RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM SEDE DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DANOS PATRIMONIAIS
ASSISTÊNCIA DE TERCEIRA PESSOA
CRITÉRIOS
Sumário


I – Tendo o autor, com 58 anos de idade, à data do acidente, ficado totalmente incapaz para o seu trabalho habitual ou para qualquer outro, padecendo de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 72 pontos e de uma taxa de incapacidade permanente global de 80% atribuída pelo Instituto de Segurança Social, considera-se adequada uma indemnização por danos patrimoniais futuros no valor de 165.000,00, para um salário mensal médio de 990 euros por mês, a receber durante 20 anos de esperança média de vida.
II – Os critérios jurisprudenciais para o cálculo da indemnização devida para ajuda de terceira pessoa a lesado totalmente dependente para as atividades da vida diária são os seguintes: tempo estimado da necessidade de ajuda diária em número de horas diárias e em número de anos; valor horário da ajuda, mensal e acumulado em anos; valor do salário mínimo nacional (com tendência para valorizar ao longo do tempo) e tempo médio de vida do lesado.
III - Estando provado que o autor necessita de assistência durante a noite para controlar a sua medicação, dar-lhe o jantar, vestir-lhe o pijama, dar-lhe apoio na sua higiene, levá-lo ao wc quando necessário, mudar as fraldas (também de noite, no mínimo duas vezes) e, durante a noite, mudar a sua posição na cama, para evitar o surgimento de escaras ou equimoses na pele, a indemnização para ajuda de terceira deve reportar-se não só a 8 horas por dia (40 horas por semana), como pretende a seguradora, mas também a 8 horas durante a noite, como entendeu o Tribunal da Relação, incluindo fins de semana, férias e feriados, de forma a permitir à mulher do autor, que trabalha a tempo inteiro para sustentar a família, gozar os períodos de descanso e de lazer a que tem direito.
IV – Assim, considera-se adequada a atribuição ao autor de um montante de 645,000,00 euros para suportar as despesas com pagamento a terceiras pessoas encarregadas de o assistir nas atividades da vida diária, durante período correspondente à sua esperança média de vida (20 anos), tendo-se descontado ao valor global arbitrado pelo Tribunal da Relação o valor correspondente ao período de 17/18 meses em que o autor esteve internado após o acidente e um valor de cerca de 10% a título de compensação pela antecipação do capital.
V - O autor, vítima de acidente de viação por culpa exclusiva da segurada na ré, tem direito a ficar indemne, isto é, a ver totalmente reparado o dano como se não tivesse havido lesão, o que envolve necessariamente a tranquilidade de não se sentir uma sobrecarga para os seus familiares.
VI - Estamos perante um caso de aplicação evolutiva do direito, em face de novas circunstâncias sociais e económicas que implicam, quer uma valorização do bem-estar das pessoas doentes e/ou incapacitadas, quer do trabalho doméstico e dos cuidados de saúde.
VII - As razões de solidariedade com o autor e a sua família, inerentes ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, impõem que a seguradora tenha de suportar o elevado encargo que representa esta componente indemnizatória, de forma a que o autor e a sua família vejam a sua vida o menos afetada possível por força de um acidente para o qual o autor em nada contribuiu.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. Por via da presente ação declarativa, pretendem os RR. a condenação da Ré a indemnizá-los no valor global de € 2.018.264,64, assim discriminado:

a) Ao Autor, as seguintes quantias:

i. A quantia de € 1.198.264,64, a título de dano patrimonial;

ii. O montante de € 420.000,00, a título de dano patrimonial, na vertente de lucro cessante/perda de capacidade de ganho; e,

iii. A quantia de € 250.000,00, por todos os danos não patrimoniais sofridos na sequência do acidente ajuizado;

b) À Autora:

i. O montante de € 150.000,00, a título de danos não patrimoniais, na vertente de dano reflexo, pela afetação físico-psíquica sofrida pelo Autor marido e repercussão da mesma na própria vida da Autora.

Alegaram acidente de viação causado por culpa da segurada da Ré, sinistro do qual resultaram graves lesões para o A.

