MAIOR ACOMPANHADO
VONTADE DO MAIOR IDOSO
RECUSA DE INTERNAMENTO NO LAR
Sumário

O fundamento primeiro do regime de maior acompanhado é o respeito pela dignidade da pessoa humana, exigindo o respeito pela sua vontade, desde que formada de modo livre e esclarecido.
A nova versão do artigo 138º do Código Civil, ao substituir a fórmula “anomalia psíquica” por “razões de saúde”, não autoriza o desrespeito de uma vontade livre e esclarecidamente formada, por um idoso que não quer ir para um lar.
Na presença de uma vontade assim formada quanto às opções de vida tomadas pelo idoso, o respeito dela exige a não formulação e aplicação de nenhum padrão de normalidade em nenhum aspecto da vida.

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
O Ministério Público intentou acção especial para acompanhamento de maior de L…, nos autos m.id., peticionando a final que seja decretado “o Acompanhamento (…), relativamente à gestão da sua pessoa e bens mediante representação geral por razões de saúde, nos termos do artigo 145º nº 2 al. b) 1º parte do Código Civil uma vez que não tem capacidade para exercer qualquer actividade que lhe diz respeito quer no âmbito da gestão da sua pessoa quer no âmbito da gestão de bens;              
- que a data de início de incapacidade seja aferida pelo perito médico competente aquando da avaliação médica nos presentes autos; e-
- dispensa de conselho de família. o seu acompanhamento e as medidas de representação geral previstas no artigo 145.º, n.º 2, alínea b) do Código Civil”.
Alegou:
“2º A beneficiária nasceu no dia 29-9-1933 (Doc 1).
3º Padece de total orientação para realização de todas as actividades da sua vida diária, higiene, alimentação e cuidados de saúde e bem assim de orientação de terceiros para a tomada de decisões a nível pessoal e patrimonial (docs 2).
4º Reside com o filho. 
5º Não consegue sair sozinha, nem comprar bens alimentares, vestuário e quaisquer outros.
6º Desloca-se com a ajuda do filho.
7º Por vezes não sabe ano em que nasceu, não conhece a sucessão dos dias meses e anos e não sabe a estação do ano em que se encontra.
8º Nem sempre sabe dizer o seu nome, ler e escrever. 
9º Não consegue efectuar cálculos aritméticos simples e não tem discernimento para usar o dinheiro. 
10º Não tem capacidade para movimentar contas bancárias (pagamentos, levantamentos e depósitos).  
11º Não consegue efectuar quaisquer tarefas. 
12º Não tem capacidade de memorizar factos novos.          
13º Encontra-se desorientada no tempo e no espaço. 
14º Todos que a conhecem sentem manifestamente as suas incapacidades por carecer de discernimento para tomar decisões que a afectem a nível pessoal e patrimonial. 
15º Encontra-se incapaz para governar a sua pessoa e bens sem o apoio permanente de outra pessoa. 
16º Não há conhecimento de que a beneficiário tenha outorgado testamento vital ou procuração para cuidados de saúde. 
17º Necessita, assim, de quem a represente e supra a sua incapacidade para reger a sua pessoa e bens.  
18º O familiar mais próximo e com conhecimento da situação vivencial é o filho com quem reside e lhe presta o apoio necessário com a ajuda do Centro de Dia da Santa Casa da Misericórdia”. 
*
A beneficiária foi citada na pessoa de defensor que lhe foi nomeado, em virtude de constar da certidão da tentativa de citação pessoal, o seguinte: “(…) em virtude de não ter sido possível encontrar a citanda na morada indicada, nem ter conseguido, obter qualquer informação sobre quem reside neste local e qual o motivo da ausência, ficando na dúvida se a mesma ali reside, (…)”.
Determinou-se a realização da perícia a que alude o artigo 899.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, cujo relatório foi junto aos autos. O tribunal procedeu à audição da beneficiária, e na mesma ocasião e na sua presença, à audição do neto T…, e num momento subsequente à audição da filha da beneficiária, mãe do neto, e do filho mais velho da beneficiária.
Foi fixado o valor da causa em €30.000,01.
Foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
Pelo exposto, improcede a presente com a consequente absolvição da beneficiária do pedido, não declarando a necessidade de aplicação de qualquer medida nos termos e para os efeitos dos artigos 138.º e seguintes do Cód. Civil”.
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Inconformado, o Ministério Público interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
“1. Por decisão proferida a 23.01.2024, a Mm.ª Juiz do tribunal a quo declarou improcedente a presente ação especial para acompanhamento de maior de L…, com a consequente absolvição da mesma do pedido, não declarando a necessidade de aplicação de qualquer medida nos termos e para os efeitos dos artigos 138.º e seguintes do Cód. Civil.
2. Ora, salvo melhor opinião, não podemos concordar e compreender tal decisão. 
3. A 10.02.2022 o Ministério Público instaurou a presente ação de acompanhamento de maior requerendo o acompanhamento de L…, tendo, para o efeito, alegado que esta, em síntese, necessitava de total orientação para todas as atividades da sua vida diária, higiene, alimentação e cuidados de saúde, bem como para a tomada de decisões pessoais e patrimonial e concluiu pela necessidade de aplicação de uma medida de acompanhamento.
3. De acordo com os elementos trazidos aos autos, em especial o exame pericial a que a beneficiária foi sujeita, assim como os documentos juntos, a audição da beneficiária e as declarações prestadas pelos seus familiares, cremos que efetivamente a beneficiária, devido à doença que padece necessita do regime de acompanhamento, por se encontrar demonstrada a impossibilidade de exercer, de forma plena, pessoal e consciente, os seus direitos e de cumprir os seus deveres. 
4. Não podendo concordar-se com o entendimento de que não se apuraram que as capacidades intelectuais e volitivas da beneficiária estejam afetadas a ponto de prejudicar o exercício dos seus direitos e cumprimento dos respetivos deveres, não existindo, por isso, qualquer vantagem para a beneficiária na decretação de qualquer medida de acompanhamento. 
5. Aliás, o exame médico a que foi sujeita a tal acompanhamento aconselha. Do relatório pericial junto resulta o parecer de que a beneficiária apresenta “alguns défices cognitivos que serão, porventura, compatíveis como o diagnóstico de Défice Cognitivo Ligeiro (CID-l02: F 06.7, OMS3, 1992)”, sendo que “devido às várias patologias de que padece a Examinanda encontra-se muito limitada do ponto de vista motor e na sua autonomia, a que acresce o facto de se ter afastado da família e viver com pouco contacto social (…)”.
7. Mais se refere que “estão descritos períodos de desorientação já no ano 2020 que se devem à instabilidade da situação de saúde, que será permanente, irreversível e progressiva, admitindo-se que a tendência seja para o agravamento, pelo que importa acautelar o futuro, até porque a Examinanda apresenta já uma idade avançada (i.e., 89 anos)”.
8. Diz-se ainda que L… “do ponto de vista patrimonial, face à extensão da situação de saúde e à fraca reserva cognitiva, bem como pelo facto de não ser responsável pela gestão dos seus bens há vários anos (…) não apresenta condições para administrar autonomamente a totalidade do seu património, ou sequer para levar a cabo negócio da vida corrente, tendo revelado dificuldade na identificação do valor facial e monetário do dinheiro (sobretudo moedas) e que já não tem noção do valor de bens de uso corrente.”
9. Também no que ao direito de aceitar ou recusar tratamentos medicamente propostos considera-se que “por poderem existir oscilações do seu estado e tendência ao agravamento a breve-prazo, a responsabilidade em aceitar ou recusar tratamentos médico-cirúrgicos, e em agendar consultas ou gerir medicação prescrita não lhe deverá estar totalmente confiada, beneficiando que as decisões de saúde sejam assistidas pelo Acompanhante”.
10. Assim, “é possível afirmar, relativamente ao seu comportamento, pensamento e afectividade, existirem limitações motoras e alguma deterioração cognitiva, que na prática e na actualidade, dificultam o exercício dos seus direitos e cumprimento dos seus deveres irreversivelmente (…) concluindo-se que “a Examinanda beneficia da nomeação de um Acompanhante, no caso e face à importante incapacitação com poderes de representação especial, administração total do património e eventual limitação de direitos pessoais. conforme acima elencado, abrangendo vários actos da vida em sociedade, que dela possa cuidar e com quem mantenha afectividade, ou seja, que possa garantir o exercício de direitos, cumprimento de deveres, assegurar o seu bem-estar e - dentro de certos limites -, a sua eventual recuperação.”
11. Analisando a sentença em crise vemos que são aí discriminados os factos que foram considerados provados. Todavia, não se encontra especificado, relativamente a cada facto dado como provado, em que meio de prova a Mm.ª Juiz a quo baseou a sua convicção, fazendo-o de forma genérica, com mera alusão, aos “elementos recolhidos nos autos, documentos juntos, relatório pericial de fls. 18 e seguintes, complementado a fls.62 e seguintes, bem assim ante a audição do beneficiário”.
12. Segundo preconizado no acórdão do STJ de 26-02-2019, proferido no processo n.º 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2 (in www.dgsi.pt): «I. A fundamentação da matéria de facto provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.”
13. O juiz, na fundamentação da sentença, além de declarar quais os factos que julgados provados/não provados, tem o dever de fundamentar/motivar a decisão sobre a matéria de facto provada/não provada, devendo analisar criticamente as provas, “indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art.º 607.º, n.ºs 4 do CPC)
14. O que a Mm.ª Juiz do tribunal a quo, como se viu, não fez.
15. Os factos 3, 6, 7, 8 e 12 foram errada ou deficientemente considerados como provados perante a prova produzida nos autos.  
16. Analisando atentamente a prova pericial junta aos autos não vislumbramos fundamento para se ter considerado somente provado que “a beneficiária padece de défice cognitivo ligeiro, tendo pontuado 25/30 no teste Mini Mental State Examination, compatível com ausência de defeito cognitivo” e que “encontra-se orientada em todas as referências, não se apurando alterações de percepção
17. Com efeito, segundo aquele “nas discussões e conclusões afirma-se que “de acordo com a avaliação clínico-forense realizada e consulta da documentação disponibilizada para análise, somos de parecer que a Examinanda apresentava à data da perícia alguns défices cognitivos que serão, porventura, compatíveis como o diagnóstico de Défice Cognitivo Ligeiro (CID-l02: F 06.7, OMS3, 1992)”. Que “estão descritos períodos de desorientação já no ano 2020 que se devem à instabilidade da situação de saúde, que será permanente, irreversível e progressiva, admitindo-se que a tendência seja para o agravamento, pelo que importa acautelar o futuro, até porque a Examinanda apresenta já uma idade avançada (i.e., 89 anos)”.
19. Conclui-se, pois, que “com base na observação e na parca documentação clínica a que tivemos acesso, é possível afirmar, relativamente ao seu comportamento, pensamento e afectividade, existirem limitações motoras e alguma deterioração cognitiva, que na prática e na actualidade, dificultam o exercício dos seus direitos e cumprimento dos seus deveres irreversivelmente”, sendo do parecer “que a Examinanda beneficia da nomeação de um Acompanhante, no caso e face à importante incapacitação com poderes de representação especial, administração total do património e eventual limitação de direitos pessoais (…) que dela possa cuidar e com quem mantenha afectividade, ou seja, que possa garantir o exercício de direitos, cumprimento de deveres, assegurar o seu bem-estar e - dentro de certos limites -, a sua eventual recuperação”.
20. Quanto aos factos 6, 7 e 8 dados como provados, analisando os documentos juntos aos autos vemos que a 28.04.2023 foi apresentado um email elaborado pelo neto da beneficiária, T…, onde refere que aquela “já não tem capacidade para decidir o que quer que seja, já não quer fazer hemodialise quando é vital para a sua sobrevivência, vivendo em condições desumanas nua casa suja, velha, sem qualquer tipo de condições habitacionais, vivendo com um filho, que não se encontra física e mentalmente bem”. Também a 30.11.2023, é junto um outro email elaborado pelo mesmo neto, datado de 13.11.2023, onde refere que o filho com quem a beneficiária reside (seu tio R…) tem dificultado as visitas à avó, sendo que esta o terá informado que tinham tirado grandes quantias de dinheiro da sua conta bancária, tendo constatado dos extratos transferências bancárias cerca de (20.000€), alegando a avó que foi seu tio R…, pois ela não sabe fazer transferências bancárias e por ser ele o único a ter acesso às suas contas.
21. A 29.05.2023 foi junta uma informação social, elaborada pelo Departamento de Desenvolvimento Socioeconómico da Divisão de Intervenção Social, Saúde, Emprego e Habitação da Câmara Municipal de Mafra, nas quais se dá conta, entre mais, que, o discurso da beneficiária, apesar de se apresentar coeso e orientado, demonstra dificuldade em manter a mesma linha condutora. 
22. Esta dificuldade no discurso também ficou claramente patente na audição da beneficiária aqui efetuada, a 04.12.2023, onde pese embora tenha respondido às questões que lhe foram sendo colocadas, falou de forma lenta, arrastada, por vezes pouco clara ou percetível, dispersando, denotando-se: alguma desorientação temporal; não conseguiu identificar corretamente as notas; que faz pequenas compras, como o pão, cujo preço não conseguiu mencionar por confiar nas pessoas que lho vendem; que comprou há muito tempo um casaco, mas que não se lembra quanto pagou; não conseguiu compreender se atualmente utilizava cartão bancário ou pagava as contas com este; em momento algum lhe foram feitas questões sobre cálculo matemático ou demonstrou saber realizá-lo. 
23. No exame médico a que foi sujeita ficou evidente a dificuldade no reconhecimento das notas, moedas, em realizar trocos e efetuar compras. 
24. Posto isto, perante todos os elementos que aqui foram juntos, se devidamente apreciados não se compreende de todo como se pode ter dado como provados os factos supra aludidos, concluindo-se a final não existir qualquer vantagem para a beneficiária na decretação de qualquer medida de acompanhamento.
25. Segundo acórdão proferido STJ de 17.12.2020, Proc. 5095114.7TCRLS.L1.S1, o novo regime do Código Civil relativo aos maiores acompanhados “pretende ser a realização infraconstitucional das liberdades e direitos das pessoas portadoras de deficiência com vista a encontrar soluções individualizadas, que ultrapassem a rigidez da interdição e da inabilitação, garantindo à pessoa acompanhada a sua autodeterminação, e promovendo, na medida do possível, a sua vida autónoma e independente, de acordo com o princípio da máxima preservação da capacidade do sujeito”.  
26. O decretamento de qualquer medida de acompanhamento implica o preenchimento de duas condições: “tem de haver justificação para decretar o acompanhamento do maior e uma das medidas enumeradas no Art.º 145, n.º 2 do C.C., sendo que na dúvida, não é decretada nenhuma medida de acompanhamento; - uma negativa (princípio de subsidiariedade): a medida de acompanhamento é subsidiária perante deveres gerais de cooperação e assistência, nomeadamente de âmbito familiar (Art.º 140.º, n.º 2, C.C.), não devendo o tribunal decretar essa medida se estes deveres forem suficientes para acautelar as necessidades do maior. A regra geral é de reconhecer a capacidade a pessoa humana para exercer de forma livre os seus direitos pessoais (Art.º 147.º n.º 2 do C.C.), sendo as restrições ou limitações ao seu exercício a exceção, que sempre deverá ser bem fundamentada” (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04.02.2020 proc. n.º 3974/17.9T8FNC.L1-7).
27. Cremos que no caso concreto estão verificadas estas duas condições. 
28. A beneficiária apresenta alguns défices cognitivos que são compatíveis como o diagnóstico de Défice Cognitivo Ligeiro, sendo que apesar de possuir alguma autonomia nas atividades da sua vida diária, necessita de alguma orientação e supervisão de terceiros em outras, por não as conseguir levar a cabo de forma totalmente autónoma, nomeadamente as mais complexas, como as financeiras ou relacionadas com a saúde. 
29. Quanto à necessidade ou não da aplicabilidade da medida no presente caso, prevista no n.º 2 do art.º 140.º do C.C..
Este preceito concretiza um princípio essencial consagrado no artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência- o princípio da necessidade, sendo que “na análise da necessidade, ou não, de medida de acompanhamento judicialmente decretada, deve ser ponderado com muita cautela se, ainda que se verifiquem em abstrato os deveres de cooperação e assistência, o maior é devida e efetivamente assistido, estando assegurado o seu bem estar, a sua recuperação, assim como o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres” (Margarida Paz, in Maior Acompanhado – Lei nº 49/2018, de 14 de agosto, in O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado – Centro de Estudos Judiciários – Coleção Formação Contínua, fevereiro de 2019).
30. Quanto a este devido e efetivo acompanhamento a sentença peca por pouco ou nada dizer.
31. In casu, ainda que se verifique, em abstrato, uma cooperação e assistência dos familiares, sobretudo do seu neto T…, não nos parece que a beneficiária seja cabal e efetivamente assistida por aqueles, por forma a ser assegurado o seu bem-estar ou a sua recuperação, assim como o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres.
