RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

I - A ofensa à integridade física constitui dano biológico, verdadeiro dano primário sempre presente em casos de lesão de integridade físico-psíquica, e sempre lesivo do bem saúde.
II - O dano patrimonial e o dano não patrimonial são danos sucessivos ou ulteriores e eventuais.
III - E os danos patrimoniais podem ainda ser perspetivados em função da repercussão ou falta dela na actividade profissional, em função da perda de rendimentos resultantes da incapacidade geral que resultou da ofensa à integridade física.
IV - Constitui dano biológico, a dever ser valorado como dano patrimonial futuro e, como tal, objeto de indemnização (independentemente da possível repercussão em sede de danos não patrimoniais), a situação do lesado que fica, por efeito das lesões decorrentes de acidente de viação, portador de sequelas anatomo-funcionais que, embora compatíveis com o exercício de atividade profissional, implicam esforços suplementares, o que deve valer para o caso de um jovem de 21 anos estudante que está a iniciar a entrada no mercado laboral.
V - Na determinação do valor da compensação por danos não patrimoniais o uso do critério de equidade aconselha que as indemnizações devem respeitar as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida e devem assumir em termos objectivos um carácter significativo e não simbólico, constituindo os critérios jurisprudenciais referência importante.

Texto Integral

Processo: 1606/21.0T8AVR.P1
Origem:Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro:Juízo Central Cível de Aveiro - Juiz 1


Relator: Francisca da Mota Vieira
1º Adjunto: Ernesto Nascimento
2º Adjunto: Ana Vieira




Acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO

AA, solteiro, maior, residente na Rua ..., Aveiro, intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A..., S.A., com sede na Rua ..., Porto, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

a) a quantia de €60.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento;

b) os danos patrimoniais referidos nos artigos 48.º a 50.º da petição inicial, cujo apuramento relega para incidente de liquidação ou ampliação do pedido, acrescida de juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento.

Articula, para o efeito, que, no dia 22/09/2017, cerca das 13,00 horas, na Rua ..., em ..., concelho de Aveiro, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo de matrícula ..-..-TH, conduzido por BB, e o veículo de matrícula ..-BP-.., conduzido pelo ora A.. O veículo conduzido pelo A. circulava na Rua ... no sentido ... – Aveiro e o veículo de matrícula ..-..-TH circulava no sentido contrário (Aveiro - ...). Quando o veículo conduzido pelo A. se encontrava a passar em frente ao número de polícia ...05, a velocidade não superior a 40 km/hora, foi inesperadamente confrontado com o corte da sua linha de trânsito pelo veículo 66-07-TH. O condutor deste veículo, porque pretendia estacionar o veículo no lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito (Aveiro - ...), atravessou a hemifaixa de rodagem, sem verificar se aí circulava qualquer veículo, provocando o choque frontal do veículo ..-BP-.. no veículo ..-..-TH.

Apresentou-se a contestar B..., S.A., na qualidade de sociedade que incorporou, por fusão, a A..., S.A.. Na contestação aceita a responsabilidade do condutor do veículo ..-..-TH na produção do acidente. E requereu a intervenção principal provocada da seguradora C... – Companhia de Seguros, S.A., por o acidente de viação ter sido simultaneamente de viação e de trabalho e a D..., L.da, entidade patronal do A., ter transferido para a C... o risco emergente de acidentes de trabalho, por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...16. 


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Por despacho proferido a 29/09/2021, foi ordenado que os autos prosseguissem contra B..., S.A., e foi admitido o chamamento de C... – Companhia de Seguros, S.A..

C... – Companhia de Seguros, S.A., veio deduzir o seu pedido de reembolso, peticionando a condenação da Ré B..., S.A., a pagar-lhe: a) a quantia de € 51.391,48, que já pagou até 21/05/2021 por virtude da reparação do acidente de trabalho em causa; b) € 61.047,42, provisão matemática que teve de constituir concernente ao valor das pensões a pagar no futuro ao ora A.

A Ré B..., S.A., contestou, defendendo que a Interveniente não tem direito a qualquer valor a título de provisão matemática constituída. O direito da Interveniente ao reembolso é um direito de sub-rogação, pelo que apenas nasce na esfera jurídica da Interveniente com o pagamento efetuado. Antes do pagamento, do cumprimento, não há sub-rogação.


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Foi proferido despacho saneador.

Foram elaborados os temas da prova.


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O A. veio ampliar o pedido, a 30/12/2022, requerendo a condenação da Ré a pagar-lhe: a) €238.175,00, a título de dano patrimonial futuro; b) €75.000,00, a título de dano biológico; c) €11.900,00, a título de vencimentos perdidos durante o período (430 dias) em que esteve com incapacidade total e absoluta para o trabalho; d) €120.000,00, a título de danos não patrimoniais.

E porque releva para a apreciação que será feita da pretensão do autor relativa ao valor de €238.175,00 e ao valor de €75.000,00, importa precisar que no requerimento de 30.12.2022 o autor começou por referir que o relatório pericial lhe fixou uma Incapacidade Geral Parcial de 25 pontos, com indicação de dano futuro.

E dessa premissa construiu a seguinte narrativa:

- Essa incapacidade  acarreta esforços acrescidos na atividade profissional, o autor tinha 20 anos à data do acidente, estava no início da carreira profissional, auferia €1000,00, sendo expectável trabalhar até aos 70 anos, iria auferir a breve prazo um salário médio mensal de €1.361,00.Concluiu, pedindo a título de dano patrimonial futuro a quantia de €238.175,00 assim obtida: €1361,00x 14 x 50 anos x 25%.

Prosseguiu e alegou que a referida incapacidade, a qual, admite tratar-se daquele dano autónomo denominado “ défice-funcional-permanente da integridade –física e psíquica, reflecte-se na vida corrente do autor, com repercussão na sua vida social, familiar e de bem –estar, enquanto dano biológico, o qual, o autor, no art 15º refere corresponder à perda parcial da disponibilidade do uso do corpo para os afazeres não profissionais. Valorou esta faceta do dano biológico em €75.000,00.

A ampliação do pedido foi admitida por despacho proferido a 03/02/2023.


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A Interveniente C... – Companhia de Seguros, S.A., veio também ampliar o pedido, a 19/06/2023, nos seguintes termos: até 19/06/2023 já teve de pagar a diversos títulos (salários, pensões, despesas médicas, transportes, etc.) a quantia global de €62.195,64. E teve de corrigir a provisão matemática para €64.052,60, face ao resultado das Juntas Médicas que examinaram o A. no âmbito do processo nº 3222/18.4T8AVR do Juízo de Trabalho de Aveiro. Termina pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €126.248,24.

Subsidiariamente, para o caso de a Ré não reconhecer a existência da obrigação de pagamento da provisão matemática constituída, deverá a Ré B... ser condenada no pagamento/reembolso de todas as quantias que, no futuro, a C... venha a suportar, a qualquer título, relativamente ao acidente de trabalho sofrido pelo A. AA.

A Ré veio responder, nos termos do seu requerimento de 19/06/2023.

A ampliação do pedido foi admitida por despacho proferido a 20/06/2023.


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Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais e foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e assim:

“Condeno a Ré a pagar:

I – ao A. AA:

a) a quantia de €81.732,11, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento;

b) a quantia de €80.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da prolação da presente sentença e até integral pagamento.

Absolvo a Ré do restante pedido deduzido.

Custas por A. e Ré na proporção de 3/4 para o A. e 1/4 para a Ré.

II – À Interveniente C... – Companhia de Seguros, S.A.:

a) a quantia de €51.391,48, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da notificação à Ré do pedido formulado pela Interveniente;

b) a quantia de €10.804,16, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da notificação à Ré da ampliação do pedido efetuado pela Interveniente.

Absolvo a Ré do restante pedido deduzido.

Custas por Ré e Interveniente na proporção de 1/2 para cada uma.

Inconformado, o autor apelou, reproduzindo-se aqui as conclusões:

1. Os valores fixados pelo Tribunal “a quo” são manifestamente miserabilísticos se tivermos em consideração as graves lesões sofridas pelo Autor/Recorrente, para além de não ter sido considerado o dano biológico.

2. O presente recurso é delimitado à questão dos danos sofridos pelo Autor em consequência do mesmo e sua quantificação, pugnando, nessa medida o Autor/Recorrente pela sua alteração quanto ao montante indemnizatório fixado para os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como pela atribuição ao Autor de indemnização a título de dano biológico.

3. O Autor, peticionou de forma autónoma o dano patrimonial futuro e o dano biológico por entender, que são danos distintos e por isso não se confundem, ao contrário do que fez o Tribunal “a quo”.

4. Em consequência do acidente foi fixada ao Autor uma incapacidade de 25 pontos, perspetivando-se a existência de dano futuro, sendo as sequelas em termos de Repercussão Permanente da Atividade Profissional compatíveis com o exercício da atividade profissional, mas implicando esforços suplementares.     

5. Como se refere no Acórdão do S.T.J. de 12/09/2013 (in www.dgsi.pt) “Mesmo que não haja retracção salarial, a IPP dá lugar a indemnização por danos patrimoniais, pois o dano físico determinante da incapacidade exige do lesado um esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado de trabalho”.

