HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE OU CESSIONÁRIO
ABUSO DO DIREITO
Sumário

I - No âmbito do incidente de habilitação do adquirente ou cessionário, nos termos do art. 356.º do CPC, apresentado o respetivo requerimento, a parte contrária é notificada para contestar, podendo na contestação impugnar a validade do ato, com qualquer fundamento de nulidade ou de anulabilidade da lei substantiva, ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.
II - O abuso de direito traduz-se numa manifesta violação do dever de proceder com lisura e correção, ou na violação do conjunto de regras morais aceites pela consciência social.
III - Para que a habilitação de adquirente ou cessionário seja indeferida com base em que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a posição do contestante no processo, não basta a alegação e prova de que, em consequência do deferimento da habilitação, o contestante do incidente de habilitação ficará, na ação principal, numa posição processual objetivamente mais gravosa, antes é necessária a alegação e prova pelo contestante do incidente, que a transmissão ou cessão foi realizada com o propósito malicioso de tornar a sua posição processual, na ação principal, mais difícil.

Texto Integral

Apelação 10977/21.7T8PRT-B.P1

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
AA casado com BB, com o NIF ..., titular do Cartão de Cidadão ... e residente na Rua ..., .../..., ... ..., e
CC, casada com DD, com o NIF ..., titular do Cartão de Cidadão nº ... e residente na Rua ..., ... – Habitação ..., ... Maia, vieram, por apenso ao processo de inventário que corre por óbito de EE, deduzir incidente de habilitação de cessionários, nos termos dos arts. 1089.º, nº 5, al. c) e 356.º, do Código do Processo Civil, contra,
FF casada com GG, com o NIF ... e residente na Rua ..., nº ..., 2º Esq. Tras., ... Porto e
HH, viúva, NIF ..., titular do Cartão de Cidadão nº ... e residente na Rua ..., nº ..., 1º Esq., ... Porto.
Alegaram, para o efeito, que o de cuius EE faleceu no dia 10 de dezembro; que lhe sucederam como herdeiros, os Requerentes AA e CC e as Requeridas FF e HH.
Que, por escritura pública de “Cessão de Quinhão Hereditário”, celebrada no dia 29 de julho de 2021, os Requerentes adquiriram à Requerida HH o quinhão hereditário desta na herança do pai, em partes iguais, pelo que requerem serem habilitados no processo de inventário na posição que era a da herdeira HH.

A requerida FF apresentou contestação, concluindo a pedir que não seja admitida a cessão de quinhão hereditário apresentada pelo cabeça de casal e ainda declarada a nulidade da cessão de quinhão hereditário, ou caso assim não se entenda, que a transmissão visou tornar mais difícil a posição da requerida na causa principal.

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Realizada a produção da prova indicada, foi proferida sentença, onde se decidiu julgar os requerentes AA e CC habilitados como cessionários do quinhão hereditário de HH.
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Não se conformando com o assim decidido, veio a interessada FF, interpor o presente recurso, que foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
Formulou, a apelante, as seguintes conclusões:
“1 - A Douta sentença recorrida na sua fundamentação refere:
“… Ora, no caso vertente, resulta à evidência que a factualidade apurada não preenche os pressupostos do abuso de direito, nem qualquer motivo donde decorra a invalidade da cessão, razão pela qual não assiste razão à contestante. …”
2 - Salvo o devido respeito, a aqui Apelante entende que o Tribunal “a quo” não andou bem, não procedeu a uma correcta avaliação da prova produzida em audiência de julgamento, nem julgou conforme o direito.
Da Nulidade da Cessão de Quinhão Hereditário - Do Abuso de Direito
3 - A requerida deduziu contestação ao incidente de habilitação de cessionários deduzido pelos requerentes, AA e CC relativamente ao quinhão hereditário que alegadamente adquiriram da requerida HH, por entender que aqueles, actuaram em manifesto abuso de direito.
4 - Com efeito, após o decesso do inventariado, por acordo inicial, manifestado por todos os interessados na partilha, foi indicado o herdeiro AA a desempenhar as funções de cabeça de casal.
5 - E, também, de imediato, combinaram os herdeiros (AA, CC, FF) estabelecer contactos para negociar com a viúva HH, com vista a perceber do seu interesse e termos, na venda do seu quinhão hereditário da herança.
6 - Ou até para perceber do seu eventual interesse ou não na herança, uma vez que no passado recente havia verbalizado nada querer da herança de EE.
7 - Assim, e nessa qualidade o cabeça de casal foi mandatado para, em seu nome e no das demais herdeiras (CC e FF), reunir com a viúva HH (que por sua vez sempre afirmou a sua disponibilidade para reunir unicamente com o cabeça de casal).
8 - Dessa reunião ficou estabelecido que, pese embora, a HH não pretendesse fazer parte da partilha, contudo, pretendia, ainda assim, receber uma quantia, ainda que não representativa da totalidade da sua parte ou quinhão na herança.
9 - Tendo ficado estabelecido entre a HH e o Cabeça de Casal que a herança pagaria € 60.000,00 pelo seu quinhão hereditário.
10 - Após essa reunião o Cabeça de Casal reuniu com as demais herdeiras, CC e FF, a quem deu conhecimento da sua reunião com a viúva, HH, e da proposta da herança pagar aquela a quantia de € 60.000,00 pela sua parte da herança ou quinhão hereditário.
11 - E nesse momento a proposta foi imediatamente aceite pelas demais herdeiras, CC e FF.
12 - Tendo ficado estabelecido, a partir dessa data, entre os três herdeiros e irmãos, AA, CC e FF, que a herdeira HH receberia a quantia de € 60.000,00, pagos pela herança, pelo seu quinhão hereditário.
13 - De tal forma que o cabeça de casal afirmou em comunicação enviada (e-mail datado de 30 de Abril de 2021) à aqui requerida, que “o sinal está dado”, pressupondo que a herança já havia pago o sinal à, aqui cedente, HH.
14 - E, desde essa altura, e sem que alguma vez a aqui oponente, FF, alguma vez e por quem quer que seja, tenha sido informada de qualquer alteração da vontade estabelecida de aquisição por parte dos três herdeiros (FF, AA e CC), em partes iguais, do quinhão hereditário da HH.
15 - Na verdade, toda esta situação encontra-se devidamente plasmada e comprovada, nas trocas de e-mail’s (doc. n.ºs 1 a 8 - que se encontram junto aos autos) entre AA, FF e CC.
16 - Destarte, somente com o articulado e junção do alegado documento apresentado pelo Cabeça de casal, a aqui requerida/herdeira, tomou conhecimento da alegada cessão de quinhão hereditário e dos seus termos.
17 - Ora, atentos os factos relatados, não poderá deixar de ser emitido, dirigido e imputado um forte juízo de censura ao comportamento e conduta, tanto do cabeça de casal como da herdeira/interessada CC, nesse processo.
18 - Com efeito, é resplandecente e notória a má fé, do cabeça de casal AA e da interessada CC, resultando claro qua as suas actuações e condutas foram enganosas, que se titulam de dolosas, violam frontalmente, os mais elementares e mínimos limites impostos pela boa fé ao exercício de todo e qualquer direito.
19 - Configurando a actuação e conduta do interessado AA, que se encontrava empossado na qualidade de Cabeça de Casal, um agravante exercício abusivo das suas funções, excedendo os limites das regras da boa fé, dos bons costumes, exigíveis dum cabeça de casal.
20 - Situação que objectivamente a Lei proíbe, conforme o preceituado no artigo 334.º do Código Civil, e deverá em consequência ser sancionado, com a declaração da nulidade da cessão de quinhão hereditário, nulidade que desde já se invoca, nos termos e efeitos do artigo 280.º e 294.º do Código Civil.
21 - A conjugação dos depoimentos (tanto das testemunhas como da parte requerida) produzidos em sede de julgamento conjugado com os documentos juntos aos autos e com as regras da experiência comum permitem concluir que as actuações e condutas do cabeça de casal, AA, e irmã, CC foram enganosas, que se titulam de dolosas, violam frontalmente, os mais elementares e mínimos limites impostos pela boa fé ao exercício de todo e qualquer direito.
22 - Actuaram, assim, em claro e manifesto abuso de direito.
23 - Depoimento da testemunha – GG – Acta de Audiência de Discussão e Julgamento – 15 de Março de 2023 – início de gravação 09:52:31, fim de gravação 10:14:27 - gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, assim como em suporte físico (CD), ficheiro de áudio Ficheiro 20230315095231_16265405_2871490, com início de gravação: 00.00.01/ Fim da gravação: 00.21.55.
24 - Conforme resulta do depoimento da testemunha, esta afirma que após o falecimento do seu sogro, os três, a mulher FF, requerida aqui Apelante, e os cunhados AA e CC, requerentes e aqui apelados, chegaram a acordo com a HH (viúva do sogro – e madrasta dos herdeiros FF, AA e CC) em que pagavam € 60.000,00 pela sua parte na herança, com dinheiro saído da herança, dinheiro deixado pelo sogro em contas bancárias – “nas divisões que eles fizeram ela nem aparece, aparece só nessa tal linha que eles põem lá, sessenta mil euros para abater ao total que havia de dinheiro.” (03:59 a 04:08).
25 - Refere ainda que foi o Cabeça de Casal que, mandatado por todos os herdeiros “em nome dos três, dele e das irmãs” negociou a compra da parte da HH. Foi quem negociou os € 60.000,00 com a HH e que as irmãs e ele aceitaram.
