REVISTA EXCECIONAL
RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS
VALOR DA AÇÃO
OBJETO DO PROCESSO
AÇÃO DE DESPEJO
ADMISSIBILIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


I - A regra, segundo a qual a revista excecional só pode ser admitida respeitado que seja o requisito do valor da ação ou da sucumbência, baseia-se na melhor interpretação da lei e não em qualquer costume jurisprudencial.
II - A orientação jurisprudencial reiterada, que foi citada pela decisão singular, apesar de não ter o valor de precedente judiciário nem ser vinculativa, impõe-se a este Supremo na presente decisão, por força do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, preceito segundo o qual os tribunais devem ter em conta todos os casos que mereçam tratamento análogo para obter uma interpretação uniforme do direito.
III – Nesta sede, o reclamante nenhuma especificidade casuística alegou, que fosse suscetível de infirmar a analogia do presente caso com outros casos já decididos pela jurisprudência quanto à inadmissibilidade do recurso de revista excecional, por falta de valor da ação.
IV - A natureza da questão objeto do presente processo, que envolve um despejo, não assume relevância em sede de admissibilidade do recurso, que constitui uma questão prévia ou um prius relativamente ao mérito do thema decidendi discutido e decidido na ação.

Texto Integral

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. AA e BB vieram deduzir, nos termos do artigo 643.º, n.º 1 e n.º 3, do CPC, reclamação do despacho de não admissão do recurso de revista, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, apresentando as seguintes alegações:

«1. º Refutam-se no geral, as conclusões e respectivo suporte legal invocadas pelo E.xmo. Relator para obstar ao presente Recurso para o STJ.

2. º Desde logo porque o Exmo. Relator não dá suficiente importância ou relevância do regime da revista excepcional como um regime verdadeiramente autonomizado do regime da revista ordinária, e com regras próprias aplicadas a recursos sempre admissíveis, ou seja, independentes também do valor da causa e da sucumbência.

3. º Ou seja, o que se requereu foi que este recurso fosse um verdadeiro recurso de revista

excepcional com as normas conjugadas dos artigos art.º 671.º n.º 1 e o art.º 672.º do CPC, mais em concreto, nos termos do art.º 672.º n.º 1 do CPC alíneas a) e b) ou seja,

“a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja

claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;

4.º Está em causa a apreciação da questão sobre se o apoio judiciário a ser concedido no processo (e há um pedido pendente e o processo não transitou em julgado) se deve estender a todas as fases do processo e até retroactivamente e essa questão é uma questão de relevância jurídica.

5.º E sobre essa questão importa decidir e apreciar que ainda que esse mesmo apoio judiciário venha a ser indeferido numa fase do processo, o mesmo indeferimento pode afastar a validade da interposição de uma oposição que podia ter sido feita na pendência de um pedido de apoio judiciário---Ou seja condições de validade processual dependentes da concessão ou apresentação de um pedido de apoio judiciário.

6.º A relevância desta questão deve merecer o prosseguimento do presente Recurso enquanto revista excepcional.

Ademais,

7.º Neste recurso estão em causa particulares interesses de relevância social, ou seja a apreciação de condições de validade e cessação de um contrato de arrendamento nas circunstâncias sócio- económicas dos requeridos por um lado e a circunstâncias do mercado actual de habitação e arrendamento por outro (junto se enviam os Docs. 1, 2 e 3 para se comprovar a situação de CC, sendo que relativamente a AA já existem elementos no processo incluindo o pedido de apoio judiciário que sustentam a sua situação económica frágil).

8.º E ainda é socialmente relevante que os requeridos possam vir a ser prejudicados a nível judicial por uma interpretação da Segurança Social sobre os seus requisitos para beneficiarem de apoio judiciário. Ou seja a forma do apoio sobre a substância das suas pretensões jurídicas.

9.º Segundo o mesmo corolário poder-se-á dizer que é socialmente relevante poder aquilatar que o direito de Acesso à Justiça e a respectiva concessão de apoio judiciário em diferentes fases do processo pode prejudicar as partes ou ainda as salvaguardar dependendo da apreciação que se faz sobre a validade ou centralidade do apoio judiciário no acesso ao Direito e à Justiça.

