RECURSO DE REVISÃO
DECISÃO DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
REGIME APLICÁVEL
NATUREZA JURÍDICA
PRAZO DE CADUCIDADE
DIREITOS DE PERSONALIDADE
MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
JORNALISTA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE IMPRENSA
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
DIREITO AO BOM NOME
DIREITO A HONRA
Sumário


I – A marcha do recurso de revisão, comporta, por norma, uma fase rescindente, destinada a apreciar o fundamento do recurso, mantendo-se ou revogando-se a decisão contestada e, uma fase rescisória, que se destina a conseguir a decisão que deve substituir-se à recorrida.
II – Se o fundamento da revisão for julgado procedente, é revogada a decisão recorrida (art. 701º/1), e profere-se nova decisão (substituição da decisão revogada por outra a proferir por um juiz ou conferência diferente) .
III – Em ações cíveis para ressarcimento de danos provocados por factos (ações ou omissões) cometidos através da comunicação social, os responsáveis são, para além dos autores das peças divulgadas, a empresa proprietária do órgão ou estação difusora, desde que os factos danosos praticados pelos autores (comissários) o tenham sido no exercício das funções confiadas ao comitente.
IV – Nas situações em que há, legalmente, responsabilidade solidária entre a pessoa coletiva (comitente) e os seus agentes (comissários), apenas responderá a pessoa coletiva nas situações em que não tiver sido possível a concreta determinação do comissário culpado da prática dos factos que são fonte de responsabilidade civil extracontratual.
V – A responsabilidade objetiva do comitente só existe se existirem elementos que permitam concluir pela responsabilidade subjetiva do comissário ou comissários, responsabilidade a aferir por recurso ao art. 483º do CCivil.
VI – O nosso ordenamento jurídico acolheu, no art. 165º do CCivil a responsabilidade extracontratual das pessoas coletivas por atos praticados por órgãos, agentes ou mandatários acolhendo um princípio de justiça (afloramento do principio “ubi commoda, ibi incommoda”) segundo o qual quem utiliza ou emprega determinadas pessoas para vantagem própria deve suportar os riscos dessa atividade.
VII – Prescindindo da culpa do comitente ou da pessoa coletiva, o regime legal em vigor, exige a culpa do comissário, órgão, agente ou mandatário, igualmente exigindo que os atos ou factos ilícitos cometidos pelo comitido o tenham sido no quadro e no âmbito da relação de comissão.
VIII – O direito de personalidade como um direito subjetivo, deve ser observado por todos, estando aqui abrangidos direitos que recaem sobre bens personalíssimos, como o direito à vida, à integridade física, à imagem ou ao nome.
IX – A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento.
X – Entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais concretamente o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos.
XI – O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera que, estando em causa a liberdade de expressão em matéria de relevante interesse público, a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objetivos, para garantir a proteção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o art. 10.º/2 da Convenção, sendo que essa exceção tem de corresponder a uma “necessidade social imperiosa”.
XII – À luz da Constituição, a liberdade de expressão e a honra têm o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstrata entre si.
XIII – Sendo os direitos de liberdade de expressão e à honra e ao bom nome, de igual hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se a harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais
XIV – Se é certo que a Constituição não traça uma hierarquia dos direitos fundamentais, não se pode ignorar que a CEDH confere primazia à liberdade de expressão, em detrimento do direito à honra e ao bom nome.
XV – Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro planos.
XVI – Assim, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estão preenchidos os pressupostos do recurso à equidade; se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; se na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados, v.g., o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado e, se na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.
XVII – Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana.
XVIII – A teoria ou princípio da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade da condição determinante, no sentido de que esta tenha determinado só por si e exclusivamente o dano, entendendo-se, antes, a possibilidade de intermediação de outros fatores que podem colaborar na produção do dano, fatores esses concomitantes ou posteriores (relevância da causalidade indireta ou mediata).
XIX – A condição só deixará de ser causa do dano quando deva, dentro de regras comuns de experiência, ser considerada de todo indiferente para a produção desse dano, não sendo, por isso, necessária uma causalidade simultânea e direta bastando uma causalidade indireta, a qual se verificará sempre que o facto não produz ele mesmo o dano mas desencadeia ou proporciona um outro facto (concomitante ou posterior) que leva à verificação do dano.
XX – Estando-se perante uma situação onde não seja possível apurar a responsabilidade individual e subjetiva dos jornalistas que atuaram no interesse e por conta do operador de televisão, deverá a decisão ser ponderada e tomada por recurso ao disposto nos arts. 165.º e 500.º/2, do CCivil, ou seja, havendo responsabilidade solidária entre a pessoa coletiva e o órgão, agente ou mandatário, responderá apenas a sociedade, se não for possível determinar em concreto o agente culpado do ato.

Texto Integral

RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO1,22398/06.8TBPDL-A.S1
RECORRENTE3 SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, SA.
RECORRIDO4 AA


***


SUMÁRIO5,6

I – A marcha do recurso de revisão, comporta, por norma, uma fase rescindente, destinada a apreciar o fundamento do recurso, mantendo-se ou revogando-se a decisão contestada e, uma fase rescisória, que se destina a conseguir a decisão que deve substituir-se à recorrida.

II – Se o fundamento da revisão for julgado procedente, é revogada a decisão recorrida (art. 701º/1), e profere-se nova decisão (substituição da decisão revogada por outra a proferir por um juiz ou conferência diferente) .

III – Em ações cíveis para ressarcimento de danos provocados por factos (ações ou omissões) cometidos através da comunicação social, os responsáveis são, para além dos autores das peças divulgadas, a empresa proprietária do órgão ou estação difusora, desde que os factos danosos praticados pelos autores (comissários) o tenham sido no exercício das funções confiadas ao comitente.

IV – Nas situações em que há, legalmente, responsabilidade solidária entre a pessoa coletiva (comitente) e os seus agentes (comissários), apenas responderá a pessoa coletiva nas situações em que não tiver sido possível a concreta determinação do comissário culpado da prática dos factos que são fonte de responsabilidade civil extracontratual.

V – A responsabilidade objetiva do comitente só existe se existirem elementos que permitam concluir pela responsabilidade subjetiva do comissário ou comissários, responsabilidade a aferir por recurso ao art. 483º do CCivil.

VI – O nosso ordenamento jurídico acolheu, no art. 165º do CCivil a responsabilidade extracontratual das pessoas coletivas por atos praticados por órgãos, agentes ou mandatários acolhendo um princípio de justiça (afloramento do principio “ubi commoda, ibi incommoda”) segundo o qual quem utiliza ou emprega determinadas pessoas para vantagem própria deve suportar os riscos dessa atividade.

VII – Prescindindo da culpa do comitente ou da pessoa coletiva, o regime legal em vigor, exige a culpa do comissário, órgão, agente ou mandatário, igualmente exigindo que os atos ou factos ilícitos cometidos pelo comitido o tenham sido no quadro e no âmbito da relação de comissão.

VIII – O direito de personalidade como um direito subjetivo, deve ser observado por todos, estando aqui abrangidos direitos que recaem sobre bens personalíssimos, como o direito à vida, à integridade física, à imagem ou ao nome.

IX – A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento.

X – Entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais concretamente o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos.

XI – O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera que, estando em causa a liberdade de expressão em matéria de relevante interesse público, a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objetivos, para garantir a proteção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o art. 10.º/2 da Convenção, sendo que essa exceção tem de corresponder a uma “necessidade social imperiosa”.

XII – À luz da Constituição, a liberdade de expressão e a honra têm o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstrata entre si.

XIII – Sendo os direitos de liberdade de expressão e à honra e ao bom nome, de igual hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se a harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais

XIV – Se é certo que a Constituição não traça uma hierarquia dos direitos fundamentais, não se pode ignorar que a CEDH confere primazia à liberdade de expressão, em detrimento do direito à honra e ao bom nome.

XV – Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro planos.

XVI – Assim, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estão preenchidos os pressupostos do recurso à equidade; se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; se na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados, v.g., o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado e, se na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

XVII – Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana.

XVIII – A teoria ou princípio da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade da condição determinante, no sentido de que esta tenha determinado só por si e exclusivamente o dano, entendendo-se, antes, a possibilidade de intermediação de outros fatores que podem colaborar na produção do dano, fatores esses concomitantes ou posteriores (relevância da causalidade indireta ou mediata).

XIX – A condição só deixará de ser causa do dano quando deva, dentro de regras comuns de experiência, ser considerada de todo indiferente para a produção desse dano, não sendo, por isso, necessária uma causalidade simultânea e direta bastando uma causalidade indireta, a qual se verificará sempre que o facto não produz ele mesmo o dano mas desencadeia ou proporciona um outro facto (concomitante ou posterior) que leva à verificação do dano.

XX – Estando-se perante uma situação onde não seja possível apurar a responsabilidade individual e subjetiva dos jornalistas que atuaram no interesse e por conta do operador de televisão, deverá a decisão ser ponderada e tomada por recurso ao disposto nos arts. 165.º e 500.º/2, do CCivil, ou seja, havendo responsabilidade solidária entre a pessoa coletiva e o órgão, agente ou mandatário, responderá apenas a sociedade, se não for possível determinar em concreto o agente culpado do ato.



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ACÓRDÃO7



Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

Da FASE RESCINDENTE8,9,10

SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, S.A., veio ao abrigo do disposto pelos arts. 696º/1/f e 698º/1, ambos do CPCivil, interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido em 2012-10-23, pela 1.ª secção, deste Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 2398/06.8TBPDL.L1.S1, pedindo que, seja autorizada a revisão da decisão nacional condenatória proferida, formulando as seguintes conclusões:

A) A Recorrente sustenta o presente pedido de revisão de decisão judicial transitada em julgado no fundamento previsto na al. f) do art. 696.° do CPC, invocando a prolação de acórdão pelo TEDH, instância a que recorreu nos termos do art. 34.° da CEDH, sob a alegação de que a sua condenação no âmbito do processo cível n.º 2.398/06.8TBPDL.L1.S1, constitui uma ingerência desproporcional e não necessária, numa sociedade democrática, ao direito de liberdade de expressão e de informação que assiste à Recorrente, de acordo com o disposto no artigo 10.º da CEDH, verificando-se a sua violação pelas instâncias judiciais portuguesas;

B) É de considerar admissível a revisão de decisão judicial (condenatória) transitada em julgado perante decisão proveniente de qualquer instância internacional (também transitada em julgado), desde que essa decisão internacional seja vinculativa do Estado português, exigindo-se, como seu único pressuposto, a ocorrência de inconciliabilidade entre as duas decisões ou de graves dúvidas sobre a justiça da condenação, o que, em ambos os casos, se verifica na presente situação;

C) A reabertura do processo nacional revela-se indispensável perante uma decisão em que o TEDH constate que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à CEDH, ou, ainda, quando se constate a ocorrência de uma violação da CEDH em virtude de erros ou falhas processuais de uma gravidade tal que suscite fortes dúvidas sobre a decisão e, simultaneamente, a parte lesada continue a sofrer consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH e que apenas podem ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a restitutio in integrum, o que também se verifica no presente caso;

D) No caso vertente, estamos perante decisão do TEDH condenatória do Estado Português, na qual se considerou que a decisão condenatória proferida pelas instâncias nacionais contra a Recorrente violou o art. 10° da CEDH, por se haver entendido que a sua condenação constitui uma ingerência no direito à liberdade de expressão e de informação, pelo que, há que conceder provimento ao recurso autorizando a revisão da decisão nacional condenatória proferida por esse STJ.

Admitido o recurso, por acórdão proferido por Supremo Tribunal de Justiça em 2024-01-09, foi julgado procedente o fundamento de revisão e, revogada a decisão revidenda.

As partes, devidamente notificadas, vieram apresentar alegações por escrito11,12 (art. 701.º/1/a, do CPCivil).

Se o fundamento da revisão for julgado procedente (como se verificou), é revogada a decisão recorrida (art. 701º/1), e profere-se nova decisão (substituição da decisão revogada por outra a proferir por um juiz ou conferência diferente)13.

Colhidos os vistos14, cumpre decidir.

DA FASE RESCISÓRIA15

AA, intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO SA, S.A., L..., S.A. e, BB pedindo:

a) A condenação das 1ªa e 2ª RR a emitirem em todos os seus serviços noticiosos de um dia, texto lido pelo 3.°R, informando que todas as imputações feitas ao A relativamente ao caso de pedofilia ...e noticiadas pela SIC e SIC Notícias nos dias que indica eram falsas, manifestando desculpas pela ofensa à honra e dignidade do A;

b) A pagarem, solidariamente com o 3º R, a quantia de 65 758,976€, a título de danos patrimoniais e, ainda, quantia nunca inferior a 400 000,00€ a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios à taxa supletiva, atualmente de 4%, a partir da citação e até integral pagamento.

Foi proferida sentença que condenou a ré, SIC, S.A. a pagar ao autor a quantia de 145 758,97€ e, solidariamente com o réu, BB, 40% de tal quantia, montante em que este foi igualmente condenado, bem como condenou a ré, SIC, S.A., a facultar ao autor a retificação ou direito de resposta, no noticiário com maior audiência, quer da SIC, S.A., quer da SIC Notícias.

O Tribunal da Relação de Lisboa, após alteração da decisão sobre a matéria de facto, revogou a sentença e, consequentemente, condenou a ré, SIC, SA a pagar ao autor a quantia de 10 000,00€, acrescida de juros de mora legais desde a citação, e absolveu o réu, BB.

Inconformados, vieram o autor e a interpor recurso de revista deste acórdão.

Alegou, em síntese, o recorrente/autor, AA que:

- Foi feita no acórdão uma errada interpretação dos factos ao considerar-se que não tinham sido imputados ao recorrente (questão de haver ou não identificação do recorrente) atos desonrosos e de natureza criminal que, sendo falsos, ofendem a honra e o bom nome de qualquer cidadão (alega errada interpretação do disposto nos artigos 180º CPenal, 70º CCivil e 25º e 26º CRP), para além de errada qualificação jurídica;

- Num segundo momento foi afirmado que a demissão do recorrente do cargo de Secretário ... estava relacionado com o escândalo de pedofilia continuando-se, assim, a imputar-lhe atos desonrosos e censuráveis, ofensivos da sua honra e bom nome;

- Houve violação do direito à honra e bom nome do recorrente não só num primeiro momento como também na continuidade dos comentários produzidos e difundidos;

- A imputação publica de factos, ainda que sob a forma de suspeita, relativos à vida privada de cidadão que exerce funções publicas e que se vieram a verificar não corresponderem à verdade, constitui manifesta ofensa ao seu direito á honra e bom nome, sendo por isso ilícita a sua divulgação ( violação do disposto nos artigos 10º da CEDH, 25º, 26º e 37º nº 4 da CRP, 12º da DUDH, 70º CCivil, 14º alínea a) do Estatuto dos Jornalistas – Lei 1/99, artigo 3º da Lei de Imprensa;

- A gravidade dos danos não patrimoniais deve ser aferida objetivamente, tendo como função a compensação pelos incómodos físicos e psicológicos e prejuízos de natureza moral e espiritual com alcance significativo e não meramente simbólico;

- Houve consequências danosas a nível patrimonial que devem ser indemnizadas, nomeadamente os rendimentos deixados de receber em virtude do pedido de exoneração apresentado;

- A responsabilidade pela reparação dos danos é de todos os recorridos (RR pessoas coletivas nos termos decorrentes do acórdão e R BB por ter sido este que proferiu as afirmações que permitiram a identificação do recorrentes.

Por outro lado, alegou, em síntese, a recorrente ré, SIC, S.A. que:

- É com a responsabilidade subjetiva da pessoa do diretor referido no nº 2 do artigo 31º da Lei nº 32/2003, de 22 de Agosto (Lei da Televisão temporalmente aplicável) – e não com a responsabilidade do jornalista autor do escrito ou imagem - que deve ser objetivamente responsabilizada a empresa proprietária da antena, nos termos do que dispões o artigo 500º CCivil;

- Os pressupostos legais de aplicação do disposto no artigo 500º nº 1 devem verificar-se entre a empresa jornalística e o diretor e não entre aquela e os demais jornalistas da empresa, em relação aos quais se não verificam os pressupostos para existência de uma relação de comissão;

- A lei consagra apenas a responsabilidade solidária entre a empresa jornalística e o responsável pela transmissão de conteúdos previamente gravados sendo que, por força do estatuído no nº 1 do artigo 500º a responsabilidade objetiva da empresa só existirá se houver responsabilidade subjetiva do comissário (o dito responsável), nos termos do artigo 483º nº 1 CCivil;

- O agente (responsável pela transmissão dos referidos conteúdos) que alegadamente praticou os factos ilícitos de 9/1/2004, não se encontra demandado nos autos e inexiste provada matéria que permita concluir que agiu com culpa;

- A um pivot de jornal de televisão, que lê textos com recurso a teleponto não cabe a verificação da veracidade dos textos nem, no caso, há prova de que o texto fosse conhecido do jornalista, que este era responsável pela transmissão do programa informativo ou podia impedir a transmissão;

- O facto de a recorrente ter admitido nos autos a existência de um lapso na noticia não basta ou pode substituir a exigência legal de verificação de imputação de facto desvalioso a um agente concreto, violando o acórdão recorrido o regime legal dos artigos 353º/2 CCivil (capacidade e legitimação da confissão) e 298, nº 1 CProcesso Civil;

- A culpa do agente comissário e respetivo grau, e a situação socioeconómica do lesante e do lesado não foram discutidas nem estão provadas o que, uma vez que se não presumem, obsta uma correta e equitativa fixação de eventual montante indemnizatório;

- Não há, por outro lado, elementos que permitam a fixação de nexo de causalidade entre os factos e os danos.

O autor e a ré contra-alegaram.

Emerge das conclusões dos recursos de revista apresentadas por AA e, SIC, S.A., ora recorrentes, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões16:

1.) Saber se em relação à recorrente, SIC, S.A., estão verificados os pressupostos de aplicação do disposto no artigo 500º/1, do CCivil.

2.) Saber se com a alegação da inexistência de matéria que permita concluir pela culpa do agente (o responsável pela transmissão de programas, não demandado nos autos) que, alegadamente, praticou os factos ilícitos, acrescentando-se que o simples facto de a recorrente ter admitido a existência de um lapso na notícia, não basta ou pode substituir a exigência legal de verificação de imputação de facto desvalioso a um agente concreto.

3.) Saber dos danos não patrimoniais e do respetivo quantum indemnizatório por violação dos direitos de personalidade do autor.

4.) Saber se há fundamento para indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelo autor.

5.) Saber se há responsabilidade (solidária) do réu, BB

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

A. O A., AA, nasceu no dia ...de junho de 1958, na freguesia de ..., em ... (cf. certidão de registo de nascimento a fls. 27 dos autos);

B. O A. fixou residência ... em 1984;

C. Iniciando a profissão de ... em 1986, que exerceu até 02-02-2000;

D. Atividade profissional que suspendeu para exercer as funções de Secretário ...;

E. O A. cessou tais funções no final do respetivo mandato, em outubro de 2000, com as eleições a A...

F. Nas quais foi candidato a ... a mesma A..., nas listas do ... tendo sido eleito;

G. Na sequência dessas eleições foi convidado e assumiu as funções de Secretario ...

H. Funções que exerceu até 8 de ..., data em que foi exonerado do cargo, a seu pedido, pelo Presidente ...

I. O canal de televisão BB pertence e é explorado pela 1ª ré, "Sociedade Independente de Comunicação, S.A.";

J. O canal de televisão BB Noticias pertence e é explorado pela 2ª ré, "L..., S.A."; (atualmente integrado por ato de fusão documentado nos autos, na SIC, S.A.);

K. O 3. ° R., BB, trabalha na ... por conta e sob as ordens das duas primeiras RR., e presta serviços a ambas, elaborando reportagens para as mesmas que o identificam como seu "correspondente" ...;

L. No exercício dessas suas funções, o 3." R realizou reportagens nos mesmos canais de televisão, em 6 e 7 de ... e 9 de..., e 8 de ... na SIC Noticias;

M. A SIC e a SIC Noticias abriram os seus serviços noticiosos do dia 6 e todos os serviços noticiosos do dia 7 de ... com grandes "chamadas" para o caso de "pedofilia ...";

N. E invocando como fonte das noticias um trabalho de investigação que teria sido realizado em ... pela SIC e "Expresso";

O. Fazendo comparações do caso ao "processo ...", também em investigação no continente português, afirmando-se que se tratava de uma "rede de pedofilia" e que um individuo já detido na ... era conhecido como o "CC";

P. As "chamadas" emitidas nos serviços noticiosos da SIC e da SIC Noticias nos dias 6 e 7 de ..., após a informação sobre o "processo de pedofilia", reportando: "Notáveis ... envolvidos no escândalo" referiam, como a transmitida no dia 6 de ..., pelas 20h, pela SIC, no "Jornal da Noite": "Na última semana, uma equipa de jornalistas da SIC e do EXPRESSO, ouviu diversos testemunhos na .... A maioria dos jovens fala nos mesmos nomes, são nomes que a polícia também está a investigar. Na lista de suspeitos estão políticos no... conhecidos de todo o País, há também professores, ... padre, ... magistrado, ... médicos, ... arquiteto, ... advogado e vários empresários.";

Q. Estes títulos faziam a chamada de atenção para que o maior número de pessoas não perdesse o desenvolvimento das notícias que se seguiam;

R. No desenvolvimento da notícia, é mencionada existência de uma "rede de pedofilia" ... e, em especial, na ...;

S. No dia 6 de..., pelas 20h, foi transmitida pela SIC, no "Jornal da Noite", a uma notícia, de autoria do R. BB, interpolada por duas entrevistas de rua. Com o rodapé a mencionar "Pedofilia ... envolve notáveis ...", no desenvolvimento do serviço noticioso da noite, o R. BB, de viva voz e tendo como pano de fundo o Palácio ... (edifício conhecido como sendo a ...), afirma: "A investigação SIC/ Expresso recolheu e registou inúmeras referências ao envolvimento de figuras de destaque na sociedade, mas também no plano institucional da ..., e entre estas a referência ao envolvimento de um membro do atual .... Um ..., portanto no ..., e .... Daí a extrema gravidade deste caso. Junto do ... e junto do ...fomos informados de que não vai haver qualquer comentário, por enquanto. Não há comentários oficiais, mas como é óbvio, nas ruas e na casa dos ... não se fala de outra coisa.

(Entrevistado 1) - "Bem é ...sempre houve, só que antes as pessoas calavam-se, estava tudo muito mais encoberto, hoje bem bom que as pessoas estão muito mais despertas, mais abertas, isso não pode continuar, em lado nenhum."

(Entrevistado 2) - "Eu acho que é um grande escândalo, pois eu tenho crianças, sou mãe, tenho crianças e é uma coisa que nem palavras se tem para falar."

(BB) - "A delicadeza do caso pode-se avaliar também, pelo facto do Ministério Público nos ter informado que neste caso e ao contrário do que aconteceu com o caso ..., neste caso o Ministério Publico não quer, nem vai revelar sequer o nome do procurador que está a conduzir este processo."

T. No dia 6 de ..., pelas 20h, foi transmitida pela SIC, no "Jornal da Noite", a seguinte reportagem, de autoria da jornalista, DD:

"EE - A ... é um dos locais paradisíacos de .... Para muitos dos jovens dos bairros pobres... este é também um ponto de encontro. Por isso, muitos adultos procuram este local para assediar pessoalmente os menores. FF tinha 8 anos quando começou nestas andanças. Foi na ... que conheceu gente ilustre ....