Que a partir daí nunca mais se discutiu qualquer alteração desse acordo, ou algum dos herdeiros manifestou desacordo relativamente á compra da parte da HH por € 60.000,00 “Ficou acordado desde o início, dos primeiros meses de 2020, poucos meses depois do meu sogro falecer, e ficou sempre desde essa altura, quer dizer não houve mais alterações” (08:12 a 08:23).
26 - Refere ainda que, concluído o acordo de compra da parte da HH, tentaram negociar entre si a partilha dos bens da herança, e, nessas negociações retiravam sempre os € 60.000,00 que eram para a HH. Era um dado adquirido a compra da parte da HH pela herança- tal como perpassa do e-mail de 7 de outubro, enviado pela aqui apelante para o Cartório Notarial II.
Disse ainda que interpretou o teor do e-mail de 30 de Abril, em que o cabeça de casal refere “A HH já me perguntou para quando seria a assinatura de partilhas e o sinal está dado”, afirmando peremptoriamente, “Tendo em conta que o processo (entre os três irmãos, que não o da compra da parte da HH, pois, este estava fechado entre eles) estava a demorar bastante tempo, da parte técnica (impercetível) da partilha dos bens, nós assumimos que de alguma forma teria sido pago algum sinal por conta do acordo já feito, mas, quer dizer, como era o cabeça-de-casal que estava a tratar disso assumimos como bom ele pagar. Foi isso que nós assumimos.” (09:57 a 10:20). Isto é, assumiram que, uma vez que havia sido o cabeça de casal a negociar com a HH, que nunca houve alteração relativamente a esse acordo com a HH por parte de nenhum dos herdeiros, que o cabeça de casal já havia pago um sinal à HH para garantir que aquela não voltava atrás com o negócio de compra da sua parte.
27 - Refere ainda que a sua mulher requereu o inventário tal como os seus irmãos também, manifestaram essa intenção “Sim, ela requereu inventário, mas o inventário, os outros também manifestaram exatamente a mesma intenção, mandaram um email (15:06 a 15:13) - Dr. JJ – Senhor doutor, isso é outra questão (15:13 a 15:14) – Testemunha – (…) em junho a dizer que ou ela assinava como estava ou iriam fazer inventário (15:14 a 15:21) - Dr. JJ – Ó senhor doutor… senhor doutor, limite-se, limite-se a responder aquilo que eu lhe perguntei (15:19 a 15:23)
Requereu o inventário porque as negociações não estavam a ter êxito, mas as negociações quanto à partilha dos bens entre eles (irmãos) e não quanto à compra da parte da HH (essa “estava dado como assente” entre eles – como refere a (20:49 a 20:58).
28 - Depoimento da testemunha – KK – Acta de Audiência de Discussão e Julgamento – 15 de Março de 2023 – início de gravação 10:14:28, fim de gravação 10:30:44 - gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, assim como em suporte físico (CD), ficheiro de áudio Ficheiro 20230315101428_16265405_2871490, com início de gravação: 00.00.01/ Fim da gravação: 00.16.14.
29 - A testemunha KK é filha da requerida, aqui apelante.
Refere que ouviu conversas em casa, que seguia com interesse o assunto, e ouviu os pais e os tios, isto é, a requerida e os requerentes (FF, AA e CC) que iam comprar a parte da HH por € 60.000,00. Que ouviu depois discussões sobre o recheio dos imóveis, porque a mãe queria ir buscar “coisas” ao apartamento de Gaia onde vivia o avô. Sabe que havia uma minuta de partilha que respeitava ao apartamento de Gaia, Portimão e terras em Felgueiras, e que os tios faziam pressão para a sua Mãe assinar. Só que ela não assinava enquanto não estivesse resolvido os móveis de Gaia. Refere ainda que em troca de mensagens com a Tia CC, “no fim de 2021, já depois deste, deste novo processo, ela própria menciona numa conversa que a minha mãe estava de facto incluída na compra da parte da HH” (07:26 a 08:11). Não sabe quem requereu o inventário, nem quando.
30 - Depoimento da testemunha – LL – Acta de Audiência de Discussão e Julgamento – 15 de Março de 2023 – início de gravação 10:30:45, fim de gravação 10:47:59 - gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, assim como em suporte físico (CD), ficheiro de áudio Ficheiro 20230315103045_16265405_2871490, com início de gravação: 00.00.01/ Fim da gravação: 00.17.12.
31 - Esta testemunha é colaboradora no Cartório Notarial Dra. II. Foi inicialmente (em inícios de 2020) contactada pela Dra. FF, para saber se haveria testamento, fazer habilitação de herdeiros, reunir certidões, pois, ainda haveria a possibilidade da viúva vir a repudiar a herança. Depois falou-se na possibilidade de haver uma cessão de quinhão hereditário, uma vez que a viúva havia revisto a sua posição e entendia dever receber alguma coisa. E lembra-se que começou a estudar a cessão de quinhão hereditário, e explicou quem eram os herdeiros, a parte fiscal, como as coisas se iam processar.
32 - Referiu que cessão não se concretizou, não sabendo a razão. Que teve a percepção de acordo entre os três irmãos pelo valor de € 60.000,00.
33 - Depois houve um hiato de tempo sem qualquer contacto. Tendo sido mais tarde contactada pelo AA que lhe disse que o acordo já havia sido minutado noutro cartório, pelo que deveria trabalhar em cima desse. E as minutas versavam sobre uma partilha por óbito e uma partilha por divórcio, uma vez que havia um bem que não tinha sido partilhado na situação de divórcio do primeiro casamento do Dr. EE.
Lembra-se que havia duas minutas uma relativa aos bens próprios dele (EE) e “estava-se a fazer com que as quotas a receber pela viúva fossem exatamente” (10:28 a 10:46) - Dr. JJ - “Os sessenta mil euros” (10:46) - Testemunha – “(..) esse valor” (10:47). Lembra-se que era assim que estava a ser gizado, sendo que havia dúvidas sobre alguns bens móveis que existiam num determinado apartamento, dúvidas e questões suscitadas pela Dra. FF relativamente a uns bens móveis. Depois só comunicaram que a escritura não ia ser celebrada.
34 - Depoimento da testemunha – MM – Acta de Audiência de Discussão e Julgamento – 15 de Março de 2023 – início de gravação 10:48:00, fim de gravação 11:05:05 - gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, assim como em suporte físico (CD), ficheiro de áudio Ficheiro 20230315104759_16265405_2871490, com início de gravação: 00.00.01/ Fim da gravação: 00.17.04.
35 - Esta testemunha que sendo meio irmão da FF AA e CC, refere que sempre se trataram por irmãos. Que começou inicialmente por acompanhar o irmão AA a visitar alguns bens que faziam parte da herança, designadamente os terrenos de Felgueiras. Sendo do seu conhecimento que o AA era o cabeça de casal da herança. Sabia que, inicialmente a Dra. HH nada queria da herança, mas mais tarde, esta manifestou pretender uma parte da herança que consistia em ser uma parte em dinheiro e um documento referente a um imóvel em Matosinhos.
36 - Que terá sido o AA a reunir com a HH e que chegou a acordo de aquisição da parte da HH por € 60.000,00. Em que a compra dessa parte seria feita pelos três irmãos à HH. E, depois a herança que sobraria seria a dividir igualitariamente pelos três irmãos. A casa de Vila Nova de Gaia ficava para a irmã CC, as terras de Felgueiras para o AA, e a casa de Portimão para a FF.
O que sempre ficou combinado entre os três é que ficariam com a parte da HH, independentemente do resto da herança. Tal situação nunca se colocou em crise. E o acordo de partilha entre os irmãos não foi feito por questões relacionadas com os bens existentes dentro do apartamento do EE.
37 - Depoimento da testemunha – NN – Acta de Audiência de Discussão e Julgamento – 15 de Março de 2023 – início de gravação 11:05:06, fim de gravação 11:14:40 – gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, assim como em suporte físico (CD), ficheiro de áudio Ficheiro 20230315110506_16265405_2871490, com início de gravação: 00.00.01/ Fim da gravação: 00.09.05.
38 - Esta testemunha é casada com MM, sendo cunhada das requentes e requerida, AA, CC e FF. Tem conhecimento que inicialmente, e apesar de ser herdeira, a HH nada pretendia da herança. Depois sabe que a HH quis uma compensação financeira, tendo ficado acordado entre os irmãos que a herança dava essa compensação financeira para que tudo ficasse num lote para ser dividido pelos três irmãos. O valor que acordaram foi de € 60.000,00 pela parte da HH. A herança adquiria a parte da HH e depois ia ser feita a partilha entre os três irmãos - Dr. OO – “Sessenta mil euros. Nunca… não se sabe, se essa quantia, esse valor, esses sessenta mil euros, correspondiam de facto ao valor da partilha, porque nunca se fez a avaliação dos bens, não é?” (04:28 a 04:45) Testemunha – “É” (04:45) Dr. OO – “Foi uma ficção?” (04:46) Testemunha – “Sim… foi atribuído um valor, ou foi acordado um valor, a HH aceitava esse valor e saía de jogo, por assim dizer, e a partilha era feita entre os três irmãos” (04:47 a 04:58) Dr. OO – “Como uma ficção. Estabeleceram qual era o valor e depois foram buscar, ou a partilha, ou a cessão de quinhão, e foram arranjar uma forma jurídica para a questão, mas a senhora alguma vez teve conhecimento, alguma vez lhe foi dito a si de que os… de que a parte da HH era só para ser adquirida pela CC e pelo AA?” (04:58 a 05:29) Testemunha – “Não, era sempre em função da herança, portanto, era para… era a herança que iria adquirir e depois ia ser partilhado por três” (05:29 a 05:37).
