RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO MORTE
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS REFLEXOS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CRITÉRIOS
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário


“Mostra-se adequada a indemnização por danos não patrimoniais de € 40.000 fixada em 2020 a cada um dos pais da vítima de 27 anos que, apesar de viver com os pais, tinha já vida própria e tencionava casar”

Texto Integral

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


AA e BB, por si e na qualidade de universais herdeiros de seu filho CC, intentaram a presente ação contra Liberty Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, SA – Sucursal em Portugal e reclamaram da ré o pagamento de uma indemnização global líquida de 245.112,97€, decorrente da soma aritmética dos seguintes valores:

- Danos não patrimoniais próprios sofridos pelo filho CC antes de falecer, a quantia de 15.000,00€;

- Dano decorrente da perda do direito à vida, a quantia de 120.000,00€;

- Danos não patrimoniais dos autores com o falecimento do CC, a quantia de 100.000,00€, sendo 50.000,00€ para cada um dos demandantes e

– Outros danos materiais, a quantia de 10.112,97€.

Fundamentando a sua pretensão, os autores invocam a qualidade de progenitores de CC, nascido a ....12.1992 e falecido a ....10.20 na sequência de um acidente de viação, ocorrido neste mesmo dia e devido à condução distraída e em excesso de velocidade levada a cabo pelo condutor do veículo ..-XV-.., seguro na ré, DD. Os autores quantificam os danos sofridos, por si mesmos e pelo seu falecido filho, pretendendo a sua reparação/compensação pela ré seguradora.

A ré contestou, aceitando a obrigação de indemnizar e não pretendendo discutir a dinâmica do acidente. Invocando ter o acidente ocorrido quando o condutor conduzia com uma TAS de, pelo menos, 0,5 g/l e “seguramente em consequência de excesso de velocidade”, a ré sustenta beneficiar de direito de regresso e requereu a intervenção acessória de DD, a qual, depois de ouvidos os autores, veio a ser admitida.

Citado o chamado nos termos do artigo 323º do CPC, contestou, impugnando a dinâmica do acidente e, concretamente, “a matéria constante dos artigos 18.º, 19.º, 20.º1 (excluindo o trecho “... e ao estado do tempo e do piso perdeu o domínio e o controle da viatura que conduzia.”).

Após julgamento, veio a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, o Tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré pagar aos autores: a) A quantia de € 103.393,07 a título de danos patrimoniais. b) ainda a título de danos patrimoniais o valor a liquidar relativo ao telemóvel destruído nos termos supra referidos; c) A quantia de € 100.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais; d) juros de mora, sobre as quantias líquidas acima referidas, desde a data desta decisão relativamente à quantia referida em c) e desde a data da citação relativamente à referida em a), à taxa de 4%, desde a presente data, até integral pagamento”.

Inconformados, vieram apelar o interveniente e a ré.

O primeiro pugnou pela revogação da “resposta dada pelo tribunal recorrido à matéria de facto que consta do ponto 17.º dos factos julgados provados, julgando-a como não provada”.

A segunda pediu a redução da indemnização pela perda do direito à vida de 95.000,00 € para um montante que não excedesse 80.000,00€, a redução da indemnização de 50.000,00€ atribuída a cada progenitor como compensação moral pelo desgosto face à perda do filho para indemnização não superior a 27.500,00€ a tal título.

Apreciados os recursos, a Relação decidiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar:

- Procedente o recurso interposto pelo interveniente acessório e, em conformidade, alterar a decisão relativa à matéria de facto nos termos assinalados em III.I;

- Parcialmente procedente o recurso interposto pela ré e, em conformidade, no mais mantendo o decidido em primeira instância, substituir a condenação constante da alínea c) da sentença e, em seu lugar, condenar a ré no pagamento aos autores da quantia de 80.000,00€ (oitenta mil euros) a título de danos não patrimoniais próprios, acrescida de juros de mora desde a presente data.

Custas do recurso interposto pelo interveniente a seu cargo.

Custas do recurso interposto pela ré (e com reflexo na ação) de acordo com o vencimento e decaimento da ré e dos autores.”

Não se conformaram os Autores que do acórdão interpuseram recurso de revista, que remataram com as seguintes conclusões:

“1.ª - Os AA não se conformam com a indemnização fixada pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais pela perda do falecido CC, seu filho;

2.ª - In casu atenta a matéria de facto provada, está-se perante duas pessoas, que precocemente se viram privados de um filho de 28 anos de idade, compondo todos um agregado familiar que vivia feliz, com amor e carinho que uns nutriam pelos outros, e que cada um dos autores sofreu um forte abalo psicológico como a morte daquele seu ente.

