ou insucesso isolado que pode, no caso concreto, por em causa o dever de prestar alimentos, já que o fundamental é que o alimentado continue a ter essa intenção e tenha de facto perspectivas razoáveis de a obter em tempo útil e razoável.

Nestes termos decidiu recentemente o Ac do STJ de 6.7.23, nº 108/17.3T8VCD-G.P3.S1 (Fernando Baptista) .

Analisando especificamente a situação análoga à dos autos (na qual ocorreu apenas uma reprovação) outros arestos consideraram que “a razoabilidade a que se refere o art.º 1880.º do Código Civil deve ser interpretada, sem demasiado rigor, no sentido de ser exigível a prestação alimentar mesmo na hipótese do alimentado haver reprovado, (…) desde que essa falta de aproveitamento escolar não seja fruto de indolência, ócio ou preguiça [4].

Ora, no caso presente está demonstrado que actualmente a apelada frequenta o ensino superior pelo que esse projecto não foi nem poderia ser posto em causa por um ano de insucesso educativo.

Note-se aliás que não está aqui em causa um problema intelectual por parte da alimentada, já que esta até logrou complementar a sua formação e ingressar no ensino superior,com um único ano de insucesso.

Estamos, pois, bem longe das situações evidentes analisadas pela nossa jurisprudência:

1.O Ac da RP de 4/4/2005, decidiu não ser razoável que uma filha com 26 anos, e após anos sem sucesso escolar possa exigir alimentos;

2. E, o Ac do STJ de 8/4/2008 entendeu também não seria o caso de um filho maior frequentar há oito anos, sem qualquer êxito, por circunstâncias a si imputáveis, um curso que tinha a duração prevista de cinco anos.

In casu, temos apenas um ano de insucesso no momento de acesso ao ensino superior pelo que o mesmo não é suficientemente comprovativo de um comportamento grave e reiterado da requerente, pelo que esta causa de pedir terá de improceder.

2.1. Do comportamento da requerente

Questão diversa e bem mais problemática é a imputação à alimentada do corte de relações total com o seu pai.

Note-se que foi este, o fundamento concreto para o tribunal a quo determinar a cessação de alimentos, pois: “No caso concreto, os factos considerados assentes, revelam, sem dúvida, uma violação grave de respeito, por banda da requerida CC, relativamente ao Requerente, seu pai”.

Vejamos.

Nos termos do al. c), do n.º 1 do artigo 2013.º do CC, a obrigação de prestar alimentos cessa quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.

Este dever mútuo ou recíproco de respeito é definido entre nós como um dever de consideração pela vida, pela integridade física e pela personalidade moral.

Conforme se refere no Ac. da RE de 22/3/2007, Proc. n.º 86/07-3 "o legislador de 1977, tal como claramente exprimiu, pretendeu, manifestamente, abandonar os efeitos taxativos diretos de uma condenação penal, para introduzir uma ideia mais vasta e genérica de violação grave e genérica dos deveres (éticos) para com o obrigado".

Nos mesmos termos o Ac do S.T.J, de 15/12/2005, Proc. n.º 05B4101, considerou que  "o dever recíproco de respeito a que alude o artigo 1874º nº 1, do Código Civil reporta-se à consideração pela vida, integridade fisica e moral, e o conceito de violação grave pelo credor de alimentos dos seus deveres para com o obrigado, a que se reporta o artigo 2013~ n" 1, alínea c), do Código Civil, deve ser prudencialmente densificado sem olvido do sentido mais restritivo do seu antecedente histórico e das atuais circunstâncias do modo de ser da vida familiar" .

Dessa norma decorre que isso será o que acontece quando:

a) O filho ofender gravemente direitos de personalidade do progenitor;

b) e/ou incumprir deveres elementares de respeito exigíveis numa relação de filiação.

Isto, porque o progenitor/devedor tem o direito, nos termos do artigo 70.º do CC, de ser preservado de qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.

E, “são ofensivos dos direitos de um progenitor, por parte de um filho, por exemplo[5]:

i. a falta de resposta do filho aos seus contactos, quer pessoalmente, quer através de outros canais de comunicação;

ii. o facto de o filho bloquear o progenitor nas redes sociais;

iii. a falta de conhecimento pelo progenitor do número de telefone do filho;

iv. a falta de informação do progenitor relativamente à saúde e educação do filho;

v. a recusa sistemática do filho em estar ou falar com o progenitor;

vi. a ausência de interesse por parte do filho relativamente a tudo o que se relacione com o seu progenitor.

No caso presente está demonstrada uma publicação nas redes sociais objectivamente ofensiva para o apelado ou qualquer pai, já que implica a declaração da sua substituição pelo padrasto.

Mas, este poderia ter sido um comportamento isolado que, por isso, não teria a dimensão suficiente para despoletar a previsão do art. 2013, do CC.