2. A Ré contestou os valores peticionados, admitindo a responsabilidade pela obrigação de indemnizar.

3. Realizada audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 24-11-2022, a qual julgou a ação parcialmente procedente, condenando a Ré nos termos do seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais, julgo a presente acção, em que são AA. AA E BB e R. LUSITÂNIA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condeno a R. LUSITÂNIA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar ao A. AA:

«A - A quantia de € 641.774,00 ( seiscentos e quarenta e um mil setecentos e setenta e quatro euros) – al. a) i. da petição inicial;

B - A quantia de em € 128.304,00 ( Cento e vinte e oito mil trezentos e quatro euros) – al. a) ii. da petição inicial;

C - A quantia de € 240.000,00 ( duzentos e quarenta mil euros ) a título de danos não patrimoniais - al. a) iii. da petição inicial.

Mais condeno a R. LUSITÂNIA a pagar à A. BB:

D - A quantia de € 52.000,00 ( cinquenta e dois mil euros ) a título de danos não patrimoniais al. b) i. da petição inicial.

E - Absolvo a R. LUSITÂNIA do demais peticionado pelos AA. nestes autos.

Consigna-se ainda que devem, nos pagamentos a efectuar pela LUSITÂNIA, ser considerados e subtraídos os montantes já satisfeitos pela R. Seguradora até à presente data e que se cifra no montante de € 121.000,00 (cento e vinte e um mil euros) ( - cfr. ainda o determinado na sentença proferida no Apenso de Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória.

Custas pelas partes na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que gozam os AA.»

4. Desta sentença recorreram os autores e a ré.

Os primeiros, visando o aumento dos valores indemnizatórios atribuídos, e a segunda (Seguradora), pretendendo ver reduzidas as indemnizações.

5. O Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte:

«Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pelo A. e, em consequência, revogar parcialmente a sentença, condenando a Ré a pagar àquele, a título de indemnização pelo dano biológico (B do dispositivo da sentença recorrida) a quantia de € 165.000, 00 (ao invés dos € 128.304, 00, fixados em primeira instância).

Mais se condena a Ré a pagar, ainda, ao A. a quantia de € 455. 519, 20, relativamente ao valor a despender com o auxílio de terceiros (para além do que já constava da sentença recorrida, no valor de € 293.872, 00).

Julga-se improcedente o recurso da A. e da Ré quanto à indemnização fixada na sentença quanto a esta, assim se mantendo tal decisão neste segmento.

Julga-se parcialmente procedente o recurso da Ré, quanto ao valor dos danos não patrimoniais sofridos pelo A., revogando-se a sentença na parte em que fixa a compensação a título em € 240.000, 00, condenando-se a Ré a pagar ao A., neste tocante, a quantia de € 200.000, 00.

Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré, revogando parcialmente a sentença, condenando a seguradora a pagar ao A. a quantia de € 568.974, 00, a título de indemnização pelas despesas mencionadas em A do dispositivo da sentença recorrida, acrescendo a sua condenação a pagar ao A. o que se apurar em liquidação posterior quanto às sessões de terapia ocupacional de que o A. careça, à razão de €35, 00, por sessão.

Custas pelas partes, na proporção do decaimento»

6. Inconformada, a ré interpôs recurso de revista, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

«1- Não pode de todo a Recorrente conformar-se com a quantia arbitrada com a ajuda a terceira pessoa, por vários factores, que têm que ser levados em conta na contabilização de tal indemnização.

2- O relatório Pericial, a que o sinistrado foi submetido, refere inicialmente o seguinte:

“…Considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas, não afectando o A. em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento psíquico, em um défice funcional permanente de integridade física – psíquica fixável em 72 pontos.”

3- São os próprios Peritos que no Relatório Pericial, afirmam que as sequelas do Autor, não afetam o Autor em termos de autonomia e independência

4- E na sequência desta avaliação, feita por Peritos médicos, refira-se, não por prova testemunhal, que naturalmente por razões de proximidade e até ligações familiares, alegam uma incapacidade total do Autor, estabelecem os mesmos Peritos uma necessidade de ajuda de 3ª pessoa 8/h diárias.