6. Considerando o rendimento anual do Autor, expectativa de vida ativa ou a esperança média de vida e respetiva incapacidade de 25 pontos, sempre chegaríamos, pelo menos, a um valor para ressarcimento desse dano patrimonial futuro, de pelo menos €168.000,00 (€800,00 x 14 x 60 x 25%).

7. Porém, se tivermos em conta, a evolução da carreira profissional do Autor, a atualização salarial e a previsão de aumento da inflação, ao longo dos anos, a verba de €200.000,00 não se afigura na nossa modesta opinião, desajustada ou exagerada, razão pela qual deve a mesma ser fixada e arbitrada ao Autor, para efeitos de ressarcimento desse dano patrimonial futuro.

8. Em relação à indemnização da perda da capacidade de ganho da vítima há que procurar através de um juízo de equidade, quando não seja possível fixar o valor exato dos danos (artigo 566º/3 do Código Civil), para se poder alcançar a “justiça do caso concreto”, o qual, não é, evidentemente, um juízo discricionário.

9. Como bem salienta o douto Acórdão do S.T.J. de 04/10/2005, in www.STJ.PT “a equidade é pois, a justiça do caso concreto, flexível, humano, independentemente dos critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso próprio, da justa medida das coisas e do critério da ponderação das realidades da vida”.

10. Na falta ou escassez, para atribuir uma justa compensação, o Tribunal deveria ter considerado o padrão médio de um homem de 20 anos de idade, que sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 25 pontos percentuais, com perspetiva da existência de dano futuro, de acordo com a prudência e as regras da experiência comum, o que entende o Recorrente não se ter verificado, in casu.

11. O Recorrente não pode conformar-se com a decisão proferida ao considerar aqui, apenas e tão só o dano patrimonial e não o dano biológico propriamente dito, quando os mesmos tinham sido peticionados de forma autónoma.

12. A incapacidade de que o Autor ficou a padecer é também chamada de défice funcional permanente da integridade física e psíquica, a qual se reflete também na vida corrente do Autor, com repercussão na sua vida social, familiar e de bem-estar, enquanto dano biológico, o qual se traduz na perda parcial da disponibilidade do uso do corpo para os normais afazeres do dia a dia (que não profissionais, como o anterior).

13. Sendo de salientar no presente caso o relevantíssimo dano sexual sofrido pelo Autor (“Dificuldade e incapacidade ocasional em ter relações sexuais, por quadro álgico intenso ao nível da bacia”), bem como a repercussão nas atividades desportivas e de lazer quantificadas com 6/7.   

14. Não se podendo, por isso, confundir tais danos com o dano patrimonial futuro da perda ou diminuição da capacidade de ganho, ou seja, uma coisa é o dano patrimonial futuro, outra coisa distinta é o dano biológico, a afetação do corpo e da capacidade de o usar, que, no caso do Autor, no que se refere à sexualidade e às atividades físicas e de lazer passaram a ser praticamente nulas.

15. Para a nossa Jurisprudência recente, este dano biológico, configura um dano distinto do dano patrimonial da perda da capacidade de ganho, devendo ser indemnizado autonomamente – neste sentido vide Acórdão do S.T.J. de 17/11/2015 (6ªsecção), proferido no âmbito do processo nº 1857/06.7TJVNF.P1.S1, nos termos do qual a vítima foi compensada pelo dano biológico de modo autónomo.

16. E no mesmo sentido, aliás, o douto Acórdão do S.T.J. de 02/06/2016 (Proc. nº 3987/10.1TBVFR.P1.S1), onde se refere que, “(o) dano biológico abrange ainda (…) os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou malogro do nível de rendimentos espectáveis.”; aresto, esse, disponível em www.dgsi.pt.

17. Ainda sobre o mesmo assunto, refere no Acórdão desta Relação de 03/07/2014 (in www.dgsi.pt ) “O dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, Independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional -deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente refletida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte atual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido”.

18. Assim, dúvidas não há, que o dano biológico tem, necessariamente, de ser ressarcido como um dano autónomo uma vez que não se confunde com o dano patrimonial.

19. Nesse sentido tal dano (biológico) deve ser indemnizado num montante nunca inferior ao aqui reclamado pelo Autor, no valor de €75.000,00.

20. E, o dano patrimonial futuro deve ser alterado para um valor não inferior a €200.000,00.

21. Também o valor arbitrado para o Autor a título de danos não patrimoniais é exíguo na medida em que o Tribunal “a quo” ao ter decidido pela condenação parcial dos mesmos não atendeu à sua gravidade, como podia e devia, acabando por fixar quantia muito inferior (€80.000,00) à peticionada pelo Autor (€120.000,00).

22. Resultou evidente de toda a prova carreada para os autos que a vida do Autor ficou completamente alterada, não só em termos profissionais, como também, sociais, familiares e íntimos, já que o Autor:

- Foi submetido a 7 intervenções cirúrgicas (bacia, coluna, pulso direito, pulso esquerdo, inguinal à esquerda e nariz);

- Foi sujeito a internamento;

- Realizou vários tratamentos e exames médicos e radiológicos;

- Realizou várias sessões de fisioterapia durante 8 (oito) meses na Clínica de Reabilitação Dra. CC, em Aveiro,

- Após sair do hospital esteve cerca de dois meses e meio em casa totalmente dependente da ajuda de terceiros para todas as

- A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 6/7,

- A repercussão permanente na atividade sexual foi valorizada no défice funcional temporário de integridade físico-psíquica:“ Dificuldade e incapacidade ocasional em ter relações sexuais, por quadro álgico intenso ao nível da bacia”

- Dependência de ajudas medicamentosas (analgesia aquando da exacerbação das queixas álgicas,

- Ficou comprometida a manutenção do seu posto de trabalho por não conseguir desempenhar as funções para as quais foi contratado pela “D...”, acabando o mesmo por mudar de trabalho em consequência das limitações que ficou a padecer ;

- O Autor sofreu dores violentas no momento do acidente de que foi vítima, bem como durante o período em que teve de se submeter a cirurgias, tratamentos e exames médicos,

- Ainda hoje passa por momentos de dor e sofrimento, que o obrigam a tomar mensalmente Tramadol e quinzenalmente Brufen.

- Antes do acidente era um jovem saudável, alegre e bem-disposto,

- À data do acidente o aqui Autor tinha 20 anos de idade,

- Em consequência do acidente, tornou-se uma pessoa insegura, impaciente e agitada.

- O AA era uma pessoa muito ativa desportiva e socialmente,

- Tinha uma grande apetência pela prática desportiva, designadamente ténis de mesa, airsoft, motocross, e pesca desportiva.

- Deixou de conseguir praticar estes desportos em consequência do acidente,

- Andava na banda filarmónica, mas teve que abandonar,

- Deixou de conviver com os seus amigos com quem praticava essas várias atividades desportivas e de lazer, bem como de os acompanhar nas saídas para discotecas e bares, por longos períodos de tempo,

- Ficou com tendência para o isolamento e;

- Foi terminado relacionamento amoroso que mantinha à data do acidente.

23. Por tudo isto, e com o sempre devido respeito, tem o Autor/ Recorrente, assim, razões para divergir do montante que lhe veio a ser fixado pela douta sentença de fls., para o compensar por todos esses danos não patrimoniais sofridos.

24. O qual, se tem por desadequado e insuficiente, impondo-se um valor seguramente superior de forma equitativa e de modo a responder ao comando do artigo 496º, do Código Civil, de acordo, desde logo, com a verdade material trazida aos autos.

25. Para fixar tal indemnização o Tribunal “a quo” deverá aferir qual a gravidade desse dano por padrões objetivos, ponderando, o circunstancialismo de cada caso em concreto e não atender a padrões subjetivos, uma vez que a indemnização que for fixada tem que visar, por um lado, a reparação do dano sofrido e por outro lado, sancionar a conduta lesiva do agente

26. Danos esses, que indubitavelmente merecem a tutela do direito, tanto mais que as sequelas de que o mesmo ficou a padecer são irreversíveis e altamente incapacitantes. Devendo, a indemnização desses danos morais ser fixada com base na equidade.

27. Não seria, no presente caso, desajustada a quantia de €120.000,00 peticionada a título de danos não patrimoniais em substituição dos €80.000,00 fixados pela sentença recorrida.

28. Sempre salvaguardado o máximo respeito, pensamos que o entendimento perfilhado pelo Tribunal “a quo”, constituiria uma total denegação do princípio da equidade, do bom senso, da razoabilidade e da justiça, no que ao presente caso diz respeito, tendo sempre presente os avultadíssimos danos sofridos pelo Autor.

29. A decisão em apreço deverá ser alterada, como se espera, considerando que não se mostra corretamente fixado o quantum indemnizatório que é devido ao Autor, na parte questionada no presente recurso, tendo em conta toda a factualidade provada e os critérios legais previstos para a reparação dos danos sofridos, bem como a jurisprudência existente nesta matéria.

30. Pelo que, entendemos que a indemnização a fixar ao Autor deverá ser de €395.000,00, ao invés dos € 161.732,11 fixados na sentença e assim discriminada:

– Dano Patrimonial futuro - €200.000,00 - Dano Biológico - €75.000,00

- Danos Não Patrimoniais - €120.000,00

31. A decisão proferida violou, entre outros, os artigos 496º, 562°, 563º, 564° e 566° todos do Código Civil, e nesta medida deverá ser alterada.

Termos em que, deve admitir-se o recurso, alterando-se a decisão recorrida, nos termos referidos.