32. Com efeito, está devidamente patenteado nos autos que o filho com quem a beneficiária reside, R…, possui problemas relacionados com o consumo excessivo de álcool, com eventuais abusos sobre dinheiro/conta bancária da beneficiária, e precária noção das necessidades básicas desta e do respetivo bem estar, permitindo que a mãe resida em casa sem quaisquer condições de higiene e habitabilidade. Veja-se a propósito e mais recentemente o teor do requerimento apresentado a 22.01.2024, pela ilustre defensora da beneficiária, onde se dá conta que esta teria sido encontrada sozinha em sua casa, após hospitalização do filho, entregue a si própria, muito abatida, com muita dificuldade em manter o equilíbrio, apresentado uma fragilidade associada à idade, doença e às patologias que lhe são diagnosticadas, concluindo-se que não pode permanecer no domicílio de forma independente e autónoma.
31. Por outro lado, pese embora o seu neto T…, tenha demonstrado a intenção e ajudar e apoiar a sua avó, aquele nas declarações que aqui prestou a 04.12.2023 assumiu que possui problemas de saúde e que não assumia a responsabilidade em fazê-lo sem que os demais filhos daquela fossem ouvidos. Estes quando o foram: filho J… declinou de todo a intenção em apoiar a sua mãe e a filha (M…), pese embora tenha assumido a intenção em ajudar, não quis assumir tal responsabilidade a longo prazo, mais referindo que a sua casa não tem condições físicas para manter a acolher.
32. Cremos, pois, que o tribunal a quo não averiguou corretamente se é necessária, adequada e proporcional a imposição de uma medida de acompanhamento, a qual, perante o dito, se justifica face ao seu estado de saúde e ao cumprimento «dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam», por parte dos seus familiares (artigo 140/2 CC), que não nos parece suficiente.
 33. Em suma, a situação clínica de L… permite concluir pela necessidade de ser imposta uma medida de acompanhamento. Porém, contrariamente ao regime anterior (que assentava em duas figuras apenas: interdição/inabilitação), neste caso, deveria o Tribunal ter definido uma medida/solução individualizada, adaptada às especificidades e necessidades da aqui beneficiária, sendo que ao absolve-la do pedido, sem motivos bastantes, em especial em face do teor do relatório de perícia médico legal, não lhe aplicando qualquer medida acompanhamento, fê-lo impedindo-a de assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação e o pleno exercício da sua capacidade de agir.
34. Pelo exposto deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar-se a decisão que absolveu L… do pedido de acompanhamento e substitui-la por outra que declare a necessidade da sua representação especial: no plano pessoal, com assistência/supervisão da acompanhante  quanto às atividades da vida pessoal quotidiana da beneficiário, sem prejuízo da sua esfera de autonomia compatível com as suas capacidades, cabendo ao acompanhante: assegurar o necessário acompanhamento médico e sendo responsável pela gestão do tratamento e da medicação de que necessite, a bem como cabendo-lhe a decisão de internamento/institucionalização em lar, unidade de cuidados continuados ou estruturas residenciais equiparadas;  e no plano patrimonial, devendo o acompanhante: assistir e orientar a acompanhada nos atos de disposição de bens, atos negociais para contrair obrigações, celebração de contratos que impliquem a concessão de crédito ou contração de dívidas (art.º 145.º/1 e 2 al. b) do C.C.); efetuar a movimentação das contas bancárias e gestão de aplicações financeiras; representá-la junto de Entidades Públicas e da Administração Pública, como sejam, Serviços de Finanças, Caixa Geral de Aposentações, Segurança Social, Serviços de Saúde, Instituições Bancárias, Entidades de fornecimento de electricidade, água, gás ou telecomunicações, CTT; proceder ao recebimento de prestações sociais a que a Beneficiária tenha direito, bem como requerer em seu nome e representação quaisquer subsídios, prestações e apoios sociais junto das entidades competentes, que possam vir a melhorar a sua qualidade de vida e contribuir para uma melhor satisfação das suas necessidades. 
35. Em face das dificuldades demonstradas pela beneficiária, sobretudo na gestão de bens, deverá ainda ser aplicada a medida de administração total dos bens (prevista no art.º 145.º/1 e 2 al. c) do Código Civil), devendo, como já dito, tal medida ser revista oficiosamente no prazo de 2 anos (art.º 155.º do C.C.).
36. No mais, nos termos do artigo 143.º, 2, c) do Código Civil, deverá ainda nomear-se acompanhante T…, neto da beneficiária, e, nos termos do artigo 900.º, n.º 2 do Código de Processo Civil nomear-se como acompanhante substituto M…, filha daquela.
37. Como medidas de apoio e tratamento à beneficiária, deverá a beneficiária manter seguimento médico regular em consultas de medicina geral e das especialidades que sejam consideradas necessárias face às múltiplas patologias de que padece, devendo manter hemodiálise. Ainda que preferencialmente e em abstrato, a inserção familiar deva ser privilegiada em termos humanos e de acompanhamento e suporte, no caso concreto, face às dificuldades que já apresenta e demonstradas nos autos, justificar-se-á a integração institucional a tempo inteiro, como local de residência, caso deixe de ser possível garantir os cuidados de que necessita no seu domicílio.
Em conformidade, propugna-se pela procedência do presente Recurso (…)”.
Respondendo, a defensora oficiosa da beneficiária apresentou:
L…, beneficiária do processo acima referido, notificada para o efeito, vem nos termos previstos no artigo 683º do CPC, acompanhar as Alegações do Ministério Publico, no Recurso de Apelação proposto, nos seus fundamentos e conclusões. 
Acrescenta que, dadas os conflitos familiares, a beneficiária não pediu ajuda aos filhos para a acompanharem ou representarem na área da saúde e da decisão sobre que instituição a apoia, sabendo, contudo, que o seu filho R… não permite que os irmãos entrem em sua casa e que este tem problemas de saúde e teve vários episódios de internamento. No entanto, para efeitos de decisões económicas apenas confia no seu neto T… e desde há muito o chama para a apoiar, visitar e conversar. 
Concluindo, aceita o acompanhamento do neto T…, nos termos do artigo 143°, 2, c) do Código Civil, o qual pode vir a necessitar do apoio da sua mãe, M…, nomear-se como acompanhante substituto”.

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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - as questões a decidir são a falta de fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e saber se deve ser decretado o acompanhamento da beneficiária nos termos requeridos.
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III. Matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância foi a seguinte:
“Face aos elementos recolhidos nos autos, documentos juntos, relatório pericial de fls. 18 e seguintes, complementado a fls. 62 e seguintes, bem assim ante a audição do beneficiário, encontra-se apurada a seguinte factualidade:
1. A beneficiária nasceu a 29 de Setembro de 1933 e é divorciada;
2. É mãe de J…, nascido a 26.09.1955 e de M…, nascida a 05.03.1965, e avó de T…, nascido a 10.11.1983;
3. A beneficiária padece de défice cognitivo ligeiro, tendo pontuado 25/30 no teste Mini Mental State Examination, compatível com ausência de defeito cognitivo;
4. Beneficia de medida de apoio social na higiene e na alimentação, manifestando reconhecer que carece deste auxílio;
5. Encontra-se orientada no espaço, no tempo e na sua pessoa;
6. Revela discurso espontâneo, lógico e coerente, mantendo diálogo de forma normal;
7. Consegue identificar notas, tendo dificuldade nas moedas, e realiza cálculo simples, apesar de ter dificuldade em fazer trocos;
8. Não tem noção do preço dos bens de consumo por não realizar a sua aquisição;
9. Tem uma noção vaga dos conceitos de empréstimo, hipoteca, fiança, procuração e de testamento;
10. É titular de conta bancária de depósitos, movimentando-a com cartão de débito;
11. Sabe nomear o presidente da república e o primeiro ministro, vota e revela interesse pela política nacional;
12. Encontra-se orientada em todas as referências, não se apurando alterações de percepção”.
*
Por interessar à decisão a tomar nos autos, aditamos oficiosamente a seguinte matéria:
O teor do primeiro relatório social realizado nos autos pelo Departamento de Desenvolvimento Socioeconómico, Divisão de Intervenção Social, Saúde, Emprego e Habitação da Câmara Municipal de Mafra[1] é o seguinte, e passamos a citar:
 “Modelo SASAI-32/3
 (…) INFORMAÇÃO SOCIAL
Processo CMM (EDOC) n.º: 20.2.1/2023/180
Nome: L… Data de Nascimento/Idade: 29/09/1933 – 89 anos Morada: Rua … Contacto(s): J… (filho) – (…)  T… (neto) – (…)
Descrição 
L…, 89 anos de idade, residente em habitação própria na Rua …, foi sinalizada aos nossos serviços no passado dia 13 de abril de 2023, pela Linha Nacional de Emergência Social (LNES). 
A munícipe, dependente de cuidados de terceiros, residia com um filho, R…, seu único cuidador, que na sequência de um internamento hospitalar deixou de conseguir prestar assistência à sua mãe, ficando a mesma desprotegida e em situação de vulnerabilidade social.
A cidadã é doente crónica, com diagnóstico de insuficiência renal, e realiza hemodiálise 3 vezes por semana, numa clínica em Loures, sendo este transporte assegurado pelos Bombeiros Voluntários da Malveira. 
No seguimento da referenciação enviada pela LNES, informa-se que foi realizada articulação com a Dr.ª MI…, Diretora Técnica do Centro Social e Paroquial … e com a Dr.ª A… do Centro de Saúde da Malveira, tendo estas entidades de acompanhamento de proximidade partilhado que iriam realizar visita domiciliária para avaliação da situação.
Após a mesma, foi realizado atendimento conjunto pela TAS J… e pela Dr.ª MI…, no dia 2 de maio, no Centro de Dia (CD) do CSP do ….
Nessa data, a munícipe passou a frequentar diariamente a resposta de CD, onde, para além de realizar as refeições e ter reforço de alimentação para o jantar, beneficia ainda de apoio na higiene pessoal e na toma da medicação.
A Dr.ª MI… informa ainda ter estabelecido contacto com a família, nomeadamente, a filha M…, o filho J… e o neto T….
A filha disponibilizou-se a acolher temporariamente a mãe, no entanto, a Sr.ª L…, por quezílias do passado, recusa perentoriamente essa possibilidade.
Deste modo, e considerando que a munícipe se encontrava a pernoitar sozinha no seu domicílio, que está localizado numa zona isolada e sem rede de suporte, foi disponibilizado o Serviço Municipal de Teleassistência, de forma a permitir que esta fique em segurança e possa solicitar apoio de forma rápida e eficiente. 
Mais se informa que foi realizada visita domiciliária conjunta com a Dr.ª MI…, na presente data, tendo sido possível constatar as precárias condições habitacionais.
No exterior da habitação verificou-se a existência de vegetação com um crescimento descontrolado, bem como lixo acumulado e monos.
Para além do referido, que por si só dificulta o acesso à habitação, o percurso pedonal é irregular e desnivelado, culminando numas escadas que conduzem ao primeiro piso da residência com degraus notoriamente destruídos.
No que diz respeito ao interior da habitação, são notórias as condições de insalubridade, nomeadamente, a falta de higienização habitacional, a acumulação de roupa suja, restos de comida putrificada, bem como inúmeros móveis de grandes dimensões e sem qualquer tipo de utilização.
Salienta-se ainda que a Sr.ª L… apresenta mobilidade condicionada, deslocando-se com o auxílio de uma bengala, o que torna a realidade habitacional uma dificuldade acrescida ao seu bem-estar.
No decorrer da visita domiciliária a técnica de acompanhamento partilhou que a munícipe irá beneficiar do serviço de higiene habitacional, do tratamento de roupas, uma vez que o filho R… se mantém hospitalizado com perspetiva de internamento de longa duração.
Irá ainda realizar articulação com a Junta de Freguesia, no sentido de avaliar a possibilidade de colaboração na limpeza do terreno da propriedade.    
Relativamente à munícipe, foi possível aferir que a mesma apresenta um discurso coeso e orientado, no espaço e no tempo, apesar de por vezes demonstrar dificuldade em manter a mesma linha condutora.
Por fim, foi colocado a possibilidade de inscrição em Estrutura Residencial Para Idosos, a qual recusa veemente, referindo que pretende permanecer no seu domicílio”. 
Consta do relatório de exame pericial psiquiátrico, realizado pela Delegação Sul do INMLCF após exame presencial e directo da beneficiária, realizado em 18.07.2023, na parte aqui relevante, o seguinte:
“1. PREÂMBULO (…)
2. ELEMENTOS EM QUE SE BASEIA O RELATÓRIO
2.1. Cópias do Processo nº 118/22.9T8MFR (…) remetido, em parte, para efeitos de consulta;
2.2 Exame Clínico com a Examinanda.
3. EXAME INDIRECTO
Compulsadas as peças dos autos (…) transcrevem-se os excertos tidos como mais pertinentes:
(…)
Da Observação no Serviço de Urgência (21/12/2020)
“… Dor abdominal, obstipação… Segundo tripulante a utente vive em condições de habitação muito precárias. Períodos de desorientação… Vigil, consciente, eupneica, colaborante e orientada… Discurso fluente, articulado e compreensível… Creatinina 3,84… Tem alta clínica e hemodinamicamente estável medicada. Explicados cuidados a ter…”. (…)
Do Atestado de Doença do Centro de Saúde (Drª … 21/09/2021):
“… Doença renal crónica estadio 5 com indicação para hemodiálise que RECUSA… insuficiência respiratória global crónica… Diabetes tipo 2 insulinotratada com nefropatia assocada, mal controlada; HTA não controlada; Cardiopatia hipertensiva… Sind. Depressivo e Ansioso; Status pós cirurgias do ovário e bócio; hipoacusia grave. Actualmente apresenta um elevado grau de dependência de terceira pessoa em todas as actividades de vida diária devido às várias patologias não controladas e à idade avançada… apresenta má adesão terapêutica e má adesão às consultas hospitalares e às consultas de vigilância nos cuidados de saúde primários. Recusa a realização de exames complementares de diagnóstico. Recusou apoio social (…)”.
4. EXAME DIRECTO
4.1 Relato dos factos que deram origem ao exame
A Examinanda revelou ter uma noção vaga sobre o objectivo da avaliação pericial, referindo que “é sobre a minha situação civil… para pedir uma protecção” (sic). Nesse sentido, a situação foi-lhe contextualizada, tendo compreendido a explicação fornecida e admito[2] que, efectivamente, necessita do apoio de terceiros no seu dia-a-dia.
A Examinanda relatou que reside “na minha casa, que fui que que a fiz… comprei o terreno e fui eu que a fiz… vivo com o meu filho, que é divorciado, e com o meu cão” (sic). Afirma ser autónoma nas actividades básicas de vida diária e que “eu lavo-me sozinha, mas peço ao meu filho para me lavar as costas… e visto-me sozinha e calço-me sozinha” (sic). Afirma também que a comida “Às vezes faço, mas vou comer ao Centro… e se estou pior levam a comida a minha casa, mas é só quando estou pior” (sic). 
As compras de bens de uso comum serão feitas “pelo meu filho, que nós estamos longe da mercearia e ele é que vai fazer as compras” (sic), referindo já ter dificuldades de mobilização. O pagamento das restantes despesas regulares também será feito pelo filho.
Tem uma noção do valor facial do dinheiro, mas já tem dificuldades com as moedas, referindo-se às mesmas como escudos ou centavos, tendo ficado patente que já não consegue fazer trocos (apesar de ainda conseguir fazer cálculo simples). Ficou também patente que já não tem noção do valor dos bens de uso corrente, afirmando que um pacote de arroz custará 10 escudos.
Relativamente a outros conceitos financeiros, respondeu que uma “Hipoteca... é pedir dinheiro emprestado… nunca fiz” (sic) e que um “Fiador… é pedir a alguém que fique fiador de quem pediu… é outra pessoa” (sic).
Relativamente a uma Procuração, respondeu que “é passar a outra pessoa sobre qualquer coisa que tenha necessidade de fazer” (sic) e que um “Testamento… é testar a um filho ou a outra pessoa qualquer, à sua morte... é nas Finanças que se trata” (sic), denotando ter um conhecimento apenas muito superficial de tais actos.
Soube informar que aufere pensão de velhice que alegadamente será no valor aproximado de 600€, sabendo que a mesma será paga por transferência bancária para conta bancária da C….
Explicou que “eu faço a vida de casa… e guardo o dinheiro e dou ao meu filho para o que for preciso gastar… vou ao Banco e com o cartão levanto e depois dou-lhe para ele fazer as compras” (sic).
Mostrou um telemóvel que trazia consigo, que sabe utilizar para fazer e receber chamadas.
