AÇÃO DE PREFERÊNCIA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
PRÉDIO RÚSTICO
PRÉDIO URBANO
ÓNUS DA PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
FACTO CONSTITUTIVO
PRESSUPOSTOS
HERANÇA INDIVISA
PARTILHA DA HERANÇA
Sumário


I – O direito de preferência estatuído no art. 1380º, do CCivil, tem como pressupostos a compra e venda ou dação em cumprimento, de prédio com área inferior à unidade de cultura, que seja confinante com o prédio do preferente também ele com área inferior à unidade de cultura, e o terceiro adquirente não ser proprietário confinante à data do negócio jurídico .
II – Enquanto a herança não estiver partilhada, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles.
III – Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança .
IV – Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados.
IV – Quando o herdeiro sucede na totalidade do património do falecido nenhuma dúvida se levanta, visto que é único e, portanto, não existe necessidade de qualquer critério para o distinguir de quem quer que seja.
V – Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança .
VI – Quando há apenas um interessado na herança, não há que partilhar o património hereditário, porquanto este será adjudicado, na totalidade, ao único interessado.

Texto Integral

RECURSO DE REVISTA1,2,3,4,52948/19.0BEPRT.G2.S1
RECORRENTES6 AA

BB


RECORRIDO7CC


***


SUMÁRIO8,9

I – O direito de preferência estatuído no art. 1380º, do CCivil, tem como pressupostos a compra e venda ou dação em cumprimento, de prédio com área inferior à unidade de cultura, que seja confinante com o prédio do preferente também ele com área inferior à unidade de cultura, e o terceiro adquirente não ser proprietário confinante à data do negócio jurídico .

II – Enquanto a herança não estiver partilhada, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles.

III – Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança .

IV – Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados.

IV – Quando o herdeiro sucede na totalidade do património do falecido nenhuma dúvida se levanta, visto que é único e, portanto, não existe necessidade de qualquer critério para o distinguir de quem quer que seja.

V – Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança .

VI – Quando há apenas um interessado na herança, não há que partilhar o património hereditário, porquanto este será adjudicado, na totalidade, ao único interessado.



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ACÓRDÃO10



Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

AA e BB,

intentaram a ação de preferência contra MINISTÉRIO DAS FINANÇAS

(Autoridade Tributária), DD, EE e CC, pedindo que lhes seja reconhecido o direito de preferência, por serem proprietários confinantes de dois dos imóveis que integram o quinhão hereditário das heranças abertas por óbitos de FF e de GG de que era titular o executado, DD.

Foi proferida sentença em 1ª instância que julgou a ação improcedente e, consequentemente, dela absolveu os réus.

Os autores interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão que negou provimento ao recurso e, confirmou a decisão recorrida.

Inconformados, vieram os autores interpor recurso de revista (excecional), tendo extraído das alegações11,12 que apresentaram as seguintes


CONCLUSÕES13:


1.ª) O presente recurso tem por objeto o, aliás douto, acórdão da Relação de Guimarães proferido nos autos em 23-03-2023, o qual julgou a “apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida”.

2.ª) No entendimento dos ora recorrentes, a mencionada decisão da Relação de Guimarães, sobre a qual incide o presente recurso, não decidiu de forma acertada e meritória o pleito submetido a juízo, tendo-se, a final, praticamente limitado a reproduzir sumariamente o que havia sido decidido em primeira instância, sem mais análise ou ponderação do que efetivamente estava, e está, em questão nestes autos, e daí a interposição deste recurso de revista excecional, o qual é apresentado ao abrigo do previsto nas alíneas a), b) e c) do artigo 672º do Código de Processo Civil, nos termos de seguida explicitados.

3.ª) Com efeito, entendem os recorrentes, ab initio, como resulta claramente do expendido na petição inicial, que lhes deve ser reconhecido o direito de preferência na adjudicação de dois prédios rústicos, por serem os recorrentes titulares confinantes com os mesmos, prédios esses que, na venda em execução fiscal do quinhão hereditário das heranças de FF e de GG, de que era titular o executado/réu DD, realizada pela autoridade tributária, na qualidade de vendedora, foram adjudicados ao proponente CC, porquanto integrantes tais prédios no referido quinhão hereditário.

4.ª) Esses dois prédios rústicos, a que se referem os recorrentes, e relativamente aos quais são proprietários de prédios rústicos confinantes com os mesmos, são os prédios inscritos na matriz predial rústica de ... sob os artigos 1154 e 1161: a)-sendo que, o prédio rústico artigo 1154 confina com o prédio rústico pertencente aos autores, ora recorrentes, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o artigo 1152 — cfr. docs. 4 e 5 juntos com a p.i. e art. 11º da p.i.; b)-e, por seu lado, o aludido prédio rústico artigo 1161 confina com os prédios rústicos pertencentes aos autores inscritos na matriz predial rústica da freguesia de ... sob os artigos 1152 e 1160 — cfr. docs. 5, 6 e 7 juntos com a p.i., bem como o “croquis” junto igualmente com o articulado inicial como doc. nº 3 [para uma correta apreensão da localização dos artigos em causa e respetivas confinâncias], e cfr. também o art. 11º da petição inicial.