Inconformada também a Ré interpôs recurso de apelação, reproduzindo-se aqui as conclusões:

O dano biológico na sua vertente patrimonial

1. Não pode ocorrer que, partindo-se da não existência efectiva de perda de rendimentos, se venha a atribuir indemnização que ultrapassa largamente a que seria devida caso essa perda de rendimento existisse de facto, tal como acontece no caso dos presentes autos.

2. Seguindo os critérios que lançam mão das fórmulas e tabelas que os nossos tribunais habitualmente utilizam para o cálculo de indemnização por perda efectiva de capacidade de ganho decorrente de incapacidade permanente (de que é exemplo o Acórdão do STJ de 04.12.2007, no qual foi Relator o Exmo Senhor Juiz Conselheiro Mário Cruz, disponível em www.dgsi.pt), se essa perda de capacidade de ganho se verificasse – e não se verifica – no caso em análise, considerando a idade do recorrido de 21 anos à data do acidente, a sua incapacidade de 25 pontos, o seu rendimento líquido anual de €11.200,00,a indemnização a atribuir seria de cerca de €71.400,00 para um período de vida activa de 70 anos.

3. Em sede de acidente de trabalho, o recorrido vai receber quantia indemnizatória decorrente de pensão fixada pela incapacidade de que ficou a padecer.

4. A indemnização a atribuir ao recorrido pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial, não deve ser superior a €40.000,00, até porque se trata de uma quantia a entregar imediatamente e de uma só vez mas que se destina a ressarcir um dano patrimonial futuro.

A compensação arbitrada a título de danos não patrimoniais

5. A quantia arbitrada, de €80.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais corresponde à quantia aproximada que os nossos tribunais têm entendido fixar como compensação do bem supremo que é a vida – veja-se, a propósito, o Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação do Porto, de 27.10.2022, proferido no Proc. nº 2437/21.8T8PNF.P1, no qual foi Relator o Exmo Senhor Juiz Desembargador Carlos Portela, disponível em www.dgsi.pt:

“Atendendo às particularidades do caso, nomeadamente aos 29 anos de idade que a vítima tinha, à data da morte, à elevada expectativa de vida e a união de facto com a Autora iniciada cerca de três anos antes da morte, afigura-se adequado fixar a indemnização pela perda do direito à vida no montante de €85.000,00”.

6. Analisado o caso dos autos, as decisões jurisprudências mais recentes e lançando mão dos preceitos legais par ao efeito referidos no corpo das alegações, considera a recorrente como justo, equilibrado e adequado o arbitramento da quantia de €40.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais.

7. Na douta sentença recorrida fez-se menos acertada interpretação dos factos e menos correcta aplicação da Lei, designadamente dos art.ºs 496º, 562º, 564º e 566º, todos do CCivil.

Pelo exposto, deve ser revogada a sentença recorrida nos termos supra descritos.

A ré-recorrida apresentou resposta ao recurso do autor.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DOS RECURSOS:

Atentas as conclusões dos recorrentes, são colocadas à apreciação deste tribunal as seguintes questões, enunciadas por ordem de precedência lógico-jurídica:


a. Do Recurso do Autor:

Apreciar e decidir se a sentença recorrida, fixou apenas o dano patrimonial e não o dano biológico propriamente dito e apreciar e decidir sobre a bondade dos valores apontados pelo autor -recorrente, relativamente, ao dano patrimonial e dano biológico, em conformidade com a configuração dada no recurso a esses danos.

Apreciar e decidir sobre a bondade do valor da compensação apontada pelo autor -recorrente para os danos não patrimoniais.


b. Do Recurso da Ré:

- Apreciar e decidir sobre a bondade dos valores das compensações apontadas pela recorrente para o dano biológico e para os danos não patrimoniais, respectivamente, não superior a €40.000,00 e €40.000,00.

III. FUNDAMENTAÇÃO:

3.1. Na 1ª instância foram julgados provados e não provados os seguintes factos:

1 – No dia 22/09/2017, cerca das 13,00 horas, na Rua ..., em ..., concelho de Aveiro, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo de matrícula ..-..-TH, conduzido por BB, e o veículo de matrícula ..-BP-.., conduzido pelo ora A. AA.

2 - O veículo conduzido pelo A. circulava na Rua ... no sentido ... – Aveiro e o veículo de matrícula ..-..-TH circulava no sentido contrário (Aveiro - ...).

3 – No local do acidente, a via apresenta-se como uma reta, com boa visibilidade, sendo constituída por duas hemifaixas de rodagem, uma para cada sentido de marcha.

4 – O veículo de matrícula ..-BP-.. circulava pela hemifaixa da direita, atento o sentido ... – Aveiro.

5 - Quando o veículo de matrícula ..-BP-..  conduzido pelo A. se encontrava a passar em frente ao número de polícia ...05, foi inesperadamente confrontado com o corte da sua linha de trânsito pelo veículo ..-..-TH.

6 - O condutor do veículo ..-..-TH, porque pretendia estacionar o veículo no lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito (Aveiro - ...), atravessou a hemifaixa de rodagem (sentido ... – Aveiro), sem verificar se aí circulava qualquer veículo, provocando o choque frontal do veículo ..-BP-.. no veículo ..-..-TH.

7 – O embate ocorreu na hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava no sentido ... – Aveiro.

8 - A responsabilidade civil decorrente de danos causados na circulação do veículo de matrícula ..-..-TH encontrava-se transferida, na data do acidente, para A..., S.A., mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ...55 – fls. 20/27.

9 – O A. AA nasceu a ../../1996 – fls. 56/56v..

10 – O acidente dos autos foi, simultaneamente, um sinistro de viação e laboral (A).

11 - À data do acidente, o A. exercia funções de comercial na empresa D..., L.da.

12 - A entidade patronal do A., à data do acidente, tinha transferida para a ora Interveniente C... – Companhia de Seguros, S.A., a sua responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores, por contrato de seguro titulado pela apólice ...16  – fls. 39v..

13 – O A. ficou ferido em consequência do acidente referido em 1 dos Factos Provados, tendo sido assistido, no local, pelos elementos do INEM, e transportado para o Serviço de Urgências do Centro Hospitalar do Baixo Vouga, EPE (CHBV).

14 – Deu entrada no Serviço de Urgências do CHBV pelas 13,44 horas.

15 – Apresentava-se consciente e orientado, com dor referida à coluna lombar e à palpação da bacia e presença de escoriação da coxa esquerda. O exame objetivo demonstrava abdómen sem defesa, mobilidade ativa dos membros superiores sem alterações e mobilidade dos membros inferiores limitada por dor ao nível da bacia.

16 – Realizou em contexto de urgência:

a) tomografia computorizada (TC) com contraste da bacia, na qual é descrita: “(…) fratura da bacia, englobando os ramos íleo e isquiopúbicos de ambos os lados, de aspeto cominutivo, sobretudo nos ramos iliopúbicos com algum cavalgamento ósseo. A fratura atinge também o acetábulo esquerdo, nomeadamente na sua superfície articular (…). Há também fratura do sacro, envolvendo a asa esquerda (…) sinais de fratura dos pedículos de L5. Estas fraturas associam-se a um volumoso hematoma pélvico, parietal, envolvendo a topografia dos músculos obturadores internos e piramidais, mais do lado esquerdo (…). Na região ântero-superior dos músculos obturadores internos (…) pequeno foco de hemorragia ativa. (…) Não há evidente derrame peritoneal;

b) radiografia da bacia: fratura dos ramos ilio-isquiopúbicos bilateralmente, contínuas e com extensão ao acetábulo esquerdo.

17 – Foi internado no Serviço de Ortopedia do CHBV, a 22/09/2017, para estabilização, vigilância e analgesia – relatório pericial de fls. 146v./150v. e fls. 159/162. Teve alta encaminhado para os Serviços Clínicos da Companhia de Seguros, a 27/09/2017, para continuação de cuidados.

18 – Foi, então, transferido para o Hospital 2..., por intermédio da Companhia de Seguros, onde esteve internado de 27/09/2017 a 21/10/2017. Realizou programa de reabilitação funcional e motora (fisioterapia). Foi submetido a intervenção cirúrgica, a 07/10/2017, para osteossíntese dos ramos iliopúbicos e acetábulo com placas de Stryker. Foi submetido a nova cirurgia, a 14/10/2017, com fixação de L4-L5.

19 – Realizou também:

a) TC do punho direito, a 26/12/2017: “identifica-se um traço de fratura transversal do terço médio da cintura do escafoide, sem consolidação, com alguma irregularidade dos topos ósseos, bem alinhados, sem sinais de deformidade em corcunda e sem sinais sugestivos de necrose avascular do polo proximal. (…) irregularidade com suspeita de fratura do vertical do trapezoide, sem afundamento ou desalinhamento e também com uma pequena avulsão cortical do limite anterior distal do grande osso. (…)”;

b) TC do punho esquerdo, a 26/12/2017: “identifica-se um traço de fratura cominutiva com traço maioritariamente vertical médio-lateral do trapezoide e a que se associa também uma fratura ligeiramente desalinhada com discreto desvio anterior da metade distal do escafoide por fratura transversal da cintura escapular, com afastamento máximo de 3,5 mm, sem significativa angulação anterior do polo distal. Sem esclerose proximal do escafoide que faça suspeitar de necrose avascular (…)”.