10. º Ora a fundamentação e as razões para esta ponderação da admissibilidade da revista excepcional estão largamente expostas no Recurso para a relação afigurando-se desnecessário repetir tais argumentos--Basta consultar os articulados nos Autos para além do breve resumo que fez nesta alegação.

11. º Sobre a aplicação do preceituado no art.º 629.º n.º 3 alínea do CPC, suscita o Exmo. Relator a questão de que “restringe-se a Recursos para a Relação”.

12. º Ora estamos aqui perante uma evidente contradição: Se é independentemente do valor da causa e da sucumbência (629.º n.º 3 CPC), ou seja em situações em que o recurso é sempre admissível-e por essa razão permitindo-se chegar a recorrer até ao STJ, porque é que só se permite esta regra para recursos para a Relação?

13. º E esta questão impõe um juízo sobre constitucionalidade material, por esta mesma contradição ofender o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto nos termos do art.º 20.º n.º 1 e seguintes da CRP--Ou seja, este juízo não deve suportar normas estribadas numa situação de inconstitucionalidade material.

Sem embargo,

14. ºA norma prevista no artigo 629.º n.º 3 não exclui o recurso para o STJ na interpretação do espírito do sistema que prevê que a recorribilidade possível independente do valor da causa e da sucumbência vai até ao STJ e não se fica pela Relação, numa razão de coerência e harmonia sistemática processual.

15. º Ademais não nos diz que é “apenas” para Relação e só refere a Relação quanto ao Recurso, sendo embora numa visão sistémica e pelo que já foi referido não restrito à Relação.

16. º Não obstante, cabe ao Tribunal apreciar que este mesmo recurso será possível pelas normas invocadas ou por outras que doutamente venha a entender aplicáveis ou a suprir e não ficar restringido pela apreciação já feita (pelo Tribunal ou Autor) das normas invocadas.

17. ºÉ colocada ainda a questão da “Dupla conforme” no entanto, esta questão está resolvida na lei.

- O art.º 671.º n.º 3 e 672.º n.º 1 e seguintes, i.e.---Precisamente é a conjugação destas normas que excepciona precisamente a possibilidade do Recurso em face de uma situação de dupla conforme.

18. º Mais uma vez, aqui a possibilidade de Recurso de revista excepcional é possível.

E estando estes pressupostos reunidos nestes termos e nos demais de Direito, deve o Recurso de revista excepcional ser admitido.

Podendo ser de revista excepcional, ou não—devendo subir com todas as consequências legais.

E sendo-o, se deve remeter o mesmo para o Supremo Tribunal de Justiça deferindo-se a competente Reclamação».


2. O despacho reclamado, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, teve o seguinte teor:

«Recurso de revista interposto:

O valor da acção fixado na decisão de primeira instância é de €11.100,00.

Quer se trate de revista ordinária quer se trate de revista excepcional, só é possível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se se verificar a regra básica de admissibilidade dos recursos prevista no artigo 629º nº 1 do CPC, o que no caso concreto, sendo a alçada do tribunal da Relação de €30.000,00, não se verifica.

Com efeito, e conforme artigo 627º do CPC, o recurso de revista – ordinária ou excepcional – é um recurso ordinário.

A admissibilidade de recurso independentemente do valor da acção e da sucumbência a que se refere o artigo 629º nº 3 al. a) do CPC restringe-se aos recursos para a Relação, não se aplicando ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Acresce, quanto à revista ordinária, que se verificou dupla conforme entre a decisão de primeira instância e o acórdão ora recorrido, o que impede o recurso de revista ordinária, ao abrigo do artigo 671º nº 1 do CPC nos termos do número 3 deste mesmo preceito.

Nestes termos, não admito o recurso interposto».

3. Na sua reclamação, contestou o recorrente o entendimento, segundo o qual a admissibilidade do recurso de revista excecional estaria condicionada pelo valor da ação e da sucumbência, invocando a favor da sua tese o artigo 629.º, n.º 3, al. a), do CPC.