5.ª) Ora, a Relação de Guimarães veio, na sequência do decidido pelo Juízo de ..., e sem praticamente fundamentar a confirmação do anteriormente decidido – o que, com o devido respeito, não pode deixar de ser aqui acentuado e sublinhado, pois de uma instância superior sempre se esperaria e espera da parte dos cidadãos recorrentes uma cabal fundamentação e demonstração do porquê de decidir em determinado sentido, assim se cumprindo o objetivo ou desiderato de convencimento das partes em litígio da bondade e da justiça imanentes à decisão de um tribunal da Relação –, a decidir unicamente, em síntese conclusiva, que: «No caso dos autos apenas ocorreu um negócio translativo da titularidade de quinhões hereditários, ou seja, de direitos, não ocorrendo qualquer negócio translativo da propriedade sobre qualquer imóvel em particular, concretamente daqueles que justificariam o direito de preferência invocado pelos autores.»

6.ª) Contra tal entendimento, posicionam-se, pois, como já visto, os recorrentes, entendendo estes que deverá ter aplicação plena ao caso dos presentes autos o que resulta do doutamente decidido pelo acórdão-fundamento do presente recurso, o ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 22-01-2013, proferido no processo nº 3277/06.4..., transitado em julgado, ou seja, que: TRATANDO-SE DE UMA VENDA DA PROPRIEDADE PERFEITA SOBRE TODOS OS BENS INTEGRANTES DA HERANÇA, EFETUADA POR TODOS OS SEUS HERDEIROS, E NÃO APENAS DA VENDA DO QUINHÃO HEREDITÁRIO DE ALGUM OU ALGUNS DELES, HÁ QUE RECONHECER O DIREITO DE PREFERÊNCIA.

7.ª) Verifica-se, portanto, ocorrer uma efetiva e manifesta oposição ou contradição entre o decidido pelo acórdão recorrido, proferido pela Relação de Guimarães, e o decidido pelo mencionado acórdão fundamento proferido pelo STJ em 22-01-2013, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito – cfr. al. c) do nº 1 do art. 672º do CPC.

8.ª) A respeito da questão fundamental de direito em causa nestes autos, isto é, da mencionada questão do reconhecimento do direito de preferência aquando de venda referente a todos os bens integrantes da respetiva herança e relativa a todos os herdeiros (E NÃO APENAS DA VENDA DO QUINHÃO HEREDITÁRIO DE ALGUM OU ALGUNS DELES), aquele acórdão-fundamento do STJ de 22-01-2013, de forma bem clara e inequívoca, refere o acima transcrito, aqui dado totalmente por reproduzido, com a devida vénia e a adesão integral aos seus pressupostos, fundamentação e conclusões da parte dos aqui recorrentes.

9.ª) Assim, e por consequência, sufragando-se tal entendimento do STJ, como o fazem os ora recorrentes, resultará inevitável que tenha de ser reconhecido o direito de preferência invocado por estes, sobre os dois descritos prédios rústicos, tendo em devida consideração que:

I) - O executado/réu em questão, DD, é precisamente o único e universal herdeiro das heranças abertas por óbito de seus pais – cfr. o ponto 5. dos factos provados e a respetiva escritura de habilitação de herdeiro junta com a petição inicial;

II) - A penhora efetuada abrangeu o quinhão hereditário que aquele executado/réu, DD, detinha na Herança por Óbito de FF (seu pai) e o quinhão hereditário que o mesmo executado detinha na herança por Óbito de GG (sua mãe) – cfr. o ponto 3. dos factos provados;

III) - E ainda que, tais quinhões hereditários são compostos pelos seguintes bens imóveis, todos situados na freguesia de ..., concelho de ...: artigos urbano 65; rústico 1117; rústico 1151; rústico 1161; rústico 1154; rústico 1148; rústico 1418; rústico 1990; rústico 2139 – cfr. o ponto 4. dos factos provados e bem assim o doc. nº 1 junto com a petição inicial;

IV) - A Direção de Finanças ... – Serviço de Finanças ... ..., não procedeu à notificação dos proprietários confinantes dos prédios que integram os referidos quinhões hereditários – cfr. o ponto 11. dos factos provados.

10.ª) Em resumo, estamos no caso dos presentes autos, como no caso do acórdão-fundamento, perante a mesma questão fundamental de direito: a questão do reconhecimento do direito de preferência aquando de venda referente a todos os bens integrantes da respetiva herança e relativa a todos os herdeiros (E NÃO APENAS DA VENDA DO QUINHÃO HEREDITÁRIO DE ALGUM OU ALGUNS DELES), ainda que com autonomização dos bens em que se suscitou e suscita o invocado direito de preferência (neste caso, relativamente a dois prédios rústicos confinantes), como é o caso dos autos, situação em que, desde logo, resulta bem patente que os próprios serviços da autoridade tributária, também para efeitos de impostos, fizeram a liquidação para cada um dos prédios constantes dos quinhões hereditários do executado/réu.