Teve licença de condução, tendo deixado de conduzir “quando eu adoeci, que os filhos tiraram-me a carta… tinha uns 82 ou 83 anos… que eu guiei 6 carros e um era uma carrinha… fizeram mal, que eu ainda guiava bem... ainda hoje, se fosse preciso, eu pegava num carro e guiava” (sic).
Costuma votar e soube nomear o presidente da república e o primeiro ministro.
Estava a par da realidade social e cultural e sabia que na 1ª semana de Agosto “vem o Papa… eu vejo a televisão e gosto de saber o que se passa… e a guerra na Ucrânia, tomo atenção e gosto de saber… é sempre o canal 3 que gosto de ver para estar a par do que se passa” (sic).
Admite que já necessitada de ajuda de terceiros, uma vez que “eu tenho estado doente por causa de um rim e tenho andado a tratar-me na hemodiálise às 3as, 5as e sábados” (sic), explicando que será o filho com quem coabita que a ajuda. 
Em entrevista com o neto o mesmo esclarece que foi dado início ao presente processo “supostamente foi o Ministério Público porque a minha avó vive numa casa que não tem grandes condições e o meu tio também não tem grandes capacidades… supostamente o meu tio vive numa depressão e não faz mais nada na vida… está fechado em casa e tem problemas com o álcool… é ele que toma conta da minha avó porque ela não se dá com o resto da família… nos últimos anos ele tem vindo a degradar que foi parar ao hospital com uma cirrose e esteve internado bastantes dias… eu não tenho condições para ter a minha avó em casa e avisei a assistente social que a minha avó precisava de ser protegida… ela voltou para o Centro de Dia e gostava que ela tivesse outras condições… gostava muito que ela fosse para um Lar, mas ela não quer… ela está ciente do que faz e do que quer, apesar de já ter uns devaneios… mas a vontade dela é morrer ali naquela casa… e na altura estava sem acompanhamento nenhum … e hoje em dia já tem acompanhamento pelo Centro de Dia e está mais autónoma e mais participativa nas actividades e acho que está melhor do que estava” (sic).
À data da avaliação pericial a Examinanda era acompanhada em consultas pela medicina geral e familiar e devido à insuficiência renal, fazendo hemodiálise três vezes por semana. Estava medicada com tratamento que o neto não sabe nomear, que será o filho e o Centro de Dia a gerir.
Do ponto de vista patrimonial, o neto informa que a Examinanda trabalhou para o Exército e depois disso terá trabalhado como vendedora ambulante, pelo que auferirá pensão paga pela CGA e pensão paga pelo CNP, em valor que o mesmo desconhece, “mas que deve ser à volta de 1000 e poucos euros” (sic). Referiu ainda que “a casa estava em nome da minha avó, mas acho que há uns anos passou para o nome do meu tio” (sic). Não foi possível confirmar tais informações e/ou se a Examinanda tem outro património.
4.2 Antecedentes Pessoais.
Natural de Abrantes, desconhecem-se pormenores da fratria, da gravidez, parto e desenvolvimento psicomotor. Frequentou a escola e terá concluído o 4º ano de escolaridade, tendo adquirido competências na leitura, escrita e cálculo.
Casou em 1964 e veio a divorciar-se há várias décadas. Teve três filhos e referiu ter 6 netos, o que neto confirmou.
Do ponto de vista profissional, explicou que “fui funcionária do Estado… primeiro foi como costureira externa e depois entre e fui ajuntadeira… era para as Forças Armadas” (sic). Reformou-se com 55 anos “porque não me sentia bem, que tinham inveja de mim” (sic), sendo descrito pelo neto que depois disso trabalhou como vendedora ambulante e por esse motivo conduzia uma carrinha.
Do ponto de vista médico-cirúrgico, apura-se doença renal crónica estadio 5 em tratamento com hemodiálise, insuficiência respiratória global crónica, diabetes tipo 2 insulinotratada com nefropatia associada, HTA, cardiopatia hipertensiva, sind. Depressivo e ansioso, status pós cirurgias do ovário e do bócio e hipoacusia grave.
4.3 Antecedentes familiares
Desconhecidos.
4.4. Observação
Indivíduo do sexo feminino, leucodérmica, de estatura média, com idade aparente sobreponível à real e aspecto cuidado, limpo e algo investido. Entrou no gabinete pelo seu próprio pé, com auxílio do neto, evidenciando marcha lenta, mas revelando ter capacidade de orientação. Não se objectivaram maneirismo, estereotipias ou tremores.
Estava vigil, sendo a mímica expressiva e o contacto simpático e sintónico. A atenção era captável e o discurso era relativamente espontâneo, ainda que pausado, lógico e coerente e com frases bem formadas e dotadas de sentido. Conseguiu responder o nome completo, a data de nascimento, idade, estado civil e estava orientada no espaço e no tempo.
Não se apurou evidência de alterações de percepção. Quando[3] ao pensamento não foram apuradas ideias delirantes nem outras alterações dignas de registo.
Humor aparentemente eutímico, com afectos moldáveis. Sono e apetite aparentemente mantidos. Líbido não inquirida.
Identificou facilmente o valor facial de notas que lhe foram mostradas, mas revelou dificuldade com as moedas, referindo-se às mesmas como escudos ou centavos, e tendo ficado patente que já não consegue fazer trocos (apesar de ainda conseguir fazer cálculo simples). Ficou também patente que já não tem noção do valor dos bens de uso corrente, afirmando que um pacote de arroz custará 10 escudos. Apresenta relativo insight/juízo crítico face às dificuldades que apresenta.
4.5 Exames Complementares de Diagnóstico
Foi administrado um teste de rastreio das funções nervosas superiores – Mini Mental State Examination (MMSE) (…) em que pontuou 25/30 o que, para a sua escolaridade, é compatível com ausência de defeito cognitivo.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
De acordo com a avaliação clínico-forense realizada e consulta da documentação disponibilizada para análise, somo de parecer que a Examinanda apresentava à data da perícia alguns défices cognitivos que serão, porventura, compatíveis com o diagnóstico de Défice Cognitivo Ligeiro (CD-10 (…); F 06.7, OMS (…) 1992).
A natureza da patologia de que padece será muito provavelmente decorrente de vários factores de risco, sobretudo vasculares, e também da insuficiência renal crónica de que padece e para a qual se encontra em tratamento com hemodiálise. Devido às várias patologias de que padece a Examinanda encontra-se muito limitada do ponto de vista motor e na sua autonomia, a que acresce o facto de se ter afastado da família e viver com pouco contacto social, sendo descrito que durante muito tempo praticamente só se relacionou com o filho com quem coabita. Devido aos consumos excessivos de álcool este terá estado internado, o que levou a que restante família intercedesse junto do serviço social, passando a Examinanda a frequentar o Centro de Dia e a conviver com outras pessoas. Passou também a fazer as refeições no Centro ou as mesmas são-lhe levadas a casa quando a saúde está mais debilitada.
Assim, as actividades de vida diária avançadas e instrumentais passaram a ser asseguradas por terceiros, e nomeadamente pelo filho que consigo coabita, beneficiando de apoio para higiene e confecção das refeições, para além das questões financeiras que são asseguradas por terceiros há vários anos. Dito isto, mantém relativamente intactas as funções cognitivas, o que ficou patente no MMSE, em que obteve uma pontuação de 25/30, o que, para a escolaridade, é compatível com ausência de défice cognitivo (ou quando muito, défice cognitivo ligeiro, como admitimos acima). Dito isto, estão descritos períodos de desorientação já no ano de 2020 que se devem à instabilidade da situação de saúde, que será permanente, irreversível e progressiva, admitindo-se que a tendência seja para o agravamento, pelo que importa acautelar o futuro, até porque a Examinanda apresenta já uma idade avançada (i.e., 89 anos).
Assim, com base na observação e na parca documentação clínica a que tivemos acesso, é possível afirmar, relativamente ao seu comportamento, pensamento e afectividade, existirem limitações motoras e alguma deterioração cognitiva, que na prática e na actualidade, dificultam o exercício dos seus direitos e cumprimento dos seus deveres irreversivelmente. Neste sentido, cremos que as consequências da patologia de que padece justificam a necessidade de ser nomeado um Acompanhante, nos termos da nova redacção conferida pela lei 49/2018 de 14/08, incluindo e tendo em conta os vários actos ou categorias de actos, previstos nos artigos 145º e 147º, ambos do Código Civil.
O requerente da acção propôs a aplicação da medida de representação geral, não tendo sido proposta limitação de direitos pessoais.
Do ponto de vista patrimonial, face à extensão da situação de saúde e à fraca reserva cognitiva, bem como pelo facto de não ser responsável pela gestão dos seus bens há vários anos, consideramos que a Examinanda não apresenta condições para administrar autonomamente a totalidade do seu património, ou sequer para levar a cabo um negócio da vida corrente, tendo revelado dificuldade na identificação do valor facial e monetário do dinheiro (sobretudo moedas) e que já não tem noção do valor dos bens de uso corrente.
Do ponto de vista do exercício dos direitos pessoais, cumpre esclarecer que, em rigor, a pronúncia quanto a alguns deles excede a competência pericial, porquanto tal juízo será predominantemente valorativo. Dito isto, e apesar de não ter sido proposta limitação de direitos pessoais, do ponto de vista médico-legal cremos também justificada a limitação do direito pessoal de testar e doar. Caso o douto tribunal entenda não restringir tal direito pessoal, somos do parecer que uma alternativa será a necessidade de apresentar uma avaliação contemporânea formal da capacidade de testar – idealmente realizada por especialista com conhecimentos forenses em avaliação de capacidade negocial/testamentária – caso venha a pretender exercer tal direito. Não tendo sido alegados outros factos e não havendo limitações cognitivas de relevo, não nos pronunciamos, do ponto de vista médico-legal, quanto à limitação de outros direitos pessoais que serão livres. Ainda assim entendemos que por poderem existir oscilações do seu estado e tendência ao agravamento a breve-prazo, a responsabilidade em aceitar ou recursar tratamentos médico-cirúrgicos, e em agendar consultas ou gerir medicação prescrita não lhe deverá estar totalmente confiada, beneficiando que as decisões de saúde sejam assistidas pelo Acompanhante.
Pese embora se admita que o quadro de deterioração cognitiva tenha tido início há vários anos, e que inclusivamente tenha passado a condicionar incapacidade parcial em data anterior, não tivemos acesso a qualquer avaliação imagiológica e/ou neuropsicológica para além do MMSE realizado no dia da perícia e em que pontou 25/30, pelo que se arbitra para data de início da incapacitação permanente e irreversível, ainda que apenas parcial, o mês de Julho do ano de 2023, quando foi avaliada em contexto pericial.
Como medidas de apoio e tratamento, deve a Examinada manter seguimento médico regular em consultas de medicina geral e das especialidades que sejam consideradas necessárias face às múltiplas patologias de que padece, devendo manter hemodiálise, uma vez que se nos afigura fraca candidata para um transplante renal. Ainda que preferencialmente e em abstracto, a inserção familiar deva ser privilegiada em termos humanos e de acompanhamento e suporte, no caso concreto, face às dificuldades que já apresenta, justificar-se-á integração institucional a tempo inteiro caso deixe de ser possível garantir os cuidados de que necessita no seu domicílio. Esta colocação não se constituiria como um internamento, mas sim como local de residência, já que um internamento deverá ser levado a cabo apenas por indicação médica/clínica.
Pelo exposto, somos do parecer que a Examinada beneficia da nomeação de um Acompanhante, no caso e face à importante incapacitação com poderes de representação especial, administração total do património e eventual limitação de direitos pessoais, conforme acima elencado, abrangendo vários actos da vida em sociedade, que dela possa cuidar e com quem mantenha afectividade, ou seja, que possa garantir o exercício de direitos, cumprimento de deveres, assegurar o seu bem-estar e – dentro de certos limites – a sua eventual recuperação.
O quadro clínico supra é irreversível, tendo ao agravamento, pelo que do ponto de vista médico-legal não entendemos adequada a necessidade de revisão num prazo de 2 anos para eventual limitação adicional de outros direitos”.
Consta do segundo relatório social / informação social, requerido pelo Ministério Público em face do tempo decorrido sobre a realização do primeiro, o seguinte:
“Descrição: 
Na sequência do pedido de V. Exas. referente ao Processo Acompanhamento de Maior 118/22.9T8MFR, L…, (DN: 29/09/1933), residente em habitação própria na Rua …, informamos que a munícipe recusou a visita domiciliária das TAS J… e P….
Desta forma, foi realizada articulação com a Dr.ª MI…, Diretora Técnica do Centro Social e Paroquial do …, no sentido de obter informações atualizada sobre a situação habitacional da requerida, conforme solicitado.
De acordo com informação rececionada da D.T. do C.S.P. … “As condições habitacionais estão, agora, mais complicadas do que na última visita realizada em conjunto com a Dra. J… e a Dra. MM…. O quarto da senhora apresenta muita humidade nas paredes, a janela do quarto não fecha na totalidade, pelo que com a chegada do inverno é urgente que a mesma seja arranjada. A casa tem muito lixo, sacos com comida e muita roupa espalhada. A casa de banho, de acesso privilegiado, não apresenta condições, uma vez que não se pode utilizar a descarga de água da sanita, e embora a senhora utilize a sanita, as descargas não são feitas, não sendo por isso um ambiente com condições de utilização. O filho da utente, R…, encontrava-se no domicílio pelo que não me autorizou a fazer a visita à parte da casa que este ocupa. Contudo, conseguem visualizar-se vários amontoados de lixo e muita roupa espalhada pela propriedade.” (Cit.) (E-mail em anexo)
Relativamente às diligências acordadas e mencionadas na informação social antecedente, a Dr.ª MI… partilhou, “Relativamente à higiene habitacional, apenas foi realizada uma vez, pois a senhora não mais permitiu que se realizasse, alegando que não queria que os seus pertences fossem tocados. 
Em articulação com o neto, residente em Inglaterra[4] e que se desloca a Portugal algumas vezes por ano, foi retirada grande parte do lixo que estava na casa no exterior da habitação. Contudo, os monos e as ervas não foram retirados. 
O neto solicitou-me que aguardasse que o pai saísse do hospital para que, junto dele se procurasse a melhor alternativa para tratar do terreno. Acedi ao pedido, uma vez que a família se mostrou preocupada e com intenções de participar neste melhoramento da habitação e dos terrenos adjacentes. Foram realizadas algumas intervenções durante o verão, no entanto, o Sr. R…, filho da D. L…, com a chegada das primeiras chuvas, parou a sua intervenção. (Cit.)
Os serviços contratualizados pela D. L… com o C.S.P. do … são: “Higiene Pessoal Completa: 3x por semana; Higiene Pessoal Parcial: 2 x por semana; Fornecimento de refeições: Suplemento de Jantar (2ª a 5ª) e Almoço + Jantar (feriados e fins-de-semana); Tratamento de Roupa:  toda a roupa de uso pessoal da utente é tratada na lavandaria do Centro Social; Assistência medicamentosa: diariamente” (Cit.) (E-mail em anexo)
No âmbito da intervenção da equipa social de proximidade da Operação Integrada do … (OIL Social), foi realizado atendimento com a cidadã, em agosto p.p. no sentido de recolher a documentação necessária para instrução de candidatura ao Serviço Municipal de Teleassistência, aguardando-se a disponibilidade de aparelhos. 
Cumpre-nos, ainda, informar que estamos a encetar diligências no sentido de realizar atendimento social à D.ª L… no sentido de estabelecer uma relação de confiança que permita a intervenção junto da mesma e avaliar as possibilidades de intervenção em conjunto com a instituição parceira de proximidade (C.S.P. …) com o filho, R…, com o qual reside.  
 Data: 07/12/2023
 Os(as) Técnicos(as), J…, P…”.
*
IV. Apreciação
Primeira questão – da falta de fundamentação individualizada da convicção do tribunal quanto à decisão sobre a matéria de facto.
O que resulta do artigo 607º nº 4 do Código de Processo Civil é a necessidade do tribunal explicitar as razões pelas quais entendeu dar como provados ou não provados determinados factos, de modo a que essa explicitação seja suficientemente acessível aos restantes intervenientes processuais. No presente caso, em que a prova é por documentos, por perícia e por audição, sobretudo da beneficiária, sendo coadjuvantes as demais pessoas ouvidas, é bastante claro quais são os meios de prova em que o tribunal se baseou, sendo suficiente a fundamentação consignada pelo tribunal de primeira instância. Improcede a invocação da violação do preceito, sendo ainda certo que, mesmo que existisse, esta Relação, se considerasse inalcançável o percurso intelectual que havia levado a ilustre julgadora a decidir – o que não é de todo o caso – lançaria mão do disposto no artigo 662º nº 2 alínea d) do Código de Processo Civil, nenhuma outra consequência processual advindo da hipotética deficiência de fundamentação.