4. A Relatora, no Supremo Tribunal de Justiça, proferiu despacho singular, confirmando o despacho reclamado, com o fundamento segundo o qual artigo 629.º, n.º 3, al. a), do CPC é apenas aplicável, como indica a sua letra, aos recursos de apelação, mas não aos recursos de revista, que apenas são admissíveis independentemente do valor e da sucumbência, nos casos das alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, não verificados no caso vertente, concluindo que:

«Assim, aplica-se a regra geral, largamente sedimentada na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual «a intervenção da formação prevista no nº 3 do art.º 672º do CPC, só ocorre se o recurso tiver passado o crivo da verificação dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista (…) nunca seria admissível recurso de revista normal nem excepcional, porquanto não só a acção não tinha valor superior à alçada do Tribunal da Relação como não ocorria o segundo pressuposto de admissibilidade do recurso, qual seja o da sucumbência ser superior a metade da Alçada do tribunal de que se recorre» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 07-02-2019, proc. n.º 200/12.0TBCBT.G1.S1). No caso sub judicio, esses requisitos gerais não ocorrem. Desde logo, a causa não tem valor para permitir o recurso de revista e o valor da sucumbência também não o permite.

Pelo exposto, não se admite o recurso de revista excecional, por falta de verificação do requisito geral do valor da ação».

5. Novamente inconformados, vieram os reclamantes apresentar reclamação para a Conferência, nos termos do artigo 652.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, do citado despacho proferido pela Relatora, com os fundamentos que se passam a transcrever:


«1. º


Refutam-se no geral, as conclusões e respectivo suporte legal invocadas pelo E.xmo. Relator para obstar ao presente Recurso para o STJ.

2. º


Desde logo porque o Exmo. Relator não dá suficiente importância ou relevância do regime da revista excepcional como um regime verdadeiramente autonomizado do regime da revista ordinária, e com regras próprias aplicadas a recursos sempre admissíveis, ou seja, independentes também do valor da causa e da sucumbência.

3. º


Ou seja, o que se requereu foi que este recurso fosse um verdadeiro recurso de revista excepcional com as normas conjugadas dos artigos art.º 671.º n.º 1 e o art.º 672.º do CPC, mais em concreto, nos termos do art.º 672.º n.º 1 do CPC alíneas a) e b) ou seja,

“a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;


4.º


Está em causa, esta parte do despacho da decisão singular:

“5. Assim, aplica-se a regra geral, largamente sedimentada na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual «a intervenção da formação prevista no nº 3 do art.º 672º do CPC, só ocorre se o recurso tiver passado o crivo da verificação dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista (…) nunca seria admissível recurso de revista normal nem excepcional, porquanto não só a acção não tinha valor superior à alçada do Tribunal da Relação como não ocorria o segundo pressuposto de admissibilidade do recurso, qual seja o da sucumbência ser superior a metade da Alçada do tribunal de que se recorre» (Acórdão do Supremo tribunal de Justiça, 07-02-2019, proc. n.º 200/12.0TBCBT.G1.S1). No caso sub judicio, esses requisitos gerais não ocorrem. Desde logo, a causa não tem valor para permitir o recurso de revista e o valor da sucumbência também não o permite. “


5.º


Carácter expepcional da revista excpecional desde já admite este recurso nos termos legais tal qual definido pelo art.º 672.º n.º 3 e por isso não vinculado a um entendimento do Supremo Tribunal de Justiça como se existisse um precedente judiciário vinculativo no ordenamento jurídico português.

E não existindo,

Deve pela mesma ordem de razão submetido o entendimento de admissão do recurso de revista excepcional ser submetido à formação e ao Acórdão daquela mesma formação do STJ prevista naquela norma.

E estando estes pressupostos reunidos nestes termos e nos demais de Direito, deve o Recurso de revista excepcional ser admitido.

Podendo ser de revista excepcional, ou não devendo subir com todas as consequências legais e ser apreciado pela Conferência.

E sendo-o, se deve remeter o mesmo para o Supremo Tribunal de Justiça deferindo-se a competente Reclamação».