39 - Refere ainda que viu os e-mails trocados, e ouviu conversas. Não esteve em reuniões formais dos irmãos em partilhas, mas teve conhecimento em momentos em que quer o AA quer a FF lhe falaram para pedir opiniões.
40 - Declarações de Parte – FF – Acta de Audiência de Discussão e Julgamento – 15 de Março de 2023 – início de gravação 11:14:41, fim de gravação 12:01:50 - gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, assim como em suporte físico (CD), ficheiro de áudio Ficheiro 20230315111441_16265405_2871490, com início de gravação: 00.00.01/ Fim da gravação: 00.47.07.
41 - Nas suas declarações de parte, FF referiu que se sente enganada pelos irmãos, uma vez que os irmãos quebraram um compromisso que sempre foi reiterado entre eles. Afirmando que após a morte do Pai, EE, que era casado com a HH, ou seja, eles irmãos tinham uma madrasta, que inicialmente expressou vontade em nada receber da herança do EE. Posteriormente aquela achou justo receber alguma coisa da herança não obstante não querer participar nas partilhas. Tal circunstância era do interesse e conformidade dos três irmãos. Nesse sentido, foi mandatado o cabeça de casal AA, para em representação dos irmãos todos, reunir com a HH, e alcançar acordo, que foi alcançado, e em que ela (HH) vendia a posição dela por € 60.000,00 e uma declaração que ela pretendia relacionado com um apartamento de Matosinhos, e em face disso afastava-se das partilhas.
42 - Que esse acordo esteve sempre válido entre eles irmãos, tendo sido surpreendida no processo de inventário de partilha dos irmãos, que a final, o acordo foi quebrado e que a aquisição da parte da HH foi feita pelo cabeça de casal, AA, e pela irmã, CC, pelo mesmo valor de € 60.000,00, sendo que a única diferença é que ela não estava incluída.
43 - O que ficou combinado é que os três irmãos adquiriam a parte da HH por € 60.000,00 mediante pagamento com dinheiro da herança que existia nas contas deixadas pelo EE. Nunca em momento algum qualquer dos irmãos manifestou vontade contrária a esse acordo. Ficou apenas por estabelecer a forma em que a parte da HH seria adquirida pela herança, isto é, pelos três irmãos. E, nesse sentido procuraram informação e ajuda junto dum cartório e depois de outro.
Inicialmente falou-se numa cessão de quinhão hereditário e depois numa partilha global. Mas a partilha global que era forma desejada pelos irmãos, não passava de uma “ficção jurídica” uma vez que não tinha correspondência com o valor global da herança. Era a forma de justificar o pagamento dos € 60.000,00 à HH. - Dr. OO – “A pergunta é, se o património, o património que está em crise do EE se são duzentos e quarenta mil euros?” (11:32 a 11:43) Depoente – “Pois essa minuta, se me é permitido dizer, como a senhora doutora juíza perguntou o que é que eu fazia, a minha formação de base é, sou economista, há algumas coisas que me saltam à vista e, então, se o intento da minha madrasta, bem expresso logo após a morte do meu pai, era não receber nada, ou então, depois quando mudou de ideias, era receber uma quantia, que se estipulou ser de sessenta mil euros, eu, quanto mais não seja, por feitio de formação profissional, quando me chega uma minuta, em que o acordo é exatamente os sessenta mil euros, eu perguntei-me o seguinte, então porque é que o estamos a fazer… quer dizer, não faz sentido, não faz sentido nenhum… porque não é esse, a base, a herança não é os duzentos e cinquenta mil euros que estão expressos neste documento. E porquê que exatamente isto calha-lhe na partilha sessenta mil euros… foram questões que se me levantaram, por defeito de formação, de formação e feitio… achei estranho… achei que era uma maneira de lhe pagar os sessenta mil euros, na mesma, e a tal bendita declaração que ela pediu, mas doutra forma.
Contudo, nunca se chegou, isso nunca chegou a ser formalizado, nunca chegou a ser assinado precisamente porque havia coisas com as quais eu não concordava” (11:44 a 13:05). Sempre concordou com a compra da parte da HH pela herança, que se encontrava acordado há muitos meses, não concordava com o acordo de partilha entre os três irmãos, no que dizia respeito aos bens móveis do Pai em Gaia. Após a recepção do e-mail de 30 de Abril de 2021, ficou com a convicção de que o cabeça de casal já tinha sinalizado a compra da parte da HH pela herança, e achou que tinha sido a forma de colocar calma na HH e de lhe mostrar que as coisas se iam resolver e que o acordo ia ser cumprido. De tal forma, - Depoente – “No esboço, uma das razões que… eu sabia que o acordo estava feito, eu sabia que, para mim, o acordo estava feito, foi que mesmo posteriormente a este (impercetível) quando começamos a esboçar aquilo entre irmãos, quando chegava à parte do dinheiro, não é, porque há os bens imóveis, os bens móveis e os dinheiros, abatia-se sempre ao valor que o meu pai tinha os sessenta mil euros que seriam para a HH ou seja, assumi … assumia-se, e bem, que o acordo estava em andamento, tinha que se pagar à HH, portanto, quando esboçamos uma partilha entre irmãos, o que é que seria feito que todos estariam de acordo, ao dinheiro que o meu pai tinha na herança tirar esses sessenta mil, porque era para pagar à HH a parte que ela pediu para vender a parte dela, para se afastar do processo como ela pretendia.
Portanto, para mim era claro, não é, se havia aquele dinheiro, os sessenta mil euros seriam para pagar à HH, constava desses documentos, que quer uns quer outros fizemos” (17:07 a 18:09) - Dr. OO – “Alguma vez lhe foi dito que, que… alguma vez teve conhecimento, a não ser no processo, de que esse dinheiro… de que o seu irmão e a sua irmã tinham comprado os sessenta mil euros?” (18:11 a 18:25) - Depoente – “Não e é isso que me… vamos lá ver, a razão porque estou aqui é exatamente isso que me deixa indignada, porque é assim, se é feito um acordo, somos irmãos, falamos sobre o assunto, até a minha madrasta que inicialmente, que eu até acharia normal, porque eu conhecia o meu pai e sabia como é que viviam e o que é que tinham acordado, mas a minha madrasta até inicialmente disse que não queria nada da herança, mas depois pediu algo para si, chegou-se a um entendimento, eu confiei no cabeça-de-casal, que era cabeça-de-casal porque eu também concordei que fosse cabeça-de-casal, ele foi a uma reunião só com ela e acordou os sessenta mil euros, tenho um mail “o sinal está dado” e nunca ninguém me telefonou, nunca ninguém me mandou um mail, nunca ninguém me disse “olha, minha amiga, não vais entrar no acordo, mudamos de ideias e vamos comprar a parte da HH, mas só nós os dois”… nada. Eu fui surpreendida no decurso do processo com essa realidade. E isso é que me deixa indignada. E sinto-me defraudada, porque era uma coisa que estava combinada, havia um acordo feito, não estava concretizado ainda, mas estava feito” (18:26 a 19:34).
44 - Referiu ainda que a única coisa que não estava definido era partilha entre os três irmãos por causa dos bens móveis que estão essencialmente em Gaia, no apartamento do Pai onde ele vivia em Gaia. Mas tal nunca teve a ver com a aquisição da parte da HH pela herança - Dr. JJ – “Ó senhora doutora, continua… mas, fiquei com uma certeza… a senhora doutora… ó senhora doutora, está aqui demonstrado que efetivamente havia uma minuta de partilha, não houve acordo da parte da senhora doutora porque essa minuta de partilha, em que a HH recebia os tais sessenta mil euros, como estava, como estava pensado, fosse assinado, e como tal requereu inventário, senhora doutora, é isto” (25:44 a 26:03) - Depoente – “Olhe, sinceramente, até lhe digo, desculpe lá a interrupção, mas, a partir que o meu pai morreu, eu nem sabia, eu não sabia a opinião das partes, porque foi mandada minuta exclusivamente para mim, para eu ver, não é, agora, para obviamente (impercetível) a HH, eu aceitei, achava… não, não sabia… agora, eu continuo a responder à sua pergunta da mesma forma, o processo de inventário decorreu de não haver acordo entre os irmãos na partilha dos bens, não teve a ver com o pagamento à HH dos sessenta mil euros, esse estava decidido desde 2020, logo a seguir ao meu irmão ser empossado como cabeça-de-casal e como naturalmente a esposa, logo no momento, querendo respeitar a memória do meu pai, disse que não queria nada e depois já queria, nós dissemos, acordando, concordamos com a proposta dela dos sessenta mil euros e havendo acordo entre as partes era uma questão de formalizar, (impercetível) era uma coisa normal, um contrato, para mim” (26:03 a 27:07).