Segunda questão:
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
O Ministério Público não está dispensado do cumprimento dos ónus previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil, sendo que no presente caso não foi indicada a resposta alternativa que o Tribunal da Relação haveria de dar aos factos relativamente aos quais o Ministério Público entende que a resposta dada pela primeira instância não é exactamente a que foi dada. A formulação da conclusão 15ª do recurso é clara (a não dar cumprimento ao ónus referido): “Os factos 3., 6, 7, 8 e 12 foram errada ou deficientemente considerados como provados perante a prova produzida nos autos” (sublinhado nosso).  
Em consequência, indefere-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Todavia, e porque em tais factos e na impugnação deles, o que está em causa é a interpretação do relatório pericial, acima transcrevemos o mesmo, aditando o conteúdo transcrito à decisão sobre a matéria de facto provada, bem como o teor das informações sociais, o que fizemos oficiosamente, com o que estaremos munidos, para a discussão jurídica da causa, dos conhecimentos sobre os quais o Ministério Público assenta a sua inconformidade com a decisão jurídica da causa. Acresce, que na questão seguinte iremos ainda referir tudo (o relevante) que resulta dos actos praticados no processo até à prolação da sentença recorrida.
Terceira questão:
A sentença absolutória deve ser revogada e substituída por outra que defira a pretensão inicial do Ministério Público, em recurso aditada pelas medidas adicionais que perita médica entendeu dever consignar no relatório de perícia psiquiátrica?
Diga-se, desde já, que mesmo num processo de maior acompanhado, o aditamento de medidas não propostas perante a primeira instância, continua a configurar questão nova, isto é, de submissão primeira ao julgamento do tribunal de recurso, cujo conhecimento é vedado a este por força do artigo 627º do CPC.
Conforme anunciado, consignamos de seguida o que nos resulta dos autos:
Determinada a submissão da beneficiária a exame pericial, o filho da beneficiária que com ela coabita, R…, fez um requerimento aos autos informando que não podia levar a mãe ao exame porque a mãe fazia hemodiálise mas também ele próprio tinha duas costelas partidas.
Com este requerimento, juntou o relatório de urgência do Hospital Beatriz Ângelo relativamente ao episódio pelo qual as duas costelas se teriam partido, resultando do mesmo a existência de uma fractura costal recente e de uma antiga.
Foi junto aos autos um email do neto T.., entrado em 12.3.2023, no qual o mesmo veio pedir espontaneamente ajuda para a avó, beneficiária, o que fez após ter conversado com a assistente social, informando que as condições da avó chegaram ao limite, a mesma se recusa a ir para um lar, que a mesma se recusa a fazer hemodiálise quando é vital para a sua sobrevivência, e que se recusa porque o tio (R…) não está bem, quer física quer mentalmente, sendo que o último episódio foi partir várias costelas e que (por isso) não anda bem, sendo que a avó não quer sair de casa para não deixar o filho (R…) sozinho. Que a avó vive em condições desumanas, numa casa suja, velha e sem qualquer tipo de condições habitacionais.
Mais informa que não consegue entrar em casa da avó (e por isso não consegue tirar fotografias das condições do interior da habitação) e manda apenas fotografias do exterior da casa, das quais, com fraca visibilidade, resulta um terreno que precisa de ser limpo. Mais informa o referido neto que o interior da habitação estará como o exterior.
Mais informa que não tem condições para ter a avó consigo em sua casa, sendo que é casado e que trabalha.
Dois dias depois, a 14.3.2023, o referido neto remete ao tribunal um email a perguntar como é que está o caso, e informa que não tem condições para ser tutor, sendo que há dois filhos que têm condições para tratar da avó, e que se não o fazem é porque não querem. Resulta claro dos autos que esses dois filhos são a sua mãe, M…, e o seu tio mais velho, J….
Resulta ainda dos autos um novo email do neto T…, do qual resulta que após conversa telefónica com o tribunal (e na audição do neto T… ficámos a perceber que o interlocutor do tribunal terá sido o Ministério Público) decidiu, e em consequência informou o tribunal, que afinal aceita ser tutor da avó devido às quizílias[5] dos filhos, voltando porém a informar que não pode ficar com a avó em sua casa.
Mais refere que necessita que a avó seja colocada num lar, e que o primeiro mail que dirigiu ao tribunal foi por indicação da assistente social para agilizar a resolução da situação da avó.
Finalmente, informa, sobre a causa das costelas partidas do tio R…, que não sabe a veracidade dos factos, mas que ele (tio) diz que foi a GNR a agredi-lo.
Vem então o Ministério Público aos autos requerer:
“O Ministério Público, requerente nos autos à margem indicados, vem requerer a junção aos autos das exposições apresentadas pelo neto da beneficiária, T…, nas quais  dá conta da precária situação habitacional e do débil estado de saúde em aquela se encontrará, indiciando as mesmas que o seu filho, R…, pessoa que foi inicialmente indicada para exercer o cargo de acompanhante, não estará a assegurar devidamente o seu bem-estar e prestar-lhe todo o apoio de que carece.
Assim, atendendo ao alegado, bem como ao que os autos demonstram, porquanto não estará R… a diligenciar pelo comparecimento da beneficiária no GML para realização do exame médico legal devido, cremos que este deverá, por ora, ser afastado da possibilidade de exercer um eventual cargo de acompanhante, indicando-se o seu neto – T…, residente na Rua (…), - em sua substituição.
Atendendo ainda à gravidade da situação alegada e a fim de assegurar o imediato bem estar da beneficiária mais se requer que, com urgência, seja oficiado o Instituto da Segurança Social a fim de informar sobre se a beneficiária ai se encontra referenciada para integração em ERPI e, em caso afirmativo, quais as diligências que foram até aqui efetuadas tendo em vista a integração daquela em instituição adequada; em caso negativo, requer-se que, com urgência, seja determinada a realização de visita domiciliária à casa da beneficiária a fim de aferir das suas condições habitacionais e de saúde , comunicando de imediato o seu resultado aos presentes autos, a fim do Tribunal se encontrar dotado dos elementos necessários à determinação de medida de acompanhamento provisória e urgente, que se mostrar necessária para providenciar quanto à pessoa da beneficiária”.
Deferido o requerido, solicitando-se ainda nova data para o exame e sendo “notificado para o efeito o neto da beneficiária ora identificado”, foi obtida a primeira informação social cujo teor acima transcrevemos. 
Em face da mesma informação, o Ministério Público requereu:
“O Ministério Público, requerente nos autos à margem indicados, na sequência da informação social ora junta com a ref.ª Citius 23450569, requer que T… seja, notificado para, com urgência, vir aos autos informar sobre se em face dos apoios institucionais que foram agora disponibilizados à sua avó, considera que esta possui as necessárias condições físicas e mentais para permanecer sozinha na sua habitação e, em caso negativo, se aceita ser nomeado acompanhante provisório com poderes para a representar, designadamente conferindo-lhe poderes para praticar os atos necessários, de forma a assegurar o bem-estar e as necessidades básicas da beneficiária, nomeadamente diligenciando pela eventual integração em agregado familiar próximo ou, não se mostrando tal possível, pela sua integração em ERPI, de forma a que as suas necessidades básicas e o seu bem estar seja permanentemente assegurado”. 
Resulta dos autos a existência de informações sobre alcoolismo do filho R… e sobre o mesmo estar internado por longo tempo.
Resulta também dos autos relato da GNR sobre ter sido chamada a casa da beneficiária, sendo que o filho R… estava estendido no chão e a mãe se recusava a ir à hemodiálise, sendo que a GNR fez a mãe e o filho assinaram termo de responsabilidade por não acederem a ir ao hospital. Resulta dos autos que a beneficiária tem (já tinha à data da intervenção da GNR, que aliás foi chamada pelos Bombeiros) transporte assegurado pelos Bombeiros para os tratamentos de hemodiálise três dias por semana.
Resulta dos autos a existência de um relato, datado de 11.4.2023, três dias antes da visita domiciliária das técnicas de apoio social, de grande sujidade na casa.
Resulta ainda dos autos que a casa da beneficiária é uma casa situada no meio de um terreno grande, e que a “casa” da beneficiária é no primeiro andar, a que se acede pelo exterior, por uma escada com degraus deteriorados que a beneficiária percorre com a sua canadiana, sendo que no piso térreo vive o filho R…, que tendo explorado um café, acabou a levar para este piso térreo os móveis que existiam no café, onde, no piso térreo, efectivamente não têm qualquer utilidade. 
Em 4.12.2023 procedeu-se à audição da beneficiária e do seu neto T…. Esta Relação não vai transcrever integralmente as declarações prestadas, mas vai consignar aqui os apontamentos que lhe resultam da audição das referidas declarações.
A Mmª Juíz pergunta, após tentativas de vencer a hipoacusia da beneficiária: 
“Podemos falar? Faça favor Senhora Doutora”.
A beneficiária responde (com pausas entre as palavras e com voz compatível com a idade, e não esquecendo que do relatório de exame pericial consta que a mesma sofre de deficiência respiratória) correctamente o seu nome. Perguntada onde mora responde: “Moro aí, não sei como é se chama aquilo” Mais refere: “Comprei aquilo em 1983”.
Perguntada sobre os nomes dos pais responde os nomes completos do pai e da mãe.
Perguntada sobre se tem filhos, responde: “Tenho três, (um é) J…, (o outro) é R…, (a outra) é M…”[6].
Perguntada sobre se vive com algum filho, responde, ao longo de um discurso com várias referências, afirmativamente, indicando que o filho com quem vive tinha comprado uma casa, mas que “teve um descalabro” com a mulher, a qual o pôs fora. Que o filho teve dois filhos. Que o filho “pediu para vir para minha casa”, que trouxe muitas coisas.
Afirma que o “R… vive comigo”.
Perguntada sobre se tem netos, responde, além do mais, que o seu filho R… “tem um filho que está na América, que este filho veio quando o pai (R…) esteve doente, e que comprou algumas coisas, e diz ainda que também ela esteve doente, com aquela coisa que não se lembra o nome, que se vai à máquina, ao que a Mmª Juiz adiante “diálise” e a beneficiária confirma.
Perguntada onde mora a filha, responde “Não sei onde ela mora”. Refere que “Eles não se dão com o meu filho (R…). (o R…) já está lá desde 87 ou 88. Desde há muitos anos que está a viver comigo, andou a trabalhar, mas a casa faliu”.
Perguntada relativamente ao neto ali presente “Quem é este senhor?”, respondeu “Eu criei-o desde pequeno”. (É) T…, ele juntou-se com uma moça e depois casou e tem a sua casa.
Perguntada “Quem é trata das coisas” respondeu “eu trato ... como é que se diz onde se vai comer. Agora vou ao … como é que se chama aquilo, não me lembro, estou nervosa”.
(…)
Refere ainda “Como é que se chama – vão lá tratar” e perguntada sobre quem trata da casa, responde “Sou eu”.
Mais refere que o filho “está na parte de baixo e eu na de cima. Fui eu que a fiz (a casa), com muito trabalho, (…) os pedreiros, (…)”
Perguntada sobre quem faz as compras para casa, responde, além do mais “aquilo é perto de uma mercearia e vou lá e compro”.
Sendo exibida pela Mmª Juiz uma nota e perguntada que nota é, responde que é uma nota de dez escudos, e sendo exibida outra nota e perguntada que nota é, responde que é de 20 escudos. Exibidas moedas, identifica a primeira como sendo de dois escudos, e a segunda como sendo de 50 centavos.
Perguntada sobre quanto custa um pacote de leite, responde “Não posso beber leite”.
Perguntada sobre o preço do pão, responde que são vários pães e não pode assim saber o preço de cada um, e afirma: “Mas pago, elas não levam a mais”. Perguntada sobre se confia (nelas / vendedoras) responde enfática “Absolutamente”.
Perguntada sobre quem paga as contas da electricidade responde que “É o meu filho”, e sobre as contas da água responde que “A água é minha, do meu furo”. Mais diz que é água para a casa e para o terreno, e perguntada sobre o gás, responde que é de bilha, e afirmativamente a que vão levar as bilhas a casa. 
Sobre lavagem de roupa, responde que é o filho (R…) que lhe lava a roupa.
Perguntada sobre se compra roupa, responde afirmativamente. Perguntada sobre quanto custou a gabardine que enverga, responde “não sei, já foi há tempo”.
Perguntada sobre se tem cartão multibanco, afirma que a pensão vem do Exército, que está na C…. Perguntada como é que levanta, responde que mandou selar a conta, e como mandou selar a conta agora tem de levantar, e que tinha dois cartões da conta e que mete o cartão e recebe o dinheiro, e perguntada “A senhora faz isso?” responde “Só isso”. 
Perguntada “Estudou até que ano?”, responde que “Até ao 5º, mas não fui fazer o exame porque já tinha dois filhos”. Mais adiante afirma “Eu sempre estudei, sempre gostei muito de estudar, mas a minha avó queria que eu casasse”.
Perguntada sobre o que lê, responde que quando conseguia ler (refere que os óculos já não estão bem) “lia tudo”. Continua espontaneamente dizendo “Vejo televisão. Eu gosto muito da política”. Afirma, se bem conseguimos ouvir que “Eu gosto deles todos, já falei com eles todos” (políticos).
Mais afirma: “Eu não gosto de ver palhaçada e gosto de ver como é que este País vai, não vai muito bem, mas vai melhor”.
Dada a palavra ao Ministério Público, é a beneficiária perguntada sobre quem a leva à diálise. Responde “É a camionete, é a carreira, mas particular, é os bombeiros”. Vai sozinha? Vou. Vai um rapaz quando calha, e vai (da minha casa) até ao Lumiar”. Mais responde que vai à terça, quinta e sábado, que os bombeiros a vão buscar de manhã e quando regressa são onze e um quarto da noite.
O Ministério Público inicia então uma série de perguntas relacionadas com a relação da beneficiária com o filho R…. “Dá-se bem com (ele)” respondendo a beneficiária, além do mais e entre diversas referências não inteiramente audíveis, que “não posso dizer mal, mas ele não regula bem da cabeça, ele devia ter ido, mas ele não quer ir, para ver o que tem. Ele começa a beber vinho, mas agora tem bebido pouco, mas já está melhor”.
Perguntada sobre se R… lhe chama nomes, volta a responder entre várias referências que o filho às vezes está zangado, percebendo-se que é quando ela manda nele “tu não comes vai comer” que o filho perguntará “quem é manda?”.
Novamente inquirida sobre se o filho lhe chama nomes, responde não. Perguntada sobre se o filho lhe bate responde não.
Perguntada sobre dinheiro, responde “Ele leva-me algum (dinheiro). Ultimamente houve um descalabro no dinheiro, ele gastou, ele é que tinha o cartão e tirava o dinheiro, e tirou o dinheiro, (…) tinha lá 4 500 que recebeu em Sintra, onde eles recebem (…) emprestava-lhe o meu carro, e ele recebeu aquele dinheiro , (…) desde Dezembro que eu tinha a conta, e aconteceu que havia ali uma conta que ele nunca fez, eu tive de pagar 9 contos das primeiras ambulâncias, que era a Zadir ou como é que se chama, e depois eles deixaram, e aqui os da Malveira é que me têm levado. Ele levou 9 contos para pagar a ambulância”. Perguntada “Ele tirou para pagar coisas que não fossem suas?” respondeu: “Ele compra leite e garrafões de água”.
Perguntada sobre se “Está tudo bem entre si e ele?” responde “Sim”.
Perguntada sobre “Se precisar de ajuda, quem é que chama?” responde além do mais que os filhos é tudo gente que trabalha e é cada um na sua casa.
Afirma ainda: “O meu filho (R…) não lava a loiça. Ele vai sempre comer fora”.
Perguntada sobre se o seu neto (T…) a ajuda nalguma coisa, responde que “Não. Ele tem a vida dele com mulher e filha, uma filha pequenina (…) na 3ª classe. A vida tem de ser assim. Eu criei três filhos sozinha, sem ajuda do pai”.
Novamente inquirida sobre dinheiro, responde “É claro que me faz falta esse dinheiro, que o meu filho foi buscar”. Perguntada porque é que o filho não podia ir buscar mais dinheiro, responde “Porque eu fechei a conta. Eu já não lhe dou o dinheiro como dantes dava. Dantes dava sempre dinheiro para ele gastar, mas pronto, agora vai gastando aos poucos do meu dinheiro”, no que parece ser uma afirmação de que agora o filho gastará do dinheiro que tirou à mãe. Refere que o filho “pagou 6 contos e tal, 600, é 201 escudos por mês e ele pagou 4 meses seguidos, como é que se chama aquilo, é um (…) diário, pertence à Câmara aqui por baixo”, no que se compreende que se está a referir a mensalidades devidas por si (beneficiária) e que o filho não pagou pontualmente.
A defensora oficiosa da beneficiária pede esclarecimentos sobre quem dá à beneficiária a medicação, e o que ela quer dizer com “selar a conta”, e quem é foi selar. À primeira pergunta, sobre medicamentos, responde “É a Doutora”. Perguntada sobre se toma comprimidos todos os dias, responde que toma de manhã e tem outro em casa, é só um que é depois do jantar e que é ela que o toma.