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Os reclamantes aduziram, na reclamação para a Conferência contra o despacho da Relatora, dois argumentos: 1) que o recurso de revista excecional é autónomo em relação ao recurso de revista ordinário e que se rege por regras próprias independentes do recurso de revista geral; 2) que o Supremo Tribunal de Justiça não está vinculado à orientação jurisprudencial citada no despacho da Relatora, na medida em que no nosso ordenamento jurídico não vigora a regra do precedente.

Mas não têm razão.

2. A revista excecional está prevista para situações de dupla conforme, nos termos em que esta é delimitada pelo n.º 3 do artigo 671.º do CPC, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição, ao abrigo do n.º 1 do citado preceito legal. Ou seja, a invocação de algum dos fundamentos excecionais do artigo 672.º, n.º 1, do CPC está limitada aos casos em que, sendo admissível, em tese, recurso de revista, nos termos do n.º 1, se verifica o impedimento decorrente da dupla conformidade desenhado pelo n.º 3. Estão, pois, afastados do seu âmbito de aplicação, como tem entendido Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, 2020, p. 432), os casos que se integrem no n.º 2 do artigo 671.º ou no n.º 2 do artigo 629.º do CPC.

Segundo jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça, “o recurso de revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista criado pelo legislador, na reforma operada ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seria admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do artº 671º, nº 3, do CPC, e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no artº 672º, nº 1, do mesmo Código. Por conseguinte a sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, enunciados pelo nº 1, do artº 629º, do CPC” (cfr., por todos, Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 23-11-2021, proc. n.º 6300/19.9T8FNC-A.L1-A.S1 e de 29-03-2022, proc. n.º 922/15.4T8PTM.E1.S1).

A única diferença entre o recurso de revista excecional e o recurso de revista ordinária é que no primeiro o recorrente tem o ónus de alegar um fundamento específico, ao abrigo do artigo 672.º do CPC (a relevância jurídica ou social das questões suscitadas e/ou a contradição de jurisprudência) a ser filtrado pela Formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do CPC.

Quanto aos requisitos objetivos de recorribilidade – prazo, legitimidade, valor da ação ou da sucumbência – verifica-se uma identidade entre o recurso de revista excecional e o recurso de revista ordinário, sendo os requisitos do recurso de revista ordinário filtrados pelo Relator originário, antes de remeter o processo à Formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º, o que aquele só fará se estes requisitos gerais, entre os quais, o pressuposto do valor da ação ou da sucumbência, estiverem verificados. É esta a dinâmica pratica por este Supremo Tribunal de Justiça e sustentada na interpretação da lei processual, na jurisprudência reiterada deste Supremo e na doutrina.

Como se afirma no Código de Processo Civil Anotado, coordenado por Abrantes Geraldes et al. (Vol. I, Almedina, Coimbra, pp. 841-842) «Interposto recurso de revista que a parte tenha qualificado como “excepcional”, no pressuposto da existência de uma situação de dupla conformidade, o relator na Relação limita-se a apreciar os aspectos gerais referidos no art. 641.º, devendo rejeitar o recurso se acaso verificar a falta dos pressupostos gerais, tais como a tempestividade, a legitimidade ou a recorribilidade em face dos arts. 629.º, n.º 1 e 671.º, n.º 1, se faltarem as alegações ou se nestas tiverem sido omitidas as respetivas conclusões (art. 641.º, n.º 2, al. b)). Uma vez no Supremo, é realizada a distribuição nos termos gerais, sendo o processo apresentado à Formação prevista no n.º 3 apenas quando depois de ser confirmada a ausência de qualquer impedimento geral à admissibilidade do recurso de revista (v.g. tempestividade, valor, sucumbência, etc.) e a verificação da dupla conforme, for necessário proceder á apreciação do fundamento ou fundamentos excepcionais que tenham sido invocados pelo recorrente, nos termos das diversas als. dos n.ºs 1 e 2, decidindo a Formação de modo definitivo».

A reforma dos recursos de 2007 visou racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal, de modo a criar a este órgão “condições para um melhor exercício da sua função de orientação e uniformização da jurisprudência”, criando a figura da dupla conforme para restringir o admissibilidade do recurso de revista aos casos em que as instâncias decidiram de modo distinto e que por isso reclamam uma intervenção do terceiro grau de jurisdição.