"FF" - É costume dos .... São doidos por orgias. E então, a ..., ultimamente, é demais.

EE FF - Foi também na ... que GG, amigo de FF, conheceu um médico muito conhecido na....

"GG" - Nunca o vi na casa dele...nunca o vi na casa dele, simplesmente apanhava-o muitas vezes era na ..., nos bacanais, em que ele entrava por lá adentro com três, quatro, cinco miúdos por lá adentro. Depois tive um amigo que disse que foi para a casa dele, no ..., que tinha uma casa com piscina. Entrava lá, que fazia sempre em grupo...

EE - O médico de que GG fala, está agora a ser investigado depois da detenção de HH, mais conhecido por II, preso o mês passado, pela alegada prática de...e .... II seria o angariador de menores para gente importante da ....

"Entrevistado" - Eles telefonavam para lá, a saber se tinha lá miúdos...e o II dizia que sim e eles apareciam no mesmo momento. Entravam...o II escolhia os miúdos que queriam. Dizia "Ah, sim, sim." Eles iam para uma casinha que tinha no quintal e aí acontecia depois.

DD - Portanto, era na casinha do quintal e não na garagem. Entrevistado" - Também na garagem. EE - Mas toda a gente? As pessoas viam-se umas às outras ou não?

"Entrevistado" - Não era sempre, mas, às vezes, viam. DD - Estiveste em situações em que vias outras pessoas? "Entrevistado" - Muitas vezes, eu vi. Foi aí que me apercebi que havia atos sexuais e o que acontecia na garagem.

EE - JJ é filho de gente pobre, tinha 10 anos quando foi abusado a primeira vez, foram os ... que lhe ensinaram os truques e as zonas de engate da ....

EE - Conheceste pessoas importantes aqui ...?

"JJ" - Médicos, advogados, mas não sei dizer o nome ao certo. Mas já fui com médicos, advogados...não me lembro dos nomes, mas....

EE - Aos 13 anos, JJ já reconhecia os homens que o procuravam, e foi no antigo ... na ..., onde vivia que conheceu um ... que viria a pertencer ao ....

"JJ" - Se não me engano, foi perto da minha casa, ao pé da ..., naquelas ruas ali. O carro deu-me sinal e eu fui.

DD - Que carro é que ele tinha?

"JJ" - Já não me lembro, que eu não sou muito de saber marcas de carros, mas acho que o carro era preto, se não me engano. Era uma cor escura.

DD - E foram para onde? "JJ" - Nós? Fomos para a praia ....

"Entrevistado" - Eu fui para a casa dele, e ele disse que tinha uma mesa de bilhar, para jogar. Eu fiquei logo maluco para jogar. E eu fui jogar. E durante o jogo, ele começou-me a tocar. Eu não disse nada, a primeira vez é que eu levei um susto. Isso é verdade que eu levei um susto. Disse: "Porra, o que é que esse homem vai me fazer?". Fiquei meio desorientado. E ele disse-me: "Eu vou-te dar tanto dinheirinho bom que vais ficar maluco". Foi mesmo assim. Eu não me esqueço das palavras daquele porra.

"Entrevistado" - Ele costumava-me levar, não sei se é onde ele morava, para uma casa para os lados do …, uma casa enorme, com vários quartos, já uma casa antiga. E também, entrava, só conheci um pouco da sala e conheci, das vezes que estive com ele, o quarto dele.

EE - A maioria dos testemunhos dos jovens ouvidos pela BB e pelo ..., referem sempre os mesmos nomes, falam de governantes, autarcas, médicos, ... magistrado, ...professores, vários empresários e até ... padre.

"Entrevistado"- A partir daí, o padre ligava-me todos os dias, saíamos todos os dias, e a gente ia para discotecas, ia para restaurantes, e pronto. Posso dizer que fui, durante um período de tempo, um chulo, porque eu com ele não gastava nada. Era só ele, só ele.... Portanto, o que ele me fez faz ainda mais a outros.

EE - A maioria destes jovens admite ter começado a receber dinheiro em troca de favores sexuais. Era a maneira de fugir à pobreza que afeta grande parte da população de .... KK, nasceu na .... A pobreza também lhe bateu á porta. Começou a ser rondado por adultos com capricho aos 8 anos.

"KK" - Nós aos 8 anos tínhamos de ser muito bichonas, porque não sei se era para dar prazer a eles ou para dar vontade de ir connosco para a cama ou por uma coisa assim, mas tínhamos de mostrar certas coisas femininas, tipo o máximo traje de mulher, assim...qualquer coisa assim. Os meus pais sabiam, mas fingiam à parte de que não sabiam de nada, porque eu aparecia com o dinheiro ou aparecia com qualquer coisa que eles não podiam dar, mas pronto, como é tudo famílias pobres e gente que não... que anda sempre muito fechada, então...ficavam ali e não diziam nada.

EE - Na ..., o assédio a crianças sempre se fez às claras. Os menores eram abordados nos jardins públicos e até nas escolas. Muitos foram vítimas dos próprios professores.

"Entrevistado" - Foi o de ..., uma das vezes disse para eu ir à casa dele, para apanhar qualquer coisa, fruta, e ele começou-me a apalpar, começou-me a dar uns beijinhos no pescoço, depois levou-me para uma falsa, lá no fundo da casa dele, uma falsa que lá tinha, e empurrou-me para cima da cama...

"Entrevistado" - Já tinha sido assediado por um professor de ..., tive muitas vezes que (...), nunca conseguimos nada, nunca conseguiu nada, então no liceu onde estudava eu encontrei-o, desde então começou-me a falar, a cumprimentar e muitas vezes dava-me boleia para casa e eu aceitava e muitas das vezes pelo caminho levava-me para casa dele, ele convidava e eu aceitava íamos para casa dele e tínhamos relações, isso aconteceu 3 ou 4 vezes.

EE - Os jardins de ..., em ... e o Jardim ..., na ..., eram locais onde os menores eram aliciados. Mas até um armazém, onde se preparavam comícios partidários servia.

"Entrevistado" - Muitas vezes a gente estava lá no armazém que é que era, não sei se é mandatário ou que é que era, eu sei que dizia-se que naquela altura era o braço direito do (...). Ele é que tomava conta dos armazéns e eu ia para lá fazer as bandeiras do ..., separar os autocolantes, carregar as carrinhas, e no final, às tantas da manhã, via-se (...) por exemplo, a pegar um ou dois miúdos de lá de dentro e dizer que ia levá-los a casa e …

"Entrevistado" - Já me conhecia de vista, do palacete, ..., uma vez estava a sair da escola, dá-me sinal, acena-me com a cabeça, acena a dizer que vai parar o carro, parou o carro mais à frente. Entrei e levou-me para o lado do ..., para um lado da relva, para um descampado, onde tivemos relações dentro do carro.

EE - De acordo com alguns testemunhos, este ex-... era uma das figuras que frequentavam a garagem do II. Aqui a diferença de classes não existia. Encontravam-se políticos, médicos, mas também construtores civis.

"Entrevistado" - Conheci um empreiteiro, um empreiteiro de construção civil da …, mora na …. Muitas vezes estive com ele, conhecemos na …, muitas vezes ele parava o carro, dava-me sinal, eu acedia, muitas vezes eu ia com ele tinha na altura um Jipe …, ele morava no …, numa vivenda, uma moradia ao lado do "…", aquilo é mais a …, morava lá, e muitas vezes sempre que eu ia com ele, muitas vezes íamos para uma garagem, na altura essa garagem tinha material de construção civil, esse armazém, essa garagem ficava para os lados do …, dos armazéns que havia no caminho para o ..., muitas vezes encontrávamo-nos lá, nessa altura ele dava-me 3, 4 contos e na última vez que estive com ele fomos a um ... que estava em construção em ..., na última vez que estive com ele estivemos lá e nessa altura ele deu-me 10 contos.

EE - O abuso sexual de menores ... não se resume à garagem de II. O sentimento de impunidade ultrapassava a noção de crime, e muitos destes senhores, levavam as crianças para as suas próprias casas. É o caso de um autarca.

"Entrevistado" - Um amigo meu, da mesma idade do que eu, o GG, estávamos ...fomos para casa na véspera da passagem de ano, fomos à noite para ..., e a caminho da ..., nós íamos para casa, a caminho da paragem, ele passa e oferece-nos boleia. Eu e o meu amigo aceitamos e fomos para casa com ele. Ao chegar a …, ele convidou-nos para ir a casa dele. Então nós fomos a casa dele, eu e o meu amigo, conhecemos a casa, estivemos a beber um....

DD - Como é que era a casa dele em …, lembra-se?

"Entrevistado" - Para entrar na casa tínhamos de subir umas escadas, tinha um hall de entrada, tinha uma sala grande, eu e o meu amigo estivemos a beber um licor de Porto, na altura, de seguida fomos para o quarto dele. Estivemos os três na cama, estivemos a fazer amor uns com os outros...

EE - Os luxos dos carros e das casas dos adultos com que alegadamente tiveram relações sexuais deslumbrava as crianças, muitos destes jovens descrevem a casa de um ... magistrado.

"Entrevistado" - Era o que pagava mais dinheiro, eu recebia o dinheiro e dava ao LL. EE - Há que recordar também o ..., que os levava para o ....

"Entrevistado" - Havia um ... em ..., também já nos conhecíamos a mim e ao meu amigo GG, ao sairmos do Liceu íamos muitas vezes pela Avenida passear, muitas vezes ele passava e dava-nos sinal, umas vezes dava sinal a mim, outras vezes dava sinal ao meu amigo, ele aí depois ia para casa dele, nos íamos atrás, eu ia atrás, então subíamos com ele até à casa dele, e estávamos num quarto, que devia ser local de trabalho dele e fazíamos em pé ou então sentados.

EE - O escândalo da ... em ... deverá ter despertado consciências e incentivado queixas sobre práticas recorrentes de pedofilia ..., que durante anos foram ignoradas.

LL (Coordenador PJ ...) - As pessoas começaram a tomar consciência do facto, a ver que ele tem uma maior abrangência do que efetivamente pensariam, e para além disso, penso também que tomaram consciência que, só trazendo, só participando, é que se poderia avançar mais qualquer coisa nesta área. Por outro lado, penso também que se olha para estas vítimas, deste tipo de crime em concreto, penso que, de uma maneira diferente. Diferentes em que aspeto? Encarando-as como alguém que está a dizer, pelo menos à partida, verdades. E como tal, não podem ser punidas uma segunda vez, chamando-as mentirosas.

EE - O escândalo está a abalar a sociedade ..., um meio fechado, muito marcado pela pobreza. É nos bairros mais pobres que estas crianças são angariadas.

"Entrevistado" - Eu chamo isto de chulo. Acho que toda a gente chama chulo. Porque a gente aqui diz que o chulo é a pessoa que mete o outro na prostituição. Eu não gosto...eu não me quero chamar prostituto. Eu odeio esse nome.";

U. Provado o que consta do ponto T;

V. Provado o que consta da resposta ao Ponto S;

W. Provado o que consta da resposta ao Ponto S;

X. Provado o que consta do ponto T;

Y. No dia 7 de ...nos serviços noticiosos de ambos os canais televisivos o "escândalo de pedofilia ..." foi novamente notícia de abertura, em destaques iniciais, transmitindo a SIC, no "Primeiro Jornal", pelas 13h, a seguinte notícia, de autoria do R. BB, interpolada por entrevistas de rua:

Jornalista - "Até agora, as autoridades ... tem mantido um pesado silêncio sobre o assunto.

BB - O caso da pedofilia... é um escândalo para o cidadão comum.

Entrevistado (Idoso)- É um escândalo cá para a vila, é um escândalo ...

Entrevistado {Idosa) - É uma vergonha, isto é um caso que já aborrece quem ouve, e não sei como estará quem o pratica ...

Entrevistado (Idoso) - Pois está-se a divulgar tanto, eu sinto-me envergonhado com esta situação, não gosto desta situação, eu detesto esta pedofilia ...

Entrevistado (Jovem)- Sinceramente, eu nunca pensei que isso houvesse cá ..., mas, infelizmente, existe ...

BB - Nas ruas é assim, mas nos ... permanece o silêncio, não há ainda qualquer reação oficial ao alegado envolvimento de figuras ... neste caso. O P... ... vai reunir na próxima semana, para aprovar o Plano e Orçamento de ... e aí sim o ambiente vai estar marcado por este escândalo. O Governo vai estar de estar presente.

Algumas das figuras apontadas nas denúncias passaram este fim-de-semana prolongado bem longe ..., e no plano da investigação judicial não há qualquer dado novo.

Z. Provado o que consta do ponto Y;

AA. Provado o que consta do ponto Y;

AB. Provado o que consta do ponto Y;

AC. Tais notícias e reportagens foram repetidas nos diversos serviços noticiosos da SIC do dia 7 de ..., e foram retransmitidas nos serviços noticiosos da SIC Noticias ao longo do dia;

AD. No dia 8 de ..., pelas 20h, foi transmitida pela SIC, no "Jornal da Noite", como notícia de abertura:

O Secretário ... apresentou a demissão na sequência da notícia avançada na sequência da investigação SIC/Expresso. "Voz Off"- "AA diz que nada tem a ver com os processos divulgados nos últimos dias relativos ao abuso sexual de menores.... Ressalva no entanto que não pode ignorar a onda de boatos, calúnias e referências implícitas a si próprio, Secretário .... Por isso explica que apesar do que considera a injustiça e a ignomínia em causa, ficou penalizada a honra pessoal, a autoridade como ... e que ficou penalizada a imagem do .... Sendo assim, e embora não tenha qualquer notícia de investigação ou menção à sua pessoa por parte das autoridades de Direito, tomou a decisão de apresentar a demissão, para que o ... e o ... MM não saiam beliscados ainda que por uma falsidade. AA encara a decisão de abandonar o ..., como um ato de suspensão temporária da participação política e diz querer prezar a sua própria honra e a das instituições democráticas.

Jornalista - Este caso que abala ..., rebentou na sexta-feira passada com a divulgação da investigação SIC/Expresso. Durante várias semanas foram ouvidas dezenas de testemunhas na .... Os nomes apontados por elas são quase sempre os mesmos, quase sempre figuras importantes.

Voz Off- O escândalo rebentou na passada sexta-feira, altura em que foi divulgada a investigação SIC/Expresso e já depois da prisão de HH, mais conhecido pelo II. O chamado ... é suspeito de angariar crianças nos bairros pobres .... Foi preso o mês passado pela alegada prática de... e .... A maioria dos jovens ouvidos pela SIC e pelo Expresso falam nos mesmos nomes que agora constam na lista da Polícia. Na lista de suspeitos estão políticos conhecidos ..., professores,... padre, ... magistrado, ... médicos, ... arquiteto, ... advogado e vários empresários.

AE. Provado o que consta no ponto AD.;

AF. E, enquanto em rodapé surge escrito "Escândalo de pedofilia faz 1.ª baixa no ..." foi colocada nos ecrãs imagem do 3. ° R a comentar a noticia e do A.

AG. Afirmando o 3.º R que "o assunto é vivido e seguido ... com grande intensidade";

AH. No mesmo serviço noticioso a SIC transmitiu a análise do jornalista ..., NN, que fora convidado a comentar a exoneração do A.

Jornalista - ( ... ) O comentador da SIC neste Jornal da Noite é também jornalista e ....

( .. ) Jornalista - NN, parece uma pergunta de algibeira nesta altura: porque é que se demite este secretário?

NN - Bom, como disse o BB, é preciso perceber que estas coisas têm um impacto completamente diferente num meio tão pequeno como .... Eu próprio, que já saí de ... há mais de 30 anos, quando vim estudar para ..., não tenho grande dificuldade em ler as notícias que foram publicadas e conseguir identificar a generalidade dos nomes, ou seja, criou-se, apesar de não haver nenhum arguido, criou-se, na opinião pública ..., e em particular em ..., uma pressão que politicamente criou ao ... do ... uma situação complicada e eu acho que MM agiu bem. Com sobriedade, com rapidez, porque ... e além do mais com inteligência, ao não tentar transpor uma investigação jornalística sobre um inquérito policial em curso numa espécie de cabala ... contra o ... ou contra o ..., nessa ... Jornalista - Mas não é precisamente este afastamento, o carimbo que faltava? NN Não, eu acho que não, e concluindo eu acho que ele aí terá aprendido a lição com aquilo que terá acontecido com o .....com o Governo ... com o ..., aqui em ..., no escândalo da pedofilia. Portanto, separar as águas, resolver rapidamente a questão política e agora deixar o inquérito seguir o seu ..."

AI. Provado o que consta do ponto AH;

AJ. Provado o que consta do ponto AH;

AK. Provado o que consta do ponto AH;

AL. A noticia da demissão do A. é emitida como: "A saída de AA do ...está relacionada com as notícias sobre o seu alegado envolvimento no processo de abuso sexual de menores";

AM. Sendo o rodapé emitido "Substituição de AA está relacionada com o escândalo de pedofilia";

AN. No dia 8 de ..., pelas 19h, foram transmitidas pela SIC Notícias, no "Jornal das 7", as seguintes notícias e comentários de autoria do R. BB, relativos ao pedido de exoneração do A.:

"Jornalista - Boa tarde este é o Jornal das 7 da SIC Notícias. O Secretário ... demitiu-se. A saída de AA está relacionada com o escândalo de pedofilia que abalou .... AA alega inocência e desmente qualquer relacionamento com abuso sexual de menores.

Jornalista - O escândalo de pedofilia ... fez uma baixa no .... O Secretário ..., AA, demitiu-se da pasta. A saída de AA do ... está relacionada com a notícia sobre o seu alegado envolvimento no processo sobre abuso sexual de menores.

Em comunicado, AA desmente qualquer envolvimento no processo, diz que tudo não passa de uma série de calúnias e boatos. AA diz, no entanto, que esta onda de boatos tem lesado a sua hora e imagem de .... O até agora o Secretário ... justifica assim a saída do ..., acrescentando que não tem conhecimento de qualquer investigação ou menção das autoridades ao seu nome. O jornalista da SIC, BB, já tem em mãos o comunicado de AA, em direto para este jornal via telefone. Este comunicado é verdadeiramente uma declaração de inocência.

BB - É uma declaração de inocência, mas ao mesmo tempo e em termos políticos é um facto absolutamente fora do comum, ou seja, temos um governante a demitir-se, baseando o seu pedido de demissão em boatos.

Jornalista - BB, já nesta altura, depois do comunicado, já há alguma reação oficial do ... do ...?

BB - Há sim, uma nota da ..., que dá conta que, já foi pedido ao Sr. ... a substituição e portanto também a tomada de posse do substituto de AA. E a mesma nota dá conta de que o substituto é o Dr. OO. Ele é o atual ...do ... na Assembleia ..., e amanhã mesmo, para termos ideia do tempo recorde em que tudo isso acontece, amanhã mesmo o OO, já na qualidade de Secretário ..., estará à tarde no Parlamento, junto dos restantes membros do ... a defender o Plano e Orçamento de ..., cuja aprovação se vai verificar ainda esta semana.

Jornalista - Esta notícia foi recebida há pouco mais de uma hora, como é que esta notícia foi recebida aí ...?

BB - Bem, ainda, foi ainda há tão pouco tempo que ainda é difícil de como ela é revestida, mas naturalmente, com grande surpresa, porque é de facto extraordinária, não é ... o mínimo que podemos dizer, a solução que o ... para o facto do escândalo estar no ar, se bem que baseado, de facto, até hoje, em boatos, não é, não há conhecimento de resultados da investigação que incidissem, já, diretamente, sobre a pessoa de AA. Portanto, a forma com o ... conseguiu em tempo recorde resolver a situação, é de facto extraordinária, atendendo que o próprio ...esteve duas semanas ausente da ..., no ... em visita oficial, e o próprio Secretário ... chegou hoje, de um período de férias deste fim de semana prolongado, e tanto quanto sei, estaria bem longe durante este fim de semana, terá estado em férias, algures, numas ..., portanto ele chegou hoje, e hoje mesmo, foi encontrada uma solução, e amanhã de manhã o novo substituto, o novo Secretário ... toma posse e à tarde já estará no Parlamento, a defender a política do Governo para ..., no que diz respeito ao Plano e Orçamento.

Jornalista - Esta notícia de uma baixa do governo surge dois dias depois da investigação SIC/Expresso, que dava conta de que várias figuras importantes ... estariam a ser investigados por suspeitas de crimes de pedofilia. Além de políticos no ativo, na lista de suspeitos há também professores, ... padre,...magistrado, ... médico, ...advogado e vários empresários. (Excertos da reportagem)

AO. Provado o que consta no ponto AN;

AP. Sendo a noticia e comentários documentados com fotografias do 3.° R. e do A.

AQ. Essas notícias foram reportadas em diversos órgãos de comunicação social, falados e escritos, quer ..., quer no ..., nos jornais, rádios e televisão, em diversos dias seguidos;

AR. E foram transmitidos nos serviços noticiosos do canal SIC Internacional, nos Estados Unidos e Canada, onde residem milhares de emigrantes ..., em concreto de ...

AS. A T... deu destaque ao processo e ao suposto envolvimento do A. e a sua exoneração;

AT. Na edição das 10h da SIC Noticias do dia ... de Janeiro é emitida notícia com o destaque: "8 dos 12 suspeitos de abuso sexual de menores ficam em prisão preventiva";

AU. E, no desenvolvimento da notícia anunciada nos ecrãs televisivos, a jornalista refere os "arguidos no processo de pedofilia" que haviam sido interrogados pela Juiz no dia anterior e até as 2,00 horas, de que resultara a "prisão preventiva" de 8 "arguidos";

AV. E, a mesma jornalista afirma, a dado passo: "Dos 12 suspeitos ontem detidos pela Policia Judiciaria, só quatro não ficaram detidos. É o caso do Secretario ... que se demitiu do ... e saiu do Tribunal já perto das três, das duas horas .... Foi também por volta dessa hora que um carro celular abandonou o Tribunal a caminho do Estabelecimento Prisional da cidade";

AW. Um mês após as primeiras noticias e a exoneração do A., em serviço noticioso, o 3.º R afirmou: "Este caso já concentrou as atenções da opinião pública ... e com mais 8 arguidos vai manter-se na 1ª linha da atualidade ...."

AX. A única referência que em todo o processo é feita ao A. é a de um "suposto abusado" que afirma nas suas declarações que uma repórter/jornalista havia insistido com ele;

AY. E mostrando-lhe fotografia do A., perguntara-lhe por diversas vezes se o A. havia mantido "atos homossexuais" com ele;

AZ. O 3.º R tinha conhecimento onde o A. se encontrava a passar férias, repetindo a mesma afirmação já antes produzida a tal propósito;

BA. No dia 8 de ..., de ..., o A. enviou um fax ao ..., apresentando o pedido de exoneração do cargo de Secretario ..., o qual foi aceite e divulgado aos órgãos de comunicação social;

BB. As notícias divulgadas levaram a publicação de artigos de opinião e comentários de analistas ..., sendo objeto de comparações com o que se passava a nível nacional com ocaso "...", designadamente, com o Dr. Dr. PP;

BC. Enquanto ..., o A. integrou o Conselho ..., eleito pelos seus pares nos anos de 1993 a 1995 e de 1996 a 1998.