20 – Por fratura do escafoide direito, o A. foi submetido a intervenção cirúrgica, a 20/07/2018, com redução aberta e fixação com parafuso. Após cirurgia foi colocada tala gessada. Manteve cuidados de penso.

21 – A 26/10/2018, realizou TC do punho direito: “(…) artefacto de endurecimento de radio secundário à presença de um parafuso para fixação de fratura do terço médio da cintura do escafoide (…) ainda sem produção de matriz óssea que faça sugerir pontes ósseas ou consolidação, com fragmento ósseo no limite anterior e inferior do traço de fratura com 4x5 mm. Identifica-se uma irregularidade da interface entre o escafoide e o semi-lunar (…).

22 – Nesse mesmo dia realizou, ainda, TC do punho esquerdo: “(…) sinais de fixação cirúrgica com parafuso de fratura transversal da cintura do escafoide, também ainda sem consolidação óssea, com alguma irregularidade dos topos ósseos, sobretudo da vertente mais volar do topo ósseo distal, com um fragmento ósseo de 3 mm visível anteriormente aos traços de fratura, com um afastamento máximo dos topos ósseos de 2 mm (…)”.

23 – A 24/01/2019, realizou eletromiografia dos membros inferiores: “(…) alterações do tipo neurogeneo crónico, moderado, dos músculos dependentes do miótomo de S1 à esquerda – a valorizar como lesão pré-ganglionar (radicular) porque não se verificam critérios de lesão a nível pós-ganglionar (…)”.

24 – Realizou, ainda, a 17/12/2020:

a) TC da coluna lombar: “(…) Confirmam-se sinais de intervenção cirúrgica com a presença da barra de L4 a 51 e parafusos transpediculares em L4-L5 (com boa osteointegração), (…). Sinais de laminectomia bilateral de L5. Observamos irregularidade por fratura, não recente, da plataforma superior de S1, com discreta retropulsão para-central esquerda do muro posterior, associado a irregularidade reacional/osteofitária em localização póstero-lateral do mesmo lado que reduz a vertente caudal do canal de conjugação em L5-S1 e o recesso lateral de S1, com aparente desvio posterior da respetiva raiz (…) observamos também material de osteossíntese na sínfise púbica e nos ilíacos bilateralmente”;

b) Ecografia inguinal esquerda: “Hérnia inguinal, variante indireta, fácil e espontaneamente redutível, sem critérios atuais de complicações”;

c) TC da bacia: “fraturas consolidadas dos ramos iliopúbicos, fixadas por placas e ansas de arame/ com topos perfeitamente alinhados e já com sinais de consolidação. As pequenas fraturas observadas nos ramos iliopúbicos encontram-se também consolidadas, com topos bem alinhados. Sinais de intervenção cirúrgica na transição da coluna lombossagrada, com placa e parafusos de fixação em L4-L5 e com fixação às asas dos ilíacos, mas sem osteólise em redor do material utilizado. (…)”.

25 – A 31/01/2021 foi submetido a intervenção cirúrgica para “cura de hérnia/eventração com prótese”.

26 – O A. apresenta as seguintes lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento:

a) Face:

- desvio direito do eixo da pirâmide nasal;

- discreta diminuição do calibre nasal à direita.

b) Ráquis:

- cicatriz nacarada com halo hipercrómico, doloroso à palpação, com características cirúrgicas não recentes, com vestígios de pontos de sutura, no segmento vertebral lombar, medindo 14 cmx0,7 cm;

- limitação da flexão da coluna lombar (índice de Schöber 10-13 cm);

- Làsegue negativo bilateralmente.

c) Abdómen:

- cicatriz nacarada de características cirúrgicas não recentes, sobre a área correspondente à crista ilíaca direita, medindo 3cmx0,7cm;

- cicatriz nacarada, transversal, ligeiramente curvilínea de concavidade superior, de características cirúrgicas não recentes, com vestígios de pontos de sutura, na transição entre o hipogastro e a região púbica, medindo 13cmx0,5cm;

- cicatriz nacarada, de características cirúrgicas não recentes, com vestígios de pontos de sutura, sobre a área correspondente à crista ilíaca esquerda, medindo 3cmx0,3cm;

- cicatriz nacarada linear, de características cirúrgicas não recentes, com vestígios de pontos de sutura, na região inguinal esquerda, com 8cmx0,5cm.

d) Membro superior direito:

- cicatriz nacarada, linear, de características cirúrgicas não recentes, no terço distal da face anterior do antebraço, medindo 3,5cmx0,3cm;

- limitação das mobilidades do punho (flexão dorsal 50º, flexão palmar 70º, desvio radial 10º, desvio cubital 40º), sem alterações de pronossupinação.

e) Membro superior esquerdo:

- cicatriz nacarada, linear, de características cirúrgicas não recentes, com vestígios de 5 pontos de sutura no terço distal da face anterior do antebraço, medindo 3cmx1cm;

- limitação das mobilidades do punho (flexão dorsal 65º, flexão palmar 60º, desvio radial 10º, desvio cubital 35º), sem alterações de pronossupinação.

27 – A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 13/01/2021.

28 – O período de défice funcional temporário total é fixável no período de 120 dias, correspondendo aos períodos de internamento em meio hospitalar e repouso absoluto no domicílio. A este período acrescem 8 dias em caso de necessidade de realização de extração de material de osteossíntese.

29 – O período de défice funcional temporário parcial é fixável em 1089 dias, correspondendo ao período de tempo remanescente até à data de consolidação médico-legal das lesões; devendo ser acrescido de um período de 22 dias em caso de necessidade de realização de extração de material de osteossíntese.

30 – O período de repercussão temporária na atividade profissional total é fixável num período de 430 dias (entre 22/09/2017 e 25/11/2018).

31 – O período de repercussão temporária na atividade profissional parcial é fixável num período de 799 dias.

32 – O quantum doloris é fixável no grau 6/7.

33 - O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 25 pontos.

34 – No caso em apreço é de perspetivar a existência de dano futuro, o que pode obrigar a uma futura revisão do caso. No caso em apreço, destaca-se a fratura dos ramos íleo e isquiopúblicos esquerdos com atingimento da face articular do acetábulo.

35 – As sequelas descritas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

36 – O dano estético permanente é fixável no grau 3/7.

37 – A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 6/7.

38 – A repercussão permanente na atividade sexual foi valorizada no défice funcional temporário de integridade físico-psíquica.

39 – Dependência de ajudas medicamentosas: analgesia aquando da exacerbação das queixas álgicas.

40 – O A., após sair do Hospital, esteve cerca de dois meses e meio em casa totalmente dependente da ajuda de terceiros para todas as tarefas do dia a dia como vestir, calçar, fazer a higiene diárias e as refeições.

41 – Após esse período fez sessões de fisioterapia, durante oito meses, na Clínica de Reabilitação Dra. CC, em Aveiro.

42 – O A. sofreu dores violentas quer no momento do acidente de viação de que foi vítima, quer posteriormente durante o período em que teve de se submeter a cirurgias, tratamentos e exames médicos.

43 – E ainda hoje passa por momentos de dor e sofrimento, que o obrigam a tomar mensalmente Tramadol e quinzenalmente Brufen.

44 – Antes do acidente o A. era um jovem saudável, alegre e bem disposto.

45 – Em consequência do acidente, tornou-se uma pessoa insegura, impaciente e agitada.

46 – Tinha uma grande apetência pela prática desportiva, designadamente ténis de mesa, airsoft e pesca desportiva.

47 – Deixou de conseguir praticar estes desportos em consequência do acidente.

48 – O A. auferia, à data do acidente, um salário mensal de cerca de € 800,00 líquidos (valor que incluía o duodécimo do subsídio de Natal e o duodécimo do subsídio de férias) – fls. 10.

49 – A Interveniente C... pagou ao A., a título de salários, respeitantes ao período entre 23/09/2017 e 23/11/2018, a quantia de € 9.467,89 – fls. 43/46.

50 – A Interveniente C..., por conta da reparação do acidente de trabalho que vitimou o A., pagou até 21/05/2021 as seguintes quantias no valor total de € 51.391,48:

a) salários - € 11.207,72;

b) honorários médicos, consultas e cirurgias - € 6.431,94;

c) despesas médicas - € 29.143,60;

d) elementos auxiliares de diagnóstico - € 1.837,19;

e) transportes - €513,85;

f) despesas diversas - €1.618,98;

g) despesas de Tribunal - €638,20.

51 - A Interveniente C..., por conta da reparação do acidente de trabalho que vitimou o A., pagou a partir de 21/05/2021 e até 19/06/2023, a quantia de € 10.804,16 a diversos títulos (salários, despesas médicas, transportes, etc.).

52 – O ora A. instaurou contra a ora Interveniente C... – Companhia de Seguros, S.A., uma ação de fixação de incapacidade para o trabalho, que corre termos no Juízo de Trabalho de Aveiro sob o nº 3222/18.4T8AVR – fls. 194v./195.

53 – A Interveniente C..., uma vez que ficará obrigada a pagar uma pensão ao A., no processo nº 3222/18.4T8AVR do Juízo de Trabalho de Aveiro, viu-se obrigada a constituir uma provisão matemática concernente ao valor das pensões a pagar no futuro, de acordo com o Protocolo firmado entre as Seguradoras no seio da “APS – Associação Portuguesa de Seguradores”, no valor de € 64.052,20.