Sobre selar os cartões responde “os cartões passei só para o meu nome. Mais ninguém levanta. A conta esta só em meu nome. Eu tinha-lhe emprestado o cartão (ao filho). Eu é que assinei o meu nome completo para não haver confusões”.
Passando o tribunal a ouvir o neto T… em esclarecimentos, o mesmo inicia:
“Excelentíssima Doutora, é pior ainda do que a minha avó está a dizer.
Perguntado sobre “O seu tio foi viver com a sua avó há muitos anos” responde essencialmente “Sim. O meu tio sempre teve problemas de álcool, ele separou-se da mulher por problemas de álcool, e diz que ele disse que perdeu a casa , e passado dois dias está a pagar a casa, e ele chegou, e a minha avó tem muitos traumas, é muito paranóica, vive muito dos traumas do passado, a casa não tem condições, condições nenhumas, eu pensei (quando) que o meu tio vai para lá, aquilo vai melhorar (eu tenho 40 anos, isto foi há 15 anos) primeiro achei que fosse temporário, efectivamente (o tio) começou a trabalhar, ela tratava de tudo em casa e ele trabalhava, uns anos, depois saiu do trabalho porque não lhe pagavam. Ele come fora, a minha avó come do Centro ou vai fora”, ao restaurante (tasca) onde o tio vai, que não a deixa ir a outro sítio. Refere que por vezes quando ia visitar a avó ia com ela e com o tio almoçar a esse estabelecimento.
Perguntado: “Costuma visitar a sua avó, com que frequência”, responde “Sinceramente cada vez com menos frequência, é uma coisa que não me faz bem. Sofro de ansiedade”.
Perguntado sobre se a avó tem condições económicas, responde que sim, e adianta “eu posso dizer que a história do dinheiro é para mais de 20 mil euros, só desde janeiro até agora, o tio é que geria o dinheiro, e a dado passo “a minha avó chamou-me, ligou-me, que precisava de falar comigo”. A avó disse-lhe que tinha ido ao Banco, porque lhe fazia falta esse dinheiro na conta, que mandara cancelar os cartões. Mais diz: “ela é inteligente, conseguiu-se aperceber, pediu os extractos, ela é inteligente e as vezes tem momentos lúcidos”.
Perguntado sobre montante da reforma, afirma mil e cem a mil e duzentos euros, e que nos dias a seguir ao depósito da reforma “nos dias a seguir há levantamentos diários no máximo permitido de 400 euros”. Mais diz que “Tenho informação que no Centro de Dia as mensalidades não são pagas todos os meses”, são pagas 3 ou 4 ou 5 mensalidades, tudo seguido.
Perguntado afirma: “Não fui eu que iniciei o processo”, foi a assistente (social) e “eu fui contactado” pelo Ministério Público.
Refere que os Bombeiros levam e trazem a avó. Que do Centro de Dia, o informam que a avó se recusa a tomar medicação, a médica de hemodiálise diz uma coisa, ela ouve outra, e em casa é outra.
Afirma que a avó vai sozinha para o hospital, e perguntado sobre se o tio não a acompanha, ouve-se, além do mais “Ele acompanha à sua maneira”.
Nesta altura, ouve-se a beneficiária espontaneamente e repetidamente afirmar “ele mora longe, não sei onde ele mora”. 
Perguntado T… sobre a sua mãe e o outro tio (J…) responde “a minha avó não se dá com ela por muitos traumas da juventude dela (mãe). Eu sou o único que nesta família (destruturada) que consigo falar com todos. O meu tio R… desde que soube deste processo começou-me a tratar mal. E (mandou uma pessoa) dizer que me punha em tribunal, porque eu efectivamente fui com a minha avó apresentar queixa na GNR porque era muito dinheiro, e a minha avó sempre a dizer que (coitado dele), e (eu dizia) “Ó avó” (mas é muito dinheiro). Ouve-se ainda (a minha avó vive numa casa sem condições e este dinheiro podia servir para (arranjar) essas condições. E eu falei com ele (R…) porque é que (tendo dinheiro) não alugam uma casa para vocês, e ele nunca quis, a minha avó é uma pessoa que não faz higiene pessoal, hoje está aqui é um cheiro a urina que não se pode.
Ela não faz a higiene, ninguém a ajuda”.
Neste momento T… emociona-se e em quase choro afirma: “Doutora, no Centro de Dia, a última vez que estive lá, não havia fraldas, ele não compra fraldas, gasta o dinheiro em tabaco e álcool. Ele também precisa de ajuda (…) ele bebe e fuma como se não houvesse amanhã e vive, isso é que me custa, vive à conta da minha avó. Ele dá-se ao luxo de ir comer fora, eu não posso, eu trabalho e não posso”.
Durante esta parte das declarações, sendo notório que a beneficiária percebe a emotividade do neto, afirma a mesma insistentemente que não ouve o que ele diz.
Perguntado sobre o relacionamento da avó com a mãe, responde que a avó se dá com a mãe mas, estendendo a referência à família toda, diz “vivem todos no registo do passado, mágoa, a minha avó é igual, eu não venho (visitar) muito, que ela vai ter sempre ao passado, a tua mãe assim, a tua mãe assado, a conversa também é sempre a mesma, eu saio pior do que vinha, porque vinha com saudades e saio com mágoa.
Ouve-se a beneficiária dizer que não trata mal (a filha).
Perguntado, pelo Ministério Público, sobre “O que é que ainda foi feito para ajudar a avó foi só a inscrição num Centro de Dia? Considera que ela estaria melhor num lar?” a resposta é “Se falar muito alto ela vai começar a espernear”. “lamento dizer isto, não existe outra condição, mas a minha avó tem pavor. E a pessoa que ela tem lá também não me garante (ela sempre teve pavor) que não a tenha nos últimos tempos incentivado a ter mais pavor, se ela tiver alguém do lado a dizer calma, não é tudo mau, (num lar) ainda se consegue (demover), mas não, ela tem uma pessoa ao lado (o tio) que ainda faz pior.
Prossegue o Ministério Público: “Já está evidenciado que a sua avó precisa de um acompanhamento. O sr. (…) (se o tribunal decretar o acompanhamento) estaria em condições de acompanhar a sua avó naquilo que ela precisasse (…) porque é assim, a partir do momento em que fosse decretado o acompanhamento, teria a possibilidade de a inscrever num lar, até porque ela tem uma pensão, não estaria dependente duma vaga da Segurança Social, estaria nessas condições? Porque ela afirmou que não há ninguém perto de casa. Pelos vistos o filho não serve já que ele esta dependente de álcool. Mais ouve-se o Ministério dizer: “como referiu ela tem algum odor e não está capaz de tratar de si, num lar, até porque a senhora também necessita de hemodiálise, o lar podia auxiliar, não vão os bombeiros (falhar). “O senhor estaria disponível (…) para a inscrever (num lar).
O declarante responde: “Em último caso sim, mas eu preferia que fosse a minha mãe e o meu tio”.
Nesta altura ouve-se o Ministério Público afirmar que o contactou a ele, T…, e que ele se mostrou disponível.
Prossegue o Ministério Público: “Considera que ela estaria melhor nesse lar?”.
Neste momento, a Mmª Juiz intervém e pergunta “Não há possibilidade de contratar alguém?”.
Afirma que o tio “esvaziou o café dele no terreno”. Perguntado sobre se por dentro, a casa está limpa, responde que “Das últimas vezes que lá fui não. Mas no último ano estou proibido de entrar lá, e que o tio pôs um cão enorme.
Perguntado pela Mmª Juiz “Visto que a sua avó tem pavor (em ir para o lar), não há a possibilidade de (contratar) alguém que possa ficar com ela durante a noite”, responde que não faz ideia. 
Voltando o Ministério Público a inquirir, sobre as condições para contratar alguém afirma o Ministério Público que, nas condições em que a casa está, duvida que alguém aceite ir para lá, e pede para serem exibidas ao declarante fotografias para “comprovar se a casa ainda está naquelas condições” (sendo certo que o declarante acabou de dizer que não vai ao interior da casa há um ano). 
Sobre as fotografias, afirma que é o quintal, e depois sobre a fotografia nº 3, afirma que “É a parte de baixo, onde está o resto do café”. “É onde está o seu tio?” “Sim”.
Renova “Lá em cima, não posso responder. Da última vez não estava assim. A casa estava cheia de humidade”. Mais afirma que “a minha avó passa temporadas no hospital, no Inverno”.
Finalmente o Ministério Público pergunta “Acha melhor para a sua avó, até em termos de sossego para si, a sua avó ir para um lar?” A sua avó estará melhor num lar, em termos físicos e mentais (…) “e para si também”.
Pergunta-se “Ela sabe que tem que ir para a hemodiálise e os dias (em que tem de ir)? Responde “Sim, ela sabe” (já houve outras alturas em que se recusava a ir à hemodiálise e tio (R…) telefonava para mim) “A minha avó também não gostava de ir para o Centro de Dia, agora já está melhor, e depois de ter apresentado a queixa, ela já vai e efectivamente gosta de ir”, mas “a minha avó é muito fechada (…) teimosa (…) casmurra”.
Perguntado sobre as horas de estadia no Centro de Dia e sobre se recebe comida, responde que não pode ter a certeza, mas que sabe que no fim de semana, também vai comida para ela. Afirma que inicialmente iam buscar a avó para a hemodiálise às seis da manhã, mas que fazia muito frio, e o tio conseguiu mudar e agora vão buscá-la de tarde.
Após referências à mãe e ao tio, a beneficiária tenta falar, com alguma exaltação, dizendo que os filhos não a foram ver das várias vezes que esteve no hospital, “nunca quiseram saber de mim”.
Perguntado sobre contactos dos outros netos com a avó, responde que o RM… (aparentemente filho do R…) “passou por lá”, e que a sua irmã e o seu irmão não conseguem porque o tio (R…) não deixa, o que terá sucedido “mesmo antes da hemodiálise”.
Finalmente afirma que “A minha avó sofre com ansiedade”[7].
 Da acta consta ainda: “Após, a Mma. Juíza perguntou aos presentes se pretendiam sugerir a formulação de alguma pergunta. 
Neste momento, pedida a palavra pela Digna Magistrada do Mº Pº, no uso da mesma requereu extracção de certidão das declarações prestadas e remessa das mesmas ao processo nº 875/23.5GBMFR, para os efeitos tidos por convenientes”.
Vinda aos autos a segunda informação social, o Ministério Público requereu:
“O Ministério Público, requerente nos autos à margem identificados, notificado da informação social com a ref.ª 24653582, vem dizer e requerer o seguinte:
- Do teor da informação social ora junta resulta que as condições habitacionais da beneficiária se têm vindo cada vez mais a deteriorar, apresentando-se a sua casa com muita humidade, isolamento precário, muito lixo amontoado e falta de higiene, opondo-se esta (e o filho com quem reside) ao necessário acompanhamento social, tendo em vista o debelar ou minorar das consequências que advêm para a sua saúde e bem-estar;
- Efetivamente, várias são as informações sociais que dão conta que a beneficiária reside em habitação sem as necessárias condições de higiene e segurança, não demonstrando possuir o necessário discernimento ou vontade em mudar, agravado pelo facto de residir com um filho (R…), o qual, ao que parece tem vindo a praticar atos de gestão do seu património/pensão desadequados ao bem estar e eventual recuperação da beneficiária, situação que, aliás, foi de certa forma aqui confirmada pela própria e pelo neto ouvido no passado dia 04.12.2023;
- Estabelece o art.º 139.º, n.º 2, do Código Civil, que “Em qualquer altura do processo, podem ser determinadas as medidas de acompanhamento provisórias e urgentes, necessárias para providenciar quanto à pessoa e bens do requerido.”. Também o art.º 891.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, refere que podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar;
- Ora, em face dos elementos até aqui coligidos, nomeadamente o teor do relatório pericial já junto, as informações sociais juntas e das declarações já aqui prestadas, parece resultar que a beneficiária se mostra incapaz em zelar completa e devidamente pela sua pessoa e pelos seus bens, necessitando do necessário acompanhamento, sob pena de ficar numa situação de absoluta desproteção, que não é desejável, sendo certo que o exercício dos deveres gerais de cooperação e assistência ficam aquém das necessidades deste caso em concreto;
- O seu neto, T…, pese embora tenha alegado que pretende que os demais familiares sejam aqui ouvidos, em face das quezílias familiares que existem entre todos e para efeitos de designação da pessoa a ser nomeada como acompanhante de sua avó, também referiu que apresenta a sua disponibilidade em acompanhá-la naquilo que ela necessitar e dentro das suas capacidades;
- Assim e independentemente da audição dos demais familiares, certo é que a urgência da situação não se compadece com a concretização de tal diligência;
- Assim sendo, o Ministério Público, ao abrigo do disposto nos supra citados artigos,  requer a aplicação de medida de acompanhamento provisória e urgente à beneficiária, solicitando-se a nomeação de T… como seu acompanhante provisório, com poderes de representação especial e administração total do seu património, conferindo-lhe, desde já, poderes para, nomeadamente, diligenciar pela eventual integração em agregado familiar próximo ou, não se mostrando tal possível, pela sua integração em ERPI, de forma a que as suas necessidades básicas e o seu bem estar seja permanentemente assegurado”. 
No mesmo sentido veio a defensora oficiosa da beneficiária requerer:
“(…) notificada da Douta Promoção vem informar que poderá ser benéfica a medida provisória proposta, se a mesma puder ser aceite pelo tutor provisório e pelos seus familiares, para que possa ser pacificamente implementada. 
Dado que poderá ser de difícil execução a retirada da beneficiária de casa, quer seja para fins de semana, para pernoitar diariamente ou para ser integrada numa resposta social de lar, solicita-se que sejam também ouvidos os restantes netos, para saber se poderão integrar o conselho de família, caso os filhos não possam ou não se disponibilizem para o cargo, uma vez que na audição do neto, verificou-se que este referiu ter primos, filhos de ambos os tios, sendo de notar que também no relatório junto a fls …, se refere que um filho do sr. R…, residente com a beneficiária, auxiliou na limpeza da casa, em certo tempo ali indicado. 
Pelo exposto, devem ser comunicada a proposta provisória e solicitado ao neto T… os contactos, endereços eletrónicos ou moradas dos primos, para que possam ser ouvidos no dia designado para audição dos filhos da beneficiária, pois pensa-se que será ainda necessário, complementar a medida provisória proposta com a designação dos familiares que acompanharão a beneficiária aos fins de semana e asseguram as tarefas essenciais ao seu bem estar e saúde, enquanto esta não tiver resposta social onde possa permanecer a tempo inteiro”. 
Sobre estes requerimentos foi proferido o seguinte despacho: “Atendendo ao teor do requerimento que antecede e tendo presente que se encontra agendada diligência de inquirição dos familiares próximos da beneficiária para o dia 12.01.2024, momento em que melhor poderá este Tribunal decidir da questão com valor definitivo, aguardem os autos até lá”.
Em 12.01.2024 procedeu-se à inquirição de M… e de J….
Da audição da primeira resulta:
“É o meu filho que está a par de tudo”.
Sobre o irmão R… e sobre ele não ter condições para tratar da mãe, disse: “Não, ele é alcoólico”.
Às explicações da Mmª Juiz sobre Acompanhante, a declarante pergunta, referindo-se à mãe: “E será que ela vai querer?”.
Afirma: “eu até me dava bem com ela”, referindo que ia a casa da mãe ao fim de semana, para ajudar, e que ia com o marido, e que até ficavam a dormir na carrinha em que iam, porque tinha colchões para isso e porque a casa da mãe não tinha condições. Disse que: “A minha mãe tem um terreno enorme à volta da casa, eu roçava”. E disse que começou a dizer ao irmão R… que não era para ter lixo no terreno. Disse que ajudava naquilo que podia, e que o irmão R… começou a ver que ela ia lá muito (situando os acontecimentos há seis ou sete anos atrás quando casou com o actual marido que a acompanhava a casa da mãe) e começou a dizer que ela roubava laranjas. Afirma que o irmão dividia para reinar, assim conseguindo o isolamento da mãe. Perguntada sobre se desde então (ou seja, depois da fase em que há seis ou sete anos ia aos fins de semana) não ia, respondeu que não ia.
Disse que foi ao Centro de Dia, e que um dia foi à urgência do Hospital de Santa Maria onde a mãe se encontrava sozinha (porque trabalha ali perto e pediu autorização à chefe para ir). Disse, iniciando um discurso emocionado, que o irmão só vai ao hospital quando a mãe tem alta. Refere que a mãe tem idade, e como vive com o irmão, é natural que o ouça a ele, “mas podia ouvir-nos a nós”.
Refere que quando soube do “roubo dos cinquenta mil euros”[8], telefonou para falar com a mãe no Centro de Dia, a perguntar se ela precisava de dinheiro. O que aconteceu há pouco tempo.