3.ª - Deste modo, deve ser fixada uma indemnização na quantia de 100.000,00 euros aos AA e aqui Recorrentes, a título de danos não patrimoniais próprios, acrescida de juros de mora;

4.ª - Ao não decidir assim, o Tribunal recorrido interpreta e aplica incorretamente a lei violando, entre outros, o disposto nos artigos 615.º n.º 1, al. d) do CPC, artigos 570.º, n.º 1, 496.º, 494.º, 562.º e 566.º, todos do Código Civil.”

Pede, a terminar, a revogação da decisão recorrida na medida acima assinalada.

A Liberty contra-alegou formulando as seguintes conclusões:

“1. O recurso interposto pelos recorrentes não merece provimento.

2. O douto acórdão em crise fixou todos os valores indemnizatórios com critério, ponderação e equidade, encontrando até valores indemnizatórios pelos danos não patrimoniais acima dos valores médios praticados pela jurisprudência.

3. Os danos não patrimoniais ante a morte em que a Ré foi condenada em sede recursiva, em face da matéria dada como provada, afiguram-se adequados, até ligeiramente excessivos.

4. O douto aresto em crise de que recorrem os AA., revertendo a decisão proferida em primeira instância, considerou ajustada e equitativa a compensação na importância de €40.000,00 a cada um dos recorrentes a título de danos morais sofridos pelos próprios.

5. Como se sabe, e, não deixamos de reiterar, para a determinação da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais, ressarcíveis desde “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º).

6. Temos como norteador os montantes constantes da Portaria 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, que são um reflexo das regras da experiência comum e das práticas jurisprudenciais às quais o legislador foi sensível na sua estipulação.

7. Ou seja, os valores indicados servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta mas não decisivo, assumindo carácter instrumental, cfr. Acórdão do STJ de 15-04-2009, disponível em www.dgsi.pt.

8. De acordo com o disposto na Portaria 377/2008, temos que a título de danos morais próprios de cada um dos demandantes seria atribuída uma compensação nunca superior ao montante de €10.260,00.

9. Porém há que atender à Jurisprudência dos tribunais superiores a fim de encontrar a justa medida e solução para o caso concreto.

10.São, portanto, justas e adequadas as indemnização arbitradas, a este título, de €40.000,00, a cada um dos recorrentes, podendo até pecar por algum excesso, em face do quadro jurisprudencial relatado, devendo também aqui ser mantido o decidido.”

Pugna, assim, a recorrida pelo improvimento do recurso e pela manutenção das indemnizações arbitradas.

Cumpre decidir.

Os factos provados são os seguintes:

“1 - Os autores AA e BB eram pais do CC, nascido a ... de dezembro de 1992.

2 - O CC faleceu no dia ... de outubro de 2020, no estado de solteiro, sem ter feito qualquer testamento ou outra disposição de última vontade.

3 - No dia... de outubro de 2020, pelas 20H45, ocorreu um acidente de trânsito, na Estrada Exterior ... – E.N. ..., em frente ao número de polícia ...76, na freguesia de ..., cidade ...;

4 - Nesse acidente foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-XV-.., de marca Mercedes Benz, modelo C, propriedade de F... e, na altura, conduzido por DD;

5 - O condutor do XV desenvolvia a sua marcha no sentido A... - M....

6 - A estrada A..., no local do sinistro, configura um traçado reto, com uma visibilidade superior a 100 metros;

7 - O local configura uma localidade, pois é marginado por casas de habitação e de comércio e situa-se nos limites da freguesia de ...;

8 - Sendo que o limite máximo de velocidade permitido é de 50 Kms horários.

9 - A faixa de rodagem da Estrada Exterior ..., no local do sinistro – como, de resto, sucede ao longo de quase todo o seu traçado - encontra-se dividida em duas pistas de tráfego, através de um separador central, construído em perfil de betão e com arvores e plantas nessa parte central.

10 - Uma dessas pistas de tráfego destina-se ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido A... - M... e a outra é destinada ao sentido de trânsito contrário.

11 - A faixa de rodagem da sua pista de tráfego, destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido A... - M... tem uma largura útil de cerca de 7 (sete) metros.