Não se provou qualquer outro facto com interesse para a boa decisão da causa, designadamente que: a) o A. sente, ainda hoje, grande receio em conduzir veículos de duas rodas.

3.2. DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

3.2.1. Como resulta da delimitação do objecto dos recursos interpostos importa apreciar e decidir as questões atrás delimitadas.

Nesta parte, resulta das conclusões recursórias  que o autor- recorrente se insurge contra os montantes das indemnizações fixadas pelo tribunal com fundamento no dano biológico e a  título de danos não patrimoniais, pretendendo o autor-recorrente que  a indemnização a fixar ao Autor deverá ser de €395.000,00, ao invés dos €161.732,11 fixados na sentença e assim discriminada:

- Dano Patrimonial futuro - €200.000,00 –

- Dano Biológico - €75.000,00

- Danos Não Patrimoniais - €120.000,00

E a ré- recorrente discorda dos valores atribuídos na sentença a título de dano biológico e a título de danos não patrimoniais, alegando que são excessivos e pretende que neste Tribunal sejam fixados para o dano biológico e para os danos não patrimoniais, o valor não superior a €40.000,00 e valor de €40.000,00, respectivamente.

Quid Iuris?

Em princípio, a indemnização a prestar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. É a chamada reconstituição natural - art. 562.º do C. Civil.

No entanto, a lei permite, no art. 566.º do C. Civil, que a indemnização possa ser fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.

Teremos de seguir no cálculo do valor da adequada indemnização a chamada teoria da diferença entre a situação em que o lesado ficou por causa do acidente e a que, natural e previsivelmente, teria se não tivesse ocorrido o acidente (arts. 562.º, 564.º e 566.º, todos do C. Civil).

O A. peticionou:

1º - €238.175,00, valor que encontrou multiplicando o valor de €1.361,00 (que refere ser o valor do salário médio nacional e que em breve contava receber) por 14 meses, 50 anos de atividade laboral e 25% (os 25 pontos em que foi fixado o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica). Alega ser esta a repercussão na vida profissional do A. dos esforços acrescidos que terá de despender;

2º - €75.000,00, a título de dano biológico, que defende dever ser aqui entendido como um dano autónomo, que se traduz na perda da disponibilidade do uso do corpo para os normais afazeres do dia a dia (que não profissionais);

3º - €11.900,00, a título de vencimentos perdidos, uma vez que o período de incapacidade total e absoluta para o trabalho foi de 430 dias;

4º - €120.000,00, a título de danos não patrimoniais.

E porque releva para o caso, uma vez que o acidente de viação dos autos foi simultaneamente um acidente de trabalho, convocando a   parte do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de Outubro , importa referir que são diferentes os parâmetros de dano a avaliar consoante o domínio do direito em que essa avaliação se processa, face aos distintos princípios jurídicos que os caracterizam.

No direito laboral, por exemplo, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia -a -dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinando.

Por isso mesmo com o decreto - lei Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de Outubro foram publicadas duas tabelas de avaliação de incapacidades, uma destinada a proteger os trabalhadores no domínio particular da sua actividade como tal, isto é, no âmbito do direito laboral, e outra direccionada para a reparação do dano em direito civil.

E como resulta da Lei Dos Acidentes de Trabalho (artigos 1º e 2º da LAT) e é assinalado na jurisprudência[1] a responsabilidade objetiva do dano reparável no caso de responsabilidade sem culpa do empregador por um acidente de trabalho não segue o princípio da reparação integral do dano sofrido pelo lesado, como prevê o artigo 562.º do CCivil.

Com efeito, os danos a indemnizar pelo acidente de trabalho encontram-se limitados, só existindo reparação nos termos previstos pela Lei dos Acidentes de Trabalho (artigos 1.º e 2.º da LAT).

Portanto, no âmbito laboral, a reparação em dinheiro (art. 47.º da LAT) apenas visa satisfazer os danos patrimoniais corporais resultantes da extinção ou redução- ainda que temporária-da capacidade de trabalho ou de ganho e com os seguintes limites: nas prestações por indemnizações temporárias e/ou indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho: a) pelo coeficiente de incapacidade sofrido pelo sinistrado; b) com reporte a uma percentagem da retribuição (art. 48.º n.ºs 1, 2, 3, als. a) a e), da LAT).

A revelar que  não são indemnizáveis em direito laboral os danos não patrimoniais, como sejam o dano de sofrimento, o dano estético (exceto se tiver repercussões na perda da capacidade de trabalho ou de ganho) e outros danos patrimoniais diretos como sejam a perda de vestuário, telemóvel, automóvel, motociclo, capacete (danos materiais sofridos pelo trabalhador em coisas que são propriedade sua), embora inclua próteses, óculos, cadeira de rodas, perna artificial e, mesmo, o dano biológico na sua vertente patrimonial [cfr. arts. 25.º, n.º 1, al. g), 41.º e 43.º todos da LAT].

Por, assim ser, o art. 17.º da LAT preceitua:

1 - Quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais.

2 - Se o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro indemnização superior à devida pelo empregador, este considera-se desonerado da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsado pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.

3 - Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente, a exclusão da responsabilidade é limitada àquele montante.

4 - O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.

5 - O empregador e a sua seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.

Mantém aqui, pois, plena validade o ensinamento de Vaz Serra no sentido de que as indemnizações fixadas em cada uma dessas jurisdições (civil e laboral) não se sobrepõem, completam-se, conforme anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-05-1978, RLJ 111, p. 327-331.

 As indemnizações são independentes e dessa independência decorre que o tribunal em que for formulado o pedido de indemnização exerce a sua jurisdição em plenitude, decidindo e apurando, sem limitações, a extensão dos danos, e deixando ao critério do lesado a opção pela que melhor lhe convenha, devendo, porém, acrescentar-se que os danos não patrimoniais não entram no cômputo da indemnização laboral

Daqui decorre que são de considerar como danos diferentes o que decorre da perda de rendimentos salariais, associado ao grau de incapacidade laboral fixado no processo de acidente de trabalho e compensado pela atribuição de certo capital de remição, e o dano biológico decorrente das sequelas incapacitantes do lesado que, embora não determinem perda de rendimento laboral, envolvem restrições acentuadas à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as actividades da vida pessoal e corrente.

Deste modo, no caso vertente,  não existe  uma duplicação de indemnizações em favor do Autor na parte em que o tribunal a quo atribuiu a este uma compensação pelo dano biológico sofrido, apesar do autor poder vir a receber da seguradora de acidentes de trabalho  quantias a título de pensão, uma vez que está pendente a ação instaurada pelo autor contra a seguradora de acidentes de trabalho- item 52º  dos factos provados.

Do Dano Biológico.

Por ser consensual na jurisprudência e na doutrina, importa afirmar as seguintes premissas, convocando aqui o Ac do STJ de 21.03.2013, Proc. Nº 565/10.9TBPVL.S1, em www.dgsi.pt:

“A ofensa à integridade física constitui dano biológico, verdadeiro dano primário sempre presente em casos de lesão de integridade físico-psíquica, e sempre lesivo do bem saúde.

O dano patrimonial e o dano não patrimonial são danos sucessivos ou ulteriores e eventuais..[2]

E os danos patrimoniais podem ainda ser perspetivados em função da repercussão ou falta dela na actividade profissional , em função da perda de rendimentos resultantes da incapacidade geral que resultou da ofensa à integridade física, etc.

A significar que se pode verificar a ocorrência de uma lesão física que não implique perda de capacidade profissional ( v.g. um ferimento no corpo que deixou cicatriz não impede o juiz de exercer a sua atividade) assim como se pode conceber uma lesão física (dano-base) que não cause nenhum acréscimo, para o lesado, de esforço na atividade profissional que ele exerce (v.g. o ligeiro coxear não implica, para o pianista, nenhum esforço acrescido). No entanto este último exemplo já evidencia que essa lesão decorrente do acidente implica necessariamente uma incapacidade ou diminuição de capacidade para o exercício de outras atividades profissionais.

Precisamente por isso é que Álvaro Dias salienta que " se revelam profundamente incorretas , por desadequadas, quaisquer tentativas de erigir o direito à saúde numa qualquer espécie de dano que houvesse de ser ressarcido como se de um apêndice ou de uma entidade indissociável da perda de capacidade de trabalho se tratasse. Parece claro que se uma qualquer lesão sofrida tem como consequência uma diminuição da capacidade de ganho, a valoração de tal incapacidade não pode pretender que a respetiva indemnização contenha em si (o mais compreende o menos) a justa ponderação ressarcitória do dano à saúde. O estado de saúde normal é a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal"(loc. cit., pág. 133).[3]

E, convocando aqui, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/07/2004, processo n.º 04B2084 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/11/2016, processo n.º 1550/13.4TBOER.L1.7, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, podemos afirmar que o dano biológico consiste numa “incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.

E é unânime na jurisprudência [4] , o entendimento, segundo o qual, a afetação da integridade físico-psíquica, designada como dano biológico, pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.

É que no âmbito dos danos patrimoniais não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas, também, as consequências da afetação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício da actividade profissional habitual outras atividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos materiais.

(…)

3.2.2

Posto isto, no caso em apreço, por razões de simplicidade, uma vez que o recurso da Ré, tem como objecto os valores fixados na sentença recorrida a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, iremos abordar em conjunto os dois recursos iniciando a nossa apreciação com os valores fixados a título de dano patrimonial.