Afirma que foi o filho T… que lhe falou do “roubo”. Afirma que a sua filha MM… telefonou à avó no Natal, no Ano Novo, mas que o irmão R… não deixa (falar MM… com a avó), e que a beneficiária está “meio prisioneira” do irmão R…. Afirma que ofereceu à mãe para ela ir viver consigo há 7 ou 8 anos, “Mas ela não quer sair da casa dela”. Afirma que se a mãe “for para um lar em Almada, (diz o nome “Pesqueiro”), acho que não é muito caro” e que tem um filho que é GNR em Almada, e que por isso a mãe poderá beneficiar de visitas dos netos e dos bisnetos. Até ela, declarante, “chego lá e digo hoje vais almoçar comigo”.
Afirma que “Ela não quer ir para um lar[9]. Afirma que R… terá feito uma venda fictícia a seu favor (da casa e terreno). Diz que “Ela não quer sair da casa dela. Mas a casa não tem condições”. Conta que T… ficou com a viver com a avó e que a filha MM… também ficou a viver com a avó algum tempo, porque a declarante esteve casada com um alcoólico e não quis que os filhos ficassem consigo e com ele. Conta duma bisneta que se agarra muito à beneficiária, e que lhe dizem para deixar a bisavó “que ainda lhe dá uma crise de ansiedade”.
Diz que o irmão mais velho saiu de casa muito novo.
Afirma que a casa da mãe tem o chão em cimento, que quis pôr um oleado no chão e que agora o irmão pôs lá um cão grande à porta, que é mau, e que se “formos” lá atira-se.
Perguntada pelo Ministério Público se o neto T… consegue ir a casa da avó, afirma “Agora não, desde que indicaram que ele seria procurador da avó. Até foi com o meu filho GNR, para ver se ele (R…) entrava na linha, para lhe dizer que as coisas teriam de mudar. Ele (R…) pensa que o T… vai lá para pedir emprestado à avó. Esta tem um telemóvel que o T… lhe deu, mas (R…) tira (lho) e que só deixa falar a mãe nesse telefone em alta voz para ele ouvir/controlar.
Perguntada sobre se está a dizer que o irmão R… domina a mãe, responde que ele “Tem o domínio de tudo”.
Perguntada se se opõe a que o filho T… assuma (a função de acompanhamento da avó) até porque ele sofre de ansiedade, e perguntada sobre “Quem é que tem feito mais pela” beneficiária, responde “O meu T…”. Afirma que “Em questões de dinheiro prefiro que seja o meu T…”. Diz-se disponível para tratar de qualquer coisa que a mãe precise em termos de ADSE.
Perguntada ainda que “Considera que (a mãe) está melhor num lar” responde que “Acho que sim. O meu irmão esteve internado, e qualquer dia é ele que morre lá dentro por cirrose”. “Quando ele esteve internado, telefonaram-me do Centro para (a mãe) vir para minha casa”, e o T… foi buscá-la e ela não quis ir.
Pergunta então o Ministério Público sobre se a declarante acha que a mãe “está capaz de discernir sobre se é melhor ficar em casa ou ir para um lar”, ao que a declarante responde que “Não, ela não está capaz, o problema é que ela tem pena dele (do irmão R…)”[10].
Perguntada pela defensora oficiosa da beneficiária se aceitaria integrar o cargo de conselho de família, em questões de saúde e de acompanhamento da vida diária se a beneficiária for para um lar, responde que sim. Mais perguntada se acha que pode tratar de mais alguma coisa, saber de coisas para pagar, responde que sim, mas que a mãe tem coisas na terra sobre as quais nada sabe. Perguntada sobre se entende que a gestão da vida patrimonial da beneficiária deve ficar por conta do filho T… responde afirmativamente.
Entre outras referências que a declarante vai fazendo sobre os benefícios da mãe ir para um lar, afirma que se ela “estivesse num lar eu até fazia um seguro de saúde para ter acesso à Cuf Tejo”, à Cuf Almada, que a integraria num seguro de saúde que ela também tem para esses mesmos efeitos, e discorre sobre a necessidade da possibilidade de recurso a equipamentos de saúde privados.
Posta, pela Defensora Oficiosa, perante a questão “A sua mãe pode dizer que não aceita esta ajuda”, e perguntada sobre se tem disponibilidade, afirma estar no desemprego antecedente à reforma, e que com a reforma vai ficar liberta. E perguntada sobre a disponibilidade relacional com a mãe afirma “Eu faço tudo, vou fazer tudo para que ela seja tratada como uma rainha”. Tratada, leia-se, no lar. Afirma que a mãe precisa de óculos, de aparelho auditivo, e que perguntou ao irmão R… porque é que não comprava, e ele disse que a mãe já era velha e já não precisava. Afirma que a mãe tem dinheiro, e que tem de usar o dinheiro para essas ajudas de que precisa.
Afirma que o que interessa é o bem-estar da mãe, e diz “tenho-a aqui atravessada na garganta”.
Da audição do filho mais velho, J…, resulta: 
“Sei muito pouco, sai de casa com 19 anos, relacionamento muito superficial, sai porque o ambiente era péssimo, maus tratos, eu e a minha irmã mais porque éramos parecidos com o meu pai, era cinto era sempre a aviar, ela engravidou, quando tinha 2 meses de gravidez, fugiu para a terra, eu fui criado pela minha bisavó de 90 anos”.
Sobre o irmão R… afirma: “Depois que ele veio para aqui assenhorou-se de tudo”.
Diz que a mãe morava na Rua do P…, que recebeu 1.700 (contos) que terá então comprado o terreno e feito a casa (onde vive).
Que o irmão foi viver para a Austrália, depois regressou, teve um café na Amora, depois não sabe o que aconteceu.
Afirma que cada vez que vinha visitar a mãe (não quero estar a mentir, pouco, seis ou mais meses espaçado) “era uma doença, a minha mulher saía doente. Que a mãe ia para a casa dele, parava o carro à sua porta às sete da manhã, e quando ele se levantava ela estava lá, e que ele lhe perguntou para que vinha para ali àquelas horas, que “parece mal”.
Situa esta situação há 10 anos atrás, antes da mãe ter deixado de conduzir.
Afirma que o sobrinho T…, porque a mãe tem algum respeito por ele porque o acompanhou de mais perto, era a pessoa indicada para pôr o irmão na linha (afirma que o T… se fosse preciso poderia dar uma lambada ao irmão). Afirma que no dia 13 de março de 2020, dias antes do confinamento, a mãe fez anos, e que a mãe lhe telefonou várias vezes que queria falar com ele, e que ele e a irmã, foram ao lar, e que “ela diz uma coisa a um e outra a outra, e eu fui com a São, e ela diz que não falava com a São”.
Perguntado sobre se tinha condições, afirma “Não tenho condições, ela não tem respeito por mim, ela faz sempre o contrário do que eu digo. A única pessoa que ela ouve é o T…. À São não tem respeito, nunca teve”.
Diz que “Agora sofreu um desfalque de não sei quanto”. Perguntado sobre se o irmão não tem condições responde “Na minha opinião não, para já ele bebe, e falava muito para a minha mulher, e eu bloqueei o telefone dele no telefone dela. O R… telefonou-me 42 vezes. A minha mulher é que diz que algumas vezes que ele ligava, dava a sensação de estar tocado, mesmo encharcado”. Não sabe se R… esteve internado.
Perguntado pela Defensora Oficiosa como poderia auxiliar a mãe, se ele fosse para (um lar em) Almada, responde “eu acho, eu não sou, eu não vou alvitrar nenhum (lar), gostava que ela fosse para um lar que a tratasse bem, embora ela não tenha sido uma mãe com (o sentido da declaração é, digna desse nome) e insiste “para um lar onde seja bem tratada, é uma das condições[11]. Sei que há um amigo meu que esteve internado num lar aqui perto. Diz que “Quem deve decidir o lar é quem tiver melhor conhecimento da matéria”. Considera que o T… não tem experiência e diz “Não quero opinar”.
Finaliza: “A única coisa que eu peço é um lar onde seja bem tratada”.
*
A Defensora Oficiosa da beneficiária veio aos autos requerer:  “(…) vem informar os autos de informações que recebeu do Centro Social do …, resposta social que a beneficiária tem frequentado, na passada sexta-feira e na presente data, que anexa como documento nº 1 e da qual salienta o que considerou mais relevante, a sra. permaneceu sozinha alguns dias da semana anterior e ficou em casa e aos cuidados da filha durante o fim-de-semana, após deslocação do neto, Sr. T…, para a vir buscar (cf. infra):
“ …. o filho da Sra. D. L… (R…) foi hospitalizado na passada quarta-feira à noite no Hospital Beatriz Ângelo (Loures), tendo ficado a sua mãe em autocuidado e autogestão.
Frequentou o Centro de Dia na quinta-feira, manifestou alguma preocupação com o filho, embora tenha referido que ele necessita de estar internado para que possa resolver a sua dependência do álcool.
Hoje (sexta-feira), quando o motorista chegou no horário combinado para a levar o Centro de Dia, a senhora não se encontrava em casa, e quando o colega tentou entrar na propriedade o cão tentou mordê-lo, pelo que o colega saiu e informou-me que não tinha conseguido entrar e que não sabia se a senhora estaria bem.
Conhecendo as fragilidades físicas da D. L… e as condições em que a senhora reside, desloquei-me com a animadora do Centro de Dia ao domicílio da senhora. Quando entrámos na propriedade, o cão ficou agressivo, mas conseguimos controlá-lo, e chegar à entrada da habitação.
A senhora nunca respondeu à nossa chamada, pelo que ao contornar a habitação deparámo-nos com a senhora a descer as escadas, muito abatida, com muita dificuldade em manter o equilíbrio. Ajudei-a a descer a rampa escorregadia e entrámos na cozinha. A senhora mostrou-se muito envergonhada quando questionada sobre aquelas condições.
Conduzi a senhora até às instalações do Centro de Dia, onde tomou banho e permaneceu durante a tarde.
Contactei o neto T… e a filha M… e dei-lhes conhecimento da situação atual da senhora, alertando para o facto de ela necessitar de cuidados muito específicos e que pela fragilidade associada à doença e às patologias que lhe são diagnosticadas não poderá permanecer no domicílio de forma independente e autónoma.
O neto da senhora mostrou-se disponível para acompanhar a avó durante o fim-de-semana, e a filha da senhora tentará, no domingo, levá-la para sua casa, e assegurar os cuidados necessários”.
Pelo que, solicita-se a V. Exa. a junção aos autos do correio eletrónico, com tais informações, prestadas por parte da sra. Diretora Técnica do Centro Social, bem como solicita a V. Exa. que decrete de medidas provisórias urgentes e de efeito imediato, no caso a permanência da mesma aos cuidados da filha M… e do neto T…, por ser do seu interesse da beneficiária, como ficou demonstrado pelo relatório social e informações recentemente juntas aos autos, concordando na presente data com as razões invocadas pela Digníssima Magistrada do MP no seu requerimento de dezembro de 2023.
Solicita-se, ainda, que a decisão seja notificada ao filho R… pessoalmente e no decurso da presente semana, com a menção de que este deve entregar ou permitir que vão buscar as roupas, os bens/objetos pessoais, medicação e documentos de identificação e outros, da titularidade da beneficiária, e que, a tomada de decisão definitiva seja proferida quando o Tribunal entender por conveniente, sabendo todos que a mesma apenas será definitiva apenas 30 dias após ser proferida”.
Com este requerimento foi junto email dirigido à Defensora Oficiosa, do seguinte teor:
“A Sra. D. L… foi passar o fim de semana a casa da filha. Falei com ela no sábado e ontem.
O filho da D. L…, mais uma vez, sem pensar na sua saúde e na necessidade de cuidar da mãe, saiu do hospital sem alta. Ontem expliquei-lhe que ele tem que limpar aquela casa, tirar todo o lixo e acima de tudo cuidar dele, porque de outra forma, caso me seja solicitado um parecer técnico, nunca será favorável com o regresso da sua mãe.
A filha da D. L… trará a senhora para Centro de Dia e manteremos os cuidados à senhora.
Deixo alguns contactos que lhe poderão ser úteis:
(…)
Atenciosamente,
MI… (Assistente Social/Direção Técnica)”.
*
Concluído o relato das incidências processuais relevantes para a decisão do presente recurso, passemos então à apreciação desta terceira questão.
A primeira abordagem dirige-se, ainda assim, à inconformidade do Ministério Público sobre o tribunal ter considerado que a beneficiária apenas padecia de “défice cognitivo ligeiro, tendo pontuado 25/30 no teste Mini Mental State Examination, compatível com ausência de defeito cognitivo”, e ter considerado que a beneficiária revelava “discurso espontâneo, lógico e coerente, mantendo diálogo de forma normal” bem como ter considerado que a mesma conseguia “identificar notas, tendo dificuldade nas moedas, e realiza cálculo simples, apesar de ter dificuldade em fazer trocos” e ainda ter considerado que não tinha noção do preço dos bens de consumo por não realizar a sua aquisição e finalmente  ter considerado que a beneficiária “encontra-se orientada em todas as referências, não se apurando alterações de percepção”.
É verdade que durante a audição da beneficiária não lhe foi pedido para fazer contas ou cálculos. Todavia, a referência à capacidade de realização de cálculo simples, resulta directamente do exame pericial, nada havendo a censurar. Quanto à identificação de notas e moedas, estamos em presença de uma pessoa de 89 anos, o que significa que durante mais de sessenta e muitos anos da sua vida lidou com escudos e centavos, sendo absolutamente normal que continue a referir-se a escudos e centavos, em vez de euros e cêntimos, e que seja assim que identifique as notas e moedas que lhe são exibidas.
Quanto à noção dos preços, a referência a ser o filho a fazer as compras resulta do relatório de exame pericial, e curiosamente, porque a beneficiária, como diz o seu neto T…, é inteligente, na audição em tribunal a beneficiária disse que era ela que fazia as compras, auto atribuindo-se uma autonomia nesta parte que muito provavelmente não tem, sendo todavia absolutamente claro que se precisar de fazer alguma compra (e será residual, em função das refeições lhe serem fornecidas no Centro de Dia ou levadas a casa no fim de semana) poderá ir à mercearia, sendo também inteiramente credível (e por isso pertinente a afirmação da beneficiária) de que confia (nas pessoas que trabalham na mercearia) pelo que é absolutamente irrelevante se a beneficiária tem noção das notas e moedas e do preço dos bens de consumo ou se consegue ou não fazer trocos.
Quanto a “défice cognitivo ligeiro, tendo pontuado 25/30 no teste Mini Mental State Examination, compatível com ausência de defeito cognitivo”, e a beneficiária revelar “discurso espontâneo, lógico e coerente, mantendo diálogo de forma normal” e quanto a encontrar-se a mesma “orientada em todas as referências, não se apurando alterações de percepção”, vamos à audição da beneficiária, onde, tirando a pausa entre palavras, o cansaço e o nervosismo, a exaltação que lhe sentimos quando percebia que estavam a falar coisas importantes que lhe estavam a escapar, ou quando se exaltou mesmo ao ouvir falar dos filhos que não lhe ligam nenhuma, tudo muito claramente apenas ligado à hipoacusia de que não há dúvidas e à deficiência respiratória também assinalada nos autos e que o relatório pericial também consignou, e nada ligado a deficiência mental que afecte a capacidade de falar, onde, retomamos, não encontramos à beneficiária a mais leve dificuldade em manter um discurso espontâneo – aliás interveio várias vezes de motu próprio e com inteira pertinência, nem nenhuma falta de lógica no seu discurso ou incoerência, nem nenhuma falta de normalidade no diálogo, tendo entendido e respondido com acerto a todas as perguntas que lhe foram feitas, o que em nada se confunde nem é beliscado por esquecimentos temporários, e evidentemente agravados pelos nervos da audição, de nomes (da sua morada, da diálise). Recordamos o relatório pericial onde se afirma que a beneficiária se apresentou cuidada e investida. Tudo indicando, como no tribunal, que tem consciência do que motiva o processo e está determinada em se opor ao que pretendem para ela. Nisto, nesta atitude, não há um mínimo de falta de lógica, de incoerência, nem nenhum défice mental – muito antes pelo contrário. Estamos com o neto, quem é inteligente ao ponto de ir ao Banco sozinha pedir os extractos bancários das suas contas, situação que terá ocorrido no ano de 2023, nada tem de deficiência ou diminuição de capacidade mental.
Analisemos agora mais pormenorizadamente o relatório pericial, lembrando que o tribunal, no caso das perícias especializadas, terá de justificar porque se afasta delas, ou seja, entendendo-se que o tribunal não terá o conhecimento especializado que é pedido justamente ao perito. Isto, porém, não invalida que o tribunal não possa questionar o relatório pericial, justamente perscrutando da fiabilidade e coerência da discussão e conclusão nele contida, aos fundamentos de exame objectivo nele consignados, isto é, aos próprios fundamentos considerados pelo perito nos quais este fez assentar as conclusões que tirou.