Note-se, porém, que além desse comportamento a requerida não tem qualquer contacto com o seu pai, ou família paterna desde 2019.

Esta ausência de contactos foi analisada em vários arestos.

Num deles[6], foi considerado que essa situação “mais do que espelhar uma situação de falta de respeito, revela uma situação de sofrimento de ambas as partes e infelizmente bastante comum, nos casos de separação dos progenitores que, tal como o Recorrente reconhece, muitas vezes leva a que os filhos tomem o partido de um dos progenitores, em detrimento do outro. Estabelece-se, então um fosso entre eles que se vai agudizando e acentuando graças a vários factores”, pelo que não estaria violado o dever de respeito com suficiente densidade para obstar ao cumprimento da obrigação de alimentos.[7]

In casu a ausência de contactos dura desde 2019/20, sendo que no decurso desse período ocorreu a pandemia COVID na qual o requerente, pelos seus problemas de saúde, não podia ter contactos.

Acresce não estar demonstrado a causa próxima dessa separação ou a culpa exclusiva da requerente na mesma.

Logo, também por aí não estaria demonstrada uma violação grave do dever de respeito.

Mas teremos de notar que o requerente é um doente grave (possui uma elevada incapacidade permanente, efectua hemodiálise todos os dias) e terá tido uma filha actualmente com 18 meses que a requerente irmã nem sequer foi visitar.

Da conjugação desses factos, resulta, pois, não apenas uma conduta grave, como a sua perduração no tempo e a ausência do mínimo sentimento filial em relação a um pai, certamente culpado de algum comportamento, mas que padece de uma doença grave e que também precisaria de apoio e contacto que lhe foi negado.

Bloquear o seu pai numa rede social é semelhante a não o cumprimentar publicamente.

Não visitar sequer a sua jovem irmã, nem família paterna é uma quebra grave de relações familiares e demonstra não apenas um total desinteresse como um problema grave na ponderação dos valores familiares.

Mas, mais relevante que isso, não visitar, telefonar ou sequer perguntar pelo estado de saúde do seu progenitor quando este padece de uma doença grave é a concreta violação do art. 1874º, do CC, nos termos do qual “pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.

Logo, sob este prisma, o conjunto dessas condutas reiteradas e prolongadas da requerente é suficiente para comprovar uma violação acentuada do dever de respeito.

Por isso, fazendo nossas as palavras do supra citado voto de vencido[8]seguir outro caminho é premiar o comportamento censurável da requerente, que apenas vê o pai como fonte de rendimento, como sujeito de deveres, desprezando ou ignorando outros valores, como o de respeito pela personalidade moral, a estima, a consideração, e a solidariedade familiar”.


*

6. Deliberação

Pelo exposto este tribunal julga o presente recurso não provido e, por via disso, confirma a decisão recorrida.

Custas a cargo das apelantes porque decaíram inteiramente.

Porto em 7.3.24.
Paulo Duarte Teixeira
Ana Vieira
António Carneiro da Silva
____________________
[1] MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, pág. 373.
[2] Considerando que essa norma é meramente interpretativa e por isso aplicável às situações, como a presente, em que a prestação estava já fixada: Ac do STJ de 8.2.18, nº 1092/16.6T8LMG.C1.S1 (Casanova), e Ac da RP de 6.3.17, nº 632/14.0T8VNG.P1 (Miguel Baldaia), posição que subscrevemos.
[3] Ac do STJ de 13.7.2010, Nº 202-B/1991.C1.S1 (GARCIA CALEJO)
[4] Ac. do TRE de 11/06/2015 e Ac. do TRP de 14/02/2006. Sobre esta matéria são relevantes duas dissertações acessíveis online: Diana Gomes Rodrigues Mano, A Obrigação de Alimentos a Filhos Maiores e o Princípio da Razoabilidade, EDM; e Maria Inês Pereira da Costa, Obrigação de Alimentos Devida a Filhos/as Maiores que Ainda Não Completaram a Sua Formação, UCP.
[5] Carla Francisco, OS ALIMENTOS A FILHOS MAIORES EM SEDE DE TRIBUNAL, ebook CEJ, 958. Maria de Deus Correia, A PROPÓSITO DOS ALIMENTOS A FILHOS MAIORES, ebook CEJ. Maria Da Costa, Obrigação de Alimentos Devida a Filhos/as Maiores que Ainda Não Completaram a Sua Formação – Uma Visão Comparada de Crítica ao Critério da Razoabilidade, tese mestrado UCP, acedida online.
[6] Ac da RL de 8.3.2012, nº 287/10.0TMPDL.L1-6 (Maria Jesus Tavares), o mais semelhante ao caso dos autos e mais relevante pelo seu voto de vencido.
[7] Note-se, porém, o extenso voto de vencido que, nessa situação defendeu o oposto.
[8] Desembargador Tomé Ramião, voto vencido no Ac da RL de 8.3.2012.