BD. O pedido de exoneração referido supra foi motivado pelo que consta em P, Q, S, U, V, W, X, Y, Z, AA, AB e AC;

BE. Quando, em 6 de ..., o A. se encontrava com amigos ... no Pacifico, em gozo de ferias, recebeu no seu telemóvel mensagens em que pessoas residentes ... e em Portugal ... lhe manifestavam solidariedade e lamentavam as noticias divulgadas nos serviços noticiosos da SIC e da SIC Noticias.

BF. Desconhecendo o que se passava, e estranhando tais mensagens, o A. contactou para ..., tendo sido informado que nesse dia, a SIC e da SIC Noticias, nos serviços noticiosos da noite, emitiam noticias sobre o "processo/caso de pedofilia ...", o caso da "garagem do II".

BG. Não escrito17.

BH. Situando os factos na ... cidade de ....

BI. A reportagem focava os lugares onde os atos ocorriam e continha descrições pelos entrevistados das casas onde ocorriam

BJ. O referido em AD supra ocorreu no dia 8 de ....

BK. A SIC e a SIC Noticias assumiram que a fonte da sua informação era delas próprias, e não por lhes ter sido transmitido por terceiros.

BL. Não Provado18.

BM. Prejudicado19.

BN. Nos serviços noticiosos da A SIC e a SIC Noticias do dia 8 de ... continuaram as notícias sobre o processo de pedofilia então em investigação, e comentários sobre a demissão do A. de Secretário ....

BO. As notícias e comentários referidos em AN. e seguintes são repetidos nos serviços noticiosos da serviços noticiosos da SIC no dia seguinte nos da SIC Noticias.

BP. Sendo reemitidos na SIC Noticias os textos e imagens que haviam sido transmitidos no dia anterior na SIC.

BQ. As notícias em causa foram o assunto central das conversas da população em geral e das pessoas conhecidas do A. em particular.

BR. O A., como governante há já cerca de 4 anos, relacionava-se com os membros do Governo da República, com deputados regionais, nacionais e comunitários portugueses e estrangeiros

BS. Sendo conhecido nos meios políticos regionais e nacionais, quer pelas suas funções, quer pelo seu comportamento sociável e comunicativo;

BT. Para alem do ..., era o governante mais popular na ..., e o mais solicitado pelos Órgãos de comunicação social ....

BU. Para além de governante, fruto das suas atividades nas diversas atividades profissionais, públicas e políticas em que se envolveu durante anos, era pessoa conhecida e reconhecida em todo o Pais e, em especial na Região.

BV. A 1ª e 2ª RR fizeram deslocar para esta Ilha uma equipa de reportagem de televisão.

BW. Apesar do referido, o A. não esteve naquele dia no tribunal

BX. E não foi interrogado.

BY. Nem foi "constituído arguido".

BZ. Não saiu do tribunal as 2,00 ou as 3,00 horas da manhã.

CA. O A. não era "suspeito" naquele processo.

CB. Nem sequer é nele referenciado como suspeito de quaisquer atos que estavam e estiveram a ser investigados.

CC. Durante vários meses, os factos relatados pela SIC e SIC Noticias foram objeto de atenção ....

CD. Repórteres da SIC e SIC Noticias sabiam ser falso que o A. estivesse envolvido no processo em questão, que fosse ali "arguido" ou que tivesse sido inquirido como referido supra.

CE. Dado que no dia e na noite em que decorreram os interrogatórios dos arguidos no processo (8 de ...) mantiveram-se presentes nas imediações do Tribunal Judicial de ..., pelo menos 2 jornalistas, sendo o 3.º R. um deles.

CF. Não tendo os mesmos visto o A. entrar ou sair daquele edifício, nem aí viram qualquer pessoa da sua família.

CG. Tendo noticiado que as famílias dos "arguidos" haviam passado o dia junto do Tribunal.

CH. O A. é conhecido em todo o Pais pelas diversas intervenções de cariz social e de cidadania que desenvolveu, sendo o Secretário ...mais conhecido, quer a nível regional, quer a nível nacional.

CI. Era o único ... de profissão da ... que exercia as funções de ...no ....

CJ. E o único governante que, na altura (6/7 de ...) se encontrava ausente da ..., nas ..., no ....

CK. Sendo que várias pessoas identificaram o A. através daquelas afirmações e características pessoais.

CL. Tendo sido voz corrente e pública que o ..., o ..., era o A.

CM. Após o conhecimento das notícias que estavam a ser difundidas pelas SIC e SIC Noticias no dia 6 de ... e repetidas na restante comunicação social, e que lhe foram reproduzidas por amigos pelo telefone, o A. decidiu interromper as ferias e regressar a ....

CN. Não escrito20.

CO. E no dia 7 de ..., já em ... onde fazia escala ... para ... o A teve maior oportunidade de entrar em contacto telefónico com vários amigos em ..., os quais confirmaram não haver dúvidas na identificação do A.

CP. Bem como lhe confirmaram que era voz corrente que as notícias se referiam a si.

CQ. Considerando o teor das notícias e a identificação do A por pessoas que as viram, o A telefonou ao ... informando-o que decidira apresentar o pedido de exoneração do cargo de Secretário ... de que era titular.

CR. Tendo este também considerado que as notícias emitidas pelos ditos canais de televisão nos dias 6 e 7 de ... identificavam o A.

CS. Não escrita21.

CT. O A. sentiu que a honra, o seu bom-nome e dignidade pessoal estavam a ser ofendidos

CU. E que estava a ser posta em causa a sua autoridade como governante, a sua imagem de homem público e dedicado a cidadania.

CV. E que estava a penalizar a própria imagem do ....

CW. E entendeu que o exercício de funções públicas com a responsabilidade governativa deve estar acima de quaisquer suspeitas, ainda que falsas.

CX. E sentiu que só poderia reabilitar a sua "honra e bom-nome" após a prolação do "despacho de pronúncia", onde, tinha a certeza, o seu nome não seria mencionado.

CY. E sentiu que o desmentido ou negação pelo A., como fez, não apagaria as imputações que lhe foram feitas.

CZ. As notícias em questão apenas resultaram da investigação efetuada pela BB/..., como foi divulgado nos referidos serviços noticiosos.

DA. Afirmando que os nomes dos envolvidos coincidiam com os nomes mencionados na investigação policial.

DB. O que para a opinião pública emprestava a notícia e a investigação uma total credibilidade.

DC. O que não se veio a confirmar.

DD. As notícias constantes dos factos assentes mantiveram-se depois da exoneração do A do ...

DE. As indicadas noticias e as consequências politicas que dai decorreram para o A causaram-lhe profundo desgosto.

DF. E magoa e revolta.

DG. Como cidadão, o A. sempre se interessou por assuntos difusos e de cidadania, fundando e fazendo parte de varias organizações e dos seus Órgãos sociais, quer recreativas, desportivas e de intervenção social ou ambiental, tais como: Clube Naval..., Q..., Clube Desportivo..., Santa Casa da Misericórdia ..., A...

DH. O M....

DI. Liderou o movimento de depositantes ex-Caixa Económica ... quando esta encerrou os seus estabelecimentos por ordem do Banco de Portugal.

DJ. Era, também por isso, conhecido ... e de relacionamento social, fruto das intervenções sociais que tinha, quer individualmente quer através das organizações coletivas atrás referidas.

DK. Enquanto elemento do M..., manteve contactos com o então ..., Dr. QQ.

DL. Enquanto Vogal do Conselho ..., manteve contactos estreitos com os ... de então, com membros do Governo da Republica, Professores de Direito e outras individualidades nacionais.

DM. Fruto das atividades desenvolvidas, quer profissionais, quer sociais, quer politicas, o A. era uma figura pública conceituada em toda a ... e até no ...;

DN. O A. tinha vergonha de sair à rua.

DO. Evitava encontrar-se com quem quer que seja e não conseguia circular de forma livre pela cidade de ... ou pela....

DP. Em resultados das notícias o A. não conseguiu, no imediato, exercer a ..., por não ser capaz de atender pessoas ouvi-las e aconselhá-las.

DQ. Daí que poucos dias depois da exoneração, partiu para o estrangeiro acompanhado de amigos onde passou duas semanas.

DR. Só após alguns meses, depois da Páscoa recomeçou a ir ao escritório de....

DS. Só depois de formulada a "acusação pública" no "processo de pedofilia" o A. sentiu alivio por se tornar mais visível a opinião pública que não constava do processo e o mesmo era público e podia ser consultado.

DT. Ainda hoje o A. sente e sofre as consequências das notícias divulgadas pelos RR.

DU. Não escrita22.

DV. Prejudicada23.

DW. Apesar de ter ficado evidente que o A. era alheio aos factos investigados naquele processo, ainda hoje se vão mantendo referências ao caso, em "blogues" na "internet" e na comunicação social ....

DX. No dia 4 de... o jornal "A..." publicou um artigo de opinião de RR, onde o A. é comparado com o também público caso do Dr. PP.

DY. No mesmo diário do dia 8 de ..., o R. BB, em artigo de opinião, volta a fazer referência aos factos já citados, (o que já originou uma "queixa-crime" por parte do A., mas não tido o Réu sido pronunciado), afirmando a propósito da eleição do A. como ... a Assembleia ...: ".... o seu regresso é uma insistência no erro, sendo certo e verdade que o futuro ...... na ... foi, entretanto ... e que a sua saída do ... nada teve a ver com o caso ... mas, em vez disso, com a alegada, por ele, onda de boatos que o relacionavam com abusos sexuais."

DZ. O A sofreu mágoa.

EA. O Autor sofreu por isso desgosto vergonha e humilhação.

EB. Viu os seus Pai e Mãe assistirem a todas aquelas acusações públicas e divulgação com enorme sofrimento.

EC. Viu seus Pais chorar por causa daquelas notícias

ED. O A chorou, com seus Pais e restante família

EE. Com amigos e isolado

EF. O A., que havia suspendido a sua inscrição na ... em....00, retomou a sua inscrição na ... em ....03 mas só a veio exercer, de forma reservada, em Abril de 2004.

EG. No ano de 2004, o A. auferiu como rendimentos da catividade liberal de ..., o montante bruto de € 5282,89.

EH. Inferior aos rendimentos que auferiu ao longo da sua carreira, quer como ..., quer no exercício de funções públicas.

EI. No ano de 1999, último em que exerceu plenamente a profissão de ..., o A. auferiu o rendimento de € 55 000,00.

EJ. E, no ano de 2003 auferiu como governante o montante de 71 041,866. O A. sente que jamais terá condições de exercer qualquer cargo publico na ... no que fazia gosto.

EK. Valor que receberia nos anos seguintes se tivesse mantido em funções ... até ao fim do seu mandato.

EL. No ano de 2005, e a tempo parcial, apenas tendo livres as tardes da ... e manhãs da ..., o A. auferiu como rendimentos da catividade liberal de ... o montante bruto de 30.115,00€.

EM. Não escrita24.

EN. No dia 8 de ..., data em que requereu e foi decretada a sua Exoneração do cargo de Secretario ..., o A. fez divulgar pelos Órgãos de comunicação social a declaração com o teor constante de fls. 125 dos autos.

EO. Cujo teor foi apenas nessa data conhecido pelos RR.

EP. As notícias dos autos foram fruto de uma investigação jornalística, diversa de uma investigação policial no que respeita aos meios utilizados e fins visados.

EQ. As peças jornalísticas em causa limitaram-se a relatar os factos, considerados pelos que as elaboraram como verdadeiros.

ER. Antes da divulgação foram sujeitos a investigação jornalística.

ES. Pelo contacto de diversas fontes.

ET. Os factos divulgados já tinham lido previamente trabalhados por jornalistas e publicados na edição de 6 de ... do jornal "Expresso".

EU. O que também conformou o comportamento dos RR. que acreditaram que a sua divulgação era adequada.

EV. As notícias de 6 e 7 de ... constituem excertos de textos lidos em direto por pivots ou reportagens gravada.

EW. As quais não são da autoria do Réu DD

EX. O qual não os editou, nem ordenou a sua difusão.

EY. A intervenção do 3.° R divulgou a existência de varias tentativas de obtenção de um comentário oficial junto quer do ...quer do ....

EZ. Comentários esses que eram esperados.

FA. E que não foram até daquele momento produzidos atenta a ausência do ....

FB. Os textos noticiosos e comentários referidos em AD), AE), AF), AI), AJ) e AL) não são da autoria do Réu DD.

FC. Que não os editou ou ordenou. A perda de rendimentos no ano de 2004 deveu-se aos factos que levaram a sua demissão.

FD. Foi noticiado o teor do comunicado subscrito pelo A. onde este justifica o seu pedido de exoneração.

FE. Os textos mencionados nas alíneas AT) e AV) supra não são da autoria do Réu DD.

FF. Que também não os editou.

FG. Nem ordenou a respetiva difusão.

FH. A referencia feita ao A. como sendo um dos "suspeitos detidos" e interrogados entre a noite de 8 de...e a madrugada de 9 de ...tratou-se de um lapso.

FI. Lapso esse que foi retificado através do texto de correção difundido nas edições das 12 e 13 horas do noticiário da ré SIC Noticias de 9 de....

FJ. O A é deputado no ....

FK. E continua a ser "responsável" do ... pelo menos nos mesmos termos em que o era antes das notícias

FL. Ocupando agora o cargo de Vice-....

2.3. O DIREITO

Importa conhecer o recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso25 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.) SABER SE EM RELAÇÃO À RECORRENTE, SIC, S.A. ESTÃO VERIFICADOS OS PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 500º/1, DO CCIVIL.

A recorrente, SIC, S.A., alegou que é com a responsabilidade subjetiva da pessoa do diretor, referido no nº 2 do artigo 31º da Lei nº 32/2003 (lei da televisão aplicável ao tempo dos factos), a quem compete a “orientação e supervisão do conteúdo das emissões … que deve ser objetivamente responsabilizada a empresa jornalística proprietária da antena de televisão, nos termos do que dispõe o artigo 500º CCivil.

Mais alegou que tais pressupostos legais de aplicação da norma contida na disposição legal citada não podem nem devem ser aferidos no quadro da relação entre a proprietária da antena e os demais jornalistas da empresa que não exercem as funções típicas daquele e que, bem assim, ditam a relação de comissão.

Assim, na perspetiva exposta pela recorrente, a ausência nos autos do diretor e do responsável pela informação referidos no artigo 31º/1/2, da Lei da Televisão (ao tempo aplicável)26 e a consequente ausência de prova sobre a culpa destes (ou pelo menos de um deles), enquanto autores da lesão (responsabilidade subjetiva) obsta a que, por invocação do disposto no art. 500º/1, possa haver imputação de responsabilidade (objetiva) a ela, recorrente SIC,S.A..

Porém, não tem razão a recorrente.

As pessoas coletivas respondem civilmente pelos atos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos seus comissáriosart. 165º, do CCivil.

Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizarart. 500º/1, do CCivil.

A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiadaart. 500º/2, do CCivil.

O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, exceto se houver também culpa da sua parte; neste caso será aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 497.ºart. 500º/3, do CCivil.

Os factos que são invocados nos autos como ilícitos e violadores do direito do autor, e como tal potencialmente geradores de responsabilidade civil extracontratual, foram (e esta constatação não contém ainda qualquer juízo valorativo) divulgados (através de imagem e som) pela estação de televisão (antena) de que é proprietária a ré, SIC, S.A., estando-se, assim, no campo de aplicação do art. 64º da Lei da Televisão (supra referida) que remete para os princípios gerais as formas de determinação da responsabilidade civil.

Analisando a causa de pedir e o pedido formulado na ação, desde logo se conclui, sem qualquer margem de dúvida, que a responsabilidade civil (objetiva) é, alegadamente, imputada pelo autor à ré, SIC,S.A., com suporte nos artigos 165º e 500º CCivil27, invocando-se, para tanto e além de factos consubstanciadores de uma conduta ilícita, a existência de uma relação de comissão entre esta ré (pessoa coletiva agindo como comitente) e os jornalistas (agentes/comissários) que, por conta e no interesse da ré, recorrente, procederam à recolha, tratamento e divulgação das informações em causa (apresentadas como Investigação SIC /Expresso)28.

Não se apresentam, por outro lado, quaisquer dúvidas ser a ré, recorrente, uma empresa (pessoa coletiva de direito privado) de comunicação social29,30 que no quadro da sua atividade e particularmente da atividade informativa que, também exerce, procede, em seu nome, por sua conta e de modo organizado à recolha e tratamento de informações destinadas a divulgação pública por televisão, fazendo-o, através de jornalistas os quais, como em geral ocorre na comunicação social, prestam trabalho num regime de relação juridicamente subordinada, sob orientação e supervisão da respetiva hierarquia empresarial31.

No caso, todos os conteúdos em causa difundidos pela estação de que a recorrente (pessoa coletiva) é proprietária (e que foram apresentados como resultado de investigação SIC/Expresso) foram produzidos por jornalistas que, e isto não está sequer questionado, estavam, ignora-se se de forma isolada ou duradoura, mas tal questão é para o caso irrelevante, ao serviço da ré, mostrando-se, assim, suficientemente preenchidos os pressupostos necessários à conclusão pela existência de uma relação de comissão, por aplicação do disposto no art. 500º do CCivil, ex vi do disposto no art. 165º do mesmo diploma legal32.

Devemos, assim, concluir, que em toda e qualquer ação cível para ressarcimento de danos provocados por factos (ações ou omissões) cometidos através da comunicação social os responsáveis são, para além dos autores das peças divulgadas, a empresa proprietária do órgão ou estação difusora, desde que, obviamente, esteja provado que os factos danosos praticados pelos referidos autores (comissários), o tenham sido no exercício das funções confiadas ao comitente33,34,35,36,37,38.

Acresce dizer ser entendimento doutrinal dominante (por todos v. Mota Pinto, Teoria Geral) que em todas as situações em que há, legalmente, responsabilidade solidária entre a pessoa coletiva (comitente) e os seus agentes (comissários) apenas responderá a pessoa coletiva nas situações em que não tiver sido possível a concreta determinação do comissário culpado da prática dos factos que são fonte de responsabilidade civil extracontratual.

Concluindo, carece, neste segmento, de fundamento o recurso de revista interposto pela recorrente, SIC, S.A..

2.) SABER SE COM A ALEGAÇÃO DA INEXISTÊNCIA DE MATÉRIA QUE PERMITA CONCLUIR PELA CULPA DO AGENTE (O RESPONSÁVEL PELA TRANSMISSÃO DE PROGRAMAS, NÃO DEMANDADO NOS AUTOS) QUE, ALEGADAMENTE, PRATICOU OS FACTOS ILÍCITOS, ACRESCENTANDO-SE QUE O SIMPLES FACTO DE A RECORRENTE TER ADMITIDO A EXISTÊNCIA DE UM LAPSO NA NOTÍCIA, NÃO BASTA OU PODE SUBSTITUIR A EXIGÊNCIA LEGAL DE VERIFICAÇÃO DE IMPUTAÇÃO DE FACTO DESVALIOSO A UM AGENTE CONCRETO.

Ultrapassada que está, nos termos em o foi, a questão das consequências de não ter sido demandado o responsável pela transmissão de programas, importa, no quadro da alegação da recorrente, analisar se estão presentes factos que permitam concluir pela responsabilidade da ré, recorrente, nos termos do citado art. 165º do CCivil que, na hipótese da responsabilidade aquiliana remete para a responsabilidade dos comitentes por atos dos seus comitidos (art. 500º/1/2, do CCivil).

A responsabilidade objetiva do comitente só existe se existirem elementos que permitam concluir pela responsabilidade subjetiva do comissário ou comissários, responsabilidade a aferir por recurso ao art. 483º do CCivil.

Não colocando a recorrente, SIC, S.A., qualquer questão relativa à natureza ilícita dos factos que o autor invoca, na medida em que ofensivos do direito à honra, direito que constitui uma das mais importantes concretizações da tutela da personalidade, e não merecendo qualquer espécie de censura este segmento das decisões das instâncias a questão que aqui vem suscitada prende-se com saber se da factualidade provada resultam elementos que sustentem a imputação desses factos a agentes que atuassem no quadro de uma relação de comissão com a recorrente, SIC, S.A..

A recorrente, SIC, S.A. , alegou que “ao longo de todo o processo o autor não logrou provar o dolo ou mera culpa do responsável pela transmissão (comissário) sendo ainda certo que dos factos provados é impossível tirar tal conclusão”.

Mais alegou que “o simples facto de ter admitido nos autos a existência de um lapso na noticia, não basta ou pode substituir a exigência do facto desvalioso a um agente concreto, sendo que o resultado do acórdão do TRL recorrido viola o regime legal previsto nos artigos 353º nº 2 CCivil e 298º nº 1 CPCivil”.

Ora, salvo o devido respeito pela posição manifestada pela recorrente, não podemos interpretar os fundamentos deste segmento do acórdão recorrido como estando resumidos, ainda que uma leitura superficial assim o sugira, a meras consequências do reconhecimento da existência de um lapso na noticia daí, alegadamente, se tendo extraído (no acórdão) uma confissão da realidade dos factos.

O nosso ordenamento jurídico acolheu, no art. 165º do CCivil a responsabilidade extracontratual das pessoas coletivas por atos praticados por órgãos, agentes ou mandatários acolhendo um princípio de justiça (afloramento do principio “ubi commoda, ibi incommoda”) segundo o qual quem utiliza ou emprega determinadas pessoas para vantagem própria deve suportar os riscos dessa atividade39.

Prescindindo da culpa do comitente ou da pessoa coletiva, o regime legal em vigor, exige a culpa do comissário, órgão, agente ou mandatário, igualmente exigindo que os atos ou factos ilícitos cometidos pelo comitido o tenham sido no quadro e no âmbito da relação de comissão.

Para além da esclarecedora circunstância de a reportagem que conteve os factos ilícitos que o autor invoca, ter sido, no todo ou em parte, apresentada pela SIC e SIC Noticias como Investigação SIC/Expresso (v. nomeadamente o ponto N dos factos provados), não se pode (e isto sem qualquer preocupação de análise exaustiva à factualidade provada) deixar de chamar a atenção para o que consta dos factos provados nos pontos AH, AD, BK (a SIC e a SIC Noticias assumiram que a fonte de informação era delas próprias), BV e, sobretudo CD e CE onde expressamente se dá por provado que “repórteres da SIC e da SIC Noticias sabiam ser falso que o autor estivesse envolvido no processo em questão, que fosse ali arguido ou que tivesse sido inquirido, dado que no dia e na noite em que decorreram os interrogatórios dos arguidos no processo (8 de ...) mantiveram-se presentes nas imediações do Tribunal Judicial de ..., pelo menos 2 jornalistas, sendo o 3º R um deles”.

Perante estes factos provados, e todo o conjunto de outros que indesmentivelmente apontam no mesmo sentido, dúvidas não restam que o direito à honra, o direito ao bom-nome do autor foi posto em causa pela conduta (ilícita) dos repórteres da ré, recorrente (nomeadamente do 3º R) que sem referirem o nome, mas dando um conjunto de características que permitiram identificar o autor40, lhe imputaram, nas reportagens por eles elaboradas e transmitidas pela estação nos dias 6 e 7 de dezembro, factos que são objetivamente gravemente ofensivos dos seus fundamentais direitos ao bom nome e à honra sem, como eticamente e deontologicamente deveriam ter feito, terem o cuidado de averiguar previamente da veracidade ou não desses mesmos factos, chegando mesmo a manter e reiterar a divulgação de tais notícias depois de saberem ser falso que o autor estivesse (judicialmente) envolvido no processo em questão41.