12 - E encontrava-se, como se encontra, dividida ao meio, em dois corredores de trânsito, através de uma linha, pintada a cor branca, com soluções de continuidade: Linha Descontínua – Marca M2.

14 - O piso da faixa de rodagem era, como é pavimentado a asfalto.

15 - O tempo estava de chuva e o piso estava molhado e escorregadio;

16 - E era de noite;

17 - Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o DD conduzia o veículo ..-XV-.. e...

19 - ...perdeu o domínio e o controle da viatura que conduzia.

20 - O veículo galgou o separador central (vedação), aí percorrendo cerca de vinte metros, só se imobilizando quando choca, de forma violenta, contra uma árvore aí existente.

21.A - DD, na qualidade de condutor do veículo ..-XV-.., exercia essa atividade de condução com uma taxa de alcoolemia de, pelo menos, 0,5 g/l.

21 - O falecido CC seguia como passageiro do XV, sentado no banco da frente.

22 - A proprietária do veículo ..-XV-.. tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidente de viação, relativamente a danos causados a terceiros, transferida para a ré, mediante a apólice n.º ...92.P

23 - Em consequência do acidente, o CC sofreu lesões graves e irreversíveis tendo sido assistido medicamente no local pelo.

24 - Face à gravidade e extensão das lesões apresentadas, o CC morreu;

25 - O CC tinha, à data do acidente, 27 anos.

26 - Era um jovem forte, robusto,

27 – Saudável, trabalhador e jovial;

28 - O CC ainda vivia em casa dos pais, e constituíam uma família harmoniosa e feliz.

29 - Iam juntos para todo o lado.

30 - O CC era um filho e irmão carinhoso para a sua família.

31 - Os autores, por seu turno, igualmente dedicavam ao falecido profundo afeto e amor.

32 - Prestavam-se, mutuamente, consolo e apoio moral nas horas mais difíceis da vida.

33 - Tratava-se de uma família unida e feliz

34 - A vítima era, para os demandantes, o seu amparo material, moral e psíquico.

35 - O CC tinha uma expectativa longa de vida;

36 - Projetava casar no ano de 2021 e tinha a expectativa de ter filhos;

37 - E de construir uma casa de família, que se situaria junto à dos autores e de sua irmã,

38 - O falecido, à data do sinistro, trabalhava para a Sociedade I..., Lda., auferindo um salário mensal de 635,00 e tinha um curso cientifico-humanístico de Ciências e Tecnologias;

39 - O falecido jogou futebol nos escalões de formação nos clubes F.C. ... e F.C. ...;

40 - Treinava os escalões de formação do ..., sendo responsável por toda a área de formação

41 - Outro dos seus sonhos era ser gestor de carreiras desportivas,

42 - O CC cultivava a amizade com os colegas, gozava também de boa reputação no meio social e na comunidade onde estava inserido e estava cheia de projetos de vida e de sonhos pela frente.

43 - A notícia da morte desabou sobre os autores, deixando-os privados de um ente muito querido,

44 - Em profunda dor e angústia;

45 - Caindo mesmo numa depressão nervosa.

46 - Com a convicção de que, sem aquele ente querido, a vida perdia todo o sentido.

47 - Faltando-lhe o incentivo, a alegria e a confiança no futuro.

48 - O equilíbrio psíquico e emocional que a sua permanente presença fazia.

49 - Os autores não têm vontade de trabalhar, perdendo todo o incentivo que tinham.

50 - Andam abatidos, deixando de conviver socialmente e raramente saem de casa.

51 - Passam os dias a chorar e não têm vontade de falar ou conversar com outras pessoas.

52 - Ficam sorumbáticos e depressivos.

53 - Esta depressão ainda não se encontra ultrapassada.

54 - Antes do acidente, os autores eram pessoas alegres e com vontade de viver.

55 - A autora tem andado em acompanhamento psicológico desde a data do acidente até à presente.

56 - A autora BB evidenciou e evidencia um quadro depressivo, com uma profunda tristeza pautada por momentos de revolta, labilidade emocional, forte necessidade de isolamento, ansiedade, questionamento constante sobre as razões do sucedido (pensamentos obsessivos compulsivos), situando-a num lugar psicológico muito vulnerável e sensível a qualquer tipo de estímulo ou desafio.

57 - O acompanhamento psicoterapêutico ainda se mantém.