11.ª) Posto o que, em face de tal contradição entre julgados, afigura-se aos recorrentes como sendo de todo conveniente a sanação de tal divergência jurisprudencial e, por este meio, a elucidação das consequências jurídicas em face da resposta que vier a ser dada a tal questão fundamental de direito (cfr. al. c) do nº 1 do art. 672º do CPC).

12.ª) Mais sucede, ainda, que entendem os recorrentes, salvo melhor opinião, que no presente caso dos autos concorrem manifestamente os requisitos ou pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excecional melhor estatuídos nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 672º do CPC [quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, ou estejam em causa interesses de particular relevância social].

13.ª) Efetivamente, a questão jurídica fundamental decidenda, acima já bastamente descrita, constitui, quer pelo seu âmbito quer pela sua natureza, intimamente ligados à vida jurídico-comunitária no seu quotidiano em termos de sucessões hereditárias e de alienações de quinhões hereditários, uma questão que, quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social, se reveste de importância fundamental e sendo o pronunciamento sobre tal questão nesta instância manifestamente necessária para uma melhor aplicação do direito, objetivo esse que naturalmente caberá sempre ter presente e tentar prosseguir por parte dos intervenientes judiciários e, desde logo, por parte dos tribunais superiores.

14.ª) Assim, quanto à sua relevância jurídica, resulta claro, para os recorrentes, que por via de decisão a tal questão fundamental nos presentes autos de revista excecional, sairá beneficiada sem qualquer dúvida a aplicação do direito em casos semelhantes, nos quais estejam em causa a invocação do direito de preferência, nos sobreditos pressupostos de identidade de julgados: reconhecimento do direito de preferência aquando de venda referente a todos os bens integrantes da respetiva herança e relativa a todos os herdeiros (E NÃO APENAS DA VENDA DO QUINHÃO HEREDITÁRIO DE ALGUM OU ALGUNS DELES).

15.ª) Aqui, voltando a sublinhar-se, dada a sua importância, do que a este respeito ficou a constar no acórdão-fundamento e que vem a tocar na matéria jurídica do chamado “contrato indireto”: «Havendo inscrição de bens imóveis integrados em herança indivisa a favor de todos os herdeiros interessados na respetiva partilha, a alienação de todas e de cada uma das quotas-partes nessa herança (v. g., o quinhão hereditário) a favor de determinada pessoa, implica a alienação dos bens nela integrados (…) Tudo se passa como se, concentrando-se por essa via os direitos sucessórios numa só pessoa, a herança passasse a ter um só e universal herdeiro (…) A utilização do expediente de, por via da alienação de todos os quinhões hereditários, se transmitir a propriedade sobre bens concretos e determinados da herança configura-se, assim, com o que a doutrina tem designado como contrato indireto”.»

16.ª) Para além de que, igualmente resulta nítida e manifesta a particular relevância social dos interesses em questão, interesses estes referentes à sucessão hereditária e à alienação de quinhões hereditários ligados à vida quotidiana ou diária dos cidadãos e com enormíssimas repercussões e verificação recorrente, por se tratar de fenómenos intrinsecamente ligados à vida humana, fenómenos que, dito de outro modo, estão necessariamente ligados “ao nascer e ao morrer” do humano e ao comércio jurídico – constante e persistente – resultante dos fenómenos sucessórios.

17.ª) A questão fundamental de direito assim suscitada, nos termos supra elencados, suscita, pois, quer juridicamente, quer socialmente, pela sua particular relevância ou importância, deverá merecer assim uma especial atenção jurisprudencial na interpretação e aplicação das normas legais concernentes ao exercício do direito de preferência, procedendo-se a uma cuidada e atenta tutela jurídica de tais situações.

18.ª) Estando em causa, como já mencionado, uma questão de essencial relevância jurídica e social, afigura-se como extremamente importante, para a CERTEZA e SEGURANÇA jurídicas, nas quais se deverá obviamente procurar estribar o fim última da justiça material, que seja analisada tal questão nos presentes autos de revista excecional e, por esta forma, seja alcançada a final tal justiça material.

19.ª) Pretendem, assim, os recorrentes, sempre com o devido respeito, que seja o presente recurso admitido e julgado pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, com vista à decisão mais ajustada ou adequada do litígio sub judice, para o que, e sempre no entender dos recorrentes, deverá atender-se, para esse efeito ou finalidade, ao doutamente decidido no citado acórdão-fundamento.