Conforme entendimento do tribunal de 1ª instância a quo, que subscrevemos, “com a identificação do Réu através de determinadas características e indiciando-o jornalisticamente como envolvido "no caso de pedofilia ..." sem correspondência com a verdade apurada (v. nomeadamente os pontos CD E CE dos factos provados42), foi ultrapassado o limite ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento porque se atinge o bom nome e reputação do A. que não foi, sequer, suspeito ou constituído arguido no processo judicial em causa, sendo que os Réus foram ainda mais longe quando afirmaram que os nomes envolvidos coincidiam com os nomes mencionados na investigação policial, ao mesmo tempo que forneciam factos e características particulares do Autor que permitiam a sua identificação nos moldes tidos como assentes”.

E é aqui que reside a ilicitude do comportamento dos jornalistas que elaboraram as reportagens para a ré, SIC, S.A., ilicitude que assim decorre de um comportamento negligente (violação do dever de cuidado) ao transmitirem factos que não se demonstrou serem verdadeiros e cuja veracidade não foi cuidadosamente testada e ao não protegerem, mesmo assim, a identidade do autor, violando os limites que a Lei da Imprensa no seu art. 3º define como os que decorram da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objetividade da informação e a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática e, do mesmo modo, os limites que a Lei da Televisão no seu art.º 30º impõe igualmente, ao determinar que todos os operadores de televisão devem garantir na sua programação, designadamente, através de práticas de autor regulação, a observância de uma ética de antena consistente, designadamente no respeito pela dignidade da pessoa humana e pelos demais direitos fundamentais43.

Perante tudo o que fica exposto e, nesta conformidade, não só, como se entendeu no acórdão recorrido, a reportagem que mencionava o autor como sendo um dos "suspeitos detidos", interrogado entre a noite de 8 de ... e a madrugada de 9 de ... (objeto de retificação nas edições das 12, e 13 horas da SIC Notícias do dia 9 de...) como também a divulgação e imputação dos factos ao autor na forma em que foi efetuada nos dias 6 e 7 de ... (nesta altura ainda sem referencia expressa do nome mas possibilitando-se a identificação através do fornecimento de elementos e características individualizadoras e identificadoras) não podem deixar de se considerar violações graves pelos jornalistas ao serviço da SIC, S.A., a título de falta de diligência, dos deveres que regem a profissão de jornalista, nomeadamente no dever de informar com verdade44, tendo afetado dessa forma o autor através de imputações que, através da divulgação pela antena de televisão da ré, SIC, S.A., afetaram a sua honra e bom nome, daí resultando que, no mesmo sentido em que foi decidido pelos tribunais a quo, impende sobre a recorrente, SIC, S.A., a obrigação de indemnizar (artigos 70º; 165º; 500º/1/2 e 483º, todos do Código Civil).

Concluindo, carece, neste segmento, de fundamento o recurso de revista interposto pela recorrente, SIC, S.A..

3.) SABER DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS E DO RESPETIVO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO POR VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO AUTOR.

Tutela geral da personalidade

A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral – art. 70.º, do CCivil.

Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa cometida – art. 70.º/2, do CCivil.

Por outro lado, e conquanto o nº 2 se refira aos direitos de personalidade, deve ser considerado como simples aplicação de um princípio geral, extensivo à proteção dos direitos absolutos ou bens protegidos juridicamente erga omnes, pois a ratio é a mesma45.

Poderemos definir positivamente o bem de personalidade humana juscivilisticamente tutelado como o real e potencial físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambientamente integrado46.

Chamamos direitos de personalidade aos direitos que concedem ao seu sujeito um domínio sobre uma parte da sua própria esfera de personalidade. Com este nome, eles caracterizam-se como "direitos sobre a própria pessoa" distinguindo-se com isso, através da referência à especialidade do seu objeto, de todos os outros direitos.

O direito de personalidade é um direito subjetivo e deve ser observado por todos. Ficam pois, abrangidos direitos que recaem sobre bens personalíssimos, como o direito à vida, à integridade física, à imagem ou ao nome47.

Não existe uma fronteira nítida entre a integridade física e a integridade psíquica, como bens da personalidade a defender, e muitas vezes as ameaças a agressões atingem quer o físico, quer o psíquico (ou atingem um através do outro) 48.

É o homem, enquanto pessoa, que constitui o fundamento da tutela do art. 70º CC, de acordo com o previsto pelo art. 1º CRP que baseia a República Portuguesas na «dignidade da pessoa humana»49.

O valor pessoal de cada homem constituído ao longo da vida por tudo aquilo que fez ao ser recebido pela sociedade representa a sua honra.

A honra juscivilisticamente tutelada abrange desde logo a projeção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente a todos os seres humanos, insuscetível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância.

A honra constitui uma base para juízos éticos dos seus semelhantes, juízos esses que se repercutem na autoestima de cada um. No seu conjunto, tudo isto dá corpo à integridade moral, formalmente referida no art. 70º/150.

Há que distinguir no conceito genérico de honra a reputação ou consideração (honra exterior) que corresponde ao juízo que a opinião pública forma da conduta de cada pessoa (v.g., honrado é quem cumpre os seus deveres morais, cívicos e profissionais), e a estima (honra interior) que corresponde ao sentimento de dignidade que cada pessoa merce de si mesma (honra strito sensu) 51.

A honra é algo que se tem (conceito objetivo) ou que se sente (conceito subjetivo) que faz parte da dignidade da pessoa52.

Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes de unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político53.

A honra está referida diretamente ao trato dado ou recebido pelos outros, e a reputação é o rumor, a voz pública, renome que está relacionado com o eco que a pessoa produz na opinião pública54.

Na proteção da honra tem-se também em conta o valor que cada um atribui a si próprio, a autoavaliação no sentido de não ser um valor negativo, especialmente do ponto de vista moral55.

O bom-nome vem tutelado no art. 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e arts. 70.º/1, e 484.º, ambos do Código Civil.

O direito ao bom nome e reputação consiste essencialmente no direito de não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa56.

O que está em causa é a proteção da dignidade do individuo enquanto fim em si mesmo, num contexto social caracterizado por relações simétricas de reconhecimento. O respeito pelo bom nome e pela reputação andam intimamente associados à dignidade e à honra pessoais, enquanto projeções do reconhecimento moral que devemos uns aos outros57.

A esta luz, dever-se-ão considerar difamatórios, em princípio, os conteúdos expressivos destinados a expor o bom nome e a reputação de uma pessoa ao ódio, ao ridículo e ao desrespeito, de forma degradá-lo diante do público, por referência à linha de base de igual dignidade e liberdade em que o mesmo se deve encontrar58.

A perda da honra resulta da perda do respeito que a pessoa tem por si própria (ao nível pessoal) e/ou da perda da consideração que a comunidade tem pela pessoa (ao nível social) 59.

Assim, não basta que o visado se manifeste incomodado, magoado, agastado ou embaraçado com certas imputações para poder contar com a proteção do direito em presença60.

Tendo ocorrido uma ofensa ilícita, a lei admite que possa, além das providências adequadas à situação, haver lugar à responsabilidade civil caso se verifiquem os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos, designadamente a culpa e a existência de um dano (art. 70º, nº 2, em ligação com o art. 483º, do CCivil) ou os pressupostos da responsabilidade pelo risco, ou seja, a concretização do risco e a existência de um dano (art. 70º, nº 2, em ligação com o art. 499º do citado diploma).

Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger direitos alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação – art. 483.º, do CCivil.

Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados – art. 484.º, do CCivil.

Convirá ainda salientar que o art. 484.º parece ser em rigor dispensável, uma vez que o art. 483.º já prevê a violação de direitos subjetivos como categoria de ilicitude, e é manifesta a existência de um direito subjetivo ao bom-nome e reputação (art. 26.º/1, da CRPortuguesa), e à intimidade da vida privada e familiar. Não se vê, assim, utilidade na previsão desta situação como Tatbestand delitual específico61,62.

A ofensa prevista no art. 484.º, mais não é que um caso especial de facto antijurídico definido no artigo precedente que, por isso, se deve ter por subordinada ao princípio geral consignado nesse art. 483.º, não só quanto aos requisitos fundamentais da ilicitude, mas também à culpabilidade63.

A afirmação ou difusão de factos falsos é sempre proibida, pelo que o agente que com dolo ou negligência adote esse comportamento responderá por todos os danos causados ao visado. Quanto aos verdadeiros, a sua divulgação poderá ser admitida, mas desde que tal se efetue para assegurar um interesse público legítimo64.

Liberdade de expressão e de informação

Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações – art. 37.º/1, da CRPortuguesa.

A todas as pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos – art. 37.º/2, da CRPortuguesa.

Neste artigo 37º, estão reconhecidos dois direitos (ou melhor: dois conjuntos de direitos) distintos, embora concorrentes: o direito de expressão do pensamento e o direito de informação65.

O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental de todos os seres humanos, estendendo-se igualmente às pessoas coletivas66.

Deve sublinhar-se a dupla dimensão deste direito. A dimensão substantiva compreende a atividade de pensar, formar a própria opinião e exteriorizá-la. A dimensão instrumental, traduz a possibilidade de utilizar os mais diversos meios adequados à divulgação do pensamento67.

A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento.

Subjacente ao direito à liberdade de expressão está um princípio fundamental de subjetividade e autonomia da valoração, assente na observação histórica de que as pretensas valorações objetivas se reconduzem, em muitos casos, à subjetividade dos mais poderosos68.

A liberdade de expressão não cobre apenas a razão pública ou a razão comunicativa, mas também a emoção pública e a emoção comunicativa. As palavras, mesmo as palavras ofensivas, constituem um barómetro dos sentimentos, e, como tais, têm uma importância substancial como expressão69.

Um entendimento amplo da liberdade de expressão está naturalmente aberto à pluralidade de conteúdos, de formas e de motivações70.

Em termos genéricos, poder-se-á dizer que a liberdade de expressão lato sensu se compõe de três elementos básicos:

- A liberdade de expressar a opinião – que consiste na difusão de ideias ou pensamentos produto de uma combinação do substrato ideológico e interpretação da realidade; o direito de não ser impedido de exprimir-se.

- A liberdade à expressão e o direito de acesso aos meios de expressão/informação – que se desdobra no sentido de obtenção de informação e na apreciação do que usualmente se entende por opinião pública sobre uma questão concreta.

- A liberdade ideológica ou de pensamento – prévia às outras liberdades, constitui um núcleo substancial do qual deriva a possibilidade da formação das ideias e pensamentos próprios do indivíduo ou grupos sociais71.

Todavia, não estamos em presença de um direito absoluto, pois a lei ordinária pode restringi-la nos casos expressamente previstos na Constituição, limitando-a ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 37º/3, da CRPortuguesa).

E entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais concretamente o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos.

Do n.º 3 conclui-se, porém, que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, cuja infração pode conduzir à punição criminal ou administrativa. Esses limites visam salvaguardar os direitos e interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de proteção, inclusive, penal. Entre eles estarão designadamente os direitos dos cidadãos à sua integridade moral, ao bom nome e reputação (art.º 26.º)72.

As fórmulas «ideias», «opiniões», «pensamentos» são apenas algumas expressões semânticas do conteúdo da liberdade de expressão. O âmbito normativo desta liberdade deve ser o mais extenso possível de modo a englobar opiniões, ideias, pontos de vista, convicções, críticas, tomadas de posição, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto (questões politicas, económicas, gastronómicas, astrológicas), e quaisquer que sejam as finalidades (influência da opinião pública, fins comerciais) e os critérios de valoração (verdade, justiça, beleza, racionais, emocionais, cognitivos, etc.)73.

A liberdade de expressão não pressupõe sequer um dever de verdade perante os factos embora isso possa vir a ser relevante nos juízos de valoração em caso de conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos74.

Quer dizer, a divulgação de notícias falsas atentatórias do bom nome, da reputação, da honra ou da vida privada de outrem será levada em linha de conta no momento do juízo de ponderação em caso de colisão com outros direitos75.

Além da proteção de conteúdo, o programa normativo do preceito alarga-se à proteção dos meios de expressão (palavra, imagem ou qualquer meio). A abertura constitucional - «qualquer outro meio» - permite concluir sem dificuldades as novas fórmulas de expressão como «blogs», «chats», «protestos eletrónicos» e os vários estilos (satíricos, irónicos, agressivos, retóricos, etc.)76.

Direito de liberdade de expressão no direito internacional

O direito de liberdade de expressão e de informação goza ainda de reconhecimento no Direito Internacional, como é o caso dos artigos 18.º77 e 19.º78 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) e art. 10.º/1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), e no âmbito da lei ordinária (art.º 22.º/a, da Lei n.º 2/99, de 13/01 – Lei de Imprensa).

Também a CDFUE (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) consagra no seu art. 11.º a liberdade de expressão e de informação, prescrevendo que “Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras”.

O Estado Português aderiu à Convenção Europeia dos Direitos Humanos (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de outubro) e declarou, para os efeitos previstos no seu art.º 46.º (reconhecimento, pela Parte Contratante, da obrigatoriedade da jurisdição do TEDH para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção), reconhecer como obrigatória a jurisdição daquele tribunal para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção (aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros - Direcção-Geral dos Negócios Políticos, publicado no D.R., II série, de 06.02.1979).

A CEDH vigora na ordem jurídica portuguesa desde 1978 e goza (pelo menos) de força supralegal prevalecendo sobre as leis ordinárias, por força do artigo 8º/2 da CRP. Por esta razão, as instâncias nacionais dos Estados Contratantes são a primeira instância de aplicação da CEDH, como decorre do seu artigo 13º. Consequentemente, preceitua o artigo 35º da CEDH que só uma vez esgotadas todas as vias de recurso internas, poderá o Tribunal de Estrasburgo intervir79.

Mas é no âmbito da aplicação do art.º 10.º/1 da Convenção para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) que o conteúdo e limites ao exercício do direito de expressão tem assumido maior relevância, desde logo pela interpretação que dele é feita pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia – art.º 10º/1, da CEDH.

O exercício desta liberdade, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicia – art.º 10º/2, da CEDH.

Esta disposição é um pilar fundamental da constituição europeia da comunicação. A evolução posterior do direito europeu neste domínio tem-se baseado na densificação do direito à liberdade de expressão e na sua aplicação às tecnologias de rádio e de televisão, de um modo não alheio às mudanças das perspetivas político-económicas dominantes80.

A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa»81,82.

O TEDH reafirmou esta orientação, relembrando “os princípios fundamentais que decorrem da sua jurisprudência relativa ao artigo 10.º”83,84.

A propósito do entendimento assumido pelo THDH, negando, à partida, que um outro bem ou interesse goze de um peso superior ao da liberdade de expressão, são graves, porque levam a que Portugal,…, seja dos países pertencentes ao Conselho Europeu que revela possuir um dos padrões mais baixos de tutela jurisdicional das liberdades de expressão, de informação e de imprensa, na medida em que o Estado Português foi condenado nas oito das dez queixas apresentadas nessa matéria junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Por outras palavras, os tribunais portugueses não têm feito prevalecer, como deviam, os interesses da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa sobre os bens e interesses a que dão primazia (habitualmente, a honra, o bom nome ou a vida privada). Justamente condenado, por desconhecer a importância da liberdade de expressão, resultando esse padrão tanto da jurisprudência ordinária como da jurisprudência constitucional85.

O TEDH, na esteira, aliás, de jurisprudência abundante, onde se contam várias decisões condenando o Estado Português, considerou que, estando em causa a liberdade de expressão em matéria científica e portanto, em matéria de relevante interesse público, a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objetivos, para garantir a proteção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o n.º 2 do art. 10.º da Convenção, sendo que essa exceção tem de corresponder a uma “necessidade social imperiosa”86.

A liberdade de opinião goza de uma proteção quase absoluta, no sentido de serem inaplicáveis as possíveis restrições permitidas pelo § 2º do citado art.10º, por se revelarem incompatíveis com a sociedade democrática, sendo que tal proteção impede os Estados de discriminarem cidadãos com base nas suas opiniões, não podendo os mesmos sofrer consequências negativas em virtude delas87.

Porém, certo é que a dita interpretação não tem o valor de uma norma jurídica, nem é atribuída ao Tribunal europeu dos Direitos do Homem a prerrogativa de proceder a uma interpretação autêntica das normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem88.

Jurisprudência do tribunal europeu dos direitos humanos (TEDH)

O TEDH foi já várias vezes chamado a apreciar decisões dos tribunais portugueses, em que estes emitiram condenações por alegadas violações do direito à honra mediante uso abusivo da liberdade de expressão, onde estava em causa a eventual violação do art. 10.º da Convenção.

Nessas decisões, o TEDH reiterou o seu entendimento, expresso em anteriores acórdãos, de que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sob reserva do n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa». Os Estados Contratantes gozam de uma certa margem de apreciação para determinar se existe uma tal necessidade, mas esta margem anda de par com um controlo europeu que incide tanto na lei como nas decisões que a aplicam, mesmo quando estas emanam de uma jurisdição independente”89,90,91.

Qualquer condenação judicial, seja de natureza cível, seja de natureza criminal, constitui ingerência no direito à liberdade de expressão, se for baseada em atuação ocorrida no exercício dessa liberdade92.

A questão é saber se tal ingerência é necessária, numa sociedade democrática, para, no caso, se proteger a honra da pessoa visada pela referida atuação.

No exercício do seu poder de controlo, o Tribunal aprecia a ingerência litigiosa à luz do caso no seu conjunto, atendendo ao conteúdo das afirmações imputadas ao requerente e ao contexto em que foram proferidas. Incumbe-lhe, em particular, determinar se a restrição à liberdade de expressão dos requerentes era «proporcional ao fim legítimo prosseguido» e se as razões apresentadas pelas jurisdições portuguesas para a justificar eram «pertinentes e suficientes»93.

O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental, constituindo condição essencial da promoção e expressão da autonomia individual, pressuposto da dignidade da pessoa humana, na sua dimensão de ser relacional, inserido numa sociedade hipercomplexa em que a comunicação constitui um impulso vital, de tal forma que, segundo alguma doutrina, e partindo da ideia de que o direito à liberdade de expressão compreende hoje um conjunto de direitos fundamentais que se reconduzem à categoria genérica de liberdades comunicativas ou liberdades da comunicação, denominável de liberdade de expressão em sentido amplo ou liberdade de comunicação94.

Necessário é construir as liberdades de comunicação com um âmbito de proteção alargado, fincando a ideia de que a liberdade é a regra e a restrição é a exceção95.

Assim, nessa visão das coisas, um determinado conteúdo expressivo só deixará de ser protegido se se demonstrar, e na medida em que ficar demonstrado, que o mesmo atenta de forma desproporcionada contra direitos e interesses constitucionalmente protegidos96.

A eficácia justificadora da liberdade de expressão perde razão de ser quando se exercite em relação a condutas privadas carentes de interesse público, e cuja difusão e juízo públicos são desnecessários para a formação da opinião pública em atenção à qual se reconhece a sua importância97.

Em síntese, “a liberdade de expressão em sentido amplo pretende desbloquear os canais da comunicação em todos os domínios da vida social, em nome da autonomia individual e coletiva, da voluntariedade da interação social e da descentralização da autoridade até à unidade mais pequena com capacidade de decisão: o indivíduo” 98.

Conflito entre direitos constitucionais fundamentais

Importa saber como conjugar, em caso de conflito, estes dois direitos fundamentais: liberdade de expressão e o direito à honra, ao bom-nome e à reputação social99.

A liberdade de expressão e o direito à informação constituem direitos fundamentais, neste sentido podendo ser convocados os princípios plasmados no art. 19.º da DUDH, de 10-12-1948, e no art. 100.º/1, da CEDH, de 04-11-1950, integrados no direito interno ex vi do art. 8.º da CRP, gozando de consagração constitucional nos arts. 37.º/1/2, e 38.º/1/2100.

Quer a Constituição, quer as leis ordinárias mencionadas, não estabelecem, neste domínio, qualquer regime especial relativamente à ilicitude em matéria civil e, naturalmente, à respetiva obrigação de indemnizar, quando ocorrer, por responsabilidade civil extracontratual, limitando-se a remeter, expressa ou tacitamente, para os princípios gerais e normas do Código Civil (arts. 37º/4, da Constituição e, 24º, da Lei da Imprensa)101.

Havendo direitos em colisão com a liberdade de expressão só podem prevalecer sobre esta na medida em que a própria Constituição os acolha e valorize102.

Como referimos, está também constitucionalmente garantido o princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, o direito a imagem e a reserva da vida privada e familiar – art. 26º/1, da CRPortuguesa.

Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes, como flui do n.º 1 do art.º 335.º, do CCivil, sendo que se os direitos foram desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior (seu n.º2), afirmação normativa que comporta a ideia de limites ao próprio exercício do direito, que, “uma vez ultrapassados, conduzirá o agente para o campo da ilicitude”103.

Os direitos (e as liberdades) de expressão e informação, constitucionalmente consagrados, encontram-se em igual valência normativa com outros direitos, com o direito fundamental à honra104.

A liberdade de expressão e a honra conformam dois direitos fundamentais, que, dada a sua relevância, mereceram a consagração constitucional105.

À luz da Constituição, a liberdade de expressão e a honra têm o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstrata entre si106.

Sendo os direitos de liberdade de informação (no caso, de expressão) e à honra e ao bom nome, de igual hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se a harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais107.

Nesta conflitualidade, sendo embora os dois direitos de igual hierarquia constitucional, é indiscutível que o direito de liberdade de expressão e informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode, ao menos em princípio, atentar contra o bom nome e reputação de outrem, sem prejuízo, porém, de em certos casos, ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da adequação e todo o circunstancialismo concorrente, tal direito poder prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação108.

O critério normativo que deve presidir à ponderação em caso de conflito entre liberdade de expressão e o direito à honra, bom-nome e reputação, é o da adequação da informação ao cumprimento do fim (interesse público) de informar109.

Tem-se admitido que, em casos especiais, pode dar-se prevalência ao direito de liberdade de imprensa (expressão) em detrimento do direito de personalidade, mas, para que se imponha tal solução há que submeter o conflito concreto ao crivo de três critérios de análise: o critério da verdade, o critério do interesse público e o critério da personalidade e adequação110.

Se é certo que a Constituição não traça uma hierarquia dos direitos fundamentais, não se pode ignorar que a CEDH confere primazia à liberdade de expressão, em detrimento do direito à honra e ao bom nome111.

Com efeito, este último direito fundamental não goza de uma proteção autónoma na Convenção, sendo apenas considerado como uma das exceções ao conteúdo e ao exercício da liberdade de expressão. Isto é, a liberdade de expressão será em regra tutelada, só podendo ser derrogada em casos excecionais, nomeadamente para a “proteção da honra”, uma vez verificados os pressupostos do transcrito art.º 10.º/2 da CEDH. Essa escolha tendencial deverá ser levada em consideração pelos tribunais portugueses, por força do art. 8.º/2 da CRP112.