Diz-se no relatório pericial que se baseou nas cópias deste processo, e delas relevando uma observação no serviço de urgência em 21.12.2020.
Começando já aqui, nesta observação consta “… Dor abdominal, obstipação… Segundo tripulante a utente vive em condições de habitação muito precárias. Períodos de desorientação… Vigil, consciente, eupneica, colaborante e orientada… Discurso fluente, articulado e compreensível… Creatinina 3,84… Tem alta clínica e hemodinamicamente estável medicada. Explicados cuidados a ter…”. (…)” (sublinhados nossos). Ou seja, segundo o tripulante (da ambulância que a levou ao hospital) a utente terá períodos de desorientação. Mas, chegada ao hospital, a utente está orientada.
Donde, a referência no relatório pericial à desorientação da beneficiária sustenta-se apenas nesta menção de que um tripulante de uma ambulância terá informado que a beneficiária tinha períodos de desorientação (de duração absolutamente desconhecida, e não conhecida a data do seu começo, sendo certo que no hospital não estava, já não estava desorientada).
Compulsados todos os outros elementos constantes do relatório pericial, e bem assim o exame directo, resulta que a menção feita, no relatório pericial a que a beneficiária já em 2020 apresentava períodos de desorientação tem de ser lida de modo restritivo, a saber, a beneficiária terá apresentado em 2020 em data desconhecida e por tempo desconhecido períodos de desorientação (poderá ter sido no próprio dia, em função dum episódio de hipertensão), sendo certo que ler-se a menção “já” como “já desde 2020” e portanto “continuamente até agora”, é totalmente desprovida de fundamentação no relatório pericial.
Por isso, e considerando que a própria perita refere no exame directo “Indivíduo do sexo feminino, leucodérmica, de estatura média, com idade aparente sobreponível à real e aspecto cuidado, limpo e algo investido. Entrou no gabinete pelo seu próprio pé, com auxílio do neto, evidenciando marcha lenta, mas revelando ter capacidade de orientação. Não se objectivaram maneirismo, estereotipias ou tremores.
Estava vigil, sendo a mímica expressiva e o contacto simpático e sintónico. A atenção era captável e o discurso era relativamente espontâneo, ainda que pausado, lógico e coerente e com frases bem formadas e dotadas de sentido. Conseguiu responder o nome completo, a data de nascimento, idade, estado civil e estava orientada no espaço e no tempo.
Não se apurou evidência de alterações de percepção. Quanto ao pensamento não foram apuradas ideias delirantes nem outras alterações dignas de registo.
Humor aparentemente eutímico, com afectos moldáveis. Sono e apetite aparentemente mantidos” (sublinhados nossos) patente é que não há qualquer fundamento para afirmar ou considerar que a beneficiária se mostra desorientada ou que já não se mostra orientada, nem igualmente há qualquer fundamento para afirmar que padece de qualquer outra patologia que aquela que a perita revela através do teste que foi feito à beneficiária, e cujo resultado 25/30 é compatível com a ausência de défice cognitivo.
E, não podemos invocar contra a beneficiária a escolaridade que tem. Donde, inteiramente certo está o teste quando afirma a compatibilidade com ausência de défice considerando a escolaridade que tem.
Sendo que o relatório pericial se baseou nos elementos que expressamente consignou, o que se verifica na discussão e conclusão que apresenta, é que salvo o devido respeito, se parte para uma versão/redacção mais cuidada do que aquilo que resulta efectivamente do exame, e que é o que verdadeiramente interessa ao tribunal.
É assim que vemos, que “Dito isto, estão descritos períodos de desorientação já no ano de 2020 que se devem à instabilidade da situação de saúde, que será permanente, irreversível e progressiva, admitindo-se que a tendência seja para o agravamento, pelo que importa acautelar o futuro, até porque a Examinanda apresenta já uma idade avançada (i.e., 89 anos)” – sendo completamente indevido ligar períodos de desorientação à idade e à irreversibilidade – essa sim – da idade.
É assim que vemos que à ausência de défice cognitivo, na discussão passa a falar-se em défice cognitivo ligeiro, mais a frente se admitindo a ausência de défice cognitivo e afirmando-se que poderá ser, como consta acima do relatório, pensável um défice cognitivo ligeiro – “Dito isto, mantém relativamente intactas as funções cognitivas, o que ficou patente no MMSE, em que obteve uma pontuação de 25/30, o que, para a escolaridade, é compatível com ausência de défice cognitivo (ou quando muito, défice cognitivo ligeiro, como admitimos acima)”.
Fica todavia por se perceber onde está a fundamentação, ou pelo menos a quantificação, da afirmação “é possível afirmar, relativamente ao seu comportamento, pensamento e afectividade, existirem limitações motoras e alguma deterioração cognitiva”, e fica mais difícil perceber em que medida estas circunstâncias “na prática e na actualidade, dificultam o exercício dos seus direitos e cumprimento dos seus deveres irreversivelmente”, cabendo aqui claramente perguntar a que deveres se refere o relatório pericial.
Por isso, fica também incompreensível que “as consequências da patologia de que padece justificam a necessidade de ser nomeado um Acompanhante” e ainda mais incompreensível, ou mais correctamente, sem fundamento, não resultando o mesmo dos elementos objectivos considerados no exame, a consideração, do ponto de vista patrimonial,  de que “a Examinanda não apresenta condições (…) sequer para levar a cabo um negócio da vida corrente, tendo revelado dificuldade na identificação do valor facial e monetário do dinheiro (sobretudo moedas) e que já não tem noção do valor dos bens de uso corrente”, tratando-se aqui de uma mera opinião e não dum conhecimento médico específico. Fica ainda incompreensível, porque não fundamentada mas sobretudo porque não pedida (como reconhecido no próprio relatório) a pronúncia sobre “limitação de direitos pessoais, do ponto de vista médico-legal cremos também justificada a limitação do direito pessoal de testar e doar”. Mais peculiar é que “Não tendo sido alegados outros factos e não havendo limitações cognitivas de relevo, (sublinhado nosso) não nos pronunciamos, do ponto de vista médico-legal, quanto à limitação de outros direitos pessoais que serão livres. Ainda assim entendemos que por poderem existir oscilações do seu estado e tendência ao agravamento a breve-prazo, a responsabilidade em aceitar ou recusar tratamentos médico-cirúrgicos, e em agendar consultas ou gerir medicação prescrita não lhe deverá estar totalmente confiada, beneficiando que as decisões de saúde sejam assistidas pelo Acompanhante”.
Será então caso de lembrar que os elementos que constam dos autos, e aos quais a perícia teve acesso, revelam apenas uma recusa em ir em à hemodiálise no dia em que o filho R… estava caído no chão.
Notamos ainda a absoluta falta de fundamentação da referência “Pese embora se admita que o quadro de deterioração cognitiva tenha tido início há vários anos”[12], mas saudamos o reconhecimento de que “não tivemos acesso a qualquer avaliação imagiológica e/ou neuropsicológica para além do MMSE realizado no dia da perícia e em que pontou 25/30”.
Totalmente coerente, mas com o teor do primeiro email do neto nos autos e com a posição que o Ministério Público então tomou e não com o objecto da perícia, é ponderar: “Ainda que preferencialmente e em abstracto, a inserção familiar deva ser privilegiada em termos humanos e de acompanhamento e suporte, no caso concreto, face às dificuldades que já apresenta, justificar-se-á integração institucional a tempo inteiro caso deixe de ser possível garantir os cuidados de que necessita no seu domicílio. Esta colocação não se constituiria como um internamento, mas sim como local de residência, já que um internamento deverá ser levado a cabo apenas por indicação médica/clínica.
Finalmente, não alcançamos porque, perante a irreversibilidade da condição física e da idade, é lançada a hipótese de que, tomadas as medidas propostas, se possa “assegurar o seu bem-estar e – dentro de certos limites – a sua eventual recuperação”. Sobretudo quando “O quadro clínico supra é irreversível, tendo ao agravamento”.
Julgamos ter assim demonstrado que o elemento de prova principal obtido para os autos, não autoriza de modo algum a inconformidade que o Ministério Público apresenta no recurso, no fundo, quanto à factualidade relevante para a decisão.
*
Passemos então ao Direito aplicável.
Primeira nota: - os requerimentos dirigidos aos autos pela defensora oficiosa da beneficiária, sobretudo aquele em que se afirma que a beneficiária aceita a intervenção, não vinculam a beneficiária, que pouco antes manifestou pessoalmente e muito claramente nos autos que não aceitava. A defensora oficiosa não tem poderes de representação pessoal, e devia ter requerido e não requereu, que a beneficiária fosse novamente ouvida pelo tribunal, para confirmar perante o julgador a sua adesão e consentimento, julgador que não pode decidir sem a prévia audição pessoal da maior a acompanhar - artigo 139º nº 1 do Código Civil. 
Na fundamentação jurídica da sentença a Mmª Juiz discorreu:
 “Com a entrada em vigor da Lei n.º Lei n.º 49/2018 de 14.02, o paradigma referente à incapacidade de exercício de maiores mudou, fixando-se actualmente o seu eixo na capacidade que efectivamente mantém o acompanhado e centrando-se a actividade jurisdicional na verificação da medida de afectação da capacidade intelectual e/ou volitiva para a formação de uma vontade livre e esclarecida de modo a aferir os apoios necessários a que … pessoa …exerça a sua capacidade jurídica1.  Assim, estabeleceu-se um regime flexível não só no que respeita à aferição das causas de afectação das capacidades intelectuais e/ou volitivas dos cidadãos, mas também nas concretas medidas a decretar a fim de se lograr alcançar o escopo acima identificado: auxiliar o maior carecido de acompanhamento no exercício jurídico – cfr. artigo 140.º, n.º 1 do Cód. Civil. 
Dispõe assim o vigente artigo 138.º do Cód. Civil O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código
Como escreve Mafalda Miranda Barbosa2, Tais medidas… visam assegurar o bem estar e a recuperação do maior, garantindo o pleno exercício dos seus direitos e o cumprimento dos seus deveres. Nesta medida, regem-se por uma ideia de subsidiariedade3. A medida de acompanhamento só tem lugar quando as finalidades que com ela se prosseguem não sejam garantidas através dos deveres gerais de cooperação e assistência. … Para além de uma ideia de subsidiariedade, o acompanhamento de maiores rege-se por um princípio de necessidade4. Nos termos do artigo 145.º/1 CC, o acompanhamento limita-se ao necessário …. O acompanhamento pode, assim, reconduzir à representação legal: … A possibilidade de agir autonomamente por parte do acompanhado fica, assim dependente do recorte que o juiz defina para a medida adoptada. Em qualquer caso, e de acordo com o artigo 147.º/1 CC, o acompanhado não fica privado do exercício de direitos pessoais…, com a ressalva de a decisão judicial dispor em sentido contrário ou da própria lei o prever.  Há, assim, face ao regime pretérito um alargamento da capacidade jurídica de exercício dos maiores acompanhados dado que somente se a decisão judicial prever a compressão dos direitos pessoais previstos exemplificativamente no n.º 2 do artigo 147.º do Cód. Civil, estes manter-se-ão na esfera jurídica do acompanhado como na de qualquer outro cidadão maior não submetido ao acompanhamento. 
Para que, contudo, seja alguém submetido a qualquer medida desta natureza há que apurar se tem, repisa-se, as suas capacidades intelectuais – para percepcionar o mundo e compreender o alcance da sua actuação – afectadas em algum grau, e/ou padecer de algum constrangimento ou compulsão volitivo que lhe diminua a sua capacidade de autodeterminação.   
Por outro lado, a impossibilidade de exercício de direitos e/ou de cumprimento de deveres deve fundar-se em razões de saúde, numa deficiência ou no comportamento do beneficiário, podendo, contudo, ser transitórias.  Há ainda que realçar, excepção feita ao exercício pelo M.P., que só é reconhecida legitimidade ao próprio beneficiário para solicitar a decretação das medidas, sendo que pode autorizar o cônjuge, unido de facto ou qualquer parente sucessível a tanto. 
 A acima referida autorização só é dispensada nas circunstâncias de não poder o beneficiário livre e conscientemente solicitar ou autorizar o pedido ou existam outras razões atendíveis, tudo como resulta do regime do artigo 141.º do Cód. Civil.
Realizado este breve excurso sobre os pressupostos do decretamento das peticionadas medidas de acompanhamento, cumpre agora verificar se estes se encontram verificados in casu e bem assim quais as concretas medidas que logrem assegurar o bem-estar, recuperação e o pleno exercício de todos os direitos e cumprimentos dos deveres do acompanhado – cfr. artigo 140.º, n.º 1 do Cód. Civil. 
Ora, resultou apurado nestes autos que a beneficiária padece de défice cognitivo mas muito ligeiro. Contudo, à actualidade, mantém capacidades intelectuais e volitivas suficientes para se autodeterminar face às exigências da vida em geral. De resto, nada nos autos permite concluir que se encontra diminuída de forma a necessitar de acompanhamento no que a tal tange. 
Por outro lado, no que efectivamente se revela carecida de auxílio, há como suprir essa carência com recurso à assistência familiar e social/estatal, que, de resto, tem beneficiado e que poderá ainda ser mais presente desde que a beneficiária seja persuadida a recebê-la mais amplamente. 
Na verdade, não se apurando que as capacidades intelectuais e volitivas da beneficiária estejam afectadas a ponto de prejudicar o exercício dos seus direitos e cumprimento dos respectivos deveres, tendo ainda presente que a própria Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 18.º, disciplina a restrições a direitos, liberdades e garantias, somente admitindo as quando visem a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e com o limite no indefectível e inarredável respeito pela dignidade humana – cfr. artigo 1.º da Const. Rep. Portuguesa -, qualquer limitação à autonomia vital5 individual encontra-se arredada. 
Não restam assim quaisquer dúvidas a esta julgadora que não existe qualquer vantagem para a beneficiária na decretação de qualquer medida de acompanhamento e, inclusivamente, que tal seria de muito duvidosa legalidade face ao regime vigente, tendo presente o Princípio da Subsidiariedade, positivado no n.º 2 do artigo 140.º do Cód. Civil acima referido, já que as suas necessidades devem ser providas nos termos supra mencionados e para os quais se remete.  
Improcede, assim, integralmente a presente”[13].
A fundamentação supra, é a nosso ver, exemplar, escorreita, concisa, suficientemente bem demonstrada em termos jurídicos e em termos de interpretação dos factos, e absolutamente correcta.
Subscrevemos as referências estritamente jurídicas constantes da mesma fundamentação.
Queremos, todavia, ainda consignar algumas notas ou traves mestras quer da intervenção do sistema judicial, quer da situação concreta.
O regime do maior acompanhado resulta da Lei nº 49/2018 de 14.08, que alterou a redacção dos artigos 138º e seguintes do Código Civil.
O artigo 138º nº 1 do Código Civil estatuía, na versão anterior à referida Lei: “1. Podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens”.
Por sua vez, o artigo 152º do mesmo Código e na mesma versão original, que “Podem ser inabilitados os indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de carácter permanente, não seja de tal maneira grave que justifique a sua interdição, assim como aqueles que, pela sua habitual prodigalidade ou abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu património”.
O artigo 138º do Código Civil, na versão introduzida pela lei nova, que de resto suprimiu (em rigor revogando os institutos jurídicos) a distinção entre interdição e inabilitação, sendo por isso apenas necessário transcrever aqui o primeiro preceito, que estabelece: “O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código”.
A menção “razões de saúde”, bem como a (ainda estigmatizante) menção “deficiência”, e a lata menção “comportamento”, autorizam o intérprete a considerar um alargamento dos fundamentos para a possibilidade jurídica de imposição judicial de um regime de acompanhamento, no caso do mesmo não ser voluntariamente pedido pelo beneficiário? De tal modo que presentemente, qualquer razão de saúde, qualquer comportamento, possam justificar tal imposição?
A chave interpretativa encontra-se na Proposta de Lei nº 110/XIII/3, consultável no sítio electrónico da Assembleia da República, que apresenta a Exposição de Motivos das alterações introduzidas, nos seguintes termos:
“O diagnóstico dos múltiplos problemas que afetam o instituto das denominadas incapacidades dos maiores encontra-se há muito realizado. É indiscutível o amplo consenso que, nos meios académicos, nos vários sectores das profissões forenses e médicas e na comunidade em geral, se formou sobre a indispensabilidade de uma reformulação global daquele instituto.
As soluções fornecidas pelo Código Civil de 1966 – que em si mesmo representou um avanço notável relativamente ao Código Civil de 1867 – talvez se mostrassem adequadas à sociedade do seu tempo, mas tornaram-se progressivamente desajustadas, face à evolução socioeconómica e demográfica do país.