45 - Mais referiu, aliás, intentou o processo de inventário porque estava sempre a ser pressionada (pelo cabeça de casal e pela irmã CC) que se não assinasse o acordo de partilha entre os irmãos iriam para a via judicial - Depoente – “(…) porque para mim a HH, formalmente estava no processo, porque ainda é herdeira, na realidade, enquanto o processo decorresse ia-se concretizar a compra à HH da parte dela e ela ia” (27:50 a 28:03) - Juíza – “Mas, ao ser citada, ao metê-la, ao meter-lhe um aqui processo no tribunal, ao identificar que essa senhora HH seria também interessada, não é, ela iria entrar na partilha, não é?” (28:03 a 28:15) - Depoente – “Não nesse… suponho eu que, não necessariamente. Porque é assim, ela foi adiantada como interessada, porque ela à data de entrada do processo, ela é efetivamente herdeira, não obstante, ela, haver esse acordo com ela, nós tínhamos consciência que a certa altura o acordo se iria concretizar, até já estava dado o sinal seguidamente a doutora HH seria retirada, como era a sua vontade, do processo, porque deixava de ser herdeira” (28:16 a 28:49) - Juíza – “Ó senhor PP” (impercetível) (28:56 a 29:01) - Depoente – “Ah, e desculpe, doutora, fez-me uma pergunta que eu ainda não concluí a resposta, peço desculpa. A doutora perguntou-me se eu dei conhecimento às partes” (28:59 a 29:07) - Juíza – “Sim” (29:07) - Depoente – “Certo. Eu vou-lhe, desculpe que eu” (29:08 a 29:10) - Juíza – “Disse que não, pronto” (29:09 a 29:10) - Depoente – “Eu disse que não, mas deixe-me só justificar ou explicar, esclarecer. Eu não dei conhecimento às partes por duas, por dois motivos: as partes… as partes, as partes por várias vezes, mostraram interesse, e até redigiram a última, das últimas comunicações que trocamos, as partes disseram que se não fosse assinada aquela minuta, naqueles termos que quereriam resolver isso pela via judicial, portanto” (29:11 a 29:40) - Juíza – “Está a falar de partes, de quem? Dos seus irmãos ou” (29:40 a 29:44) - Depoente – “Estou a falar dos meus irmãos, porque a HH, naturalmente, a situação dela se resolvia, entretanto, mas as partes, o meu irmão, cabeça-de-casal, e a minha irmã herdeira, manifestaram, por escrito, se aquele acordo não fosse assinado, então, iriamos para a via judicial. Aliás, foi uma constante durante o processo todo, durante… desde que o meu pai faleceu, dizer, ou se assina assim ou vamos para a via judicial, ou se assina assado ou vamos para a via judicial. Eu não tenho por hábito anunciar o que vou fazer, quando acho realmente que tem que ser feito, faço, ainda para mais em conformidade com o que supostamente eles também queriam, correto” (29:44 a 30:23).
46 - As testemunhas ouvidas em sessão de julgamento, apesar de serem familiares das partes em litígio, mostraram ter conhecimento dos factos em crise nos autos e prestaram depoimento de forma isenta e credível.
47 - Tal como as declarações de parte da FF, foram credíveis e relataram de forma escorreita e coerente a forma como tudo se passou.
48 - Acresce, além disso, que os requerentes, AA e CC, apesar de negarem os factos alegados pela requerida, não produziram qualquer prova ou requereram a audição de qualquer testemunha que contrariasse a veracidade dos factos narrados pela requerida. Dessa forma os depoimentos prestados em sede de audiência e julgamento não foram contraditados na sua veracidade por qualquer prova produzida em contrário.
49 - Depoimentos das testemunhas e declarações de parte que são corroborados pelos documentos (n.º 1 a 8) juntos com a contestação – e-mails que se encontram junto aos autos.
50 - E-mail, de 10 de Março de 2020 – enviado por FF para AA sob assunto – Contas Património Pai – Proposta HH – logo após a morte de EE.
Neste e-mail a requerida FF informa o Cabeça de casal, AA, sobre o valor que deve, na sua opinião, ser proposto à HH, dado a mesma ter manifestado vontade de receber alguma coisa da herança, apesar de não pretender estar envolvida nas partilhas – Sendo que ficou combinado após reunião do cabeça de casal com a HH que a venda da parte da HH se faria por € 60.000,00, acompanhada de declaração relativamente a um apartamento de Matosinhos que teria sido vendido por EE, ainda em vida – cerca de 1 ano antes de falecer - tal como foi referido pela requerida, FF, nas suas declarações de parte e pelas testemunhas GG, KK, MM e NN.
51 - E-mail de 31 de Julho de 2020 – enviado por DD (marido da requerente CC) para FF, AA e CC – refere-se ao envio de minuta da declaração exigida pela HH, como fez saber pelo seu advogado, que deveria acompanhar o recebimento dos € 60.000,00 – DD envia minuta de declaração supra referida, para conhecimento e aprovação dos 3 irmãos, antes de ser enviada para o advogado da HH - tal como foi referido pela requerida, FF, nas suas declarações de parte e pelas testemunhas GG, KK, MM e NN.
52 - E-mail de 13 de Setembro de 2020 – enviado por DD para AA e reencaminhado por AA para a FF – sob assunto Documentos Partilha – Continua presente a intenção da herança (os 3 irmãos herdeiros) pagar € 60.000,00 à HH e ainda de lhe entregar o documento (declaração) por ela solicitado relativamente ao apartamento de Matosinhos.
De notar - ser a única diferença – que a aquisição da parte da HH não se faça por compra e venda de quinhão hereditário, e seja apresentada minuta de partilha de herança no valor de € 240.000,00 (que não constitui o valor total da herança deixada por EE) – deixando de fora parte da herança – de forma a conformar que 1/4 da herança seja exactamente os € 60.000,00 pedidos pela HH pela sua parte - tal como foi referido pela requerida, FF, nas suas declarações de parte e pelas testemunhas GG, KK, MM e NN.
53 - E-mail’s de 7 e 8 de Outubro de 2020 – trocados por FF e o LL do Cartório Notarial II – sob assunto alienação onerosa de quinhão hereditário – os quais são dados a conhecer ao cabeça de casal, AA – e no quais é solicitada informação ao cartório, no sentido de saber qual a forma legal de adquirir a parte da HH na herança (contrato, com ou sem escritura pública), e ainda solicita informação sobre o preço a cobrar pelo cartório para tratar de tal aquisição e quais os impostos que incidem sobre tal transação. Por fim, regista-se o agradecimento da requerida, FF, ao cartório (na Pessoa da Dra. LL) pela informação prestada, informando que terá de transmitir a informação obtida junto do cartório aos dois irmãos (AA e CC) para decisão conjunta – tal como - tal como foi referido pela requerida, FF, nas suas declarações de parte e pelas testemunhas GG, KK, LL, MM e NN.
54 - E-mail de 13 de Dezembro de 2020 – enviado por AA, cabeça de casal, para DD, marido da herdeira CC – sob assunto Dados em falta para Partilhas e Outros – de notar neste e-mail que se reporta a fazer as contas ao dinheiro da herança (deixado pelo EE) e distribuição pelos herdeiros, é referido pelo AA que € 60.000,00 são para a HH (confirmando, se dúvidas subsistissem, que era a herança a adquirir a parte da HH) – tal como foi referido pela requerida, FF, nas suas declarações de parte e pelas testemunhas GG, KK, MM e NN.
55 - E-mail de 14 de Dezembro de 2020 – enviado por DD, marido da herdeira CC para AA, cabeça de casal, e depois por este reencaminhado para FF, aqui requerida – sob assunto Dados em falta para Partilhas e Outros – De notar - entre outras informações pertinentes e com interesse para o incidente de reclamação da relação de bens e sonegação de bens deduzido pela aqui requerida, uma vez que o cabeça de casal e a herdeira CC negam à herança a existência do apartamento de Gaia e seu recheio (habitação de e onde viveu sempre o EE) – sobre a matéria em crise nos presentes autos a confirmação expressa de a HH receber € 60.000,00 da herança – “ A escritura de partilha deverá ser paga 1/3 por cada um dos irmãos, como combinado (na perspectiva da sujeita não pagar nada e receber os 60000€ líquidos).”, “Agradeço que compreendas que para além dos 60000€ para a sujeita, existe dinheiro para pagar todas as despesas…” – tal como foi referido pela requerida, FF, nas suas declarações de parte e pelas testemunhas GG, KK, MM e NN.
56 - E-mail de 15 de Abril de 2021 – enviado por AA, cabeça de casal, para a Dra. LL do Cartório Notarial II – sob assunto Documentos da Partilha – e no qual se refere que a partilha incide, apenas sobre os bens imóveis, num total de € 240.000,00, por forma a que dividido por 4 herdeiros dê os € 60.000, a cada um dos herdeiros. Isto é, foi a forma encontrada para ajustar o pagamento dos € 60.000,00 à HH.
Neste e-mail refere, ainda, o cabeça de casal “Também lhe envio o documento referente ao apartamento de Matosinhos que a minha madrasta faz questão de receber conjuntamente com os 60.000€ para se colocar fora de qualquer situação de partilhas; este documento já foi revisto pelo advogado da mesma mas agradecia que também verifica-se se está na conformidade.” ) – tal como foi referido pela requerida, FF, nas suas declarações de parte e pelas testemunhas GG, KK, MM e NN.
57 - E-mail de 30 de Abril de 2021 – enviado por AA, cabeça de casal, para a, aqui requerida, FF – no qual o cabeça de casal refere que o acordo com a HH se mantém, não se encontra em discussão.