20.ª) Ora, em face da factualidade considerada como provada, entendem os recorrentes que dever-se-á ter como bem presente o seguinte, no que aqui importa relevar para julgamento da questão fundamental de direito antecedentemente enunciada:

- o executado/réu, DD, é efetivamente o único herdeiro de seus pais e por isso, enquanto tal, não se coloca a questão de partilha prévia da(s) herança(s);

- o mesmo não pode partilhar os bens com ele mesmo;

- sendo o único herdeiro de seus pais, os bens que constituíam o património conjugal daqueles e que com as respetivas mortes integraram as suas heranças, transferiram-se para a esfera jurídico patrimonial do filho de ambos, DD;

- para que uma venda fosse feita, nem sequer era necessário proceder ao prévio registo a favor do dito único herdeiro, para o que basta instruir o título translativo com: i)-os impostos de selo (modelo 1) apresentados nos serviços de Finanças (desses documentos consta a identificação do herdeiro e os bens que compõem as “heranças”); ii)-a habilitação de herdeiro – pela qual inexiste qualquer dúvida relativamente à titularidade dos bens – vide o doc. 2 junto com a petição inicial;

- tendo os serviços de Finanças (A.T.) pleno conhecimento funcional destes factos, porquanto têm os mesmos acesso aos modelos 1 dos Impostos de Selo apresentados por óbito dos pais do réu executado; e também porque tiveram necessariamente acesso à escritura de habilitação de herdeiros, na qual consta, precisamente, ser o referido executado o único titular dos bens penhorados e vendidos em execução;

- pelo que, defendem os recorrentes desde o início e também no presente recurso de revista, conforme o supra alegado, e cujo teor aqui dão como integralmente reproduzido para todos os efeitos, assim se evitando uma repetição ou duplicação dos seus argumentos perante V. Exas., que, no presente caso, identicamente aos termos do decidido no douto acórdão-fundamento do STJ de 22-01-2013 (proc. nº 3277/06.4TBEVR.E2.S1): TRATANDO-SE DE UMA VENDA DA PROPRIEDADE PERFEITA SOBRE TODOS OS BENS INTEGRANTES DAS HERANÇAS DOS PAIS DO RÉU DD, DO QUAL É O ÚNICO E UNIVERSAL HERDEIRO, E NÃO APENAS DA VENDA DE QUINHÃO HEREDITÁRIO DE ALGUM DESSES BENS DAS DITAS HERANÇAS, HÁ QUE RECONHECER O DIREITO DE PREFERÊNCIA DOS AQUI RECORRENTES QUANTO A DOIS PRÉDIOS TRANSMITIDOS DE QUE SÃO CONFINANTES, CONCRETAMENTE OS PRÉDIOS INSCRITOS MATRICIALMENTE SOB OS ARTIGOS RÚSTICOS 1154 E 1161 DA FREGUESIA DE ..., CONCELHO DE ....

21.ª) Em consequência do que, procedendo este entendimento dos recorrentes, como é sua convicção plena de que assim sucederá, de facto, terão e têm estes, então, o pleno direito a ver reconhecido o invocado e suscitado direito de preferência sobre aqueles dois identificados prédios rústicos.

22.ª) O qual, direito de preferência, de que os recorrentes não prescindiram nem prescindem, pretendendo, antes, ver reconhecido e declarado por este Tribunal esse direito, ao abrigo do previsto expressamente no artigo 1380º, nº 1 do Código Civil: “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.”

23.ª) Para além desse artigo 1380º, tem ainda aplicação, ao caso, o disposto nos artigos 416º a 418º, bem como o artigo 1410º, com as necessárias adaptações, todos igualmente do Código Civil.

24.ª) Por outro lado, e em consonância com tudo isso e com as normas legais acabadas de referir, teremos de ter ainda presente que a unidade de cultura para o ..., local da situação dos prédios em causa, em conformidade com o Anexo II da Portaria nº 219/2016, de 9 de Agosto, na redação resultante das alterações efetuadas pela Portaria nº 19/2019, de 15 de Janeiro, é de: 2,5 hectares para terreno de regadio; 4 hectares para terreno de sequeiro; 4 hectares para terreno de floresta.

25.ª) Sendo que, prevê ainda o artigo 417° do Código Civil (para o qual remete o artigo 1380°) que, se a coisa for vendida “juntamente com outra ou outras, por um preço global, pode o direito ser exercido em relação àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído”.

26.ª) Resulta assim do anteriormente exposto, para os recorrentes, que deverá ser-lhes reconhecido, e como tal judicialmente declarado, o direito de preferência na venda operada, relativamente aos dois aludidos prédios rústicos, com o que, desse modo, se fará Justiça!

27.ª) O douto acórdão recorrido violou, s.m.o., por incorreta interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis e tendo em conta a factualidade provada, o disposto nos artigos:

- 416º a 418º, 1380º, nº 1 e 1410º, todos do Código Civil;

- Portaria nº 219/2016, de 9 de agosto (e seu Anexo II), na redação resultante das alterações efetuadas pela Portaria nº 19/2019, de 15 de janeiro.

O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido.