Do Dano biológico.

A sentença recorrida atribuiu ao autor a quantia de €81.732,11 a título de danos patrimoniais, sendo €1.732,11 pelas perdas salariais e €80.000,00  para compensação do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica.

Assim, escreveu-se na sentença:

“O dano biológico do A. é indesmentível e merece, sem dúvida, ser compensado, enquanto sacrifício, maior esforço e penosidade para o exercício das funções laborais e dos atos da vida pessoal, social e familiar.

Ponderados todos estes factos, considerando a idade do A. (apenas 20 anos à data do acidente), que o défice é de 25 pontos, que a incapacidade é definitiva, que as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares (e ao longo de muitos, muitos anos, atenta a idade do A.), entendemos que o valor de €80.000,00 é justo e adequado para indemnizar o A..

Atribui-se, por conseguinte, ao A., a título de danos patrimoniais, €(1.732,11 + 80.000,00=) 81.732,11.”

O autor alega que o tribunal a quo não atribuiu ao autor qualquer indemnização pelo dano denominado “dano biológico, fixando apenas uma compensação ao autor a título de dano patrimonial futuro e pretende que este tribunal fixe a indemnização devida pelo dano patrimonial futuro em €200.000,00 e que a compensação devida pelo dano biológico seja fixada em valor não inferior a €75.000,00.

A ré – recorrente, por seu turno pretende que este tribunal fixe a compensação devida pelo dano biológico em valor não superior a € 40.000,00, alegando ainda que o autor vai receber, em sede de acidentes de trabalho, quantia indemnizatória decorrente de pensão fixada pela incapacidade de que ficou a padecer.

Quid iuris?

Analisando a fundamentação da sentença recorrida, resulta para nós que o tribunal a quo, qualificou os factos alegados pelo autor em sede de ampliação de pedido, concretamente, nos artigos 1º a 26, como sendo factos relevantes para serem considerados em sede de dano biológico ou fisiológico, que constitui, no fundo, um dano à saúde, violador da integridade física e do bem-estar físico, psíquico e social.

E nessa abordagem o tribunal recorrido, analisou as várias facetas em que se pode apreciar o denominado “dano biológico”

E essa abordagem é aquela que se impõe no nosso entendimento.

Vejamos.

Seguindo de perto as considerações feitas no Acórdão de 09.02.2023[5] , relativamente ao segmento indemnizatório relativo ao dano biológico em apreciação movemo-nos no âmbito do que a jurisprudência e a doutrina têm apelidado de dano biológico ou fisiológico, que constitui, no fundo, um dano à saúde, violador da integridade física e do bem-estar físico, psíquico e social.

A jurisprudência, de forma maioritária, tem vindo a considerar este dano biológico como sendo de cariz patrimonial e, por isso, indemnizável nos termos do artigo 564.º, nº 2 do Cód. Civil.

E porque nesta sede não  importa fazer uma sumária exposição sobre as várias posições jurisprudenciais quanto à qualificação do identificado « dano biológico» , conceito que surgiu entre nós com a Portaria nº 377/2008, de 26-05, a qual, relativamente ao tradicionalmente chamado « perda da capacidade de ganho» passou a distinguir o « dano patrimonial futuro» e o dano da violação do direito à integridade física e psíquica, designado dano biológico, em função da medida da incapacidade gerada e da sua repercussão na vida laboral do lesado, de relevo cabe assinalar que a  sentença recorrida seguiu a posição de que o dano biológico, enquanto lesão da integridade psicofísica, susceptível de avaliação médico-legal e de compensação, é um dano autónomo, indemnizável, que não deve ser incluído nos danos não patrimoniais, mesmo que não se prove que dela tenha resultado diminuição actual dos proventos profissionais do lesado.

O denominado “dano biológico”, perspectivado como “diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre”, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial (…); tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas; a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais”

E como assinalado no  Ac. do STJ de 21.02.2013, disponível em www.dgsi.pt,  “… é ainda necessário ter presente que o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil, que os critérios seguidos pela Portaria n.º377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele, não impedindo  que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso . ( …)

Realce-se, além disso, que a incapacidade funcional, mesmo que não determine efectiva e imediata perda ou diminuição de rendimentos ou de proventos por parte do lesado, importa necessariamente dano patrimonial (futuro), que deve ser indemnizado. Tem sido aliás, este o entendimento dominante da jurisprudência. Embora já tenhamos tratado este dano como dano não patrimonial, passámos a seguir de perto o entendimento jurisprudência que trata o dano biológico como dano patrimonial a partir do momento que, com maior ou menor impacto, se reflecte no exercício da actividade profissional do lesado, ainda que sem perda efectiva de ganhos

O relevo indemnizatório dessa “perda” (como dano patrimonial) tem sido tipicamente absorvido, nos casos como o dos autos, na autonomização (nomeadamente de responsabilidade jurisprudencial) do chamado “dano biológico” ou “corporal”, enquanto lesão da saúde e da integridade psicossomática da pessoa, imputável ao facto gerador de responsabilidade civil delitual e traduzida em incapacidade funcional limitativa e restritiva das suas qualidades físicas e intelectuais de vida. Como se tem feito entendimento no STJ, não se trata de uma espécie de danos que se configure como um tertium genus na dicotomia danos patrimoniais vs danos não patrimoniais; antes permite delimitar e avaliar os efeitos dessa lesão – em função da sua natureza, conteúdo e consequências, tendo em conta os componentes de dano real – enquanto dano patrimonial (por terem por objecto um interesse privado susceptível de avaliação pecuniária), por um lado, ou dano moral ou não patrimonial (por incidirem sobre bem ou interesse insuscetível, em rigor, dessa avaliação pecuniária e plasmando-se, como utilidade essencial, na clarificação de danos “para além das dores e do sofrimento.”

Actual e relevante mostra-se ainda o ac da Relação de Coimbra de 15.11.2016, proc nº 450/12.0TBSCD.C1, aí se sumariando:

“ O STJ tem vindo a entender constituir dano biológico, a dever ser valorado como dano patrimonial futuro e, como tal, objeto de indemnização (independentemente da possível repercussão em sede de danos não patrimoniais), a situação do lesado que fica, por efeito das lesões decorrentes de acidente de viação, portador de sequelas anatomo-funcionais que, embora compatíveis com o exercício de atividade profissional, implicam esforços suplementares, o que deve valer para o caso de estudante que se prepara para enfrentar o mercado laboral.

2. - Tal défice permanente repercutir-se-á em diminuição da condição e capacidade física, da resistência, da capacidade de certos esforços e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado, traduzindo-se numa empobrecida capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades humanas em geral e progressiva maior penosidade das laborais.

3. - Limitação que, com consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado, é apta a dificultar-lhe a concorrência, se necessário, no mercado laboral, ou passível de conduzir à sua reforma antecipada, com as inerentes quebras de rendimento no futuro.

4. - O valor indemnizatório por tal dano patrimonial futuro, sendo indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do CCiv.”

Assim, independentemente de se verificarem, ou não, consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado, este dano é indemnizável per si (neste sentido tem decidido o STJ, designadamente nos Acs. de 27/10/2009, de 19/05/2009 e de 04/10/2007, de 20-05-2010, disponíveis em www.dgsi.pt).

E porque releva para as questões colocadas no recurso, importa assinalar, sufragando o entendimento que também foi recentemente acolhido no acórdão  deste Tribunal da Relação do Porto de 4.04.2022[6] , a propósito do factor rendimento, que alguma jurisprudência[7] vem considerando que nos casos, como o presente, em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade.

Isto dito importa ainda, para se atingir a solução que, neste caso, se haja de considerar como mais equitativo, apelar à jurisprudência que se vem pronunciando sobre situações com alguma similitude, sendo que, no caso importa atentar na jurisprudência dos nossos tribunais superiores,  (todos em www.dgsi.pt), como ponto de referência e salvaguardando as diferenças e especificidades de cada caso concreto, designadamente:

- Ac Rel Coimbra de 14.03.2023, proc nº 3166/19.2T8VIS.C1( Relator Vitor Amaral), que relativamente ao valor indemnizatório por dano patrimonial futuro, com referência ao dano biológico, escreveu : “Perante lesado, de 37 anos de idade à data do acidente, já indemnizado pelo dano de índole laboral (pensão anual e vitalícia), cujo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 53 pontos, sendo expectável agravamento futuro, suportando repercussão das lesões nas suas atividades desportivas e de lazer de “5/7”, quando antes era uma pessoa saudável, o dano biológico, como dano patrimonial futuro de feição extralaboral, traduz-se, para o resto da existência do lesado, na afetação do o seu viver quotidiano nas suas vertentes recreativa, sexual, social e sentimental, determinando perda de faculdades físicas/funcionais, diminuindo-lhe seriamente o uso do seu corpo e repercutindo-se na sua saúde, mas também, por outro lado, numa posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho – se e quando houver de o enfrentar –, é adequado, em equidade, fixar em €100.000,00 o montante indemnizatório para ressarcir aquele dano.”