5- Pedidos esclarecimentos, o Perito vem dizer, que a situação óptima seria ter ajuda permanente, ora salvo o devido respeito que é muito, se os Peritos consideram que as sequelas não afectam o Autor em termos de autonomia e independência, não se compreende como depois vem referir que o que seria óptimo é que tivesse ajuda permanente!

6- Em face da avaliação feita pelos Peritos médicos, que relatam no Relatório apresentado, efectivamente aceita-se que o Autor necessite de ajuda de 3ª pessoa para algumas actividades da vida diária e por isso, o que será justo indemnizar será o que realmente o Autor necessita e o que a ora Recorrente, aceita como justo e razoável, em face do Relatório Pericial, são as 8h/ diárias.

7- Além do mais, tem ainda que ter-se em atenção o facto de o Autor ser submetido diariamente a pelo menos a cerca de 3h/diárias, contando com o tempo das deslocações, às várias terapias, que vêm referidas no mesmo Relatório Pericial e cujos custos o Autor reclama da recorrente, ora nessas horas não tem o Autor necessidade de ajuda da 3ª pessoa, uma vez que está a fazer as terapias, acompanhado pelos terapeutas respectivos.

8- O Autor reclamou custos com as seguintes terapias:

-Fisioterapia – 2 sessões por semana

-Hidroterapia – 3 sessões por semana

-Terapia da Fala – 2 sessões por semana

-Terapia ocupacional – 2 sessões por semana

9- Sendo certo que cada sessão dura no mínimo uma hora, temos como certo que durante pelo menos 9h/semana o Autor está acompanhado por terapeutas, acrescem ainda as horas das deslocações, que nunca serão inferiores a uma hora por dia, pelo que tendo a empregada contratada pelo Autor, um horário de 40h/semanais, pelo menos metade dessas horas não está a acompanhar o Autor, já que este está nas terapias.

10-Indemnizar o Autor pelo montante arbitrado pelo douto Acórdão da Relação seria indemnizar o Autor duplamente e por isso pugna a recorrente, porque que se mantenha a quantia arbitrada na sentença proferida na 1ª Instância no montante de 293.872,00€ deduzida do montante de 22.040,70€, relativo ao período em que o Autor esteve internado, ou seja desde a data do acidente 15 de Julho 2015 a 24 de Dezembro de 2016, multiplicando 14.693,60€, que o Autor alega gastar anualmente com a ajuda da 3ª pessoa, por 18 anos e 6 meses e obtemos o valor total de 271.831,30€.

11-De igual forma, como é jurisprudência aceite, dever ser deduzido ao montante atribuído ¼ do valor, por antecipação de capital, fixando-se a indemnização por danos patrimoniais no montante de 404.688,30€, ao qual deve ser deduzida a quantia 121.000,00€ já reembolsados pela Ré, aqui recorrente.

12-Refere a sentença recorrida “Em concreto não foi possível apurar o montante concreto dos rendimentos do A. com a actividade de massagista”.

13-A filha do Autor afirmou ao Tribunal que o Pai, Autor nos autos, não passava recibos, ou seja, era uma actividade exercida à margem da lei fiscal.

14-A actividade profissional de massagista, que requer esforço físico e agilidade, que raramente se tem aos 78 anos de idade, pelo menos para exercer uma actividade profissional de massagista a tempo inteiro, como referiram os vários amigos/clientes do Autor.

15-Pelas razões expostas, entende a Recorrente, que quando muito deveria ter sido considerado o salário mínimo nacional 705,00€ x 12 meses x 10 anos (contando que a idade da reforma em Portugal se situa próxima dos 68 anos) x 72% IPG = 60.912,00€ apurando-se o montante de 45.684,00€ após o desconto de ¼ por antecipação de capital.

16-Fixando-se assim a indemnização por dano patrimonial na vertente lucro cessante/perda da capacidade de ganho no montante de 45.684,00€.

17-O montante atribuído de 200.000,00€ a título de Danos Morais está muito acima do atribuído pelos Tribunais portugueses em casos semelhantes e não pode deixar de ter-se em conta as condições socioeconómicas da sociedade portuguesa, o que aliás se verifica por uma simples consulta à Jurisprudência portuguesas sobre valores atribuídos por danos morais.