58 - Da mesma forma, o autor AA surgiu pela primeira vez em consulta, por iniciativa do mesmo, no dia 7 de abril do presente ano, como o intuito em compreender o seu estado psicológico atual, fruto de uma perda inesperada do seu filho.

59 - O autor apresenta sintomas como tristeza profunda pautada por momentos de revolta, pensamentos recorrentes e constantes sobre o sucedido, perturbação do sono, fadiga constante, desconcentração, dificuldade em manter os mesmos níveis de envolvimento na resolução dos vários desafios no qual se depara ao longo do dia-a-dia e uma necessidade de isolamento que contraria e interfere com os deveres profissionais e pessoais.

60 - A autora BB suportou, até à presente data, a quantia de 480,00€ em consultas médicas – psicologia – e o autor AA a quantia de 50,00€.

61 - Os autores gastaram em ramos e coroas de flores para o funeral uma quantia não apurada.

62 - Na compra da sepultura, os autores suportaram a quantia de 2.000,00€.

63 - Na campa, gastaram a quantia de 4.520,00€;

64 - Suportaram a quantia de 1.679,50€ a título de despesas de funeral tendo sido já reembolsados 1.316,43€ euros pela Segurança Social.

65 - Ainda em consequência do sinistro, os autores viram completamente danificadas todas as peças de vestuário e de calçado de uso pessoal que o CC usava na altura do acidente, a saber: um Blusão, um par de sapatos, uma camisa, roupa interior,

66 - O telemóvel do CC ficou danificado.””

Foram dados como não provados os seguintes factos:

“1 - CC não faleceu imediatamente após o acidente, pois após o acidente ainda conseguiu dizer algumas palavras;

2 - Entre a hora em que o CC anteviu o despiste e a colisão e sofreu as lesões e fraturas que lhe provocaram a morte, e o seu efetivo decesso, decorreu um espaço de tempo, não inferior a meia hora.

3 - Durante esse espaço de tempo, desde o momento em que sofreu as lesões e fraturas mortíferas até ao momento do seu efetivo falecimento, o CC sofreu muitas dores físicas, aquelas que lhe causaram as lesões e fraturas padecidas

4 - E também sofreu intensas dores psíquicas, desgostos, ansiedades...

5 - Produzidos, uns, como consequência das referidas dores físicas e forçada imobilidade em que se sentiu,

6 - E, outros, pelo adivinhar que se ia “afastar dos seus”, isto é, pela agonia da morte que precedeu o seu decesso.

7 - No local do acidente, o CC mantinha-se em estado lastimoso, sofreu dor e angústia pela antevisão da morte;

8 - O CC projetava evoluir profissionalmente, pretendendo frequentar cursos na área da construção civil – orçamentação e gestão, ponderando criar uma empresa nesse sentido, contando com a ajuda dos aqui autores, até porque frequentado um espaço profissional nessa área; cargo que todos os que o rodeavam lhe apontavam grande potencial.

9 - Dadas as suas características pessoais e técnicas, que lhe facultavam uma especial tendência para o exercício dessa atividade.

10 - Os autores não dormem e sofrem pesadelos constantes desde a morte do filho;

11 - Os autores deslocam-se ao cemitério todas as semanas para rezar e para colocar flores no túmulo deste.

12 - A mediatização do acidente provocou um grande sentimento de consternação nos autores;

13 - O seu filho era tido como o seu "braço direito" nos negócios, sendo elemento fundamental no bom funcionamento da empresa e no sucesso do mercado.

14 - A perda colocou em suspenso certos projetos que ambos tinham em comum, inferior a 300,00€;

15 - Com ornamentações e velas os autores despenderam a quantia de 200,00€.

16 - Na compra de roupa de luto – umas calças, camisa e casaco, os autores gastaram a importância de 150,00€ cada um;

17 - Com o acidente ficou totalmente danificado um telemóvel da marca Iphone 11, no valor de 1.150,00€;

19 - Com o sinistro despareceu um relógio que o CC possuía, resultando um prejuízo de 300,00€.

20 - Com o sinistro, despareceu a chave da viatura marca Mercedes, CLA 220, de matrícula ..-ZU-.., que o falecido tinha em seu poder na altura do acidente, cujo custo ascende a 350,00€.

21 – Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o DD conduzia o veículo ..-XV-.. a uma velocidade excessiva, superior a cento e trinta quilómetros por hora.”