Desde o início de vigência do Código Civil, registou-se uma elevação muito considerável do nível de vida da população. Foi atingido o patamar das nações desenvolvidas, com tudo o que isso implica, no verso e no reverso. Num fenómeno interligado, verificou-se um aumento expressivo da esperança de vida e uma quebra da natalidade. Como consequência, a pirâmide etária tende para a inversão. Por outro lado, não pode hoje haver dúvidas em considerar a pessoa com deficiência como pessoa igual, sem prejuízo das necessidades especiais a que a lei deve dar resposta. O Direito civil, tradicionalmente virado para a atividade do cidadão adulto, sui iuris, na plena posse de todas as faculdades e com um aceno aos menores, tem de adaptar-se.
Cumpre, pois, assegurar o tratamento condigno não só das pessoas idosas, mas também das de qualquer idade carecidas de proteção, seja qual for o fundamento dessa necessidade. O Código Civil não pode ficar indiferente ao aumento das limitações naturais da população, determinante de um acréscimo de patologias limitativas, fruto do aumento da esperança de vida, de um melhor diagnóstico, de uma diminuição da capacidade agregadora das famílias e, em certos casos, das próprias condições de vida prevalecentes. E apesar das intervenções judiciais neste domínio serem numericamente significativas, a verdade é que a larga maioria das situações de insuficiência ou de deficiência físicas ou psíquicas ficam à margem de quaisquer medidas de proteção jurídica.
Consciente desta realidade, o Programa do XXI Governo Constitucional elege como objetivo estratégico a inclusão das pessoas com deficiência ou incapacidade. Ali se considera que essa inclusão deve ter como elemento fundamental o reconhecimento de que as diferentes situações de incapacidade, com graus diferenciados de dependência, carecem de respostas e de apoios distintos, devendo essa diversidade deve ser tida em conta no desenho das medidas e das respostas dadas a cada caso.
Relativamente às denominadas incapacidades dos maiores, o Código Civil ocupa-se das interdições – artigos 138.º a 151.º - e das inabilitações – artigos 152.º a 156.º. Não define as primeiras, mas pode extrair-se a ideia de que se trata de um instituto aplicável a maiores que, por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens, equiparando-o, com as necessárias adaptações, ao menor. No tocante à inabilitação, a lei considera as mesmas “anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira”, permanentes, mas não tão graves que justifiquem a interdição: a pedra de toque está, pois, na gravidade da deficiência e nas suas consequências. Por outro lado, a prodigalidade, o abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes podem determinar a inabilitação nos casos em que o visado fique incapaz de reger convenientemente o seu património.
São múltiplas e evidentes as causas de desadequação deste regime. Desde logo a rigidez da dicotomia interdição/inabilitação que obsta à maximização dos espaços de capacidade de que a pessoa ainda é portadora; o carácter estigmatizante da denominação dos instrumentos de proteção; o papel da família que ora dá, ao necessitado, todo o apoio no seu seio, ora o desconhece; o tipo de publicidade previsto na lei, com anúncios prévios nos tribunais, nas juntas de freguesia e nos jornais, perturbador do recato e da reserva pessoal e familiar que sempre deveria acompanhar situações deste tipo.
Tudo isto compele a uma reforma ambiciosa, atenta, quer à experiência de ordens jurídicas culturalmente próximas da nossa, quer aos instrumentos internacionais vinculantes para a República Portuguesa, com relevo para a Convenção das Nações Unidas de 30 de março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n° 56/2009, de 7 de maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de julho.
Os fundamentos finais da alteração das denominadas incapacidades dos maiores – ordenada pela sua integração harmónica no Código Civil, assim obstando a quebras sistemáticas que dificultem a sua aplicação e façam perigar os objetivos prosseguidos - são, em síntese, os seguintes: a primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível; a subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade, só admissíveis quando o problema não possa ser ultrapassado com recurso aos deveres de proteção e de acompanhamento comuns, próprios de qualquer situação familiar; a flexibilização da interdição/inabilitação, dentro da ideia de singularidade da situação; a manutenção de um controlo jurisdicional eficaz sobre qualquer constrangimento imposto ao visado; o primado dos seus interesses pessoais e patrimoniais; a agilização dos procedimentos, no respeito pelos pontos anteriores; a intervenção do Ministério Público em defesa e, quando necessário, em representação do visado.
Para prosseguir estes objetivos, opta-se, por um lado, por um modelo monista – em claro detrimento de um modelo de dupla via ou múltiplo – por se considerar ser o dotado de maior flexibilidade e de amplitude suficiente, por compreender todas as situações possíveis, e por outro, por um modelo de acompanhamento e não de substituição, em que a pessoa incapaz é simplesmente apoiada, e não substituída, na formação e exteriorização da sua vontade. Por comparação com o regime atual, é radical a mudança de paradigma. Este modelo é o que melhor traduz o respeito pela dignidade da pessoa visada, que é tratada não como mero objeto das decisões de outrem, mas como pessoa inteira, com direito à solidariedade, ao apoio e proteção especial reclamadas pela sua situação de vulnerabilidade.
Num outro aspeto, julga-se preferível um modelo estrito em vez de um regulamentar. Opta-se, assim, por alterações tanto quanto possível claras, simples e de fácil apreensão, não se efetuando distinções nem fixando procedimentos excessivamente minuciosos que, são sendo estritamente indispensáveis, introduzem complexificações desnecessárias.
Em face destas escolhas estruturantes, a modificação do nomen iuris do instituto é meramente consequencial. Optou-se pela denominação “maior acompanhado”, por ser a que, além de evitar qualquer efeito estigmatizante, põe em relevo a irrecusável dignidade, quer da pessoa protegida, quer da pessoa que protege.
Embora fiel às suas finalidades, trata-se de uma reforma contida: cinge-se, no essencial, aos artigos 138.º a 156.º do Código Civil e modificam-se, ao mínimo, as regras processuais inscritas nos artigos 891.º a 905.º. Reflexamente, são alterados diversos outros preceitos, como a alínea b) do artigo 1601.º (casamento), o n.º 1 do artigo 1850.º (perfilhação), a alínea b) do n.º 1 do artigo 1913.º (poder paternal) e a alínea b) do artigo 2189.º (testamento), do Código Civil. Quando às demais normas dispersas por vários diplomas, não obstante efetuar-se uma remissão de ordem geral, altera-se expressamente o que se considera mais emblemático ou sensível.
Pelo seu relevo, sublinham-se as alterações seguintes:
A opção por um modelo monista, material, estrito e de acompanhamento caracterizado por uma ampla flexibilidade, permitindo ao juiz uma resposta específica e individualizada, adequada à situação concreta da pessoa protegida; a possibilidade de o maior acompanhado, salvo decisão expressa do juiz em contrário, manter liberdade para a prática de diversos atos pessoais, designadamente: liberdade de casar, de se unir de facto, de procriar, de perfilhar, de adotar, de exercer as responsabilidades parentais, de se divorciar e de testar; a qualificação do processo como de jurisdição voluntária e urgente; a obrigatoriedade de o juiz contactar pessoalmente com o beneficiário antes de decretar o acompanhamento, e a expressa possibilidade de se proceder à revisão, à luz do novo regime, das interdições e inabilitações decretadas no pretérito, a pedido do próprio, do acompanhante ou do Ministério Público.  (…)” (sublinhados e negrito nossos). 
Lida a Exposição, voltamos a perguntar, qualquer razão de saúde, qualquer incapacidade, justifica, leia-se, permite, a imposição do regime beneficial?
As referências aos idosos, que a Proposta considera serem cada vez mais e cada vez menos apoiados por pessoas mais novas (que não nascem em igual proporção) e cada vez menos apoiados pelas famílias, mais ocupadas com as exigências das actividades que lhes permitem enfrentar um nível de custos correspondente à elevação do patamar de vida nacional, permitem entender que as razões de saúde (a Proposta assinala a extensão da esperança de vida e a correspondente menor valia da evolução médica, que não assegura que tal esperança de vida seja saudável antes apenas eivada de patologias acrescidas) são o fundamento, o novo campo de aplicação do novo regime?
A resposta é negativa, ou melhor, não pode ser fornecida assim. A resposta só pode ser fornecida mediante uma formulação concretizada, a cada caso, dos fundamentos essenciais que a Proposta expressamente ressalva, sendo o primeiro o da dignidade da pessoa humana – e convirá lembrar que Portugal é uma república soberana baseada na dignidade da pessoa humana, segundo o artigo 1º da Constituição da República Portuguesa, dignidade esta que se institui como fundamento primeiro, pedra basilar que não pode ser removida, de todo o ordenamento constitucional e infraconstitucional. Outro pilar constitucional fundamental é a liberdade, e por essa razão a dignidade tem de ser entendida, em primeiro lugar, como a possibilidade de cada cidadão exercer a sua própria vontade quanto às opções de vida que bem lhe entender adequadas. Compreende-se assim a segunda parte do primeiro fundamento essencial que a Proposta ressalva – o respeito e aproveitamento da vontade.
Se a Exposição de Motivos ainda podia dar lugar a especulações, o artigo 141º do Código Civil na versão actual ilumina fortemente o intérprete:
1 - O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público.
2 - O tribunal pode suprir a autorização do beneficiário quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir um fundamento atendível. (…)”.
Dele resulta que o legislador é inabalável na defesa do respeito da vontade livre e esclarecida do maior – e então sim, se o maior quiser, livre e esclarecidamente, pedir a intervenção judicial, ela poderá ser processada e deferida, nos termos que concretamente se vierem a revelar necessários.
A possibilidade do Ministério Público acionar judicialmente sem autorização do maior não retira em nada a necessidade de respeito da vontade do maior, desde que este a possa formar de modo livre e esclarecido.
Secundamos por isso, como afirmámos, as doutas considerações jurídicas que a sentença produziu: - não se revelando diminuição sensível da capacidade psíquica da beneficiária, nem qualquer outro entrave à sua capacidade de adquirir conhecimento/esclarecimento para poder, em face dele, livremente tomar as suas opções de vida, não há como desrespeitar a sua vontade.
Não ocorre um fundamento atendível, a situação em que a beneficiária vive, isolada numa quinta, acompanhada umas vezes sim e outras não por um filho alegadamente (que de resto nem foi ouvido) dependente de álcool, numa casa sem condições de higiene, num quarto cheio de humidade, com uma janela que não fecha bem, não justifica a imposição de um regime contra a sua vontade?
Não deve o Estado intervir sempre que alguém viva em tais condições? Sim e não.
O princípio da subsidiariedade que é fundamento essencial do novo regime jurídico do maior acompanhado explica: - outras respostas sociais, desde logo familiares, e na falta destas, institucionais, devem ser chamadas a intervir primeiro, aliás sempre, a nosso ver, com a concordância do visado. No caso concreto, aliás, é patente a incapacidade da família, a beneficiária foi sinalizada como idosa isolada, beneficia de transporte garantido para a hemodiálise e está integrada em centro de dia, nele beneficiando de higiene pessoal e de refeições, que também lhe são levadas a casa nos dias em que não frequenta o centro de dia.
Este princípio de subsidiariedade, apelando à intervenção institucional, está ainda ligado a uma noção absolutamente básica de gestão de recursos: - o Estado exerce as suas competências através de múltiplos organismos seus, sendo que existe um Ministério (além do mais) de Solidariedade Social que comporta serviços que precisamente e em primeira linha, aliás especializados, se devotam a essa intervenção.
Porque se colocou acima neste acórdão a alternativa negativa quanto à intervenção?
Porque o princípio da dignidade da pessoa humana exige que não se formulem, não se erijam, não se pressuponham sequer, nos recônditos cerebrais nem dos familiares, nem dos vizinhos, nem da sociedade em geral, dos técnicos de assistência social, nem dos decisores, nenhuns padrões de normalidade nas opções de vida livres e esclarecidamente formadas por cada pessoa humana. Não se estabeleça nenhum padrão de necessidade de relacionamento familiar ou de convivência social, de tal modo que um idoso zangado com a família e a família zangada com ele, tenha de ser submetido à força à ajuda desses familiares. Não se estabeleçam regras de higiene diária como padrão de normalidade, que o não são de todo – e que muito possivelmente para uma pessoa de 90 anos hoje, só nas últimas décadas se poderiam ter formado – e não se defenda que a existência de humidade ou de sujidade numa casa é um factor de anormalidade ou de alarme para a intervenção estatal.
Afirmamos por isso o direito de cada pessoa humana, maior, desde que mantenha a sua capacidade de formação e exteriorização de uma vontade livre e consciente, de optar por viver como quiser, onde quiser, com mais ou menos higiene, mais ou menos isolada, com mais conforto ou menos, com mais escadas ou sem elas, desacompanhada ou acompanhada por familiares sobre os quais outros familiares zangados estabelecem um desvio a um padrão de normalidade, com ou sem cão. E vamos mais longe, para dizer que a mesma pessoa, nessas mesmas condições de liberdade e esclarecimento, tem o direito de escolher se se submete a tratamentos médicos ou medicamentosos e tem mesmo o direito de escolher as opções de vida que, em toda a sua liberdade, lhe possam causar a morte – na verdade, o suicídio não é criminalizado e os direitos dos doentes estão também previstos na lei – confronte-se o Livro II, Parte Especial, Titulo I, Capítulo Primeiro do Código Penal, especificamente veja-se o artigo 135º, e atente-se no nº 3 deste preceito resultante da aprovação da Lei nº 22/2023 de 25 de Maio, sobre morte tecnicamente assistida, e quanto à recusa de tratamentos ao sistema nacional de saúde, confronte-se o artigo 3º nº 1 da Lei nº 15/2014 de 21.3, e do mesmo passo, e em geral, confronte-se a Carta dos Direitos e Deveres do Doente, formulada a partir dos “direitos consagrados em diversos textos legais, nomeadamente na Constituição da República Portuguesa, na Lei de Bases da Saúde, na Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina e na Carta dos direitos fundamentais da União Europeia” (segundo consta do documento elaborado pela Direcção de Serviços de Prestação de Cuidados de Saúde do Ministério da Saúde).
É nesta arquitectura constitucional e legislativa que tem de ser encontrado o princípio interpretativo que deve nortear quem toma a iniciativa processual e o decisor judicial: - a intervenção ou é consentida, ou a capacidade de formação de vontade livre e esclarecida está severamente comprometida e neste caso pode e deve haver intervenção.
Para todas as demais situações – e no caso concreto louva-se o esforço e interesse do neto da beneficiária mas não se aceita de todo que o Ministério Público considere a necessidade de medida também em benefício da redução da ansiedade do neto, sobre o qual não incide o processo, e consequentemente não deve haver qualquer dispêndio de recurso do sistema judicial – existe o apoio social institucional.
Finalmente, porque as decisões judiciais devem ser entendidas, nos seus motivos, com facilidade, pelos intervenientes processuais e pelas pessoas directa ou indirectamente interessadas na decisão, incluídos os peritos e técnicos de assistência social impulsionadores, responde-se às expressas preocupações da filha da beneficiária e sobretudo do seu filho mais velho, que põe como condição de intervenção judicial a de que o lar trate bem a mãe, e responde-se deste modo: - os tribunais não são a entidade estatal competente para arranjar lares para idosos, nem o processo de acompanhamento de maiores visa arranjar lares para aqueles idosos que livre e conscientemente não querem ir viver para eles.
Improcede assim o recurso.
Não são devidas custas – artigo 4º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais.
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V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e em consequência em confirmar inteiramente a sentença recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.

Lisboa, 18 de Abril de 2024
Eduardo Petersen Silva
Octávia Viegas
Vera Antunes

Processado por meios informáticos e revisto pelo relator.
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[1] Conforme deferimento de competência por parte da Segurança Social, que o mesmo Departamento Municipal elucidou nos autos.
[2] Transcrevemos conforme consta do original.
[3] Transcrevemos do original, sendo evidente o lapso.
[4] Como resulta da audição, o neto aqui referido não é o neto T…, será outrossim filho do filho R…, que coabita com a beneficiária.
[5] Transcrevemos do original do referido email.
[6][6] Para os efeitos da publicação da versão confidencializada, consigna-se que a beneficiária respondeu os nomes completos dos filhos.
[7] Sublinhados, itálico e negrito nossos.
[8] Mais adiante percebe-se que soube pelo filho, resultando assim nas declarações da filha um aumento de trinta mil euros em relação ao que o filho declarou na sua audição.
[9] Sublinhado nosso.
[10] Com o devido respeito, a resposta a dar é do domínio da perícia psiquiátrica.
[11] Sublinhado nosso.
[12] Sublinhado nosso.
[13] As notas de rodapé 1 a 5 lêem: 1 A. Pinto Monteiro in Código Civil Português – Entre o elogio do passado e um olhar sobre o futuro. 2 In Maiores Acompanhados – Primeiras Notas Depois da Aprovação da Lei n.º 49/2018 de 14.08, paginas 49 e 50. 3 Negrito da responsabilidade da signatária. in   4 Negrito da responsabilidade da signatária. 5 Jorge Miranda in Manual de Direito Constitucional, IV, 2.ª Edição, página 76.