Os valores cívicos e morais do respeito e da boa educação, podem ditar que os cidadãos apenas façam da palavra um uso ponderado e cordial. Contudo, a pluralidade de personalidades e de idiossincrasias exigem que o Direito proteja também os discursos mais vivos, aberrantes e ofensivos. No limite, as ideias que chocam ou provocam a coletividade, incentivam os demais a ripostar e a entrar no debate público, contribuindo para um maior esclarecimento de todos. Quanto à veracidade dos factos discutidos publicamente, do mesmo modo que não se pede a um cientista que este obtenha resultados sem conduzir experiências, não se pode exigir aos cidadãos que estes cheguem à verdade sem trocarem informações falsas ou discutindo pontos de vista peregrinos. Nessa medida, quando estejam em causa assuntos que interessam à coletividade, a liberdade de expressão é "uma liberdade de ofender" (e de chocar) que só termina perante ofensas gritantes à honra e ao bom nome. Para se chegar a esta conclusão e harmonizar os direitos aqui em colisão é preciso compreender que a liberdade de expressão não tutela apenas o direito de um sujeito isolado em expressar o seu pensamento: satisfaz também o direito da coletividade em ter acesso a todo o tipo de informações. Por isso, ensaiámos aqui que o conceito constitucional de "informação" deve ser o mais amplo possível, de modo a abarcar todos os dados ou conhecimentos que satisfaçam os bens jurídicos tutelados pela liberdade de expressão e de informação113.

Dispõe o artigo 203º da CRP que os tribunais apenas estão sujeitos à lei, vigorando entre nós um sistema jurídico de matriz romano-germânica em oposição à regra do precedente obrigatório. Sob esse prisma, os precedentes instituídos pelo TEDH não vinculam diretamente as instâncias nacionais, excetuando os litígios em que o Estado Português seja parte, por força do artigo 46º/1, da CEDH, o que se traduz na possibilidade de revisão de sentenças nacionais conforme dispõe o artigo 449º/1/g, do CPP. Contudo, a jurisprudência sedimentada do TEDH vincula indiretamente os tribunais portugueses na aplicação das normas que afetem os direitos humanos consignados na Convenção. Apesar da jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo não ser uma fonte de direito, é, pelo menos, um desenvolvimento jurisprudencial privilegiado do direito vivo consignado na Convenção114.

A jurisprudência do TEDH, aponta para uma menor esfera de proteção da honra e consideração de figuras públicas, face à de simples particulares, assim como quando estejam em causa assuntos de interesse público ou geral.

O TEDH sedimentou nas suas decisões alguns dos seguintes critérios gerais de resolução do conflito (ou linhas normativas de decisão generalizáveis):

1. A liberdade de expressão abarca tanto as “informações ou ideias favoráveis, inofensivas ou indiferentes como aquelas que chocam, inquietam ou ofendem” e que “contestam a ordem estabelecida”, pois é justamente nesses casos que “é mais preciosa”115.

2. As “formalidades, condições, restrições, sanções” à luz do 10º/2 devem ser objeto de uma “interpretação restritiva”, só podendo ter lugar quando exista uma “necessidade social imperiosa”.

3. Essas restrições devem ser “pertinentes”, “suficientes” e “proporcionais ao fim legitimo prosseguido”, pois há “pouco espaço para as restrições à liberdade de expressão nas questões políticas e de interesse geral”.

4. Numa sociedade democrática todas as instituições e personalidades que ocupem uma posição de poder, i.e., sejam “atores da vida pública” devem prestar contas à população, incluindo o poder judicial.

5. ”Os limites da crítica admissível” são mais amplos no caso de “atores da vida pública” do que em relação “a um simples particular”. Sendo que dentro desse leque, os políticos são os “devem ser mais tolerantes às críticas violentas” ou “insultuosas”.

6. A liberdade de imprensa permite que os jornalistas possam divulgar “citações [de terceiros] que possam insultar ou provocar terceiros ou lesar a sua reputação" como corolário do “papel da imprensa em fornecer informação sobre eventos atuais, opiniões ou ideias". Exige-se, contudo, um distanciamento, ou seja, que "fique claro que as notícias representam apenas a reprodução das alegações" de um dado terceiro.

7. Não se exige aos cidadãos ou aos media que corroborem factos injuriosas com o mesmo grau de certeza que o poder judicial, i.e., "em pé de igualdade com o do processo criminal", mas apenas que "a base factual seja sólida"116.

A prevalência tendencial da liberdade de expressão em detrimento da honra e bom nome dos sujeitos que se encontram no poder (político, económico ou social), atento o interesse público na discussão e no escrutínio dos seus atos, se não decorria já dos limites imanentes destes direitos, resulta cabalmente da CEDH e da sedimentação da sua aplicação pelo TEDH117.

Acrescem considerações pacíficas, como a de que as meras opiniões ou juízos de valor são alvo de menor sindicabilidade do que a imputação de factos (decorre do art.º 484.º, do CCivil, que só há responsabilidade na afirmação ou difusão de “um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva”).

Restrição de previsão que é reiterada no tipo de crime do art. 187.º, do CPenal, atinente à ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva118, reservando-se àqueles maior margem de manobra do que à imputação de factos, na medida em que os juízos de valor “decorrem de uma apreciação subjetiva ineliminável, de um elemento de tomada de posição, de reação ideológica, emocional, moral ou estética, ao passo que as imputações de facto ou são verdadeiras ou falsas, surgindo naturalmente como carecidas de prova”119.

Os juízos de valor ou meras opiniões, enquanto manifestações do subjetivismo do respetivo autor, cuja validade ou verosimilhança serão livremente avaliáveis por cada um, estarão particularmente legitimados enquanto objeto do direito fundamental à liberdade de expressão. No seu confronto com a honra, bom nome e consideração de outrem, os juízos de valor que os atinjam serão admissíveis se se alicerçarem numa “base de facto razoável” e se reportarem a algum assunto de interesse legítimo, não competindo aos tribunais ajuizar se uma opinião é “justa”, “ponderada”, “razoável” ou “grosseira”, pois esse juízo caberá a toda a coletividade. Ao público cabe a tarefa de julgar “não só o que se disse mas também – e quantas vezes des/favoravelmente – o como se disse”120,121.

Perante uma orientação jurisprudencial estabilizada junto do TEDH, os tribunais portugueses não poderão deixar de se influenciar pelo paradigma europeu dos direitos humanos122.

Responsabilidade por ofensa ao bom nome ou ao crédito (art. 484º, do CCivil)

Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados – art. 484.º, do CCivil.

Uma simples leitura do art. 484º permite-nos identificar, sem qualquer margem para hesitação, como pressuposto para a responsabilização do agente, nas situações aí previstas, a afirmação ou divulgação de factos. Apenas os factos, e já não os juízos de valor ou as opiniões, podem fazer incorrer em responsabilidade quem procede à sua transmissão123.

Diretamente visadas são as afirmações de facto, só muito excecionalmente, em situações gravíssimas de ofensa e humilhação, se devendo admitir indemnizações por juízos de valor124.

A disciplina contida neste preceito tem subjacente um conflito de direitos, a saber, entre a liberdade de expressão, por um lado, e os direitos ao bom nome e ao crédito, por outro.

O alvo da disciplina jurídica contida no art. 484º não é a liberdade de expressão em toda a sua amplitude, mas tão somente uma vertente ou dimensão de um tal valor estruturante: a liberdade de informação. Com efeito, o legislador refere-se apenas à divulgação de factos, ficando excluída da esfera regulativa do preceito em análise a difusão de juízos de valor125.

Saber onde termina o campo da objetividade e neutralidade próprias que caracterizam a narração dos factos, e onde, por seu turno, começa a margem de criação ou elaboração valorativa inerentes aos juízos de valor, consubstancia uma tarefa particularmente difícil de cumprir126.

Enquanto as primeiras aspiram a uma «presunção de verdade», as segundas apenas pretendem alcançar uma «presunção de justeza»127.

Na tarefa de concordância prática dos direitos em colisão (faculdade de divulgar livremente afirmações de facto, por um lado, e os direitos ao crédito ou ao bom nome, por outro), o juiz tem necessariamente de ponderar, in casu, as exigências de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, quando se estiver a debruçar sobre a conduta do agente. Importa, no entanto, considerar que as conclusões sobre tais problemas não podem ser perspetivadas unicamente a partir da ótica do agente, revelando-se antes essencial levar em linha de conta a posição do destinatário, ou seja, do visado com as declarações – o lesado128.

Algumas dificuldades podem, porém, suscitar-se quanto à responsabilização do agente pela divulgação de factos não demonstravelmente verdadeiros.

Tendo em conta a indemonstrabilidade da verdade dos factos no momento da sua divulgação, bem como o interesse público a esta associado, parece razoável excluir a responsabilidade do agente, mesmo quando posteriormente se venha a apurar o caracter inverídico daqueles. Em abono de um tal entendimento pode invocar-se, como argumento com particular peso, a tutela do valor da liberdade de informação, destacando-se que em certas situações, a responsabilização do agente no contexto em análise, poderá implicar a paralisação de certas diligencias da liberdade de investigação ou de pensamento129.

Fora do âmbito da colisão de direitos liberdade de informação/ direitos ao bom nome e ao crédito, a divulgação de factos manifestamente falsos, uma vez que em tais hipóteses encontramo-nos em face de uma colisão aparente de direitos. Na verdade, o agente ao adotar um tal tipo de conduta está a violar manifestamente os limites impostos pelos bons costumes a propósito do exercício das faculdades ou poderes ínsitos na liberdade de informação. Ora, nas situações de divulgação de factos manifestamente falsos, a ilicitude da atuação do agente encontra a sua fundamentação legal no art. 334º e já não no art. 484º130.

A distinção entre factos e opiniões é um dos aspetos que o TEDH refere como de particular importância.

Enquanto a existência de factos é possível de ser demonstrada, a verdade das opiniões não é suscetível de ser provada. A exigência da prova da verdade de uma opinião é impossível de cumprir e infringe a própria liberdade de expressão, que é uma parte fundamental do direito assegurado pelo art.10º da CEDH. Contudo, mesmo quando uma afirmação corresponde a um julgamento de valor, a proporcionalidade da interferência pode depender de existir uma base factual suficiente para a afirmação impugnada, já que uma opinião sem qualquer base factual para a suportar pode ser excessiva131.

Apenas em relação a factos, ou declarações de facto é possível comprovar a sua veracidade. Somente estes podem merecer o epíteto de verdadeiros ou falsos. Ao invés, os juízos de valor, as opiniões, os comentários não são em si mesmo verdadeiros ou falsos, apenas podendo ser reconhecidos e aceites pelos seus destinatários enquanto tais132,133,134.

O legislador português foi muito claro ao considerar as declarações de facto como o único fator determinante dos ilícitos ao bom nome e ao crédito. Porém, não avançou qualquer critério onde se possa basear a distinção entre os factos e os juízos de valor135.

Como diretriz fundamental para proceder à delimitação destas categorias destaca-se normalmente a objetividade associada às declarações de facto, em confronto com a manifesta subjetividade inerente às opiniões ou juízos valorativos136.

A tolerância dispensada aos juízos de valor é ostensivamente mais generosa do que a outorgada às imputações de facto137.

No entanto, as declarações de facto podem, face a todo o contexto onde se encontram inseridas, uma base para suscitar suspeitas, formular presunções, ou levantar interrogações138.

Na verdade, uma coisa são os indícios factuais na base dos quais alguém é considerado suspeito, outra bem diversa é o juízo de suspeição lançado sobre essa pessoa139.

Desta feita, as suspeições, presunções, hipóteses ou dúvidas oferecidas nas declarações de facto, divulgadas pelo agente, não podem considerar-se propriamente como pressupostos de aplicação do art. 484º. Em causa estão realidades onde a margem de intervenção valorativa se revela decisiva, razão por que devem ser excluídas do âmbito do ilícito ao bom nome e ao crédito140.

Aliás, constitui ainda um obstáculo à aplicação do art. 484º relativamente ao autor das declarações a circunstância de os juízos de suspeição, as presunções, bem como as hipóteses levantadas poderem não ser da autoria de quem divulgou os factos donde aquelas emergiram. Quando tal sucede, torna-se ainda mais evidente a não atribuição de responsabilidade a quem propalou os factos desencadeadores de juízos ou valorações ulteriores141.


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A questão dos danos não patrimoniais, vem suscitada quer no recurso da , SIC, S.A. (alega que não estando provadas, quer a culpa do agente comissário e respetivo grau, nem as situações económicas do lesante e lesado, tal circunstância obsta a uma correta e equitativa fixação do montante indemnizatório, acrescentando não poder estabelecer-se nexo de causalidade entre os factos provados e os danos), quer no recurso do autor (alega que pelas razões que invoca, a compensação pelos danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico).

Vejamos a questão.

Tal como se refere no acórdão recorrido, não é suscetível de se apresentar como discutível, face à factualidade provada, que com tais imputações, o autor sofreu necessariamente uma violação grave e substancial da sua reputação, sofrendo, desse modo danos que são suscetíveis de ressarcimento142, carecendo, assim, de total e absoluto fundamento a alegação da ré, recorrente, relativa a uma impossibilidade de estabelecimento de nexo de causalidade entre os factos provados e os danos.

Para qualquer pessoa dotada de um padrão médio de sensibilidade, de um padrão médio de razoabilidade e bom senso, se apresenta como óbvio que a (ainda por cima não fundada) imputação, publica e reiterada, através de um órgão de comunicação social (no caso, um relevante canal de televisão) a um cidadão, caso concreto a um cidadão com demonstrada e reconhecida intervenção a nível cívico, público e politico143, de envolvimento em atos de pedofilia e envolvimento sexual com menores, ainda que objeto de posterior retificação, constitui, no seu conjunto, muito mais do que meros incómodos destituídos de relevância jurídica, antes constituindo aquilo que são graves lesões de aspetos essenciais dos direitos fundamentais de personalidade atingidos, lesões que pela sua gravidade, pela forma como atingem elementos essenciais da personalidade de uma pessoa, que atingem de forma marcante a sua honra e a sua dignidade merecem a proteção do direito.

As notícias divulgadas pela estação de televisão de que a sociedade ré, é proprietária, recolhidas, por jornalistas ao seu serviço, assumem uma indiscutível natureza antijurídica decorrente da circunstância de, com elas e na perspetiva de qualquer cidadão médio, se ter atentado de forma grave contra a dignidade e integridade do autor144.

Tais notícias constituíram, naturalmente e sem dúvida, atos que prejudicaram de forma intensa e relevante o seu direito ao bom nome, violando de uma forma grave, reiterada e insistente o disposto no art. 484º, que, sublinhe-se mais não é do que um especial caso da anti juridicidade definida no art. 483º145.

Perante isto e reconhecendo, embora, a existência de dificuldade na quantificação da indemnização mas salientando dever a mesma ter um alcance significativo decidiu o acórdão recorrido, “no atendimento da qualidade da lesante, das circunstâncias do ilícito, e os efeitos decorrentes do mesmo para o lesado, considerando as circunstâncias de ser uma referência no âmbito social e político”, fixar uma indemnização a título de danos não patrimoniais no montante de 10 000,00€, revogando, nessa parte, a sentença de 1ª instância que a fixara em 80 000,00€.

Quanto a este aspeto (fixação do quantum indemnizatório) enquanto a recorrente, SIC, S.A., faz apelo a uma “estranha” tese de impossibilidade de quantificação da indemnização, fundamentada numa alegada ausência de elementos de facto demonstrativos da situação socioeconómica da lesante e do lesado, ausência essa que, de acordo com tal posição obstaria ao estabelecimento do quantum indemnizatório.

Por sua vez, sustenta o recorrente, AA, que o montante indemnizatório deve assumir um efetivo e significativo alcance compensatório e sancionatório, não devendo assumir uma natureza meramente simbólica.

De acordo com a posição que vimos defendendo em todas as situações em que a questão se coloca, os danos de natureza não patrimonial são, por natureza, insuscetíveis de avaliação pecuniária, uma vez que atingem bens que não integram o património material do lesado e, exatamente porque assim é, o seu ressarcimento deve assumir uma natureza fundamentalmente compensatória e acessoriamente sancionatória146, não servindo para aqui o chamado dano de cálculo.

A lei não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam a atribuição de uma indemnização, limitando-se a esclarecer que esta apenas deve abarcar aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do previsto pelo artigo 496º/1, do CC, ou seja, a reparação apenas se justifica se a especial natureza dos bens lesados o exigir, ou quando as circunstâncias que acompanham a violação do direito de outrem forem de molde a determinar uma grave lesão de bens ou valores não patrimoniais147.

Danos não patrimoniais serão os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização148,149.

No nosso ordenamento jurídico estabeleceu-se um critério de fixação do quantum indemnizatório devido por danos não patrimoniais que se encontra fundado no recurso à equidade, haja dolo ou culpa (artigo 496º/3, do CCivil) e que, com respeito por padrões de dignidade humana, manda atender aos fatores referidos no art. 494º (entre os quais se conta a situação económica do lesante e do lesado) como fatores contributivos para a formação do juízo ou juízos de equidade.

No entanto, a ausência de factos que possam servir para determinar a aplicação de um ou mais dos fatores indicativos referidos no art. 494º, não impede por si a formulação do juízo de equidade de que depende a fixação do quantum desde que os demais elementos de facto disponíveis permitam ao julgador a sua formulação, que deve, sempre e em qualquer circunstância, ter em conta as regras da boa prudência, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista – compensatória/sancionatória – que deve revestir a indemnização150.

A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva: compensatória, na medida em que o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, na qual se atende à extensão e gravidade dos danos; punitiva, na medida em que a lei enuncia que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso.

Na verdade, devendo a fixação da indemnização decorrer de um julgamento de equidade (art. 496º/3), que dispensa o julgador da inteira subordinação a critérios puros e rigorosos de carácter normativo, não existe, nesse preciso contexto, um obrigação absoluta de recurso aos fatores indicativamente referidos no art. 494º, antes devendo ser ponderadas as todas as circunstancias concretas e disponíveis do caso que sejam atendíveis para fixação de uma indemnização em montante justo151.

Neste conspecto, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido a 23-10-2012, teceu a seguinte linha de argumentação para fixar os danos não patrimoniais: “Posto isto, e ponderadas todas as circunstâncias relevantes que nos são fornecidas pelos factos provados, circunstâncias que indiscutivelmente que apontam para uma ofensa grave dos direitos fundamentais à honra e bom nome do autor152, uma ofensa que naturalmente provocou sofrimento tanto a ele como aos seus familiares mais diretos (v. os pontos DZ a EE dos factos provados), dentro dos critérios enunciados153 e ponderados os montantes que para situações similares, ainda que menos graves, vêm sendo atribuídos pela nossa jurisprudência mais recente (v. acórdãos deste STJ de 18/6/2009, relator Alberto Sobrinho, de 25/3/2010, relatora Maria dos Prazeres Beleza, 14/5/2002, relator Ferreira Ramos, que contemplam situações menos graves), julga-se adequado fixar a indemnização devida por danos não patrimoniais sofridos pelo A em 50 000,00€, assim se concedendo, neste segmento e parcialmente a revista ao recurso do recorrente, AA”.

Ora, o acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), considerou ter existido uma violação do art. 10.º da CEDH, por se ter verificado uma ingerência desproporcional e não necessária numa sociedade democrática do direito à liberdade de expressão da recorrente154.

Tal juízo de desproporcionalidade foi relacionado com o caráter excessivo da indemnização arbitrada, atenta a gravidade do prejuízo causado à reputação e honra do autor e aos padrões indemnizatórios seguidos em outras situações155,156,157.

Qualquer condenação judicial, seja de natureza cível, seja de natureza criminal, constitui ingerência no direito à liberdade de expressão, se for baseada em atuação ocorrida no exercício dessa liberdade158.

No âmbito da fixação de danos não patrimoniais são ressarcíveis aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º/1 do CCivil).

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º/1, do CCivil.

O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores – art. 496º/4, do CCivil.

Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem – art. 494º, do CCivil.

A lei não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam a atribuição de uma indemnização, limitando-se a esclarecer que esta apenas deve abarcar aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do previsto pelo artigo 496º, nº 1, do CC, ou seja, a reparação apenas se justifica se a especial natureza dos bens lesados o exigir, ou quando as circunstâncias que acompanham a violação do direito de outrem forem de molde a determinar uma grave lesão de bens ou valores não patrimoniais159.

Danos não patrimoniais serão os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização160.

Danos não patrimoniais são aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido161.

Em relação a estes, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º/4 do CCivil), funcionado esta como único recurso.

O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção: (i) grau de culpabilidade do agente; (ii) situação económica do agente e do lesado; (iii) e demais circunstâncias do caso, entre as quais não se poderá deixar de contar a natureza, gravidade e dimensão da lesão ou a importância do bem jurídico violado (art. 496º/4, do CCivil).

Embora o artigo 496º do CC faça referência expressa à atribuição de uma indemnização pela verificação de danos não patrimoniais resultantes do ato lesivo de terceiro, segundo Jorge Sinde Monteiro e Júlio Gomes a doutrina nacional tem sido unânime ao referir que, perante impossibilidade de valoração pecuniária dos bens em causa, não estaremos aqui perante uma verdadeira indemnização, mas sim uma compensação. Esta compensação terá como finalidade primacial a satisfação do lesado pelo sofrimento causado pelo evento traumático atendendo, no entanto, à natural dificuldade em fixar um valor primário idêntico ao bem lesado até porque, na maioria das vezes e tendo em conta a natureza dos bens jurídicos que estão aqui em causa, verifica-se não uma dificuldade na quantificação do dano, mas sim uma natural impossibilidade de atribuir um valor à dor ou vida humana162.

A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, pretendendo apenas atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é suscetível de equivalente.

Um dos casos em que a lei prevê o recurso à equidade na decisão consiste na determinação da indemnização por danos não patrimoniais, a fixar, nos termos do art. 496.º/4, do CCivil, equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código.

O art. 496.º/1, do CCivil atribui ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas, no intuito de arbitrar à vítima a importância de valores de natureza não patrimonial em que o lesado se viu afetado e, daí que, os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma estrita e precisa medição quantitativa, mas sim, a uma valoração compensatória.

Na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo certo que o respetivo montante será estabelecido, equitativamente, pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, que, na hipótese de responsabilidade baseada na mera culpa, aquele montante poderá ser inferior ao que corresponderia ao valor dos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, em conformidade com o preceituado pelos arts. 496º/1/3 e 494º, ambos do CCivil163.

A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores físicas ou morais sofridas e também sancionar a conduta do lesante.

A gravidade do dano não patrimonial tem que ser aferida por um critério objetivo, tomando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, e não, através de um critério subjetivo, devendo o montante da indemnização ser fixado, segundo padrões de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, à do lesado e titular da indemnização, e às flutuações do valor da moeda, proporcionalmente, à gravidade do dano, nos termos do disposto pelo artigo 496º/3, do CC164,165.

Para que o dano não patrimonial seja reparável, parece de exigir que ele tenha determinada gravidade, que represente um prejuízo bastante sério e de tal natureza que se justifique a sua satisfação ou compensação pecuniária166,167.

O legislador fixou como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, n.º 3 do CC); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º, aplicável ex vi da primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º, do mesmo Código). A respeito do critério atinente à consideração da situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma “(…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa”, só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que, o bem “vida” não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no artigo 494.º do CC168,169.

Além destes elementos, deverá o julgador ter ainda em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, na decorrência do disposto no artigo 8.º/3, do CCivil170.

Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro planos, de acordo com o que tem constituído a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça171.

Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável.

Tal juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade172,173,174.

No que se refere à reportagem de 09-01-2004, o TEDH considerou “existirem razões irrefutáveis para impor uma sanção à empresa requerente” por ter existido uma falsa referência à detenção e interrogatório do autor pela polícia.

A censura que o TEDH dirigiu ao STJ prendeu-se com o caráter desproporcionado das indemnizações arbitradas perante a gravidade do prejuízo sofrido pelo autor, num quadro em que uma retificação da notícia foi feita pelo canal televisivo horas mais tarde.