O Direito:

Sobre a questão da indemnização dos pais da vítima, o Sr. Juiz do tribunal de 1ª instância escreveu o seguinte:

“Provou-se que a notícia da morte do seu filho desabou sobre os demandantes, deixando-os privados de um ente muito querido, em profunda dor e angústia, caindo mesmo numa depressão nervosa, com a convicção de que, sem aquele ente querido, a vida perdia todo o sentido, faltando-lhe o incentivo, a alegria e a confiança no futuro, bem como o equilíbrio psíquico e emocional que a sua permanente presença fazia; que levará muitos anos até que os autores recobrem a confiança e o gosto de viver; que os autores ficaram muito abalados e em grande sofrimento, não têm vontade de trabalhar, perdendo todo o incentivo que tinham, andam abatidos, deixando de conviver socialmente e raramente saem de casa, passam os dias a chorar e não têm vontade de falar ou conversar com outras pessoas, ficaram sorumbáticos e depressivos; esta depressão ainda não se encontra ultrapassada; (...) a Autora BB evidenciou e evidencia um quadro depressivo, com uma profunda tristeza pautada por momentos de revolta, labilidade emocional, forte necessidade de isolamento, ansiedade, questionamento constante sobre as razões do sucedido (pensamentos obsessivos compulsivos), situando-a num lugar psicológico muito vulnerável e sensível a qualquer tipo de estimulo ou desafio; o acompanhamento psicoterapêutica ainda se mantém; que, da mesma forma, o demandante AA surgiu pela primeira vez em consulta, por iniciativa do mesmo, no dia 7 de Abril do presente ano, como o intuito em compreender o seu estado psicológico atual, fruto de uma perda inesperada do seu filho e que apresenta sintomas como tristeza profunda pautada por momentos de revolta, pensamentos recorrentes e constantes sobre o sucedido, perturbação do sono, fadiga constante, desconcentração, dificuldade em manter os mesmos níveis de envolvimento na resolução dos vários desafios no qual se depara ao longo do dia-a-dia e uma necessidade de isolamento que contraria e interfere com os deveres profissionais e pessoais. (...) estamos a falar de um dos danos não patrimoniais mais significativos (para além da perda do direito à vida) e que, no fundo, tem a ver com a dor pela perda do ente que, em termos de laços familiares e biológicos, nos é normalmente dos mais queridos, ou seja, da dor sofrida pela perda de um filho jovem. Dano esse que, por isso, se revela, normalmente, extremamente doloroso (do ponto de vista espiritual). In casu está-se perante duas pessoas, que precocemente se viram privados de um filho de 28 anos de idade, compondo todos um agregado familiar que vivia feliz, com amor e carinho que uns nutriam pelos outros, donde não será difícil concluir, de acordo com as regras da experiência comum, que cada um dos autores sofreu um forte abalo psicológico como a morte daquele seu ente. Sendo assim, e na ponderação de todas essas circunstâncias, afigura-se ajustado, no juízo equitativo, fixar em €50.000,00 o montante da indemnização pelos danos morais/não patrimoniais sofridos por cada um dos autores, não se vislumbrando, razão para estabelecer uma diferenciação nesse montante indemnizatório”.

Por sua vez, a Relação apreciou a questão do seguinte modo:

“Quanto à compensação dos demais danos, entende também a recorrente que a mesma se mostra excessiva.

Está em causa o dano não patrimonial sofrido pelos demandantes pela morte do filho e uma primeira nota prende-se com o sofrimento acentuado, demonstrado nos autos, mas sempre de presumir quando um filho falece antes dos pais, derrogando a ordem natural das coisas. Trata-se de um sofrimento/dor inominável, stricto sensu .

Ainda assim, porque a equidade, olhando ao caso concreto, tem a ver os casos semelhantes e, através destes, com todos quantos merecem destrinça, não é equivalente, na dimensão objetivável e temporalmente presumível, o sofrimento de quem perde um filho daquele que virá a ter o jovem filho que perde o pai. Também há que distinguir as situações em que se perde o filho único daquelas em que se perde um dos filhos.

No acórdão que citámos a propósito do dano da morte foi atribuída a compensação de cinquenta mil euros à unida de facto (que se encontrava grávida do falecido) e outro tanto ao filho, ainda nascituro aquando do acidente, frisando-se que este crescerá sem o pai.