Apenas falam sobre a partilha de outros bens, designadamente o recheio do apartamento do Pai, EE. Pois, conforme já referido a partilha incide, apenas sobre os bens imóveis, num total de € 240.000,00, por forma a que dividido por 4 herdeiros dê os € 60.000, a cada um dos herdeiros. Isto é, foi a forma encontrada para ajustar o pagamento dos € 60.000,00 à HH – conforme expressamente refere “Tenho tratado de tudo para o bem de todos e salvaguardando o que foi acordado mas as coisas têm limites”. “A HH já me perguntou para quando seria a assinatura de Partilhas e o sinal está dado.” Isto é, referindo-se ao acordo de partilha, o cabeça de casal que tinha a incumbência de gerir a herança e que refere que tem tratado de tudo afirma que havia pago sinal à HH. E, termina em tom de ameaça “Quero agendar para Maio a escritura de Partilhas e espero que digas o que pretendes do recheio do apartamento do Pai pois uma coisa é certa, se em Maio o assunto não ficar fechado a minha atitude será diferente quanto á condução do processo.” – tal como foi referido pela requerida, FF, nas suas declarações de parte e pelas testemunhas GG, KK, MM e NN.
58 - Nessa medida deverão ser aditados à Douta Sentença nos Factos dados Provados, os seguintes factos novos:
G) Na data da entrada do requerimento de inventário, em 05.07.2021, HH, era interessada directa na partilha, apesar de já existir total entendimento entre todos os demais herdeiros AA, CC e FF, na aquisição, em partes iguais do quinhão hereditário de HH, pelo montante de € 60.000,00, tendo para o efeito, por acto do cabeça de casal, a herança pago respectivo sinal.
H) A alegada cessão de quinhão hereditária, conforme confessa o cabeça de casal, ocorreu em 29.07.2021, isto é, depois de já ter sido dado início aos presentes autos de inventário, e ainda depois do próprio cabeça de casal ter sido citado, em 13.07.2021.
I) Como já referido, imediatamente após o decesso do inventariado, por acordo inicial, manifestado por todos os interessados na partilha, foi indicado o herdeiro AA a desempenhar as funções de cabeça de casal.
J) E, também, de imediato, combinaram os herdeiros (AA, CC, FF) estabelecer contactos para negociar com a viúva HH, com vista a perceber do seu interesse e termos, na venda do seu quinhão hereditário da herança.
K) Ou até para perceber do seu eventual interesse ou não na herança, uma vez que no passado recente havia verbalizado nada querer da herança de EE.
L) Assim, e nessa qualidade o cabeça de casal foi mandatado para, em seu nome e no das demais herdeiras (CC e FF), reunir com a viúva HH (que por sua vez sempre afirmou a sua disponibilidade para reunir unicamente com o cabeça de casal).
M) Dessa reunião ficou estabelecido que, pese embora, a HH não pretendesse fazer parte da partilha, contudo, pretendia, ainda assim, receber uma quantia, ainda que não representativa da totalidade do seu quinhão.
N) Tendo ficado estabelecido entre a HH e o Cabeça de Casal que a herança pagaria € 60.000,00 pelo seu quinhão hereditário.
O) Após essa reunião o Cabeça de Casal reuniu com as demais herdeiras, CC e FF, a quem deu conhecimento da sua reunião com a viúva, HH, e da proposta da herança pagar aquela a quantia de € 60.000,00 pelo seu quinhão hereditário.
P) E nesse momento a proposta foi imediatamente aceite pelas demais herdeiras, CC e FF.
Q) Tendo ficado estabelecido, a partir dessa data, entre os três herdeiros e irmãos, AA, CC e FF, que a herdeira HH receberia a quantia de € 60.000,00, pagos pela herança, pelo seu quinhão hereditário.
R) De tal forma que o cabeça de casal afirmou em comunicação enviada (e-mail datado de 30 de Abril de 2021) à aqui requerida, que “o sinal está dado”, pressupondo que a herança já havia pago o sinal à, aqui cedente, HH.
S) E, desde essa altura, e sem que alguma vez a aqui oponente, FF, alguma vez e por quem quer que seja, tenha sido informada de qualquer alteração da vontade estabelecida de aquisição por parte dos três herdeiros (FF, AA e CC), em partes iguais, do quinhão hereditário da HH.
T) Na verdade, toda esta situação encontra-se devidamente plasmada e comprovada, nas trocas de e-mail’s (doc. n.ºs 1 a 8 - que se encontram junto aos autos) entre AA, FF e CC.
U) Destarte, somente com o articulado e junção do alegado documento apresentado pelo Cabeça de casal, a aqui requerida/herdeira, tomou conhecimento da alegada cessão de quinhão hereditário e dos seus termos.
V) Com efeito, a alegada transmissão de quinhão hereditário, ocorrida em Julho de 2021, tratou-se de acto retaliação pelo facto da requerida ter dado entrada de requerimento inicial de processo de inventário (05.07.2021), transmissão executada com o claro intuito de prejudicar a aqui requerida na partilha.
W) Em que cedente e cessionários, em conluio, e nas costas da requerida, “deram o dito por não dito”, ou mais apropriadamente, os cessionários se assenhorarem em conjunto, pelo menos, de 75% da herança do inventariado (pai da requerida), com o malicioso propósito de impedirem a requerida de, no futuro, vir a adquirir qualquer dos bens imóveis que constituem a herança.
X) Ora, atentos os factos relatados não poderá deixar de ser emitido, dirigido e imputado um forte juízo de censura ao comportamento e conduta, tanto do cabeça de casal como da herdeira/interessada CC, nesse processo.
Y) Com efeito, é resplandecente e notória a má fé, do cabeça de casal AA e da interessada CC, resultando claro qua as suas actuações e condutas foram enganosas, que se titulam de dolosas, violam frontalmente, os mais elementares e mínimos limites impostos pela boa fé ao exercício de todo e qualquer direito.
Z) Configurando a actuação e conduta do interessado AA, que se encontrava empossado na qualidade de Cabeça de Casal, um agravante exercício abusivo das suas funções, excedendo os limites das regras da boa fé, dos bons costumes, exigíveis dum cabeça de casal
AA) Situação que objectivamente a Lei proíbe, conforme o preceituado no artigo 334.º do Código Civil, e deverá em consequência ser sancionado, com a declaração da nulidade da cessão de quinhão hereditário, nulidade que desde já se invoca, nos termos e efeitos do artigo 280.º do Código Civil.
E, ainda deverão ser revogadas as alíneas C) e F) dos factos dados por provados.
Sem prescindir,
59 - Dos factos vindos de relatar, é, salvo melhor entendimento, manifesto e clamoroso que os requerentes, cabeça de casal, AA e sua irmã CC, actuaram em conluio e concertadamente para prejudicar a sua outra irmã e herdeira, FF, requerida, nos presentes autos, excederam os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito.
60 - Com efeito, desde inícios de 2020, logo após a morte de EE, ficou combinado entre os herdeiros (AA, CC e FF) que através da herança, todos comprariam a parte da viúva HH.
61 - Feita a descrição cronológica dos factos ocorridos, e independentemente da forma jurídica que a aquisição da parte da herança da HH viesse a assumir, seja na forma aquisição de quinhão hereditário ou de partilha, constata-se que em nenhum momento os filhos de EE disseram ou manifestaram, seja individualmente ou em conjunto, que não concordavam com a aquisição da parte da viúva na herança, pela própria herança, isto é pelos três.
62 - Foram os requerentes, AA, cabeça de casal, e CC, que à revelia do combinado e em acto retaliação pelo facto da requerida ter dado entrada de requerimento inicial de processo de inventário (05.07.2021), em conluio, e nas costas da requerida, FF “deram o dito por não dito”, ou mais apropriadamente, se assenhoraram em conjunto, pelo menos, de 75% da herança de EE, inventariado e Pai de todos os herdeiros.
63 - A ilegitimidade do abuso do direito tem a consequência de todo o acto ilegítimo, pelo que deverá o presente incidente de Habilitação ser declarado totalmente improcedente, e em consequência, não ser admitida a cessão de quinhão hereditário apresentada pelo cabeça de casal e ainda declarada a nulidade da cessão de quinhão hereditário, nos termos dos artigos 280.º e 294.º do Código Civil.
Ainda sem prescindir,
A Transmissão em crise, visou tornar mais difícil a posição da Requerida na causa principal
64 - A Apelante, por economia processual, dá por integralmente por reproduzindo todo o acima exposto e os documentos juntos aos presentes autos.
65 - A alegada transmissão de quinhão hereditário, ocorrida em Julho de 2021, tratou-se de acto retaliação pelo facto da requerida ter dado entrada de requerimento inicial de processo de inventário (05.07.2021), transmissão executada com o claro intuito de prejudicar a aqui requerida na partilha.
66 - Em que cedente e cessionários, em conluio, e nas costas da requerida, “deram o dito por não dito”, ou mais apropriadamente, os cessionários se assenhorarem em conjunto, pelo menos, de 75% da herança do inventariado (pai da requerida), com o malicioso propósito de impedirem a requerida de, no futuro, vir a adquirir qualquer dos bens imóveis que constituem a herança.
67 - A expectativa da requerida deter uma posição igual à dos seus irmãos e assim poder, no futuro, licitar em pé de igualdade com eles vê-se frustrada e prejudicada com a alegada transmissão.
68 - Destarte, ainda, em conclusão de todos estes factos vindos de relatar, inelutavelmente denunciadores da má fé do Cabeça de Casal, da cessionária, CC, assim como da cedente, HH, que a alegada transmissão visou, também, tornar mais difícil a posição da requerida na causa principal.
69 – Face ao exposto violou, a Douta Decisão em análise, nomeadamente os artigos: 334.º, 280.º e 294.º do Código Civil, e artigos 356.º, 607.º, 615.º do Código de Processo Civil.”.