Como se afirmou no preâmbulo do DL 303/2007:

«Esta regra da «dupla conforme» comporta três excepções, ao abrigo das quais se admite o recurso do acórdão da relação que se encontre nas situações descritas:

i) quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito,

ii) quando relevem interesses de particular relevância social ou,

iii) quando o acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

Neste último caso, ressalva -se sempre a hipótese de já ter sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme, caso em que retoma aplicação a regra da inadmissibilidade do recurso».

Da razão de ser da lei e dos elementos sistemático e histórico de interpretação decorre, pois, que o recurso de revista excecional não visou alargar a recorribilidade dos acórdãos da Relação a casos que não admitem revista por falta de valor da ação, mesmo que seja alegado relevância jurídica e social das questões ou contradição de acórdãos, mas tão-só permitir que o Supremo conheça de casos em que, apesar da dupla conformidade, se justifica uma intervenção clarificadora do Supremo Tribunal de Justiça.

Para que a revista excecional seja admitida, temos de estar perante casos abrangidos pelo n.º 1 do artigo 671.º do CPC, ou seja, casos em que a revista seria admitida se não fosse a regra da dupla conforme prevista no n.º 3 do artigo 671.º do CPC. A revista excecional só pode, pois, ser interposta desde que o valor do processo seja superior ao da alçada da Relação e se preencha a regra da sucumbência prevista no artigo 629.º, n.º 1, do CPC (cfr. Lebre de Freitas et.al, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, p. 211).

3. Relativamente ao argumento, segundo o qual, o Supremo não está vinculado à orientação jurisprudencial citada na decisão singular, por não existir no nosso ordenamento jurídico qualquer regra do precedente, dir-se-á que:

i) – Conforme atrás descrito, a regra, segundo a qual a revista excecional só pode ser admitida respeitado que seja o requisito do valor da ação ou da sucumbência, baseia-se na melhor interpretação da lei e não em qualquer costume jurisprudencial.

ii) – A orientação jurisprudencial reiterada, que foi citada pela decisão singular, apesar de não ter o valor de precedente judiciário nem ser vinculativa, impõe-se a este Supremo na presente decisão, por força do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, preceito segundo o qual os tribunais devem ter em conta todos os casos que mereçam tratamento análogo para obter uma interpretação uniforme do direito.

4. Nesta sede, o reclamante nenhuma especificidade casuística alegou que fosse suscetível de infirmar a analogia do presente caso com outros já decididos pela jurisprudência quanto à inadmissibilidade do recurso de revista excecional, por falta de valor da ação, não sendo a natureza da questão objeto do presente processo, que envolve um despejo, relevante em sede de admissibilidade do recurso, que constitui uma questão prévia ou um prius relativamente ao mérito do thema decidendi discutido e decidido na ação.

5. Assim sendo, improcedem todos os argumentos invocados pelo reclamante e confirma-se o despacho reclamado.

6. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I - A regra, segundo a qual a revista excecional só pode ser admitida respeitado que seja o requisito do valor da ação ou da sucumbência, baseia-se na melhor interpretação da lei e não em qualquer costume jurisprudencial.

II - A orientação jurisprudencial reiterada, que foi citada pela decisão singular, apesar de não ter o valor de precedente judiciário nem ser vinculativa, impõe-se a este Supremo na presente decisão, por força do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, preceito segundo o qual os tribunais devem ter em conta todos os casos que mereçam tratamento análogo para obter uma interpretação uniforme do direito.

III – Nesta sede, o reclamante nenhuma especificidade casuística alegou, que fosse suscetível de infirmar a analogia do presente caso com outros casos já decididos pela jurisprudência quanto à inadmissibilidade do recurso de revista excecional, por falta de valor da ação.

IV - A natureza da questão objeto do presente processo, que envolve um despejo, não assume relevância em sede de admissibilidade do recurso, que constitui uma questão prévia ou um prius relativamente ao mérito do thema decidendi discutido e decidido na ação.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se, em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça, indeferir a reclamação.

Custas pelos reclamantes.

Lisboa, 10 de abril de 2024

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Nelson Borges Carneiro (1.º Adjunto)

Jorge Leal (2.º Adjunto)