Pela Formação a que alude o art. 672º/3, do CPCivil, foi proferido acórdão que admitiu o recurso de revista excecional interposto pelos autores.

Colhidos os vistos14, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO15,16

Emerge das conclusões de recurso (excecional)apresentadas por AA e BB, ora recorrentes, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:

1.) Saber se aos autores deve ser reconhecido o direito de preferência na adjudicação de dois prédios rústicos por serem titulares de terrenos confinantes com área inferior à unidade de cultura.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

1. Para cobrança da dívida com proveniência em Imposto Único de Circulação, Coimas e Encargos e Portagens correram contra DD os processos de execução fiscal n.ºs ...67 e aps., ...80 e aps., ...22,...01 e aps., ...60 e aps., ...75 e aps., num total de 139 processos, cuja quantia exequenda perfazia o valor de 20 562,32€ – cfr. documentos juntos pela autoridade tributária na sua contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

2. No âmbito de tais processos, foi efetuada em 25-03-2019 uma penhora – cfr. auto de penhora junto pela autoridade tributária na sua contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

3. A penhora efetuada abrangeu o quinhão hereditário que o executado, DD, detinha na herança por óbito, de FF (seu pai) e o quinhão hereditário que o mesmo executado detinha na herança por óbito, de GG (sua mãe).

4. Tais quinhões eram compostos pelos seguintes bens imóveis, todos situados na freguesia de ..., concelho de ...: artigos urbano 65; rústico 1117; rústico 1151; rústico 1161; rústico 1154; rústico 1148; rústico 1418; rústico 1990; rústico 2139 – cfr. documento 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

5. DD era o único e universal herdeiro das heranças deixadas por seus pais – cfr. escritura de habilitação de herdeiros junta com a petição inicial e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

6. Por despacho de 30-04-2019 proferido pelo Chefe de Finanças ... ...foi fixado o dia 30 de Julho de 2019, pelas 11:00 para a venda dos 2 quinhões hereditários acima discriminados na modalidade de leilão eletrónico – cfr. documentos juntos pela autoridade tributária na sua contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

7. A venda registada no sistema informático da AT com o n.º 2 3565.2019.16, foi realizada tendo os dois quinhões hereditários sido adjudicados a CC, por ter sido o proponente que apresentou a proposta de maior valor, € 21 600,00 – cfr. documentos juntos pela autoridade tributária na sua contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

8. O adjudicatário procedeu em 31-07-2019 ao pagamento do valor da venda: € 21 600,00, e do IMT e Imposto do Selo – cfr. documentos juntos pela autoridade tributária na sua contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

9. Em 12-08-2019, foi proferido o despacho pelo Chefe de Finanças ... ..., por delegação de competências do Diretor de Finanças ..., com o seguinte teor – cfr. documentos juntos pela autoridade tributária na sua contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido: “i. Em face da informação que antecede e demais elementos constantes dos autos à margem identificados, e dado que está pago o preço e acréscimos legais exigíveis a esta data, nos termos do artigo 827º do Código de Processo Civil, ADJUDICO o Móvel constituído pela verba um correspondente a 7 /8 indiviso e a verba dois correspondente a 1/8 indiviso do quinhão hereditário composto por: Artigo urbano nº 65; artigo rústico nº 1117; Artigo rústico 1151; Artigo rústico nº 1161; Artigo rústico nº 1154; Artigo rústico nº 1148; Artigo rústico nº 1418; Artigo rústico nº 1990 e Artigo rústico n9 2139 a CC, NIF ...93. ii. Proceda-se à emissão e entrega ao adquirente do competente título de transmissão, após o trânsito em julgado deste despacho. Notifique-se o executado, e o comprador deste despacho.”

10. O título de transmissão foi passado em 14-08-2019 – cfr. documentos juntos pela autoridade tributária na sua contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

11. A Direção de Finanças ... – Serviço de Finanças ... ..., não procedeu à notificação dos proprietários confinantes dos prédios que integram os referidos quinhões hereditários.

2.2. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso17 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.) SABER SE AOS AUTORES DEVE SER RECONHECIDO O DIREITO DE PREFERÊNCIA NA ADJUDICAÇÃO DE DOIS PRÉDIOS RÚSTICOS POR SEREM TITULARES DE TERRENOS CONFINANTES COM ÁREA INFERIOR À UNIDADE DE CULTURA.

Os recorrentes alegaram que “como o executado/réu, DD, é efetivamente o único herdeiro de seus pais e por isso, enquanto tal, não se coloca a questão de partilha prévia das heranças, pois o mesmo não pode partilhar os bens com ele mesmo”.

Mais alegaram que “tratando-se de uma venda da propriedade perfeita sobre todos os bens integrantes das heranças dos pais do réu, DD, do qual é o único e universal herdeiro, e não apenas da venda de quinhão hereditário de algum desses bens das ditas heranças, há que lhes reconhecer o direito de preferência quanto a dois prédios transmitidos de que são confinantes, concretamente os prédios inscritos matricialmente sob os artigos rústicos 1154 e 1161 da freguesia de ..., concelho de ...”.