Conclui, pedindo a revogação da decisão da 1ª Instância, que deverá ser substituída por outra que acolha os argumentos que apresenta.

A recorrida CC, apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.
Também o recorrido AA contra-alegou, concluindo, do mesmo modo, pela improcedência do recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO
1. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões a apreciar:
- Se ocorre erro de julgamento, por errada apreciação das provas, e consequente deve ser alterada a decisão da matéria de facto, nomeadamente, aditando os factos discriminados pela apelante e retirando da matéria de facto provada outros que também identifica;
- Decidir se em conformidade, face à alteração, ou não, da matéria de facto e subsunção dos factos ao direito, deve ser alterada a decisão, no sentido de considerar nula a cessão do quinhão hereditário a favor dos recorridos, por abuso de direito, ou, caso assim não se entenda, que a transmissão visou tornar mais difícil a posição da recorrente na causa principal.
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2. Sentença recorrida
2.1. O Tribunal de 1ª Instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
A) O de cuius EE faleceu no dia 10 de Dezembro de 2019 – cfr. doc. nº 1 (artigo 1.º da petição inicial).
B) Sucederam-lhe, como herdeiros: - o requerente AA; a requerente CC; a requerida FF e a requerida HH (cfr. doc. nº 2) (artigo 2.º da petição inicial).
C) Por escritura pública de “Cessão de Quinhão Hereditário”, celebrada no dia 29 de julho de 2021, os requerentes adquiriram à requerida HH o quinhão hereditário desta na herança do pai, em partes iguais – cfr. doc. nº 3 (artigo 3.º da petição inicial).
D) A requerida mediante requerimento inicial (Refª 39370755) datado de 05.07.2021, requereu que se procedesse a inventário facultativo para partilha da herança aberta por falecimento de seu Pais, EE (v. artigo 1.º da contestação).
E) Imediatamente após o decesso do inventariado, por acordo inicial, manifestado por todos os interessados na partilha, foi indicado o herdeiro AA a desempenhar as funções de cabeça de casal, com residência habitual na Rua ..., .../..., ... ..., Gondomar – art. 2084.º do Código Civil – Cfr. Habilitação de Herdeiros (artigo 6.º da contestação).
F) Citado o Cabeça de Casal (no Processo Principal) veio dizer: “ … No que respeita à al. c) do art.º 1097 do CPC, impõe-se corrigir a indicação feita pela interessada no requerimento inicial, uma vez que a interessada HH procedeu à venda, em partes iguais, do seu quinhão hereditário ao cabeça de Casal/Interessado e à Interessada CC, por escritura pública de “Cessão de Quinhão Hereditário” celebrada no Cartório Notarial QQ, no dia 29 de Julho de 2021 – Cr. Doc. n.º 1. …” (artigo 7.º da contestação).

2.2. E deu como não provados os factos seguintes:
1.º- Na data da entrada do requerimento de inventário, em 05.07.2021, (…) já existir total entendimento entre todos os demais herdeiros AA, CC e FF, na aquisição, em partes iguais do quinhão hereditário de HH, pelo montante de € 60.000,00, tendo para o efeito, por ato do cabeça de casal, a herança pago o respetivo sinal (artigo 8.º da contestação).
2.º- E, também, de imediato, combinaram os herdeiros (AA, CC, FF) estabelecer contactos para negociar com a viúva HH, com vista a perceber do seu interesse e termos, na venda do seu quinhão hereditário da herança (artigo 11.º da contestação).
3.º- Ou até para perceber do seu eventual interesse ou não na herança, uma vez que no passado recente havia verbalizado nada querer da herança de EE (artigo 12.º da contestação).
4.º- Assim, e nessa qualidade o cabeça de casal foi mandatado para, em seu nome e no das demais herdeiras (CC e FF), reunir com a viúva HH (que por sua vez sempre afirmou a sua disponibilidade para reunir unicamente com o cabeça de casal) (artigo 13.º da contestação).
5.º- Dessa reunião ficou estabelecido que, pese embora, a HH não pretendesse fazer parte da partilha, contudo, pretendia, ainda assim, receber uma quantia, ainda que não representativa da totalidade do seu quinhão (artigo 14.º da contestação).
6.º- Tendo ficado estabelecido entre a HH e o Cabeça de Casal que a herança pagaria € 60.000,00 pelo seu quinhão hereditário (artigo 15.º da contestação).
7.º- Após essa reunião o Cabeça de Casal reuniu com as demais herdeiras, CC e FF, a quem deu conhecimento da sua reunião com a viúva, HH, e da proposta da herança pagar aquela a quantia de € 60.000,00 pelo seu quinhão hereditário (artigo 16.º da contestação).
8.º- E nesse momento a proposta foi imediatamente aceite pelas demais herdeiras, CC e FF (artigo 17.º da contestação).
9.º- Tendo ficado estabelecido, a partir dessa data, entre os três herdeiros e irmãos, AA, CC e FF, que a herdeira HH receberia a quantia de € 60.000,00, pagos pela herança, pelo seu quinhão hereditário (artigo 18.º da contestação).
10.º- De tal forma que o cabeça de casal afirmou em comunicação enviada (e-mail datado de 30 de abril de 2021) à aqui requerida, que “o sinal está dado”, pressupondo que a herança já havia pago o sinal à, aqui cedente, HH (artigo 19.º da contestação).
11.º- E, desde essa altura, e sem que alguma vez a aqui oponente, FF, alguma vez e por quem quer que seja, tenha sido informada de qualquer alteração da vontade estabelecida de aquisição por parte dos três herdeiros (FF, AA e CC), em partes iguais, do quinhão hereditário da HH (artigo 20.º da contestação).
12.º- Com efeito, a alegada transmissão de quinhão hereditário, ocorrida em julho de 2021, tratou-se de ato retaliação pelo facto da requerida ter dado entrada de requerimento inicial de processo de inventário (05.07.2021), transmissão executada com o claro intuito de prejudicar a aqui requerida na partilha (artigo 29.º da contestação).
13.º- Em que cedente e cessionários, em conluio, e nas costas da requerida, “deram o dito por não dito”, ou mais apropriadamente, os cessionários se assenhorarem em conjunto, pelo menos, de 75% da herança do inventariado (pai da requerida), com o malicioso propósito de impedirem a requerida de, no futuro, vir a adquirir qualquer dos bens imóveis que constituem a herança (artigo 30.º da contestação).
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2.3. E motivou a decisão de facto, nos seguintes termos:
O tribunal fundou a sua convicção no teor dos documentos juntos aos autos, bem como na prova produzida em audiência, analisada criticamente de acordo com as regras da experiência comum.
GG, disse ser casado com a requerida FF; os demais interessados/requerentes são seus cunhados. Referiu que após o falecimento do de cuius os filhos chegaram a um acordo com a viúva tendo em vista a cessão do quinhão desta por 60 mil euros; no verão de 2020, mantiveram essa intenção. Até já tinham uma espécie de projeto de partilha dos bens entre os três, ficando a HH com 60 mil euros.
Confrontado com o email de 30-04-2021, referiu que o cabeça de casal foi o único que negociou com a HH; estava mandatado; nunca informou a requerida/contestante de qualquer alteração do acordo.
Negou que existisse um acordo de partilha global. Quanto ao teor do email de 8 de outubro (página 21de 24) disse que não lhe interessa a forma, mas a substância.
A sua cônjuge requereu inventário, porque as negociações não tiveram êxito, mas as negociações quanto à partilha dos bens.
KK, disse ser filha da requerente do inventário. O que sabe é por ouvir conversas em casa; ouvia os pais a falar; Sabe que havia uma minuta da partilha, com o acordo, os outros herdeiros faziam pressão para os pais assinarem; metia apartamentos, terras, etc, mas nunca viu a minuta. Não sabe quem requereu o inventário; nem quando. Não sabe se as negociações ocorreram antes ou depois do inventário ter sido requerido. Não assistiu a negociações.
LL, disse ser colaboradora no cartório notarial da Dr.ª II, desde 2010; inicialmente, em inícios de 2020, havia até a possibilidade de a viúva repudiar a herança; mas, não houve repúdio, e fez-se a habilitação de herdeiros; também se falou na possibilidade de haver cessão de quinhão hereditário, o que explicou aos herdeiros; mas tal não se concretizou, não se recordando o porquê. Nunca chegaram a falar consigo dos pormenores da cessão; aparentemente havia um acordo entre os 3; abordou o impacto fiscal e diligências que antecedem, declaração de imposto de selo, avaliação do quinhão, etc. Após este contacto, houve um hiato de tempo; e, posteriormente, foi contactada pelo Dr. AA que disse que o acordo de partilha estava a ser esboçado noutro cartório, mas como estava atrasado, iam voltar ao cartório onde a depoente trabalhava, o que devia fazer em cima das minutas do outro cartório; então fez-se uma partilha por óbito e uma partilha por divórcio do 1.º casamento do inventariado; nesse acordo de partilha, figuravam os 60 mil euros, ou seja, as tornas a receber pela viúva; o negócio já veio “montado” de outro cartório; estava apontada uma data para celebração da partilha, para o verão, de 2021; apercebeu-se que havia questões a serem suscitadas pela Dr.ª FF; depois só comunicaram que a escritura não ia ser celebrada.