Nesta base, considerou o TEDH que o montante de indemnização, sendo elevado quando comparado com processos anteriores relativos a Portugal, se mostra suscetível de desencorajar a participação da imprensa em debates sobre assuntos de legítima preocupação pública e tem efeito inibidor na liberdade de expressão e de imprensa.

No caso sub judice, o tribunal a quo fixou a indemnização na quantia de 10 000,00€, porquanto “existindo uma ofensa à honra do recorrido, com a notícia difundida no dia 9 de janeiro, decorrente de erro jornalístico, apurado ficou que foi feita a retificação que se pode considerar como reconstituição in natura, art. 566, n.º 1, do CC, que contudo não se mostra suficiente para suprir o sofrimento moral do apelante, em termos próprios e de relacionamento com os mais próximos. Assim, no atendimento da qualidade da lesante, das circunstâncias do ilícito, e os efeitos decorrentes do mesmo para o lesado, considerando as circunstâncias de ser uma referência no âmbito social e político, entende-se ajustado fixar uma indemnização a título de danos morais no montante de 10 000,00€”.

Como entendeu o tribunal a quo, e ao contrário do que sustenta a recorrente, não entendemos que a retificação efetuada quanto à notícia difundida no dia 9 de janeiro de 2004, decorrente de erro jornalístico, consubstancie uma reparação suficiente do autor, a título de reconstituição in natura.

Tendo em vista uma aplicação uniforme do direito, ponderando a jurisprudência análoga dos últimos anos (art. 8º/3, do CCivil), o valor alcançado não se mostra irrazoável face ao dano verificado175,176,177,178.

Assim, o valor indemnizatório fixado pelo tribunal a quo não se mostra desajustadamente baixo, tendo no mesmo sido refletida a culpa da ré e a gravidade dos factos, em conformidade com o preceituado pelo art. 494.º do CC (para o qual remete o art. 496.º/4 do mesmo diploma), sem deixar de se tomar em linha de conta a circunstância de ter sido levada a cabo uma reparação parcial através da retificação da notícia.

Em suma, e à luz da prescrição contida no art. 8.º/3 do CCivil, não se descortina que o juízo equitativo adotado pelo tribunal a quo contrarie, em termos de colocar em causa a segurança na aplicação do direito, o princípio da igualdade ou o princípio da proporcionalidade dos critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados quanto à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais de natureza análoga aos que estão presentes na situação decidenda.

Por outro lado, e tendo em atenção os critérios que pelo TEDH têm sido perfilhados na matéria, cremos que o montante de 10 000,00€ arbitrado, se apresenta como uma interferência não desproporcional no direito à liberdade de expressão da recorrente, não infringindo o art. 10.º da CEDH.

Tal valor constitui uma adequada tradução da operação de compatibilização prática entre a elevada gravidade das imputações que foram dirigidas ao autor e a mediana gravidade dos danos que lhe foram causados, na medida em que retomou a sua atividade política pouco depois das notícias em causa, tendo chegado a exercer as funções de vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS.

Do mesmo modo, tal valor não se mostra excessivamente oneroso para o património de uma pessoa coletiva, não apresentando, pelo seu caráter desproporcional, o risco sistémico de dissuadir a imprensa de cumprir o seu papel de “cão de guarda” do Estado de Direito Democrático que lhe é repetidamente cometido pelo TEDH em assuntos de interesse público179.

Concluindo, afigura-se-nos equitativamente adequada, equilibrada e justa uma compensação no valor de 10 000,00€ (dez mil euros), para a reparação dos danos não patrimoniais.

4.) SABER SE HÁ FUNDAMENTO PARA INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS PATRIMONIAIS SOFRIDOS PELO AUTOR.

Analisando este segmento do recurso do autor, verificamos que o acórdão da relação apesar de ter reconhecido que este sofreu, por comparação com anos transatos, uma diminuição de rendimentos após os factos ocorridos e sobretudo após a demissão (a seu pedido) do cargo de Secretário Regional, considerou não estar provado um elemento essencial para a verificação da obrigação de indemnizar ou seja a existência de um nexo de causalidade adequada (563º CCivil) entre essa diminuição de rendimentos e os factos que são imputados aos réus.

Vejamos a questão180.

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria se não fosse a lesão – art. 563.º do CCivil.

O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesãoart. 564º/1, do CCivil.

Analisando a factualidade provada, devemos dela concluir que a invocada diminuição de rendimentos, que preenche o fundamento para o pedido de indemnização por danos patrimoniais, tem origem, por um lado e sobretudo, na perda de vencimento resultante da demissão do cargo politico que vinha exercendo e ainda, por outro lado, na redução de rendimentos auferidos (comparativamente com os obtidos em anos anteriores) no exercício da atividade profissional de advogado, atividade essa que o autor retomou algum tempo após a cessação das aludidas funções publicas.

Se é certo que não existem factos que permitam concluir que a diminuição de rendimentos provenientes do exercício da advocacia esteja em relação de causalidade adequada com os factos que fundamentam este segmento do pedido, que sejam uma consequência direta e necessária desses factos, resta averiguar se se podem ou não imputar aos lesantes as consequências resultantes da cessação das funções públicas, concretamente a perda de rendimentos que adveio diretamente dessa cessação de funções.

Ao contrário do que se entendeu na sentença de 1ª instância, no acórdão recorrido decidiu-se não haver lugar a indemnização por danos patrimoniais resultantes da aludida cessação de funções públicas, uma vez que essa cessação de funções decorreu de um ato voluntário do autor.

Na tese do acórdão a perda de rendimentos consequente à cessação do exercício das funções publico/políticas não poderá considerar-se como consequência direta e necessária da lesão sofrida, uma vez que resulta de um posterior ato livre e voluntário do ator.

De acordo com esta interpretação que fazemos da tese sustentada no acórdão recorrido, o facto de o pedido de demissão do autor do cargo público que vinha exercendo ter sido determinado pelos factos ilícitos que invoca como fundamento da ação, não lhe retira a natureza de um ato voluntário livremente determinado em cuja tomada de decisão não deixaram decerto de ser ponderadas todas as consequências, nomeadamente ao nível financeiro, deixando nestas circunstancias de ser razoável impor ao lesante responsabilidade pela produção desse resultado, manifestando, quanto a nós, esta tese uma adesão a uma formulação muito restritiva do princípio da causalidade adequada181, 182.

Não se nos oferecendo dúvidas que a cessação de funções resultou de um ato voluntário do autor, dúvidas não temos também que a determinação dele (autor) nessa tomada de posição decorreu (foi determinada ainda que em momento posterior) dos factos ilícitos ofensivos da sua honra e do seu bom nome, atos esse que, como são da responsabilidade da ré, SIC, S.A..

De acordo com a interpretação hoje dominante, na doutrina e na jurisprudência, da teoria ou princípio da causalidade adequada, a mesma não pressupõe a exclusividade da condição determinante, no sentido de que tenha determinado só por si e exclusivamente o dano, entendendo-se, antes, a possibilidade de intermediação de outros fatores que podem colaborar na produção do dano, fatores esses concomitantes ou posteriores (relevância da causalidade indireta ou mediata)183.

Dentro do quadro geral que acima descrevemos e que corresponde à interpretação que acolhemos da doutrina da causalidade adequada, na formulação em que a mesma foi acolhida no art. 563º do CCivil, para que um facto seja causa de um dano é, em primeiro lugar, necessário que no plano naturalístico ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado sendo, por sua vez e em segundo lugar necessário que, em abstrato, seja causa adequada do dano184.

Esta interpretação leva-nos a acolher o ensinamento de Enneccerus-Lehmann (formulação negativa da causa adequada) de acordo com o qual a condição só deixará de ser causa do dano quando deva, dentro de regras comuns de experiência, ser considerada de todo indiferente para a produção desse dano185, não sendo, por isso, necessária uma causalidade simultânea e direta bastando uma causalidade indireta a qual se verificará sempre que o facto não produz ele mesmo o dano mas desencadeia ou proporciona um outro facto (concomitante ou posterior) que leva186 à verificação do dano187,188,189, 190,191,192,193,194.

De acordo com o quadro geral que traçamos a perda de rendimentos sofrida pelo recorrente, autor deve considerar-se consequência direta e necessária dos factos ilícitos em questão.

Ainda que o exercício de cargos políticos e a manutenção nesses cargos nem sempre seja orientada pelos mais desejáveis princípios éticos não deixa por isso de ser a única interpretação aceitável resultante da experiência comum que um cidadão a quem são imputados envolvimentos em redes de pedofilia e abuso sexual de menores deixa, por força dessas imputações de ter condições interiores ou exteriores para o exercício de um cargo publico, sobretudo de natureza governativa.

Nestas circunstâncias e apesar de a demissão do autor (recorrente) e a consequente perda de rendimentos não ser consequência direta e imediata dos factos lesivos da sua honra que estão em apreciação nos autos, verdade é que tais consequências se não teriam verificado se não fossem esses factos.

Os factos lesivos desencadearam um processo que conduziu, sem dúvida, à produção do dano, havendo assim causalidade adequada entre os factos e o prejuízo patrimonial sofrido pelo autor, prejuízo esse, que foi corretamente quantificado na sentença de 1ª instância em 65 758,00€ (71 041,86€ correspondentes ao montante que auferiria no cargo que exercia - 5282,89€ correspondentes ao que auferiu com o exercício da advocacia após a demissão).

Deve pois a ré, SIC, S.A. ser condenada ao pagamento da referida quantia tal como ocorreu na sentença de 1ª instância.


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No que concerne ao termo inicial do pagamento de juros de mora, à taxa legal, o tribunal a quo, contrariando, neste ponto, a sentença de 1ª instância, condenou a ré no pagamento de juros desde a data em que foi proferido esse acórdão, com fundamento em que era aplicável o que se decidiu no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, de 9/5/2002 (DR. 1.ª série, de 27/6/2002), entendendo, pois, que houve uma atualização do montante indemnizatório195.

Entendemos que não é o caso.

Nem as decisões das instâncias, nem as deste acórdão, se devem ter por atualizadoras, efetuadas nos termos do art. 566º/2 do CPCivil.

Na verdade, o cálculo atualizado da indemnização efetuado nos termos da supracitada disposição legal, e relevante para a doutrina consagrada no AU, resulta do aparecimento, no momento da formação do processo decisório, de elementos novos que permitam uma mais correta aproximação à diferença entre a situação patrimonial do lesado (existente na data mais recente a que o tribunal possa atender) e aquela que teria se não fosse a lesão196.

Neste caso não existem nos sucessivos momentos em que cada uma das decisões foi proferida quaisquer elementos novos que facultassem, para mais ou para menos, uma atualização, com base neles, do montante da indemnização, resultando as diferenças de critério ou de apreciação judiciária na fixação da indemnização, de acordo com os critérios (também subjetivos) consagrados nos arts. 562.º a 564.º, do CCivil.

Visando a doutrina do acórdão uniformizador, dar tradução à reconhecida necessidade de se acautelar a não duplicação dos critérios de atualização da indemnização pelas duas vias legais existentes — via atualizadora do art. 566º/2 ou, via prevista no art. 805º/3 — é obvio que a aplicação dessa sua doutrina só releva se, efetivamente, se verificar uma situação em que se confrontem essas duas vias legais atualizadoras.

Como no caso não houve, nem há qualquer decisão atualizadora da indemnização decorrente do disposto no art. 566º/2, os juros de mora contam-se desde a data da citação (artigo 805.º/3, parte final do CCivil)197,198.

5.) SABER SE HÁ RESPONSABILIDADE (SOLIDÁRIA) DO RÉU, BB.

Na sequência da posição que assumiu ao longo de todo o processo, mantém o recorrente/autor, que da matéria de facto dada com assente, resultará, nas suas palavras com mediana evidência, que foi o réu, BB, quem, em especial, forneceu ao público em geral, através das suas intervenções nos noticiários, elementos que permitiam a sua identificação, havendo responsabilidade direta nas afirmações por si produzidas.

Com base em fundamentos que se revelaram como manifestamente vagos e imprecisos e, consequentemente, pouco claros, decidiu-se na sentença de 1ª instância julgar parcialmente procedente este segmento do pedido, condenando-se, em consequência, o réu, BB

Por sua vez no acórdão do tribunal a quo, e uma vez mais com fundamentação de facto e de direito deficiente e imprecisa, veio a decidir-se em sentido contrário, ou seja, pela absolvição do mesmo réu, BB

No contexto em que este específico ponto se desenvolve, e em que temos que proceder à sua análise, devemos, a título prévio, deixar expresso ser nosso entendimento não competir, de uma forma geral, ao tribunal a formulação de juízos de mera censura ética ou deontológica relativos à conduta de jornalistas199, que, tal como ocorre relativamente a todos e quaisquer outros profissionais sujeitos a específicos códigos de natureza deontológica e de ética profissional, têm ou devem ter lugar em sede própria devidamente institucionalizada.

Sempre que, como é o caso, se coloque a questão da responsabilidade civil (individual e subjetiva) de um jornalista por atos praticados no exercício das suas funções profissionais, a intervenção jurisdicional deve limitar-se à apreciação/ decisão objetiva sobre a existência de factos que permitam, por um lado concluir pela licitude ou ilicitude dessas condutas, exclusivamente apreciadas enquanto violadoras ou não de direitos de terceiros, pela sua imputação a um agente concreto e, para, no caso de prática dolosa ou culposa de factos violadores do direito de terceiros, daí se extraírem as decorrentes consequências jurídicas.

Não podemos, por outro lado, deixar de ter em consideração a circunstância de a responsabilidade da ré, SIC, S.A. (pessoa coletiva/comitente) se situar no quadro da responsabilidade objetiva – existe quanto a ela uma presunção de culpa que, neste caso e conforme se decidiu, não foi ilidida – enquanto que a eventual responsabilidade civil do réu, BB (agente/ comissário), que aqui se analisa à luz da factualidade provada, se coloca no quadro e plano da responsabilidade subjetiva200, cabendo, assim, ao autor o ónus da prova da responsabilidade individual do agente decorrente de uma conduta ilícita (atuação pessoal/individual com dolo ou mera culpa) geradora da responsabilidade que vem exigida201.

No domínio da apreciação da responsabilidade civil por atos praticados através da comunicação social igualmente importa ter em conta, e repetimos o que antecedentemente já referimos, que o trabalho dos jornalistas nos operadores de televisão, tal como em geral acontece em todo o sector da comunicação social, é prestado num regime de relação juridicamente subordinada, sob orientação e supervisão dos órgãos próprios da hierarquia das empresas operadoras, sendo importante realçar que a decisão de transmitir ou não determinados programas, noticias ou conteúdos pertence exclusivamente ao operador através do órgão por si designado, implicando esta circunstancia, em primeira linha, a eventual ou potencial responsabilização da empresa operadora pela divulgação de factos violadores do direito de terceiros.

No enquadramento que fica exposto, tendo em atenção a factualidade relevante que foi apurada, importa averiguar, depois do que já tivemos ocasião de referir relativamente à responsabilidade da ré, SIC, S.A., se, face aos factos provados e em consequência destes, o autor logrou provar que o seu direito à honra e bom-nome foi pelo réu, BB (individualmente considerado), com dolo ou mera culpa, ilicitamente violado – art. 483º CCivil, tornando-se, assim e quanto a ele, necessário demonstrar a verificação dos pressupostos determinantes da responsabilidade civil decorrente de factos ilícitos, ou sejam a existência de um facto ou de factos voluntários do agente (imputabilidade desse facto ou factos ao agente,, a ilicitude desse facto ou factos, a existência de um dano que lhe sobrevenha202.

Percorrendo a factualidade provada temos que o réu, BB, que trabalha por conta e sob as ordens da ré, SIC (ponto K), na tal relação juridicamente subordinada que acima referimos, como correspondente..., condição que por si não lhe atribui qualquer função de chefia ou coordenação, realizou para esta reportagens nos dias 6, 7 e 8 de ... e 9 de ..., acontecendo que nos dias 6 e 7 de ... (...) a SIC e a SIC Noticias abriram os seus serviços noticiosos com “chamadas” para o caso de “pedofilia ...”, invocando como fonte um trabalho de investigação SIC /Expresso (pontos L a N), cuja divulgação foi feita da edição do mesmo dia 6 de ... do jornal Expresso (ponto ET).

Relativamente à intervenção do réu, BB, na produção/divulgação destas notícias verificamos, conforme os factos provados, a existência de uma intervenção sua no Jornal da Noite da SIC, do dia 6 pelas 20 horas, cujo teor e circunstâncias constam do ponto S, dos factos provados e, onde faz referência ao envolvimento de um membro do ..., sem, contudo, se fornecerem quaisquer outros elementos que possibilitassem a identificação de qualquer pessoa em concreto, nomeadamente do autor, e uma outra intervenção descrita no ponto Y, que teve lugar a 7/..., na qual não é, igualmente feita qualquer referência expressa e identificativa do A antes a manutenção de uma referencia genérica ao envolvimento de figuras de relevo na ... entre elas um membro do ...203.

Sendo, quanto a nós, os dois pontos da matéria de facto em que é mais direta e relevante a intervenção factual e concreta do réu, BB, na cobertura do caso geralmente designado como “caso de pedofilia ...” procederemos a uma análise mais aprofundada sobre o que de tais pontos da matéria de facto consta.

Assim, no ponto S refere-se a transmissão, no Jornal da Noite da SIC do dia 6 de ..., de uma notícia da autoria do réu, BB, interpolada por duas entrevistas de rua. Com um rodapé que destacava “pedofilia ... envolve notáveis da ...” e tendo como fundo a sede do ... o R mencionava, de viva-voz, que a investigação SIC/Expresso recolheu e registou inúmeras referencias ao envolvimento de figuras de destaque na sociedade, mas também no plano institucional da ... e, entre estas a referência ao envolvimento de um membro do atual ....

A restante parte da notícia e as entrevistas de rua que se seguem apenas referem a ausência de comentários oficiais e transmitem o sentimento da população quanto ao caso em geral.

Tendo em conta o que acima deixamos referido não se torna possível concluir que com esta intervenção o réu, BB, tenha implicado ou sequer insinuado o envolvimento do autor neste caso.

Refira-se, no sentido de um geral enquadramento da forma como as notícias foram transmitidas, e reforçando a nossa convicção no sentido da não existência de qualquer menção individualizadora do concreto envolvimento do autor, que já do ponto P consta a existência de notícias dadas como recolhidas pela equipa de jornalistas SIC/Expresso (sem qualquer referencia identificadora dos profissionais que compunham tal equipa) e transmitidas pela SIC e SIC Noticias, notícias essas que davam conta de na lista de suspeitos estarem “políticos no ativo conhecidos em todo o País”, professores, ... padre, ... magistrado, ... médicos, ... advogado, ... arquiteto e vários empresários.

Já quanto ao que está provado no ponto Y (notícia transmitida pelo réu, BB, no “Primeiro Jornal” da SIC do dia 7), para além da manutenção das referências a uma ausência de reações oficiais e à transmissão de entrevistas que davam conta da indignação dos cidadãos comuns, o único elemento novo está numa referência ao facto de se ter dado conta que algumas das figuras apontadas nas denuncias passaram este fim de semana bem longe dos ...”.

Com todo o respeito pela posição expressa pelo autor nos autos e mantida neste recurso no sentido de esta afirmação poder conduzir à sua identificação (estaria nessa altura ausente nas ...), entendemos que essa afirmação é, no conteúdo e na forma, de natureza genérica podendo abranger tanto o autor como, no contexto geral das noticias transmitidas, quaisquer outros políticos, advogados, médicos, magistrados, arquitetos, padres, professores ou empresários (enquanto figuras apontadas nas denúncias) que nessa altura se encontrassem fora ....

Não existe aqui também qualquer imputação (explicita ou implícita) de envolvimento do autor na dita rede de pedofilia.

Relativamente aos textos noticiosos e comentários referidos nos pontos AD,AE,AF,AI,AJ,AL,AT e AV não apreciaremos o seu conteúdo, resultando a desnecessidade de tal apreciação da incontornável circunstância de ter sido dado como provado – sem que daí resulte qualquer contradição com a restante matéria factual provada - que tais textos ou comentários não são da autoria do réu, BB, que não os editou nem ordenou a respetiva difusão (pontos FB e FE) o qual, e conforme igualmente resulta dos factos dados como provados não é, aliás e também, autor das notícias de 6 e 7 de ..., não as tendo editado nem ordenado a sua difusão (pontos EV, EW e EX).

Para que não subsistam dúvidas, mesmo relativamente à imputação mais grave, porque totalmente explícita e falsa, que é a que ocorre na edição das 10 horas da SIC Noticias, de 9 de ..., onde o autor é expressamente referido como suspeito, detido pela Policia Judiciária e presente em tribunal, é excluída a intervenção do réu, BB, na sua autoria, edição e difusão (pontos AT a AV), apesar de (supõe-se) o mesmo saber ou dever saber (por estar com outros jornalistas junto do Tribunal onde foram apresentados os arguidos no processo) que tais factos não eram (relativamente ao autor) verdadeiros, conforme o que decorre dos pontos CD a CG.

Independentemente do facto de se admitir conhecer o réu, BB, que o autor não tinha sido detido, nem tinha sido presente em tribunal e conhecer ainda que junto do tribunal não havia familiares deste, não poderá esse conhecimento determinar que lhe seja imputada pessoalmente qualquer responsabilidade civil ou criminal uma vez que, conforme decorre também dos factos provados, a divulgação da notícia que afirmava o contrário daquilo que o referido réu, BB, conhecia não foi da sua autoria nem foi ele que a editou ou ordenou a sua difusão (sublinhe-se que para além de estar provado que não houve autoria do réu na produção edição ou difusão da noticia, também se não prova ou sequer presume, que sobre o réu, BB recaísse qualquer obrigação especial de controlo e coordenação da difusão de noticias ou reportagens).

No percurso que efetuamos sobre toda a factualidade existente nos autos, que obrigou a uma leitura atenta dos articulados, da base instrutória, da decisão sobre a matéria de facto e da fundamentação da (divergente) decisão das instâncias, importa sublinhar e apreciar, na certeza de que esta apreciação cabe nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal de Justiça (arts. 729º e 722º,do CPCivil, atualmente, arts. 682º e 674º, do CPCivil, respetivamente), uma situação concreta que se prende com a circunstância de na decisão de facto se ter considerado que os quesitos 20, 21 e 22 encerravam matéria de direito e eram conclusivos pelo que não eram suscetíveis de resposta; acrescentou-se que tal resposta resultaria ou não dos factos.

Tendo para nós que o quesito 22 contém matéria de todo irrelevante para a procedência da ação, incidiremos a nossa análise no conteúdo e resposta aos quesitos 20º e 21º.

Perguntava-se no quesito 20º se foi intenção dos réus e em especial do 3º réu (BB, jornalista natural e residente ...) desacreditar o autor (AA, ... e ... ..., na altura com responsabilidades no ...), acrescentando-se e questionando-se no quesito 21º se igualmente era intenção dos réus ofenderem a honra do autor e a sua dignidade pessoal e de homem público.

Se é óbvia a inexistência de todo e qualquer fundamento que permita a conclusão de que os quesitos em questão contêm matéria de direito igualmente entendemos que os mesmos não são conclusivos.

Na verdade dentro dos factos processualmente relevantes que devem ser levados à base instrutória cabem não só os acontecimentos do mundo exterior integrantes da realidade empírico – sensorial, diretamente captáveis pelas perceções do homem mas também eventos que se colocam no foro interno, no quadro da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo, os quais sendo percecionáveis por terceiros podem ser objeto de prova204.