Assim, concluíram que “terão e têm, então, o pleno direito a ver reconhecido o invocado e suscitado direito de preferência sobre aqueles dois identificados prédios rústicos”.

Vejamos a questão, isto é, se houve algum negócio de compra e venda de terrenos com uma área inferior à unidade de cultura, terrenos esses que fossem confinantes com o dos recorrentes, de modo a poder-se dizer que estes gozavam de direito de preferência na venda dos mesmos.

Querendo vender a coisa que é objeto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contratoart. 416º/1, do CCivil.

Se o obrigado quiser vender a coisa juntamente com outra ou outras, por um preço global, pode o direito ser exercido em relação àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, sendo lícito, porém, ao obrigado exigir que a preferência abranja todas as restantes, se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciávelart. 417º/1, do CCivil.

A prestação de coisa diversa da que for devida, embora de valor superior, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento – art. 837º, do CCivil.

Se o devedor efetuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respetiva – art. 840º/2, do CCivil.

Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço – art. 874º, do CCivil.

Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinanteart. 1380º/1, do CCivil.

Os sucessores são herdeiros ou legatários – art. 2030º/1, do CCivil.

Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados – art. 2030º/2, do CCivil.

Havendo um único interessado, o inventário a que haja de proceder-se nos termos do n.º 2 do artigo anterior tem apenas por fim relacionar os bens e, eventualmente, servir de base à liquidação da herança – art. 2103º, do CCivil.

Quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietáriosart. 2130º/1, do CCivil.

A unidade de cultura para o ... é de: 2,5 hectares para cultura de regadio; 4 hectares para cultura de sequeiro; 4 hectares para floresta – Anexo II, da Portaria 19/2019 de 15-01, que alterou a Portaria 219/2016, de 9 de Agosto.

O direito de preferência (art. 1380º, do CCivil) apresenta os seguintes pressupostos: a) venda ou dação em cumprimento, b) de prédio com área inferior à unidade de cultura, c) que seja confinante com o prédio do preferente, d) também ele com área inferior à unidade de cultura, e) o terceiro adquirente não ser proprietário confinante à data do negócio jurídico18.

Não cabe preferência quanto a negócio jurídico gratuito, mas apenas quanto a venda e dação em cumprimento19.

No caso, houve compras e vendas de terrenos de áreas inferiores à unidade de cultura, que fossem confinantes com o dos recorrentes, de modo a poder dizer-se que estes poderiam gozar de direito de preferência na sua compra?

A compra e venda é um contrato pelo qual se transmite uma coisa ou um direito contra o recebimento de uma quantia em dinheiro (preço)20.

A compra e venda tem um efeito real (transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito vendido), e dois efeitos obrigacionais (obrigação para o vendedor de entregar a coisa objeto do contrato e a obrigação para o comprador de pagar o preço).

Ora, no âmbito de execuções fiscais, foram adjudicados ao propoente, CC, que apresentou a melhor proposta, dois quinhões hereditários que o executado, DD, detinha nas heranças abertas por óbito dos seus pais.

Poder-se-á dizer, que com a alienação dos quinhões hereditários efetuada na execução fiscal, se alienaram concretamente determinados bens imóveis, no caso os prédios inscritos matricialmente sob os artigos rústicos 1154 e 1161, ou, só foram alienados os direitos relativos às respetivas quotas hereditárias?

O art. 2030º do CC determina que os sucessores são herdeiros ou legatários. Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados. O critério legal de distinção assenta na determinação ou indeterminação dos bens deixados: o sucessor será herdeiro se recebe bens determinados; será legatário se recebe bens certos e determinados (com exclusão de outros bens)21.

Assim, diz-se herdeiro aquele que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido, isto é, aquele sucessor que recebe bens indeterminados deste património.

Quando o herdeiro sucede na totalidade do património do falecido nenhuma dúvida se levanta, visto que é único e, portanto, não existe necessidade de qualquer critério para o distinguir de quem quer que seja. Ele é o herdeiro universal. Aliás, o herdeiro é chamado a suceder não em bens determinados, pois que o seu direito se estende, se não de forma real, pelo menos virtualmente, à totalidade da herança. É um sucessor a título universal22,23,24.

Quota da herança significa uma fração desta, uma fração aritmética, ainda que não alíquota, isto é, mesmo que não se contenha no todo um número exato de vezes. Pode traduzir-se, por exemplo, em expressões como metade, um quarto, ou então numa qualquer percentagem, como seja 30%, 50%25,26.

No caso dos autos, o executado como herdeiro único da herança aberta por óbito dos seus pais, não sucedeu numa quota da mesma, nem em bens indeterminados, mas na totalidade do património do falecido, isto é, nos concretos bens que faziam parte desse património.

É certo que enquanto a herança não estiver partilhada, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles.

depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança.

O domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efetivam após a partilha, uma vez que até aí a herança constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota parte do património hereditário27,28.

Assim, só se pode dividir os bens da herança de que se seja proprietário, ou seja, que tenham sido atribuídos aos herdeiros em partilha previamente realizada.

A ratio de tal solução é muito simples: é que, até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fração da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota.

É pela partilha (extrajudicial ou judicial e, neste caso, através do processo de inventário-divisório) que serão adjudicados os bens dessa universalidade que é herança e que preencherão aquelas quotas29.

Do facto de serem chamados à sucessão não se segue, necessariamente, que se lhes radique desde logo a qualidade de sucessores, pois é mister que a aceitem, retroagindo neste caso os efeitos da aceitação ao momento inicial de abertura30,31.

Porém, nos autos, em que há apenas um interessado nas heranças, não há que partilhar os respetivos patrimónios hereditários, porquanto estes lhe serão adjudicados, na totalidade32,33,34.

Assim sendo, não havendo que partilhar os bens que integravam os patrimónios hereditários, o executado era o proprietário de todos os bens que integravam tais patrimónios, e não titular de um direito indivisível sobre os mesmos (o património do executado preenchia-se com os bens integrativos do património dos seus falecidos pais, que estavam concretamente determinados).

Como o executado era proprietário dos prédios inscritos sob os artigos rústicos 1154 e 1161 e, não titular de um direito relativo a quinhões hereditárias, com a adjudicação pelas finanças dos bens constantes dos mesmos, onde aqueles imóveis se integravam, tal alienação terá que se ter por realizada em relação a cada um desses bens e, não em relação à universalidade.

Como se referiu, os herdeiros são titulares de um direito indivisível, e enquanto se não fizer a partilha, tal direito recai sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados dela, não podendo, pois atribuir-se ao co-herdeiro, antes da partilha, a qualidade de proprietário de qualquer bem da herança35.

Porém, havendo um só interessado nas heranças, como era o caso dos autos, não havia que partilhar os patrimónios hereditários, porquanto estes seriam adjudicados, na totalidade, ao único interessado, detendo este, por isso, a qualidade de proprietário dos bens integrantes das heranças e, não titular de um direito indiviso sobre as mesmas.

Estando o executado habilitado como filho único das heranças abertas por óbito de seus pais, a penhora dos direitos às heranças, converteu-se automaticamente na penhora dos bens com que foram formados os quinhões hereditários36.

Concluindo, como na adjudicação se transmitiram bens imóveis pertencentes ao executado, e não quinhões hereditários (direito às heranças abertas por óbito dos seus pais), ocorreram compras e vendas dos prédios inscritos sob os artigos rústicos 1154 e 1161, que podem justificar uma preferência na sua compra pelos proprietários dos terrenos confinantes com os mesmos, no caso, aos recorrentes.

Temos, pois, que não podendo ser alienados os quinhões hereditários do executado nas heranças abertas por óbito dos seus pais, isto é, o direito a quotas hereditárias, mas tendo que ser alienados os concretos bens integrantes das mesmas heranças, pois sendo herdeiro único era o proprietário dos bens, poderá haver o direito de preferência consignado no art. 1380º, do CCivil, aos proprietários dos terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura.

Destarte, procedendo o recurso de revista, há que revogar o acórdão recorrido, determinando o prosseguimento dos autos, para conhecimento dos pedidos, v.g., de reconhecimento do direito de preferência consignado no art. 1380º, do CCivil37.

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente a revista e, consequentemente, em revogar-se o acórdão recorrido, determinando o prosseguimento dos autos.

3.2. REGIME DE CUSTAS

Custas pelo recorrido (na vertente de custas de parte, por outras não haver38), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencido39.

Lisboa, 2024-04-1040,41

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(Manuel Aguiar Pereira) – 1º adjunto

(Jorge Arcanjo) – 2º adjunto

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1. As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos – art. 627º/1, do CPCivil.↩︎

2. Recursos, «em sentido técnico-jurídico, são os meios específicos de impugnação das decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida» – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 463.↩︎

3. No nosso sistema processual (no que à apelação e à revista) predomina o «esquema do recurso de reponderação»: o objeto do recurso é a decisão impugnada, encontrando-se à partida, vedada a produção defeitos jurídicos ex-novo. Através do recurso, o que se visa é a impugnação de uma decisão já ex-ante proferida que não o julgamento de uma qualquer questão nova. Uma relevante exceção ao modelo de reponderação é a que se traduz nas questões de conhecimento oficioso: o tribunal superior pode sempre apreciar qualquer dessas questões ainda que não suscitadas perante o tribunal a quo – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 468.↩︎

4. Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão – art. 627º/2, do CPCivil.↩︎