MM, disse que os interessados são seus “meios” irmãos; sabia que o AA era o cabeça de casal; os irmãos iam comprar a parte da dr.ª HH; primeiro a viúva, decidiu que não queria receber nada; depois já queria uma parte, em dinheiro; a ideia era comprarem a posição da viúva e dividam a herança entre os 3; diz que viu os emails; a dita partilha não chegou a bom termo; não sabe como a viúva ia receber os 60 mil euros. Acabou por referir que as posições dos intervenientes sofreram uma evolução.
NN, disse ser cunhada da interessada FF, CC e AA, e ser casada com a testemunha MM. Refere que foi ouvindo conversas; inicialmente a interessada HH não ia entrar na partilha; depois quis uma compensação; então acordaram com a HH, que lhe iam dar 60 mil euros; apresentou um depoimento vago; refere que viu emails, e que foi o que apreendeu dos emails; soube que houve reuniões entre os irmãos, mas não esteve presente em reuniões formais entre os irmãos.
A requerida contestante prestou declarações de parte. Referiu que havia um compromisso que foi quebrado; o acordo de partilhas não foi concretizado. Os demais interessados queriam fazer um acordo global; mas a declarante não concordava com alguns aspetos desse acordo global; analisou a minuta da partilha global; a minuta teve sucessivas alterações e passou por 2 notários; a declarante achava que devia haver dois passos; um com a HH; e outro da partilha; os interessados queriam fazer tudo num; não concordou com a partilha; quando intentou inventário, não avisou os demais interessados; nem avisou a HH. A situação com a HH já estava resolvida.
Os factos vertidos nas alíneas A) a F) encontram-se provados por documentos juntos aos autos (apenso e autos principais) e supra indicados.
Os factos não provados decorreram da ausência de prova ou suficiente nesse sentido.
O que parece decorrer do teor dos emails juntos em sede de contestação e se mostrou reforçado com o depoimento de LL, é que – em fase anterior ao processo de inventário - foi colocada previamente a hipótese de a interessada HH alienar a sua quota hereditária (v. email de FF ao Cartório Notarial, outubro de 2020), mas posteriormente pretenderiam outorgar escritura de partilha, da qual faria parte ainda a interessada HH (v. email de dezembro de 2020; abril de 2021). O depoimento de LL é de especial interesse não só porque não tem qualquer relação familiar ou de amizade com os interessados, como também teve conhecimento tem conhecimentos jurídicos que as demais testemunhas não possuíam, bem como teve acesso às alegadas minutas propostas.
Assim sendo, considero que a prova produzida, conduz globalmente ao contrário do que é afirmado no ponto 1.º dos factos não provados.
Considero, ainda, não ter sido produzida prova suficiente e isenta sobre os exatos contornos da abordagem feita inicialmente à interessada HH, bem como ao que foi concretamente combinado entre os herdeiros para essa abordagem (pontos 2.º, 3.º e 4.º dos factos não provados), sobre o conteúdo de uma alegada reunião com HH e subsequente reunião do cabeça de casal com os herdeiros (pontos 5.º a 9.º dos factos não provados). Na verdade, à exceção de LL as pessoas não podem deixar de ter interesse no desfecho deste incidente (GG; KK, declarações de parte) ou não tinham conhecimento direto dos factos (MM e NN calheiros).
Nenhuma prova objetiva existe que a herança tivesse pago qualquer sinal à interessada HH pela alegada cessão da quota hereditária (daí o ponto 10.º dos factos não provados); nem parece líquido que a expressão contida no email de 30-04-2021 “o sinal está dado” tenha o significado pretendido pela contestante.
O ponto 11.º dos factos não provados é, desde logo, consequência da não prova dos factos antecedentes.
Os pontos 12.º e 13.º dos factos não provados decorreram da ausência de prova suficiente a esse respeito e ao já supra explicitado. Quanto à 2.ª parte do ponto 13.º importa referir que no caso de a herança ser apenas partilhada pelos três interessados (filhos do de cujus), caberia, a cada um, uma quota de 33%. Dois dos interessados sempre teriam em conjunto 66%. Note-se que se desconhece se dois dos interessados pretendem, se for caso disso, licitar em conjunto, o que aliás, é uma faculdade conferida por lei (artigo 1113.º, n.º 5 do Código de Processo Civil). Com a cessão agora apresentada caberia à contestante uma quota de 25% e a cada um dos outros interessados uma quota de 37,5% (os dois 75%). Estas proporções não se afiguram significativas para concluir que a requerida ficará impedida ou terá maior dificuldade do que a que tinha se não fosse a cessão, para adquirir qualquer dos bens imóveis, tanto mais que não foram alegados quaisquer outros factos concretos.
O elenco dos factos provados e não provados desconsiderou a matéria alegada de cariz conclusivo, jurídico, repetido, vago ou irrelevante para o objeto do processo, tendo-se, ainda, em conta as regras de distribuição do ónus da prova.
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3. Da impugnação da matéria de facto e erro de julgamento
Nas conclusões de recurso veio a apelante requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação a um conjunto de factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova, concluindo que devem ser aditados aos fatos provados, determinados factos que discrimina (alguns dos quais constam dos factos não provados) e que devem ser “revogados” os factos dados como provados sob as alíneas C) e F).

O art. 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que a apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto alvo de impugnação, indica a prova a reapreciar, bem como a decisão que sugere, mostrando-se, assim, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão.
Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um meio a utilizar apenas nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
No presente processo, como referido, a audiência final processou-se com gravação da prova produzida.
Segundo ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225, e a respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, face ao teor das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Cabe, ainda, referir que neste âmbito da reapreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º do Código Civil.
E é por isso que o art. 607º, nº 4 do CPC impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade provada e não provada, especificando os fundamentos que levaram à convicção quanto a toda a matéria de facto, fundamentação essencial para o Tribunal de Recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de apreciação da prova.

Posto isto, cabe analisar se assiste razão à apelante, na parte da impugnação da matéria de facto.
Como resulta das respetivas conclusões das alegações, a apelante entende que deve ser alterada a matéria de facto dada como provada, retirando do respetivo elenco os factos constantes das alíneas C) e F), devendo, por outro lado, ser aditado um conjunto de factos que discrimina.
Os factos cujo aditamento aos provados, a apelante pretende, estão relacionados com o alegado acordo entre os interessados, quanto à aquisição do quinhão hereditário da viúva, pela herança, ou pelos três irmãos, interessados na herança por óbito de seu pai, sendo certo que, apesar de a apelante não o referir, a procedência dessa pretensão, teria necessariamente que levar à alteração da matéria de facto não provada, uma vez que se trata de factos coincidentes, pelo menos, em parte.

Analisados os documentos juntos aos autos e ouvida a prova produzida e gravada, vejamos, então, se assiste razão à recorrente.
Começando pelos factos dados como provados sob as alíneas C) e F), que a apelante pretende ver retirados da matéria de facto provada, esses factos têm o seguinte teor:
C) Por escritura pública de “Cessão de Quinhão Hereditário”, celebrada no dia 29 de julho de 2021, os requerentes adquiriram à requerida HH o quinhão hereditário desta na herança do pai, em partes iguais – cfr. doc. nº 3.
F) Citado o Cabeça de Casal (no Processo Principal) veio dizer: “… No que respeita à al. c) do art.º 1097 do CPC, impõe-se corrigir a indicação feita pela interessada no requerimento inicial, uma vez que a interessada HH procedeu à venda, em partes iguais, do seu quinhão hereditário ao cabeça de Casal/Interessado e à Interessada CC, por escritura pública de “Cessão de Quinhão Hereditário” celebrada no Cartório Notarial QQ, no dia 29 de Julho de 2021 – Cr. Doc. n.º 1. …”.
Ora, face ao teor dos factos em causa e dos documentos que constam dos autos, é evidente que não assiste qualquer razão à apelante, não se compreendendo, mesmo, o fundamento desta sua pretensão.
O facto que consta da alínea C) resulta da escritura pública respetiva, documento autêntico (art. 363.º, nº 2 do CC), cuja falsidade não foi arguida, pelo que tem força probatória plena quanto aos factos que refere como praticados pela autoridade pública respetiva, bem como quanto aos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora (art. 371.º, nº 1 do CC).
Mantém-se, pois, o facto como provado.
Quanto ao facto que consta da alínea F), basta ler o requerimento respetivo junto aos autos pelo cabeça de casal, de onde expressamente resulta, por aí estar escrito, o que na alínea se refere, pelo que, sem necessidade de outras considerações, improcede a impugnação da matéria de facto, nesta parte.

No que diz respeito aos factos que a apelante pretende ver aditados à matéria fáctica provada, diremos, antes de mais, que aqueles que indica sob as alíneas H) e I), constam já das alíneas C), D) e E) dos factos dados como provados na sentença recorrida, pelo que, improcede, desde já, o requerido aditamento.
O mesmo vale para o que pretende ver aditado com as alíneas T), U), X), Y), Z), e AA), por não se tratar de matéria de facto, mas antes de conclusões e matéria de direito, que não deve constar da matéria de facto, seja provada ou não provada.

Já quanto aos factos que a apelante refere deverem ser aditados à matéria de facto provada, como alíneas G), J), K), L), M), N), O), P), Q), R), S), V) e W, trata-se precisamente da matéria de facto que consta da sentença recorrida, como não provada, sob os números 1.º a 13.º, pelo que a apelante, em vez de pedir o aditamento dos factos como provados, deveria ter antes pedido a alteração dos factos não provados para provados, uma vez que, a proceder a pretensão da apelante, sempre os factos não provados terão que deixar de existir como tal, sob pena de uma total contradição entre os factos provados e não provados.