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-03-2012, processo n.º 571/10.3 TBLSD.P1: com uma incapacidade avaliável em 3 pontos, a um lesado com a idade de 40 anos foi fixada a indemnização por dano biológico em €8.000,00;

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-09-2013, processo n.º 7977/11.9 TBMAI.P1: com uma incapacidade de 4 pontos, a uma lesada de 73 anos foi fixada a indemnização por dano biológico em €2.500,00;

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-04-2016, processo n.º 171/14.9TVPRT.P1: com uma incapacidade de 4 pontos, a uma lesada de 78 anos foi fixada a indemnização respetiva em €8.000,00;

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-07-2013, processo n.º 2870/11.8TJVNF.P1: com uma incapacidade de 5 pontos, a um lesado de 36 anos fixou-se indemnização aproximada a €12.000,00 - €11.791,00;

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-06-2014, processo n.º 11756/09.5TBVNG.P1: com uma incapacidade de 5 pontos, a um lesado de 39 anos, foi fixada a indemnização de €12.500,00;

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-02-2015, processo n.º 435/10.0TVPRT.P1: com uma incapacidade de 6 pontos, a uma lesada de 46 anos, que auferia rendimento mensal médio bruto de aproximadamente €7.500,00, foi fixada a indemnização pelo dano biológico em €55.000,00;

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-12-2014, processo n.º 1494/12.7TBSTS.P1: com uma incapacidade de 6 pontos, a um lesado de 44 anos, que auferia rendimento mensal global de €3.100,00, foi fixada a indemnização pelo dano biológico em €25.000,00;

- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-02-2012, processo n.º 2861/07.3TABRG.G1: com uma incapacidade de 8 pontos, a um lesado de 42 anos foi arbitrada a indemnização de €12.000,00;

- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-03-2011, processo n.º 90/06.2TBPTL: com uma incapacidade de 8 pontos, a um lesado de 49 anos, com um rendimento mensal médio de €1.000,00, foi fixada a indemnização de €20.000,00.

E ainda o Ac Relação do Porto, de 04.04.2022 que temos citado, entre outros.

Feitas estas considerações, assentando na qualificação do dano biológico como dano patrimonial futuro, debrucemo-nos agora sobre as particularidades do caso concreto no concernente à determinação do respetivo quantum indemnizatório.

E reportando-nos ao caso dos autos, importa ainda enfatizar a propósito do factor rendimento, que na busca do tratamento paritário, no cálculo que efetue, o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correção, com base na equidade.

E em conformidade com os dados estatísticos divulgados por pordata, in https://www.pordata.pt/Portugal/ a esperança média de vida dos homens nascidos no ano de 1996, como é o caso do autor, é de 71,7.

Na busca do tratamento paritário, no cálculo a efectuar, por forma a partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correção, com base na equidade , assinalamos que a informação estatística da base de dados da Pordata, em Portugal, in www.pordata.pt indica que o ordenado médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem no ano de 2017 foi de €1.133,00.

Por outro lado, no caso em apreço, temos de ponderar que o  autor- recorrente  em razão do acidente sofreu várias fraturas, contemplando, bacia, ramos ísquio com extensão de fratura de acetábulo à esquerda e fratura vertical asa esquerda do sacro, fratura minor L5, fratura bilateral do escafoide cárpico,  foi sujeito a várias  cirurgias,  ficou a padecer das sequelas descritas no item 26 dos factos provados, que a repercussão das lesões na atividade sexual foi valorizada no défice funcional permanente de integridade físico-psíquica – item 38º dos factos provados- continua a necessitar de medicamentos analgésicos- item 39º dos fatos Provados- que a maior penosidade a que está exposto vai prolongar-se por toda a sua restante vida activa, atenta a sua juventude.

Por último, conforme resultados itens 48º, 49º, 50º, 51º dos factos provados, o autor por conta da reparação do acidente de trabalho que o vitimou já recebeu as quantias ali referidas a título salários e outras despesas.

E resulta do item 52º dos factos provados que no ano de 2018 o autor instaurou contra a interveniente C... uma acção de fixação de incapacidade para o trabalho.

A revelar  que o autor -recorrente vai receber uma quantia indemnizatória decorrente de pensão laboral que for fixada pela incapacidade de que ficou a padecer.

Posto isto, e convocando as considerações atrás tecidas sobre a articulação das indemnizações a atribuir em sede civil e em sede laboral, reforçamos que a quantia a fixar nesta sede, a título de compensação devida pelo dano biológico, não traduz qualquer duplicação em benefício do autor de indemnizações com fundamento no mesmo dano, susceptível, como tal, de provocar um injustificado enriquecimento deste.

Assim, não sendo possível proceder a um cálculo aritmético deste dano, afigura-se-nos adequado e conforme os padrões indemnizatórios jurisprudenciais presentes, o montante de €80.000,00 fixado pelo tribunal recorrido, uma vez que o critério da equidade que foi seguido na sentença recorrida, não excedeu manifestamente a  margem de liberdade decisória que deve existir em casos semelhantes, não se justificando a revogação da sentença nessa parte.[8]

Nesta perspetiva, e sem quebra do respeito devido, improcedem as conclusões em contrário de ambos os apelantes, com a consequente manutenção da sentença recorrida neste segmento condenatório no qual se fixou a compensação devida ao autor pelo dano biológico, a incluir a vertente de dano patrimonial futuro, o valor de €80.000,00.

Da indemnização por danos não patrimoniais.

Na decisão recorrida fixou-se a este título o montante de €80.000,00.

Como referimos o autor pretende que a compensação fixada no tribunal a quo seja alterada para um valor não inferior a €200.000,00 e a ré-recorrente pretende que o valor dessa compensação seja fixado no valor de € 40.000,00.

Também a ré-apelante não concorda com o valor fixado, pretendendo que este tribunal fixe em € 40.000,00 o valor devido ao autor para o compensar dos danos não patrimoniais sofridos.

Quid iuris?

Os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, conforme o artigo 496.º, nº 1, do C. Civil, consequência do princípio da tutela geral da personalidade previsto no artigo 70.º do mesmo diploma legal.

A gravidade mede-se por um padrão objectivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas; por outro lado, aprecia-se em função da tutela do direito. Neste caso o dano é de tal modo grave que justifica a concessão da indemnização pecuniária aos lesados.

Existem danos não patrimoniais sempre que é ofendido objectivamente um bem imaterial, cujo valor é insusceptível de ser avaliado pecuniariamente. Nestes casos, a indemnização visa proporcionar ao lesado “uma compensação ou benefício de ordem material (a única possível) que lhe permita obter prazeres ou distracções-porventura de ordem espiritual-que, de algum modo, atenuem a sua dor”.[9]

E, o montante da indemnização, nos termos dos artigos 496.º, nº 3 e 494.º do Código Civil, será fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante às demais circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, bem como aos critérios geralmente adoptados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda.[10]

No caso que nos ocupa, o dano violado foi a integridade física do Autor, que viu o acidente causar-lhe danos corporais que deixaram sequelas.

Assim releva no prisma–danos não patrimoniais–a seguinte factualidade:

Provou-se que o período de défice funcional temporário total é fixável no período de 120 dias e o período de défice funcional temporário parcial é fixável em 1089 dias. O quantum doloris é fixável no grau 6/7. O dano estético permanente é fixável no grau 3/7.

A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 6/7.

O A., após sair do Hospital, esteve cerca de dois meses e meio em casa totalmente dependente da ajuda de terceiros para todas as tarefas do dia a dia como vestir, calçar, fazer a higiene diárias e as refeições. Após esse período fez sessões de fisioterapia, durante oito meses, na Clínica de Reabilitação Dra. CC, em Aveiro.

O A. sofreu dores violentas quer no momento do acidente de viação de que foi vítima, quer posteriormente durante o período em que teve de se submeter a diversas cirurgias, tratamentos e exames médicos, tendo-lhe sido fixado, repete-se, o quantum doloris no grau 6/7. E ainda hoje passa por momentos de muita dor e sofrimento, que o obrigam a tomar mensalmente Tramadol e quinzenalmente Brufen.

Antes do acidente o A. era um jovem saudável, alegre e bem disposto. Tinha uma grande apetência pela prática desportiva, designadamente ténis de mesa, airsoft e pesca desportiva, tendo deixado de praticar estes desportos em consequência do acidente. E tornou-se uma pessoa insegura, impaciente e agitada.

Acresce que sofreu dano sexual temporário que deve ser valorizável.

Deve ainda ser valorizado o dano estético sofrido pelo autor -recorrente, nos termos atras referidos.

E realçando a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais, importa por outro lado sopesar que o acidente foi causado por culpa exclusiva do condutor do veículo segurado .

Acresce que ao liquidar o dano não patrimonial, o juiz deve levar em conta os sofrimentos efectivamente padecidos pelo lesado, a gravidade do ilícito e os demais elementos da situação em apreço, por forma a alcançar um valor adequado para ressarcir o dano moral sofrido.

Os critérios jurisprudenciais constituem, como assinalado, referência importante, devendo ser aplicáveis, ainda que por semelhança, ao caso concreto. [11]

Finalmente, importa assinalar que o uso do critério de equidade, aconselha que as indemnizações devem respeitar as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida e devem assumir em termos objectivos um carácter significativo e não simbólico.

E é pacífico entre nós que, nessa operação, os tribunais devem evitar resultados que possam ser qualificados de "miserabilistas", dando preponderância a valores aceitáveis socialmente e que sejam uma forma de tutela dos lesados por acidentes de viação.