Por sua vez, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2021 [Relator, Conselheiro António Magalhães, Processo n.º 14810/15.0T8LRS.L2.S1, dgsi] decidiu-se, como resulta do seu sumário, que “Apesar de o falecimento do pai ter causado a ambos os autores enorme tristeza, sofrimento e consternação, justifica-se que ao 2º autor, que tinha 4 anos, à data do acidente, que saía quase diariamente com o pai para brincar, que “sente num enorme tristeza e desgosto por não ter o seu pai presente e sente muito a sua falta”, seja atribuída indemnização por danos não patrimoniais superior à do 1º autor, de 18 anos, que, não obstante manter contacto com o pai, falando com ele ao telefone e via Skype, e deslocar-se a Portugal nas férias para estar com o pai, residia já no Canadá; ao primeiro deve ser, assim, mantida a indemnização de 40.000€ (que não pode ser aumentada) e ao segundo reduzida a indemnização para 35.000€.

Volvendo ao caso presente, e tendo por indesmentíveis os sofrimentos dos autores com a morte do seu jovem (27 anos) filho, ainda que não filho único, e considerando os valores que se referiram e a gravidade dos casos apreciados, exacerbada por estarmos perante filhos que crescerão sem a companhia do ente falecido, revela-se-nos como mais equitativa, não a quantia fixada em primeira instância nem a defendida pela recorrente, mas o valor – igual para cada um dos autores – de 40.000,00€ (quarenta mil euros).

Fixada ao momento atual, os juros de mora são devidos desde a presente data.

Nesta parte, o recurso revela-se parcialmente procedente. “

Pugnam os recorrentes pelo regresso à fixação da indemnização de 100.0000€ pelos danos não patrimoniais sofridos por ambos os pais ( 50.000 euros cada um), com fundamento na especificidade dramática do caso, sem fazer apelo à comparação jurisprudencial, com casos paralelos.

Cremos, no entanto, que as indemnizações fixadas pela Relação em 2023 não destoam das fixadas pelo Supremo.

Assim, no sumário do acórdão do STJ de 27.9.2016, revista n.º 7559/12.8TBMAI.P1.S1, pode ler-se : “ (…) II - Não é exagerado o montante de € 30 000 arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais a cada um dos pais da vítima mortal de acidente de viação, verificando-se, entre o mais, que: (i) a vítima era filho único daqueles, saudável, com 32 anos de idade e intensa e profunda ligação aos pais (e vice-versa); (ii) estes viam nele o depositário de todos os seus sonhos, ceifado no auge da vida, no local de trabalho (não nas trágicas vicissitudes da diversão noturna…) por que ansiou e que “via” como garante da respetiva subsistência e não ensejo para a morte, ocorrida na manhã dum domingo que para os pais deveria ser normal, em consequência do comportamento grosseiramente leviano dum mau utente da estrada; e (iii) uma intensíssima e inapagável dor acompanhará os pais por todo o sempre”.

No sumário do acórdão do STJ de 14.11.2017, na revista n.º 3316/13.2TJVNF.G1.S1, consta: “(…). II - Os valores individuais de € 30 000 são adequados para compensar o sofrimento, por cada um dos pais que, com a morte do filho de 17 anos, com eles convivente, entraram em colapso psicológico, deixaram de sair com amigos, isolaram-se em casa, recordam-no a toda a hora e choram todos os dias.”

Por último, pode ler-se no sumário do acórdão do STJ de 11.2.2021, revista 625/18.8T8AGH.L1.S1: “(…) III. Também não existem motivos para reduzir a indemnização de € 40.000,00 arbitrada a cada um dos progenitores pelos danos morais decorrentes da morte da única filha, [de 7 anos] nem tão pouco para estabelecer qualquer distinção entre os progenitores em função do respetivo percurso pessoal, pois ambos ficaram profundamente abalados”

É certo que neste último acórdão de 11.2.2021 a indemnização de € 40.000,00 que foi arbitrada a favor de cada um dos progenitores, pelos danos não patrimoniais por eles sofrido terá sido fixada pela Relação, porventura, já em 2020.

Porém, deve -se levar em conta que naquele caso a vítima tinha 7 anos de idade e era filha única, enquanto no caso a vítima tinha 27 anos e não era filho único e que, apesar de viver com os pais, tinha já vida própria e tencionava casar. Uma perda irreparável, ainda assim, causadora de grande sofrimento, mas de contornos, porventura, não tão chocantes ou tão impressionantes como os do caso anterior.

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


*


Lisboa, 10 de Abril de 2024

António Magalhães (Relator)

Jorge Leal

Pedro de Lima Gonçalves