5. A lei estabelece uma divisão entre recursos ordinários e recursos extraordinários a partir de um critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão. Enquanto os recursos ordinários pressupõem que ainda não ocorreu o trânsito em julgado, devolvendo-se ao tribunal de recurso a possibilidade de anular, revogar ou modificar a decisão, os recursos extraordinários são interpostos depois daquele trânsito – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 777.↩︎

6. Aquele que interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

7. Aquele contra quem se interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

8. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎

9. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 301.↩︎

10. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎

11. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎

12. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎

13. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

14. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

15. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎

16. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎

17. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎

18. RUI PINTO, CLÁUDIA TRAINDADE in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume II, 2ª Edição, p. 196.↩︎

19. RUI PINTO, CLÁUDIA TRAINDADE in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume II, 2ª Edição, p. 197.↩︎

20. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, volume III, 5ª ed., p. 19.↩︎

21. CÓDIGO CIVIL ANOTADO, Livro V, Direito das Sucessões, Cristina Araújo Dias (Coord.), p. 23.↩︎

22. PAIS DE AMARAL, Direito da Família e das Sucessões, 6ª edição, p. 272.↩︎

23. O herdeiro não é chamado a suceder em bens determinados, e o seu direito estende-se, real ou virtualmente, à totalidade da herança ou a uma quota-parte dela – CRISTINA ARAÚJO DIAS, Código Civil Anotado, Livro V, Direito das Sucessões, Cristina Araújo Dias (Coord.), p. 23.↩︎

24. Pode pelo contrário haver dois ou mais herdeiro e nesta hipótese a universalidade é adquirida por todos. O património torna-se comum a todos eles. Além, a uma sucede um; aqui, a um sucede uma pluralidade – GALVÃO TELLES, Direito das Sucessões, 4ª edição, p. 154.↩︎

25. PAIS DE AMARAL, Direito da Família e das Sucessões, 6ª edição, p. 272.↩︎

26. Não há dúvidas sobre a qualificação do sucessor como herdeiro se vem a suceder na totalidade do património de uma pessoa. Mas é também qualificado como herdeiro o que sucede numa quota do património do falecido, ou seja, qualquer fração aritmética que represente uma quota ideal ou abstrata do todo – CRISTINA ARAÚJO DIAS, Código Civil Anotado, Livro V, Direito das Sucessões, Cristina Araújo Dias (Coord.), p. 23.↩︎

27. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, p. 185.↩︎

28. A contitularidade do direito à herança significa tanto como um direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si mesma considerada – PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, 2ª ed. 1966-1967.↩︎

29. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-01-30, Relator: ÁLVARO RODRIGUES, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/.↩︎

30. LOPES CARDOSO, Partilhas Judicias, volume 1, pp. 3/4.↩︎

31. Da aceitação sucessória apenas decorre diretamente para cada um dos herdeiros o direito a uma quota hereditária, não a titularidade no direito de propriedade dos respetivos bens que lhes advirá pela partilha – CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 3ª edição.↩︎

32. ISABEL MENÉRES CAMPOS, Código Civil Anotado, Livro V, Direito das Sucessões, Cristina Araújo Dias (Coord.), p. 128.↩︎

33. No caso de herança deferida a interessado único (art. 2103.º do CC) não há lugar a partilha e, por conseguinte, não pode ocorrer o prejuízo antes mencionado, pois o titular do direito sabe em que bens virá a preencher-se a sua parte na herança, ou seja, o património do executado preenche-se com os bens integrativos do património da sua mãe que estão determinados – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-05-29, Relator: SALAZAR CASANOVA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

34. A partilha tem justificação quando existem vários herdeiros a concorrer a toda a herança ou a uma quota da mesma. Se existir apenas um herdeiro, não tem de haver partilha – PAIS DE AMARAL, Direito da Família e das Sucessões, 6ª edição, pp. 275/76.↩︎

35. Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 14-01-1972, Revista dos Tribunais, ano 90º, p. 69.↩︎

36. A penhora do direito a uma herança indivisa não está sujeita a registo nem pode ser registada, por se tratar de direito a uma parte indeterminada de bens, desconhecendo-se aqueles que virão a constituir a quota do executado. Mas se o executado está habilitado como filho único das heranças de seus pais, a penhora do direito à herança converte-se automaticamente na penhora dos bens com que foi formado o quinhão hereditário, impondo-se o registo da penhora sobre os bens imóveis que a compõem – Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2000-03-02, Relator: COELHO DA ROCHA, http://www.dgsi.pt/jtrp.↩︎

37. Não sendo o preferente notificado, essa omissão tem a mesma consequência que a falta de notificação ou de aviso prévio na venda particular, sem prejuízo da possibilidade de o preferente intentar, nos termos gerais, uma ação de preferência. Do mesmo modo, se a notificação do preferente se frustrar, tal não preclude a possibilidade de o mesmo propor uma ação de preferência – MARCO CARVALHO GONÇALVES, Lições de Processo Civil Executivo, 4ª ed., p. 503.↩︎

38. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎

39. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.↩︎

40. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎

41. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