Como assim, considerando que o valor indemnizatório deve ser significativo,  sopesando o quadro factual supra exposto e tendo em atenção as lesões sofridas, os tratamentos necessários e a que teve de submeter-se, a duração destes, as dores, entendemos que a compensação por esta categoria de danos fixada pelo tribunal recorrido se revela adequada aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor recorrente.

Nesta perspetiva, e sem quebra do respeito devido, improcedem as conclusões em contrário de ambos os apelantes, com a consequente manutenção da sentença recorrida neste segmento condenatório no qual se fixou a compensação devida ao autor pelo dano não patrimonial, no valor de €80.000,00.

Improcedem, assim, também nesta parte os recursos interpostos.

Sumário

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IV. DELIBERAÇÃO.

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pelo autor e pela ré.

Custas de cada um dos recursos a cargo do recorrente respectivo.





Porto, 07.03.2023
Francisca da Mota Vieira
Ernesto Nascimento
Ana Vieira
_____________________
[1] Ac. Rel Porto de 5.06.2023, proc nº21094/21.0T8PRT.P1, entre outros.
[2] Álvaro Dias, in (Dano Corporal. Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Almedina, 2001.
[3] Ob. Citada, p. 133.
[4] Cfr., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/06/2015, processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1; de 7/04/2016, processo n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1, de 29/10/2020, processo n.º 2631/17.0T8LRA.C1.S1; de 23/04/2020, processo n.º 1456/16.5T8VCT.G1.S1 e de 06/05/2021, processo n.º 1169/16.8T9AVR.P2.S1 in www.dgsi.pt
[5] Processo n.º 946/19.2T8PVZ.P1, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, relatado pela aqui relatora e em que foram adjuntos os Exmos Srs Juizes Desembargadores, Paulo Dias da Silva e Isabel Silva.
[6] Proferido no processo nº1822/18.1T8PRT.P1. A propósito, neste acórdão escreveu-se:
“ (…) independentemente da sua integração jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano não patrimonial- ou eventualmente como tertium genus, como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado-, o certo é que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui inequivocamente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da denominada teoria da diferença.
Assim, a posição maioritária, que também sufragamos, vem considerando que este dano deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso constituindo o prejuízo a indemnizar, irrelevando para este efeito o facto de as lesões sofridas pelo demandante não terem implicado, de forma imediata, a perda de rendimento.
Neste conspecto, tem sido enfatiza que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento do trabalho, releva para efeitos indemnizatórios– como dano biológico/patrimonial-porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente da sua atividade laboral, designadamente num jovem, condicionando as suas hipóteses de emprego, diminuindo as alternativas possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.
E, nos casos em que as lesões físicas não causam nenhum acréscimo, para o lesado, de esforço na actividade profissional que ele exerce, mas apenas uma ligeira desvalorização no plano físico, mesmo que relacionada com a mobilidade, justifica-se que, apesar da comprovada desvalorização do lesado no plano físico em consequência do acidente, o dano correspondente seja ressarcido apenas no plano não patrimonial, por este não se repercutir, directa ou indirectamente, na sua situação profissional, tanto em termos de remuneração como de carreira”
[7] Entre outros, Ac. do STJ de e acórdão do STJ de 26.01.2012 (processo nº 220/2001.L1.S1), onde expressamente se enfatiza que o desenvolvimento da noção do dano biológico em Itália partia, entre outros, do pressuposto da “irrelevância do rendimento do lesado como finalidade da liquidação do ressarcimento, Ac. de Coimbra de 04/06/2013, da Relação de Lisboa de 22/11/2016 (processo nº 1550/13.4TBOER.L1-7), de 25/02/2021 852/17.5T8AGH.L1 e 24/10/2019 processo nº 3570/17.0T8LSB.L1-2 e da Relação do Porto, de 19/03/2018 processo nº 1500/14.0T2AVR.P1
[8] No Ac. Rel Coimbra de 15.11.2016, proc nº 450/12.0TBSCD.C1, a propósito, sumariou-se : 6. - A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio; 7. - Perante decisões recorridas fundadas na equidade, é adequado um critério de revogação apenas das soluções que excedam manifestamente determinada margem de liberdade decisória, sendo então de verificar o padrão de equidade aplicado em concreto, pelo que, a situar-se a indemnização no quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não se justificará a revogação.
[9] Cfr. Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1972, pág. 375.
[10] Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra, 1991, págs. 484 e 485.
[11] A propósito elencam-se aqui vários acórdãos que versaram sobre o tema, os quais, estão referidos no já referido Ac da Relação de Coimbra de 14.03.2023, proc nº 3166/19.2T8VIS.C1:
Ac. de 07/09/2020, Proc. 5466/15.1T8GMR.G1.S1 (Cons. José Rainho):«Não se mostra excessivamente valorado em € 60.000,00 o dano não patrimonial que atingiu o lesado em acidente de viação, perante o seguinte quadro nuclear: - Tinha 34 anos; - Sofreu esmagamento dos membros inferiores, com amputação traumática do membro inferior esquerdo e com amputação do membro inferior direito abaixo do joelho, - Sofreu várias fraturas; - Sofreu várias intervenções cirúrgicas e internamentos hospitalares; - Sofreu um período de défice funcional temporário total de 180 dias; um período de défice funcional temporário parcial de 503 dias; um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 682 dias; - Ficou afetado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 67 pontos, impeditivo do exercício da atividade profissional habitual (embora compatível com o exercício de outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional); - Padeceu de dores de grau 6 numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus; - Sofreu dano estético permanente de grau 5, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 pontos; - Está afetado de uma limitação permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 4, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 pontos; - Está afetado sexualmente num grau de 4, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 pontos; - Está relativamente limitado na sua independência e nas suas atividades da vida diária e doméstica; - Foi sujeito a dolorosos tratamentos e ainda padece de dores; - Ficou triste, nervoso e melancólico, com dificuldade em dormir e descansar, sendo agora uma pessoa amargurada, angustiada e abatida, sentindo profundamente as sequelas do acidente; - Está obrigado a fazer uso de próteses nos membros inferiores»;
Ac. de 19/10/2021, Proc. 7098/16.8T8PRT.P1.S1 (Cons. Manuel Capelo):«Respeita igualmente os imperativos de equidade uma indemnização por danos morais no montante de € 125 000,00, de acordo com a jurisprudência e seu sentido evolutivo, que atende à circunstância de o autor, pessoa saudável, ter passado a necessitar durante toda a sua vida do auxílio de terceira pessoa para determinadas tarefas; sentir vergonha de si mesmo nas suas relações com outros, nomeadamente por força da afectação da sua actividade sexual fixável no grau 3/7; alterações do sono, instabilidade emocional, diminuição das capacidades de memória e raciocínio, síndroma pós-traumático, perda da libido. E num quadro de dores permanentes que exigem consulta da dor quantificáveis no grau 6/7; com dano estético permanente do grau 5/7 e perda de capacidade e interesse por actividades que anteriormente lhe davam prazer fixável no grau 4/7.»;
Ac. STJ de 06/12/2022, Proc. 2517/16.6T8AVR.P1.S1 (Cons. Manuel Aguiar Pereira):«Afigura-se ajustada e equitativa a atribuição de uma indemnização de € 30 000,00 para reparação de danos de natureza não patrimonial sofridos por uma mulher de trinta e sete anos de idade que passou a registar após o facto ilícito, e por causa dele, um défice de 11 pontos de eficiência funcional de integridade físico-psíquica por sintomatologia ansiosa e depressiva reactiva ao acontecimento, sem sequelas físicas definitivas, por agravamento de impacto moderado de anterior quadro psiquiátrico.»;
Ac. STJ de 21/06/2022, Proc. 1991/15.2T8PTM.E1.S1 (Cons. António Magalhães):«Num caso em que o lesado ficou com um défice funcional permanente de 39 pontos, teve um quantum doloris de 5 numa escala de 7, um dano estético relevante (3 em 7), consequências permanentes na sua atividade sexual (fixado em 3 numa escala de 7), na repercussão nas actividades desportivas e de lazer (2 em 7), no relacionamento social com familiares e amigos, se sente menorizado em resultado da sua situação de incapacidade para o trabalho e se encontra reformado por invalidez, tendo o acidente ocorrido quando tinha apenas 30 anos de idade, a tudo acrescendo a circunstância de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro, é ajustada a indemnização de 85.000,00 € por danos não patrimoniais, que foi atribuída pela Relação»;
Ac. STJ de 08/11/2022, Proc. 2133/16.2T8CTB.C1.S1 (Cons. António Magalhães):
«Tendo sido atribuído ao lesado um quantum doloris de 6 numa escala de 7, um dano estético relevante de 4 em 7 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 6 em 7 pontos - uma vez que, quanto a este índice, ficou privado de continuar a praticar o motociclismo, o que fazia com regularidade, participando em diversas provas, incluindo federadas e, ainda, impossibilitado de praticar desportos que também fazia, como bicicleta BTT, esqui na neve e esqui aquático, tendo ficado, ainda, condicionado no exercício da actividade desportiva de mergulho, que também praticava- a tudo acrescendo a circunstância de ter sido submetido a cinco intervenções cirúrgicas, com um pós-operatório prolongado (com uma repercussão temporária na actividade profissional total de 870 dias), de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro e de continuar padecer de dores, afigura-se ajustada a indemnização de €70.000 por danos não patrimoniais que foi atribuída pela Relação.».