Reapreciando, então, a decisão sobre a matéria de facto, analisada a documentação que consta dos autos e ouvida toda a prova produzida, como já referido, diremos o seguinte:
A posição da apelante baseia-se num alegado acordo sobre a aquisição do quinhão hereditário da viúva do falecido pai da apelante e dos apelados, que terá sido celebrado entre a dita viúva e o cabeça de casal, o apelado AA, mandatado para a celebração de tal acordo, em seu nome e das duas outras herdeiras, suas irmãs, acordo que terá sido alcançado, aceite por todos e quebrado pelos apelados.
Ora, em termos de prova testemunhal, resulta à evidência que o acordo a que os interessados tentaram chegar, incluía, para além da transmissão do quinhão da viúva, o acordo sobre a partilha de todos os bens da herança.
Isso resulta com grande clareza do depoimento da testemunha LL, colaboradora do Cartório Notarial, que referiu que se falou na possibilidade de cessão do quinhão hereditário, mas que não se concretizou, referindo que, depois, havia um acordo de partilha, onde constavam tornas no valor de € 60.000,00 para a viúva, mas que também tal acordo de partilha não se veio a concretizar.
Mas também os depoimentos das demais testemunhas, aliados às regras de experiência comum, permitem concluir no mesmo sentido, já que, embora tentem separar um alegado acordo quanto à cessão do quinhão da viúva, de um acordo quanto à partilha dos bens da herança, essa situação se afigura inverosímil e até a própria atitude da apelante, ao requerer o inventário e indicar a viúva como herdeira, a contraria.
O acordo que foi referido pela testemunha LL, era global, e, não se tendo realizado, sem efeito ficou também a parte relativa à cessão do quinhão hereditário da viúva.
A própria apelante, em declarações de parte, afirma que para si, estava feito o acordo de aquisição do quinhão da viúva, mas não quanto à partilha, mas não para os seus irmãos que só aceitavam a partilha total. Ou seja, não houve acordo.
E o que resulta da prova testemunhal e por declarações de parte, retira-se também da prova documental, nomeadamente dos e-mails que constam dos autos, dos quais resulta que ocorreram efetivamente negociações, incluindo atos realizados no cartório notarial, com vista a chegar a um acordo de partilha, mas que tal acordo não foi conseguido, o que é manifesto, já que foi requerido o inventário.
A decisão proferida sobre a matéria de facto e respetiva motivação, mostra-se, assim, correta e bem fundamentada, não existindo nada que imponha que a mesma seja alterada.
Improcede, deste modo, a impugnação da matéria de facto, na totalidade, mantendo-se os factos provados e não provados, tal como constam da sentença proferida.
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4. Decisão de Direito
A apelante discorda da sentença proferida em 1ª Instância, ao que parece, por entender que foi feita uma desadequada subsunção jurídica dos factos e aplicação do direito, pelo que, alterada a matéria de facto nos termos que pretende, conclui pela consequente alteração da decisão de mérito, no sentido da nulidade da cessão do quinhão hereditário em causa nos autos, com a consequente total improcedência do incidente de habilitação dos cessionários.
A posição da apelante baseia-se num alegado acordo sobre a aquisição do quinhão hereditário da viúva do falecido pai da apelante e dos apelados, que terá sido celebrado entre a dita viúva e o cabeça de casal, o apelado AA, mandatado para a celebração de tal acordo, em seu nome e das duas outras herdeiras, suas irmãs, acordo que terá sido alcançado, aceite por todos e quebrado pelos apelados.
Vejamos:
O art. 356.º do Código de Processo Civil (CPC), regula o incidente de habilitação do adquirente ou cessionário que tem como finalidade substituir o transmitente da coisa ou direito em litígio, na pendência da causa, pelo adquirente ou cessionário, a fim de com este prosseguir a causa respetiva, prevendo esse mesmo preceito, os termos em que se faz a habilitação.
Assim, no que para o caso e para a decisão do recurso interessa, junto o título da aquisição ou da cessão, é notificada a parte contrária para contestar, podendo, na contestação, impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.
Ou seja, no âmbito do incidente de habilitação do adquirente ou cessionário, apresentado o respetivo requerimento, a parte contrária é notificada para contestar, podendo na contestação impugnar a validade do ato, com qualquer fundamento de nulidade ou de anulabilidade da lei substantiva ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo, estando a contestação limitada aos factos atinentes à validade formal ou material do ato de cessão ou de transmissão, ou à circunstância de ele apenas visar dificultar a posição do contestante na causa principal (cfr., neste sentido, Ac. TRL, de 07-12-2021, processo 134/10.3TBCTX-D.L1-7, in dgsi.pt).
A apelante invoca o abuso de direito para ver considerada nula a cessão do quinhão hereditário da viúva a favor dos dois herdeiros, recorridos.
O artigo 334.º do Código Civil dispõe que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Citando o Ac. TRL, de 24-04-2008, processo 2889/2008-6, “Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.”.
E, ainda, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 25/11/99, citado na decisão recorrida, existe abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem. O abuso de direito traduz-se em manifesta violação do dever de proceder com lisura e correção, ou na violação do conjunto de regras morais aceites seja pela consciência social, seja pela finalidade social ou económica do direito.
Ou, em acórdão mais recente, de 15-06-2023, do TRL, processo 147/06.0TCSNT-B.L1, onde se diz: “I – A figura do abuso de direito tem subjacente a intenção de assegurar que na aplicação do Direito, das normas positivas, se encontre uma ideia de justiça, que deve observar-se sempre em função das concretas circunstâncias de cada caso, observadas as especificidades da vida, sem que porém se entre numa ideia de discricionariedade; a aplicação da figura do abuso de Direito deve orientar-se por um critério objetivo, pela aplicação dos princípios gerais de direito, em especial o princípio geral da boa-fé, para que o resultado ou solução a que se chega possa servir melhor esse ideal de justiça. II – O desequilíbrio no exercício do direito caracteriza-se pela desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem, sem que se ponha em causa o direito do titular. III - A questão é saber se o exercício desse direito se revela, no caso concreto, desproporcionado; desequilibrado, em termos que ofendam outros princípios e valores validamente vigentes no nosso ordenamento jurídico, observada a situação material subjacente, ponderação que se tem de fazer através da análise das concretas circunstâncias de cada caso.”.
Posto isto, quanto ao caso dos autos, face à matéria de facto provada e não provada, resulta evidente que não ocorre o alegado abuso de direito.
Como já se referiu supra, embora a apelante tente separar um alegado acordo quanto à cessão do quinhão da viúva, de um acordo quanto à partilha dos bens da herança, essa situação não se considerou ser verosímil, tendo, antes, resultado que ocorreram efetivamente negociações, incluindo atos realizados no cartório notarial, com vista a chegar a um acordo de partilha, que incluía a cessão ou transmissão do quinhão da viúva, mas tal acordo não foi conseguido, pelo que também não ocorreu a cessão do quinhão hereditário da viúva para os três irmãos.
Não tendo sido feita prova no sentido de ter havido cessão do quinhão da viúva para os três irmãos/herdeiros, e tendo a própria apelante requerido o inventário, onde a viúva, aliás, constava também como herdeira, não se vê como pode ter havido abuso de direito, quando, na pendência do inventário, e na falta de acordo, a viúva e os recorridos decidiram celebrar a cessão do quinhão hereditário da primeira para os segundos.
Concorda-se, assim, com o tribunal a quo, quando refere que no caso vertente, resulta à evidência que a factualidade apurada não preenche os pressupostos do abuso de direito, nem qualquer motivo donde decorra a invalidade da cessão.
Por sua vez, no que respeita à pretensão da recorrente, fundada no propósito de tornar mais difícil a posição da parte contrária, damos por reproduzido o que a esse propósito se diz na decisão recorrida, quando cita Alberto dos Reis, in Comentário ao C.P.C., Vol. III, p. 79/80, ou seja, “pese embora, não haja, em princípio, perigo para a parte contrária em que o adquirente tome no processo o lugar do transmitente, admite-se que em casos particulares a substituição do transmitente possa tornar a posição processual do seu adversário mais difícil e embaraçosa por ter de litigar com o adquirente em vez de litigar com o transmitente” e, ainda, “não basta demonstrar que, em consequência da substituição, se agravará a posição da parte contrária, por ter de defrontar um adversário mais forte que o adquirente; é indispensável que se apure ter a transmissão sido feita para se obter esse resultado”.
Assim, para que a habilitação de adquirente ou cessionário seja indeferida não basta a alegação e prova que, em consequência do deferimento da habilitação, o contestante do incidente de habilitação ficará, na ação principal, numa posição processual objetivamente mais gravosa que a que se verificava em relação ao cedente, antes é necessária a alegação e prova pelo contestante do incidente, que a transmissão do bem ou do crédito em litígio nessa ação foi realizada com o propósito malicioso de tornar a sua posição processual, na ação principal, mais difícil.
Também quanto a este fundamento, não se apuraram factos dos quais resulte o dito propósito malicioso, nem sequer que a posição da apelante no inventário se tornou mais difícil com a cessão, pelo que improcede a pretensão da recorrente, nada havendo a apontar à decisão recorrida, já que nenhum fundamento se provou para que a habilitação seja considerada inválida.
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III- DISPOSITIVO
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC).

Porto, 2024-03-07
Manuela Machado
Ana Luísa Loureiro
Isabel Peixoto Pereira