Ao não responder diretamente aos quesitos 20º e 21º, apesar da vaga alusão à circunstância da resposta resultar ou poder resultar de outros factos provados, o tribunal incorreu em erro técnico manifesto que seria suscetível de determinar a remessa dos autos à 1ª instância a fim de se produzir prova sobre esses quesitos.

Acontece no entanto que face à restante prova produzida nunca uma eventual resposta total ou parcialmente afirmativa a esses quesitos poderia conduzir a uma solução diferente daquela que no quadro atual deve ser tomada, redundando desta forma uma eventual baixa do processo à 1ª instância (para repetição do julgamento quanto àqueles quesitos) num ato inútil cuja prática nos está legalmente vedada.

Na verdade e independentemente das reais intenções dos réus, deve da análise de toda a factualidade relevante provada (retendo em especial o provado sob os pontos N, S, Y, BK, BV, EP, ET, EV EW e EX), tal como ocorreu no acórdão recorrido, concluir-se não poderem imputar-se pessoalmente ao réu, BB (insistimos que estamos quanto a ele no âmbito da responsabilidade subjetiva) quaisquer factos concretos, qualquer atuação (pessoal) específica dolosa ou negligente na formulação e divulgação das notícias em questão (a declaração de culpa – mera culpa ou dolo – de uma pessoa certa e determinada – tem que basear-se sempre num concreto juízo de censura relativamente à atuação individual dessa pessoa), qualquer violação por ele de factos ofensivos à honra e bom nome do autor.

Resulta esta conclusão da circunstância de termos como certo que a lei (especificamente o artigo 483º CCivil) exige205, como pressuposto e condição sine qua non da imputação de responsabilidade civil por factos ilícitos a uma pessoa concreta, que a violação ilícita dos direitos ou interesses do lesado esteja ligada a essa pessoa concreta de forma a poder afirmar-se que os factos lesivos não só são obra sua, como também que podia e devia ter agido diversamente.

Evidência, assim e repetimos, toda a factualidade provada que a autoria das notícias em causa decorreu, tal como dos factos resulta, de um trabalho de investigação jornalística realizado por uma equipa de jornalistas (investigação SIC/Expresso) atuando (também) por conta e no interesse da ré, SIC, S.A., evidenciando ainda todos os factos apurados, relativos e pertinentes para apreciação e valoração da concreta e especifica atuação profissional do réu, BB, neste quadro e neste contexto, atividade que exerceu por conta e sob as ordens da ré, SIC, enquanto, e tal como o identificam, correspondente da mesma ..., que não se torna possível imputar-lhe (a titulo pessoal) responsabilidade civil.

Estamos assim perante uma situação onde não sendo possível apurar a responsabilidade individual e subjetiva dos jornalistas que atuaram por conta e no interesse da ré, SIC, S.A., deverá a decisão ser ponderada e decidida por recurso ao disposto nos arts. 165º e 500º/2, ambos do CCivil, ou seja, devemos ter presente, na sequência do que aliás resulta de tudo o que antecedentemente ficou exposto, que, nesta como em todas e quaisquer situações em que há responsabilidade solidária entre a pessoa coletiva e o órgão, agente ou mandatário, responderá apenas a sociedade se não for possível determinar em concreto o agente culpado do ato206.

Por esta razão, os elementos factuais disponíveis não permitem concluir pela verificação dos pressupostos de responsabilidade civil relativamente ao réu, BB, individualmente considerado.

Concluindo, e independentemente da deficiente fundamentação de factos e de direito que apresenta, não merece, apesar disso, censura o segmento do acórdão que conclui pela absolvição do réu, BB, do pedido.

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça, em:

1.) Julgar parcialmente procedente a revista do autor, AA e, consequentemente, em condenar a ré, SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, S.A., a pagar-lhe:

a.) A quantia de 10 000,00€ (dez mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento;

b.) A quantia de 65 758,00€ (sessenta e cinco mil setecentos e cinquenta e oito euros), a título de indemnização por danos de natureza patrimonial, a que acrescem de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;

2.) Julgar improcedente a revista da ré, SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, S.A..

3.2. REGIME DE CUSTAS

Custas pelos recorrentes, AA e SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, S.A. (na vertente de custas de parte, por outras não haver207), neste recurso e nas instâncias, na proporção do respetivo decaimento208.

Lisboa, 2024-04-10209,210

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(Manuel Aguiar Pereira) – 1º adjunto

(Jorge Arcanjo) – 2º adjunto

_____________________________________________

1. Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão – art. 627º/2, do CPCivil.↩︎

2. A lei estabelece uma divisão entre recursos ordinários e recursos extraordinários a partir de um critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão. Enquanto os recursos ordinários pressupõem que ainda não ocorreu o trânsito em julgado, devolvendo-se ao tribunal de recurso a possibilidade de anular, revogar ou modificar a decisão, os recursos extraordinários são interpostos depois daquele trânsito – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 777.↩︎

3. Aquele que interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

4. Aquele contra quem se interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

5. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎

6. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 301.↩︎

7. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎

8. A tramitação (marcha) do recurso de revisão comporta duas fases distintas: a fase rescindente e a fase rescisória. A fase rescindente destina-se a apreciar o fundamento do recurso, culminado com uma decisão de manutenção (confirmação) ou de revogação da decisão impugnada; a fase rescisória visa a obtenção de uma decisão que venha substituir a decisão recorrida (arts. 698º e ss) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 669.↩︎

9. A marcha do recurso de revisão consta dos arts. 773º e segs.. Normalmente esta marcha reparte-se por duas fases: a fase rescindente e a fase rescisória. A primeira destina-se a apreciar o fundamento do recurso, mantendo-se ou revogando-se a decisão contestada; a segunda propõe-se conseguir a decisão que deve substituir-se à recorrida – AMÂNDIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, p. 353.↩︎

10. A formulação do juízo rescindente liminar realiza-se sob duas vertentes: na primeira, com sentido formal, cuida-se de saber da correta instrução do recurso; na segunda, com carácter tendencialmente substantivo – sem prejuízo da consideração adjetiva quanto aos pressupostos, como a legitimidade e o interesse em agir – indaga-se se ocorre, ou não, manifesta inviabilidade, isto é, se é de reconhecer de imediato que não há motivo para revisão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2015-02-04, Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

11. A recorrente SIC, S.A., extraiu das alegações que apresentou as seguintes conclusões:

a. A censura que o TEDH dirigiu ao acórdão do STJ revogado nos autos prende-se com o caráter desproporcionado das indemnizações arbitradas perante a gravidade do prejuízo sofrido pelo Recorrido, num quadro em que uma retificação da notícia foi feita, POR DUAS VEZES CONSECUTIVAS, pelo canal televisivo horas mais tarde e, ainda, mas não exclusivamente, em que o Recorrido retomou o seu papel na ... pouco tempo depois das reportagens e notícias da empresa Recorrente, tendo desempenhado funções de ... na Assembleia ... entre 2005 e 2013;

b. O montante das indemnizações fixadas, sendo elevado e não estando sequer em causa nos autos “dano morte”, quando comparado com processos anteriores relativos a Portugal (quer internamente, quer junto do TEDH), desencoraja a participação da imprensa/ televisão em debates sobre assuntos de legítima preocupação pública, tendo efeito inibidor na liberdade de expressão e de imprensa/televisão;

c. A nova decisão a proferir pelo STJ deverá divergir do julgamento anteriormente efetuado quanto ao montante da compensação atribuída a título de danos não patrimoniais, bem como à existência de um nexo de causalidade adequada entre os factos ilícitos e a diminuição de rendimentos do Recorrido, sobretudo após a demissão (a seu pedido) do cargo de Secretário....

d. Os factos alegadamente danosos sofridos pelo Recorrido deveram-se, em única linha, ao pedido voluntário de exoneração que formulou, ao comunicado que fez difundir pelos órgãos de comunicação social e ao momento escolhido para o fazer, estando-se perante um ato de vontade, livremente exercido, determinando-se o Recorrido em conformidade, inexistindo a relação causa efeito, para se poder falar de ressarcimento a título de danos patrimoniais;

e. Existindo uma ofensa à honra do Recorrido, com a notícia difundida no dia 9 de ..., decorrente de erro jornalístico, apurado ficou que foi feita a retificação que se pode considerar como reconstituição in natura; f. Mesmo que se considere que a ocorrência de reconstituição natural não se mostra suficiente para suprir o sofrimento moral do lesado, em termos próprios e de relacionamento com os mais próximos, deve ser agora decidido, no atendimento da qualidade da lesante/ Recorrente, das circunstâncias do ilícito, e os efeitos decorrentes do mesmo para o lesado/ Recorrido, considerando as circunstâncias de ser SEMPRE uma referência no âmbito social e ..., fixar-se apenas uma indemnização a título de danos morais do montante de € 10.000,00.↩︎

12. O recorrido, AA, extraiu das alegações que apresentou as seguintes conclusões:

A. Revogada a decisão revidenda não pode o Recorrido conformar-se com a eventual repercussão na sua esfera jurídica de uma decisão cujo alvo único só poderá ser o Estado Português, sob quem recaiu a condenação no TEDH por violação da CEDH, atenta a censura daquela instância internacional face ao montante arbitrado a título de indemnização do Recorrido no âmbito do processo que correu termos em Portugal.

B. O TEDH reconheceu que o Recorrido foi vítima de uma violação ilícita da honra, bom nome e da sua reputação, não tendo afastado o mérito da atribuição de uma indemnização ao Recorrido em virtude dos atos ilícitos praticados pela Recorrente, coordenadas que sempre terão de ser tidas em consideração por este Supremo Tribunal na sua apreciação final.

C. A Recorrente não formulou nenhum pedido de condenação do Recorrido, pelo que qualquer decisão de condenação que se reflita no Recorrido implicaria a nulidade do decidido por violação do princípio do pedido, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1, 615.º, n.º 1, alínea e) e 685.º do CPC.↩︎

13. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 672.↩︎

14. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

15. A censura que o TEDH dirigiu ao STJ prendeu-se com o caráter desproporcionado das indemnizações arbitradas perante a gravidade do prejuízo sofrido pelo recorrido, num quadro em que uma retificação da notícia foi feita pelo canal televisivo horas mais tarde e o demandante retomou o seu papel na política pouco tempo depois do relatório de notícias da empresa requerente, tendo desempenhado funções de deputado na Assembleia da República entre...e .... Assim, a conformação da decisão revidenda com o teor do acórdão proferido pela instância internacional apenas se poderá operar através de uma diminuição dos valores arbitrados a título de indemnização na qual foi condenada a recorrente SIC, SA, e nunca, por tal escapar ao objeto do presente processo, mediante a concessão de uma indemnização à mesma.↩︎

16. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎

17. Ao atuar como descrito em supra, embora sem mencionar o nome do A., os 2 canais de televisão SIC e SIC Noticias divulgaram características apontadas de ser ..., ser membro do ...e estar ausente ... de um personagem que estaria envolvido como "tendo abusado sexualmente de menores e praticado atos homossexuais com jovens", permitiu que um número elevado mas não concretamente apurado de cidadãos ... o tivessem identificado.↩︎

18. Apesar de nas noticias não ter sido mencionado o nome do A., o analista NN referido identificou o A. através das noticias editadas pela SIC e pela SIC Noticias.↩︎

19. Apesar do seu distanciamento em relação ao A.↩︎

20. Tendo este também considerado que as noticias emitidas pelos ditos canais de televisão nos dias 6 e 7 de ... identificavam o A..↩︎

21. Com as notícias em causa e as que se seguiriam o A sentiu que não tinha condições para manter a sua participação na ....↩︎

22. O A. sente que jamais terá condições de exercer qualquer cargo publico na ...↩︎

23. No que fazia gosto↩︎

24. A perda de rendimentos no ano de ... deveu-se aos factos que levaram a sua demissão.↩︎

25. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎

26. Questão já decidida nos autos na apreciação da legitimidade adjetiva, tendo a decisão acompanhado a posição expressa no acórdão deste STJ e desta 1ª Secção, de 15/3/2012, segundo a qual em matéria de responsabilidade civil, no âmbito da comunicação social, está consagrado um regime de solidariedade passiva entre as empresas de comunicação com os jornalistas autores das peças transmitidas, mas não de litisconsórcio necessário relativamente ao diretor ou ao responsável pela informação.↩︎

27. Verifica-se uma concreta imputação de responsabilidade civil subjetiva ao réu, BB↩︎

28. O legislador quis no artigo 165º CCivil não só abranger a obrigação de indemnizar por factos ilícitos, mas ainda a que resulta de responsabilidade objetiva ou de intervenções lícitas dos representantes, agentes ou mandatários da pessoa coletiva – ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 10ª edição, p. 618. Este autor, tal como, entre outros, MOTA PINTO, MENEZES CORDEIRO e SOFIA GALVÃO, apontam para uma interpretação ampla do disposto no artigo 500º/1 do CCivil.↩︎

29. Sobre o conceito de empresa de comunicação social v. LUÍS BRITO CORREIA, Direito da Comunicação Social, volume I.↩︎

30. A expressão «empresas de comunicação social» utiliza-se para referir, sinteticamente, as pessoas singulares ou coletivas (qualquer que seja a sua forma ou tipo) que exercem, em nome e por conta própria e de um modo organizado, uma atividade de recolha, tratamento e divulgação de informações destinadas ao público, através da imprensa, do cinema, da televisão e de outros meios análogos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-12-17, Relator: OLIVEIRA E ROCHA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

31. Sobre o regime de prestação de trabalho e análise das consequências v. o parecer do Sindicato dos Jornalistas relativo à Lei da Televisão de 2011.↩︎

32. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 3/5/1995, BMJ 447/431 e, de 10/7/1997, BMJ, 469/468.↩︎

33. Para efeitos do artigo 500º do Código Civil, comissão deve ser entendida como, serviço ou atividade realizada por conta e sob a direção de outrem, podendo traduzir-se num ato isolado ou numa função duradoura, gratuita ou onerosa, manual ou intelectual. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comitido no exercício da função que lhe é confiada – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2001-07-12, Relator: SILVA SALAZAR, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

34. Ao determinar, no seu nº1º, que, desde que sobre o comissário recaia a obrigação de indemnizar, aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, o art.500º C.Civ. institui uma situação de responsabilidade objetiva do comitente. Consoante art.500º, nº 2º, C.Civ., essa responsabilidade do comitente depende da verificação de três requisitos : a) - a existência de relação de comissão, que implica liberdade de escolha pelo comitente e se caracteriza pela subordinação do comissário ao comitente, que tem o poder de direção, ou seja, de dar ordens ou instruções ; b) - a responsabilidade do comissário, já que, em princípio, o comitente só responde se tiver havido culpa do comissário ; c) - que o ato praticado pelo comissário o tenha sido no exercício da função que lhe foi confiada. Com a fórmula restritiva adotada nesse nº2º, a lei quis afastar da responsabilidade do comitente os atos que apenas têm um nexo temporal ou local com a comissão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2006-03-02, Relator: OLIVEIRA BARROS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

35. O regime da responsabilidade objetiva do comitente pelos factos danosos praticados pelo comissário, prevista no artigo 500.º do Código Civil, tem como pressupostos: (1) a existência de uma relação de comissão, (2) a prática de factos danosos pelo comissário no exercício da sua função e (3) a responsabilidade do comissário – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-03-13, Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

36. A subsunção dos factos ao normativo do art.º 500.º n.º1 do CCiv implica a prática de uma atividade que autorize o comitente a dar ordens ou instruções ao comissário; a responsabilização do comitente apenas pode provir de determinados poderes de uma pessoa, relativamente a outra – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-12-15, Relator: VIEIRA E CUNHA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

37. Em ação cível para ressarcimento dos danos provocados por factos cometidos através da imprensa, os responsáveis, de acordo com o nº 2 do art. 29º da Lei 2/99, e 13 de Janeiro, são, para além do autor do escrito ou imagem, a empresa jornalística e não o diretor do periódico ou o seu substituto legal, mesmo que se prove que tiveram conhecimento prévio da publicação do escrito ou imagem em causa – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-12-17, Relator: OLIVEIRA E ROCHA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

38. A inexistência de uma situação de comissão afasta a possibilidade de aplicação do regime da responsabilidade do comitente – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2008-10-09, Relatora: MARIA DOS PRAZERES BELEZA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

39. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil.↩︎

40. Tem-se presente que o direito constitucional à identidade tem em vista todos os traços que identifiquem o indivíduo como tal perante a sociedade – JONATAS MACHADO, Liberdade de Expressão, STVDIA IVRIDICA 65, pp. 752 e sgs.↩︎

41. Em manifesta violação do dever profissional de cuidado.↩︎

42. Sublinhado nosso.↩︎

43. Sendo os direitos fundamentais de personalidade, direitos inatos, absolutos, inalienáveis e irrenunciáveis dada, como exemplarmente referia o Professor Mota Pinto, “a sua essencialidade relativamente à pessoa, da qual constituem o núcleo mais profundo” há que atender, por aplicação do artigo 335º CCivil que a liberdade de expressão não deva nem possa atentar contra esses direitos, salvo se estiver em causa um interesse publico relevante.↩︎

44. As afirmações de facto ou os juízos de valor que um órgão de comunicação social faça sobre a conduta de qualquer pessoa, sobretudo quando publicamente relevante, devem ter como limite não só a consciência ou a mera suspeita da sua falsidade mas também a falta de indícios sérios sobre a sua verdade.↩︎

45. ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Atualizada, volume I, p. 112.↩︎

46. CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, p. 117.↩︎

47. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, tomo 1º, p. 157.↩︎

48. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 51.↩︎

49. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 44.↩︎

50. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo III, 2004, p. 142.↩︎

51. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 62.↩︎

52. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, pp. 62.↩︎

53. CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, pp. 303/304.↩︎

54. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 62.↩︎

55. JOSÉ BELEZA DOS SANTOS, Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria, RLJ, ano 92.º, p. 181.↩︎

56. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 466.↩︎

57. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 761/62.↩︎

58. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 762.↩︎

59. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 63.↩︎

60. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 762.↩︎

61. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. 1.º, 15.ª ed., p. 299.↩︎

62. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 24.↩︎

63. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-05-14, CJ (Ac´s STJ), tomo 2.º, p. 66.↩︎

64. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. 1.º, 15.ª ed., p. 298.↩︎

65. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 572.↩︎

66. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 391/92.↩︎

67. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 417.↩︎

68. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 418.↩︎

69. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 418.↩︎

70. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 418.↩︎

71. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, pp. 33/34.↩︎

72. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 575.↩︎

73. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 572.↩︎

74. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 572.↩︎

75. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 292/2008, de 29-05-2008, in DR n.º 141/2008, Série II de 2008-07-23.↩︎

76. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 572.↩︎

77. Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos – art. 18º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.↩︎

78. Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão – art. 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.↩︎

79. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome”, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 138.↩︎

80. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 299.↩︎

81. CASO ALMEIDA AZEVEDO/PORTUGAL (Queixa 43924/02) - Acórdão de 23 de janeiro de 2007.↩︎

82. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - Acórdão de 21 junho de 2016.↩︎

83. CASO URBINO RODRIGUES/PORTUGAL (Queixa 75088/01) - Acórdão de 29 de novembro de 2005.↩︎

84. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - Acórdão de 21 junho de 2016.↩︎

85. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 857, citando Francisco Teixeira da Mota, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pp. 39/84.↩︎

86. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-04-23, Relator: RODRIGUES DA COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

87. IOLANDA DE BRITO, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, p. 65.↩︎

88. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 30.↩︎

89. CASO COLAÇO MESTRE E SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, S.A./ PORTUGAL (Queixas n.ºs 11182/03 e 11319/03) - acórdão de 26 de abril de 2007, n.º 22.↩︎

90. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - acórdão de 21 junho de 2016, onde o tribunal reitera o entendimento que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições básicas para seu progresso e para a autorrealização de cada indivíduo.↩︎

91. CASO LARANJEIRA MARQUES DA SILVA / PORTUGAL (Queixa nº 16983/06) – Acórdão de 19 de janeiro de 2010, onde o tribunal reitera o entendimento que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática.↩︎

92. CASO FELDEK/SLOVAQUIE (Queixa n.º 29032/95) - acórdão de julho de 2001, n.º 51.↩︎

93. CASO COLAÇO MESTRE, citado, n.º 24.↩︎

94. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 373.↩︎

95. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 373/378.↩︎

96. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 424.↩︎

97. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 34.↩︎

98. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 1130.↩︎

99. A liberdade de expressão e a honra conformam dois direitos fundamentais, que, dada a sua relevância, mereceram a consagração constitucional – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-02, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

100. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: PAULO SÁ, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

101. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, CJ (Ac´s STJ), tomo 1.º, p. 77.↩︎

102. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-02, Relator: PAULO SÁ, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

103. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-02, Relator: PAULO SÁ, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

104. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-01-09, Relator: SÉRGIO POÇAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

105. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

106. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

107. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, CJ (Ac´s STJ), tomo 1.º, p. 78.↩︎

108. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, CJ (Ac´s STJ), tomo 1.º, p. 79.↩︎

109. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-06-28, Relator: GRANJA DA FONSECA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

110. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-05-08, Relator: MOREIRA ALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

111. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome”, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 144 e nota 75.↩︎

112. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 139.↩︎

113. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 154.↩︎

114. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 151.↩︎

115. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - acórdão de 21 junho de 2016, onde o tribunal reiterou o entendimento que, sujeito ao parágrafo 2 do artigo 10, é aplicável não apenas às “informações” ou “ideias” que são recebidas favoravelmente ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também àquelas que ofendem, chocam ou perturbam.↩︎

116. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, pp. 139/143.↩︎

117. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 143.↩︎

118. RENATO LOPES MILITÃO, Sobre a tutela penal da honra das entidades coletivas, Julgar Online, pp. 6/7/9/32/33.↩︎

119. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 786.↩︎

120. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 147/148.↩︎

121. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 767/768 e, 786/789.↩︎

122. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

123. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 263.↩︎

124. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 767/68.↩︎

125. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 23.↩︎

126. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, pp. 23/24.↩︎

127. MANUEL CARNEIRO DA FRADA, citado por FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 24.↩︎

128. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 26↩︎

129. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 26.↩︎

130. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 26.↩︎

131. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

132. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 264.↩︎

133. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - Acórdão de 21 junho de 2016, onde o tribunal reiterou o entendimento que para avaliar a justificativa de uma declaração que está em questão, deve-se fazer uma distinção entre declarações de fato e julgamentos de valor. Embora a existência de fatos possa ser demonstrada, é impossível cumprir a exigência de provar a verdade de um julgamento de valor e viola a própria liberdade de opinião, que é parte fundamental do direito garantido pelo artigo 10.↩︎

134. CASO ANTUNES EMÍDIO E SOARES GOMES DA CRUZ/PORTUGAL (Queixas n.ºs 75637/13 e 8114/14) - Acórdão de 24 setembro de 2019, onde o tribunal reiterou o entendimento que para avaliar uma declaração que está em questão, deve-se fazer uma distinção entre declarações de fato e julgamentos de valor. Embora a existência de fatos possa ser demonstrada, a verdade dos julgamentos de valor não é suscetível de prova.↩︎

135. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 267.↩︎

136. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 268.↩︎

137. COSTA ANDRADE, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, p. 274.↩︎

138. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 298.↩︎

139. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 299.↩︎

140. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 299.↩︎

141. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 301.↩︎

142. Sofrendo danos não patrimoniais que pela sua intensidade são indiscutivelmente merecedores de tutela do direito.↩︎

143. O autor, de acordo com os factos provados, deve ser considerado como figura pública, entendido este conceito como correspondendo a indivíduos que, dentro de cada um dos vários subsistemas sociais emergem em posição de especial protagonismo v. JONATAS MACHADO, Liberdade de Expressão - Stvdia Ivridica.↩︎

144. Constitui dever fundamental dos jornalistas o respeito escrupuloso pelo rigor e objetividade da informação, devendo comprovar tanto quanto possível a veracidade dos factos.↩︎

145. V. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/10/2000, CJ/STJ, 2000, 3º/78 e de 14/2/2002, CJ/STJ, 2002, 1/92.↩︎

146. Neste sentido, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 1º Volume, 9ª edição, p. 630.↩︎

147. PINTO MONTEIRO, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 2003, pp. 88/89, e nota (164).↩︎

148. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, 6ª ed., volume l°, p. 571.↩︎

149. Danos não patrimoniais são aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido – MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, volume I, 14ª edição, p. 328.↩︎

150. Temos como referencia em toda esta análise a jurisprudência constitucional alemã que vem alertando para a necessidade de garantir uma indemnização por danos morais quando, como é o caso, existe uma culpa séria do demandado e quando, por força disso o demandante sofreu uma violação substancial da sua reputação, denunciando, porém, os perigos de qualquer atitude especuladora sobre o valor económico dos direitos de personalidade – MARC CARRILLO, La clausula de consciencia y el secreto profesional de los periodistas, Madrid – 1993.↩︎

151. Mandando a lei que se fixe a indemnização de forma equitativa quer a mesma afastar a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização (v. RIBEIRO FARIA, Direito das Obrigações, 1, pp. 491 e seguintes).↩︎

152. Como salienta PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, o impacto que os meios de comunicação de massa têm na sociedade e a credibilidade pública de que beneficiam, agrava brutalmente as lesões causadas.↩︎

153. Na ofensa à honra a reparação do dano não patrimonial deve atender á natureza, gravidade e reflexo social da ofensa em função do grau de difusão, do sofrimento do ofendido e da sua própria situação social e política (acórdão deste STJ de 24/5/2001) não sendo indiferente a circunstancia do ofendido ocupar funções politicas dada a maior exposição mediática que daí resulta.↩︎

154. O TEDH foi já várias vezes chamado a apreciar decisões dos tribunais portugueses, em que estes emitiram condenações por alegadas violações do direito à honra mediante uso abusivo da liberdade de expressão, onde estava em causa a eventual violação do art. 10.º da Convenção. Nessas decisões, o TEDH reiterou o seu entendimento, expresso em anteriores acórdãos, de que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sob reserva do n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa». Os Estados Contratantes gozam de uma certa margem de apreciação para determinar se existe uma tal necessidade, mas esta margem anda de par com um controlo europeu que incide tanto na lei como nas decisões que a aplicam, mesmo quando estas emanam de uma jurisdição independente – CASO COLAÇO MESTRE E SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, S.A./ PORTUGAL (Queixas n.ºs 11182/03 e 11319/03) – acórdão de 26 de abril de 2007, n.º 22.↩︎

155. Por acórdão de 08-03-2007, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi fixada, em 2007, uma indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais de €75.000,00 pela publicação, que se considerou atentatória do bom-nome do Sporting Clube de Portugal, em jornal diário citadino conceituado e de grande tiragem, de uma notícia da qual resultava não ser tal clube cumpridor das suas obrigações fiscais e de a conduta dos seus dirigentes ser passível de integrar o crime de abuso de confiança fiscal. Na situação ali análise, em que o TEDH entendeu que “os requerentes tinham uma base factual suficiente para justificar a publicação do artigo litigioso e que nada indica que tenham faltado aos seus “deveres e responsabilidades”, no sentido dado pelo artigo 10º, nº 2 da Convenção, ou que não tenham agido com respeito pela deontologia jornalística”, considerou-se excessiva a mencionada indemnização, por referência ao seguinte percurso argumentativo: “55. A este respeito, o Tribunal considera que o montante de indemnização por perdas e danos a que os requerentes foram condenados não alcançou o justo equilíbrio pretendido. Reafirma que, ao abrigo da Convenção, qualquer decisão que fixe perdas e danos por difamação deve apresentar uma relação razoável de proporcionalidade com a ofensa causada à reputação (Tolstoy Miloslavsky c. Reino Unido, 13 de Julho de 1995, § 49, série A nº 316 B; ver também Steel e Morris c. Reino Unido, nº 68416/01, § 96, CEDH 2005 II). Este raciocínio é igualmente aplicável a uma condenação em processo civil, ainda que, admite o Tribunal, uma sanção penal se revista indubitavelmente de um carácter mais grave. No caso, a quantia de 75 000 euros à qual todos os requerentes foram condenados – mas que acabou por ser paga na totalidade pelo primeiro requerente – era incontestavelmente de um montante excecionalmente elevado, sobretudo face a outros processos de difamação submetidos a tribunais portugueses de que o Tribunal teve conhecimento e se se tiver em conta que se tratava da reputação de uma pessoa coletiva e não de um indivíduo. Uma condenação deste tipo corre inevitavelmente o risco de dissuadir os jornalistas de contribuírem para a discussão pública de questões de interesse para a vida da comunidade. De igual modo, esta condenação é de natureza a impedir a imprensa de cumprir o seu papel de informação e de controlo (Monnat c. Suíça, nº 73604/01, § 70, CEDH 2006 X) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-03-08, Relator: SALVADOR DA COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

156. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) – acórdão de 21 junho de 2016, onde o tribunal reitera o entendimento que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições básicas para seu progresso e para a autorrealização de cada indivíduo.↩︎

157. CASO LARANJEIRA MARQUES DA SILVA / PORTUGAL (Queixa nº 16983/06) – Acórdão de 19 de janeiro de 2010, onde o tribunal reitera o entendimento que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática.↩︎

158. CASO FELDEK/SLOVAQUIE (Queixa n.º 29032/95) – acórdão de julho de 2001, n.º 51.↩︎

159. PINTO MONTEIRO, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 2003, pp. 88/89, e nota (164).↩︎

160. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, 6ª ed., volume l°, p. 571.↩︎

161. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, volume I, 14ª edição, p. 328.↩︎

162. ANA AMORIM, A responsabilidade do médico enquanto perito, Centro de Direito Biomédico, 26, pp. 107/08↩︎

163. O montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, objetivamente, apreciado, e não à luz de critérios subjetivos, em função da tutela do direito, tomando-se em consideração, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem que a equidade impeça o julgador de referir o processo lógico através do qual chegou à liquidação do dano – VAZ SERRA, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, nº 2.↩︎

164. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 1987, pp. 497, 499 a 501 e, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 1970, pp. 428/29.↩︎

165. Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-07-13, Relator: SALVADOR DA COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

166. A gravidade do dano deve medir-se por um padrão objetivo e não de acordo com fatores subjetivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc. – ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 6ª ed., p. 571.↩︎

167. Dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excecional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade”. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-05-24, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

168. MARIA MANUEL VELOSO, Danos Não Patrimoniais, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542.↩︎

169. O critério que a lei enuncia para a fixação da indemnização (compensação) por danos não patrimoniais é o da equidade, a qual operará dentro dos limites que tiverem sido dados por provados pelo tribunal (art. 566º, nº 3), sendo atendíveis o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e do titular do direito à indemnização (artigo 496º, nº 4), bem como quaisquer outras circunstâncias especiais que no caso concorram (como se extrai da remissão para o artigo 494º), critério geral aplicável a quaisquer danos desta natureza, independentemente da fonte da obrigação de indemnizar – BRUNO BOM FERREIRA, Dano da morte: Compensação dos danos não patrimoniais à luz da evolução da conceção de família, pp. 101/02.↩︎

170. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, p. 577 e, ANA PINHEIRO LEITE, A Equidade na Indemnização dos Danos Não Patrimoniais, FDUNL, Lisboa, 2015.↩︎

171. Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-11-20, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

172. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-05-11, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

173. Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio» – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-10-28, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

174. A equidade traduz-se no critério decisivo para a fixação do montante da compensação por danos cujo valor exato não possa ser averiguado. Trata-se da equidade como padrão de justiça do caso concreto, da decisão ex aequo et bono (segundo a equidade). Porém, a decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Uma solução individualizadora que assuma todas as circunstâncias do caso concreto não pode encontrar-se sem a comparação de hipóteses. Está em causa o princípio da igualdade, que manda “tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-25, Relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

175. Foi arbitrada uma compensação por danos não patrimoniais no montante de 24 939,99€, num caso em que se considerou ter-se verificado uma violação ilícita do direito ao bom nome e reputação do autor através da publicação de uma notícia, que dava conta de um alegado envolvimento amoroso entre um terceiro e a sua esposa, em jornal disponível em todo o território nacional, tendo-se provado que o lesado, a partir da data da publicação dos artigos, passou a ser alvo de observações jocosas dos seus colegas de trabalho e de alguns clientes que o conheciam devido à vida pública que levava, tendo até, em consequência, pedido uma licença sem vencimento e acabado por se separar devido às discussões e aos embaraços que tais artigos provocaram si a sua mulher, visada nas notícias – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, Relator: ARAÚJO DE BARROS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

176. Foi considerada adequada a compensação por danos não patrimoniais de 12 500,00€, num caso em que estava em causa a ofensa à honra através de publicação de notícias inseridas em duas edições de um semanário relativamente à diretora de uma instituição que prosseguia fins humanitários de luta contra uma doença, em que se imputou a esta vida luxuosa – com referência pormenorizada a propriedades, viagens e desaparecimento de obras de arte – à custa do património da instituição, nada se tendo provado a respeito de tais imputações – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2008-02-07, Relator: JOÃO BERNARDO, http://www.dgsi.pt/jstj↩︎

177. O STJ não considerou excessiva a indemnização de 35 000,00€, por danos morais causados a um autor cujo interrogatório foi registado, sem autorização, e transmitido numa televisão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-05-24, Relatora: MARIA OLINDA GARCIA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

178. O tema do “quantum” indemnizatório por danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais, pode agora ser objeto de comparação com os países que nos estão mais próximos. E, numa consulta mesmo rápida, vemos que nós, portugueses, não temos motivo para qualquer complexo de pequenez relativamente aos montantes. Em muitos casos, pelo contrário. Muito exemplificativamente e pensando já em casos com afinidades com o nosso, temos, para os tribunais alemães, decisões indemnizatórias de: 15 000 DM, cerca de 7500 € - divulgação, em revista de notícias de pessoa indicada pelo nome, como suspeita em investigação oficial, de fazer parte de um grupo terrorista, não se tendo tal suspeita confirmado - Oberlandesgericht de Hamburgo, 3.2.1994; 20 000 DM, cerca de 10 000 € - Divulgação em programa televisivo de assuntos da esfera privada, nomeadamente de ligações financeiras, de homem de negócios – Landgericht; 20 000 DM, cerca de 10 000 € - fotografia dum padre católico de comportamento irrepreensível aposta, por troca grosseiramente negligente, num artigo sobre abusos sexuais de menores por parte de padres católicos, em revista com tiragem de 1,5 milhões de exemplares - Oberlandesgericht de Koblenz, 20.12.1996; 35 000 DM, cerca de 17 500 € - publicação em livro, com a fotografia do visado, da afirmação falsa de que ele era o segundo raptor num caso de tomada de reféns em avião com morte do piloto – Landgericht de Stuttgart, 31.8.2000 – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2008-02-07, Relator: JOÃO BERNARDO, http://www.dgsi. pt/jstj.↩︎

179. Acórdão de 21-09-2006, relativo à queixa n.º 73604/01 (caso Monnat c. Suíça).↩︎

180. Cumpre notar, nesta sede, que, ao contrário do sugerido pela recorrente SIC, não haverá que divergir do julgamento efetuado pela decisão revidenda acerca do estabelecimento do nexo de causalidade adequada entre os factos ilícitos e a diminuição de rendimentos do recorrido, tendo em conta que o acórdão do TEDH não fundou a violação do art. 10.º da CEDH no estabelecimento de tal nexo, mas no caráter desproporcionado da indemnização. Desta asserção se retira que não se irá introduzir qualquer modificação na fundamentação de direito da decisão revidenda no que tange ao estabelecimento de um nexo de causalidade entre facto e dano e, outrossim, na fixação do montante dos danos patrimoniais. Com efeito, no domínio dos danos patrimoniais vigora, em primeira linha, o princípio da reconstituição natural (art. 562.º do CC), que dará lugar a uma indemnização em dinheiro quando aquela não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art. 566.º/1 do CC) Tal indemnização por equivalente deverá ser fixada acordo com a teoria da diferença (art. 566.º/2 do CC), que se estabelecerá entre a situação real atual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento – ANTUNES VARELA, Direito das Obrigações, vol. I, Coimbra, Almedina, 10.ª edição, 2000, p. 908. No caso, o montante de 65 758,97€ foi alcançado, em conformidade com a teoria da diferença, através da subtração ao montante de 71 041,86€ (correspondente ao que o autor auferiria no cargo que exercia) do valor de 5282,89€ (relativo aos rendimentos que o demandante auferiu com o exercício da advocacia após a demissão). O princípio fundamental que rege a obrigação de indemnização do ressarcimento integral do dano, tal como delineado nos arts. 562º e 566.º/2 do CC, faz com que a diminuição da indemnização atribuída a título de danos patrimoniais não encontre cobertura legal.↩︎

181. De acordo com a tese defendida no acórdão recorrido a doutrina da causalidade adequada pressuporá a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha sempre e só por si ser causa determinante e direta do dano.↩︎

182. Tendo em conta o disposto no artigo 563º CCivil, que consagra a teoria da causalidade adequada na versão negativa de Enneccerus-Lehmann não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito determinante, mas apenas aqueles que o facto haja efetivamente causado. Segundo Almeida Costa (Obrigações, 4ª edição, 397) o nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar.↩︎

183. Será suficiente que o facto, embora não tenha ele mesmo provocado o dano desencadeia outra condição que diretamente o produza, contanto que esta segunda condição se mostre consequência adequada do facto que deu origem à primeira – ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações – 10ª edição, p. 766.↩︎

184. A teoria da causalidade adequada implica, num primeiro momento, a análise da situação, de acordo com a teoria da condição sine qua non, isto é, tem de começar-se por verificar se, no caso concreto, o facto foi condição necessária do prejuízo. Respondida afirmativamente esta questão, pergunta-se se, em condições normais de vida, aquele facto tem aptidões causais para provocar aquele tipo de consequências danosas. Concluída esta operação intelectual, pode dizer-se que o facto é causa jurídica do dano – ANA PRATA in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, p. 759.↩︎

185. V. Acórdãos deste STJ de 3/12/92, BMJ 422/365, e de 15/4/93, CJ/STJ, 1993, 2º, 59.↩︎

186. De acordo com uma interpretação fundada em regras normais e comuns de experiencia.↩︎

187. A teoria da causalidade adequada impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado. Depois, ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, a teoria da causalidade adequada impõe que o facto concreto apurado seja, em geral e em abstrato, adequado e apropriado para provocar o dano. A teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes : uma formulação positiva e uma formulação negativa. Na formulação negativa, o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. Por mais criteriosa, deve reputar-se adotada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-04-17, Relator: AZEVEDO RAMOS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

188. No artigo 563º do C.C. consagrou-se a teoria da causalidade adequada em termos de que um facto só deve considerar-se causa dos danos sofridos por outrem se estes constituírem uma consequência normal, típica e provável daquele – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-05-02, Relator: SOUSA INÊS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

189. O nosso ordenamento jurídico consagra a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa: «o facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais». Para além disso, a doutrina em causa não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano; podem ter colaborado na sua produção outros factos concomitantes ou posteriores. Com efeito, não é qualquer relação fenomenológica ou, se preferirmos, ôntico-naturalística que, embora seja condição próxima de produção de um resultado danoso (causal) entre dois fenómenos, releva para efeitos da teoria da causalidade adequada, mas aquela que for determinante no plano jurídico, isto é, entre um comportamento juridicamente censurável e o resultado danoso. Por isso, com inteira razão, a dogmática moderna tende a substituir a designação imprópria de teoria de causalidade adequada, que a praxis tradicional consagrou, pela da teoria ou doutrina da adequação, ou seja pela imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuída ao agente como coisa sua, isto é, produzida por ele – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-01-20, Relator: ÁLVARO RODRIGUES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

190. No âmbito do direito civil, o artigo 563º do Código Civil consagra a vertente mais ampla da causalidade adequada, ou seja, a sua formulação negativa. Esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser direta e imediata, pelo que admite: - não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não; - como ainda a causalidade indireta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que diretamente suscite o dano. No entanto, para esta modalidade, o facto-condição já não deve ser considerado causa adequada do dano quando se mostre, pela sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas por ocorrência de circunstâncias anómalas ou excecionais – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-03-06, Relator: BORGES SOEIRO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

191. O nosso sistema positivo acolheu a “teoria de causalidade”, ao consignar, no artigo 563º do Código Civil, que “...a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-06-23, Relator: RAMALHO PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

192. O nexo de causalidade encontra-se normativamente configurado em termos de causalidade adequada, princípio geral que se concretiza em duas formulações, uma positiva e uma negativa. Na modalidade positiva da causalidade adequada, um facto é causa de um efeito danoso quando é previsível - atendendo às circunstâncias em que o agente atuou, e conhecidas deste - que o facto provoque aquele efeito danoso. Na modalidade negativa, prescindindo-se da noção de previsibilidade, de imediação ou exclusividade, um facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais. Esta variante negativa da causalidade adequada está mais próxima da teoria da equivalência das condições ou da condição sine qua non em que o facto é causal de um dano se for uma das várias condições da sua produção. O art. 563.º do CC, ao consagrar a formulação negativa da causalidade adequada, admite o que a doutrina e jurisprudência francesa designam de implicação, conceito lato segundo o qual um veículo implicado num acidente participa ou intervém materialmente, de qualquer forma e a qualquer título, na produção dos danos, ainda que não haja contacto, bastando que o condutor de um perturbe a circulação do outro (por ambos se encontrarem no mesmo perímetro de espaço e de tempo) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-18, Relator: FERNANDO BENTO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

193. A matéria da causalidade pode ser apreciada ou como a sequência naturalística de factos que se interligam e se condicionam, a ponto de provocar outros, ou como a valoração normativa de tal sequência naturalística de factos, em ordem a saber se é possível fixar juridicamente - nos quadros da teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como é definida no art. 563º do CC, - a relação de causa-efeito entre o facto e o dano: no primeiro caso, estamos perante a causalidade naturalística, insindicável pelo Supremo, enquanto tribunal de revista; no segundo, estamos perante um problema de causalidade jurídica, sindicável no âmbito de um recurso de revista, já que se trata de valorar normativamente os factos assentes, no caso, quanto à concreta dinâmica dos veículos intervenientes no acidente – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-10-21, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

194. É necessário não só que o facto tenha sido, em concreto, condição «sine qua non» do dano, mas também que constitua, em abstrato, segundo o curso normal da coisas, causa adequada à sua produção. Deste modo, quando as premissas factuais não permitem, segundo um juízo de prognose póstuma como o que subjaz à aplicação da doutrina da causalidade adequada, que se possa concluir que o dano cuja responsabilidade é imputada ao agente tenha sido causado por este, tendo esta conexão sido estabelecida apenas «por ser essa de resto a única explicação que faz sentido» não se verifica, nesse caso, o nexo causalidade adequada que constitui elemento integrante da imputação objetiva do dano à conduta do agente – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-09-08, Relator: ÁLVARO RODRIGUES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

195. Na interpretação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº4/2002, de 9/5 tem vindo a ser entendido no Supremo que embora não seja exigível, para se concluir ter havido a atualização indemnizatória nos termos do artigo 566, nº2 do Código Civil, que disso se faça expressa menção na decisão, deve, no entanto, transparecer do seu teor que a atualização teve lugar, designadamente com a referência aos respetivos critérios utilizados (taxa de inflação, correção monetária, decurso do tempo desde a propositura da ação); se a atualização não transparecer do teor da decisão, os juros moratórios deverão ser contabilizados desde a citação sem que se distinga, para tal efeito, entre danos não patrimoniais e as demais diversas categorias de danos indemnizáveis em dinheiro e suscetíveis, portanto, de cálculo atualizado nos termos do nº2 do artigo 566 do CC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2000-00-00, Relator: FERREIRA GIRÃO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

196. O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002, exige uma atividade de interpretação das decisões proferidas pelas instâncias, para determinar se procederam ou não à atualização do montante indemnizatório. A atividade de interpretação das decisões proferidas pelas instâncias, para determinar se a indemnização fixada foi ou não atualizada, cessa desde que as decisões em causa se tenham pronunciado explicitamente sobre o tema, declarando se procederam ou não à referida atualização – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-01-26, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/.↩︎

197. Não tendo havido atualização da indemnização, e radicando, em última análise, o pedido indemnizatório, num facto ilícito cometido pelo Réu, tem pertinência a aplicação do regime constante da 2.ª parte do n.º 3 do art. 805 º do Código Civil – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2008-03-04, Relator: FONSECA RAMOS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

198. Se não se operou ("ex-professo") um cálculo atualizado ao abrigo do n°2 do artigo 566° do C. Civil e não se surpreende na decisão condenatória uma qualquer decisão atualizadora expressa da indemnização, com apelo também expresso, v.g, aos "índices de inflação" entretanto apurados no tempo transcorrido desde a propositura da ação, os juros moratórios devem ser contabilizados a partir da data da citação, que não a contar da data da decisão condenatória de 1ª instância, não havendo que distinguir para este efeito entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais e ainda entre as diversas categorias de danos indemnizáveis em dinheiro e suscetíveis, portanto, do cálculo atualizado constante do nº 2 do artº 566º Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-09-21, Relator: FERREIRA DE ALMEIDA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

199. Constitui, entre outros, dever fundamental dos jornalistas o exercício da sua atividade com respeito pela ética profissional, a transmissão da informação com isenção e rigor, a abstenção de formular acusações sem provas o respeito pela presunção de inocência – artigo 14º do Estatuto dos Jornalistas, aprovado pela Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro.↩︎

200. Os jornalistas que infrinjam culposamente os deveres de rigor e objetividade na informação, são responsáveis pela indemnização pelos prejuízos daí resultantes, devendo salientar-se que os coexistentes direitos de informar e de ser informado são, de acordo com os critérios fixados na Constituição e na lei ordinária, limitados pelo direito de integridade moral dos cidadãos, direito fundamental que constitui a base de qualquer sociedade politicamente organizada – JORGE MIRANDA-RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa anotada, volume I, p. 259.↩︎

201. Sobre esta matéria v. JÚLIO GOMES, Responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva – RDE, 13º, 1987.↩︎

202. Entre outros, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 1ª edição, pp. 355 e seguintes.↩︎

203. O ... é constituído por um Presidente, um Vice-Presidente e oito Secretários ...,↩︎

204. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-06-28, Relator: GRANJA DA FONSECA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

205. ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 10ª edição, pp. 579 e seguintes.↩︎

206. MOTA PINTO, Teoria Geral, 3ª edição, p. 323.↩︎

207. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎

208. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.↩︎

209. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎

210. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