18-Senão vejamos a título de exemplo os seguintes Acórdãos STJ:

-Ac. STJ de 25/11/2009 – Menor de 8 anos de idade, com IPP de 80%+5%, paraplégica, a quem foi atribuída a quantia de 250.000,00€ a título de Danos Morais;

-Ac. STJ de 19/10/2021 – Rapaz de 23 anos, estudante universitário, com IPG de 62 Pontos, a quem foi atribuída a quantia de 125.000,00€ a título de danos morais;

19-Pelo que se pugna pela alteração do valor atribuído, considerando-se justa, adequada e equitativa a atribuição ao lesado a quantia de 120.000,00€ a título de Danos Morais.

20-Sustenta a sentença recorrida, para atribuição de uma indemnização por danos morais no montante de 52.000,00€ à Autora BB, “que o Autor AA, necessitou e precisa da ajuda de terceira pessoa em permanência...” e que tem sido a sua esposa a prestar essa assistência desde o acidente.”

21-Os custos foram já peticionados e tidos em conta na atribuição da indemnização por danos patrimoniais, mais concretamente na alí) a – A quantia de 293.872,00€ com a ajuda de terceira pessoa.

22-A Autora BB, continuou e continua a exercer a sua profissão no Centro Paroquial ..., como Chefe de ....

23-Pelo que entende a Ré na sua modesta opinião ser o montante de 30.000,00€, um montante justo e equitativo e mais consentâneo com os valores praticados.

Pelo exposto,

E sempre com o douto suprimento de V.Exas, devem as indemnizações arbitradas ser alteradas para os seguintes valores:

- Dano Patrimoniais – Danos emergente e custos acrescidos – 404.688,30€

- Danos Patrimoniais - Lucro cessante, capacidade de perda de ganho – 45.684,00€

- Danos Não Patrimoniais do Autor – 120.000,00€

- Danos Não Patrimoniais da Autora BB – 30.000,00€»

7. Os autores apresentaram contra-alegações, em que pugnam para que o recurso de revista seja julgado improcedente e confirmado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

8. A Relatora, no Supremo Tribunal de Justiça, notificou as partes, ao abrigo do artigo 655.º, n.º 1, do CPC, para que se pronunciassem sobre a questão prévia da admissibilidade do recurso, por dupla conformidade, em relação aos segmentos decisórios dos danos emergentes e custos acrescidos (com exclusão da ajuda a terceira pessoa) e dos danos não patrimoniais.

9. A este convite responderam apenas os autores, sustentando que o recurso de revista é admissível apenas em relação aos montantes atribuídos para ajuda de terceira pessoa e perda de capacidade de ganho, tendo-se formado dupla conforme em relação aos demais montantes indemnizatórios, para o efeito do n.º 3 do artigo 671.º do CPC.

10. Nesta sequência, a Relatora proferiu despacho, para o que aqui releva, com o seguinte conteúdo:

«4. A recorrente peticiona a revisão, por este Supremo Tribunal, de todos os montantes indemnizatórios que foram divididos em quatro rubricas conforme dispositivo da sentença de 1.ª instância, divisão que a Relação manteve e à qual aderiu a ré nas conclusões do recurso de revista: indemnização por danos emergentes (nas quais se incluiu a indemnização devida para ajuda de terceira pessoa) – (A); indemnização por perda de capacidade de ganho (B); indemnização por danos não patrimoniais arbitrada ao autor (C); indemnização por danos não patrimoniais arbitrada à autora (D).

5. Em relação ao montante da indemnização por danos não patrimoniais da autora, sendo o valor arbitrado pelas instâncias idêntico, 52.000,00 euros, estamos inequivocamente perante uma situação de dupla conformidade.

6. Em relação à indemnização pelo valor da indemnização por danos emergentes (daqui se excluindo a indemnização devida pela ajuda de terceira pessoa) e à indemnização por danos não patrimoniais arbitradas ao autor, o recurso de apelação da ré foi parcialmente procedente, pelo que, embora não haja coincidência formal dos montantes atribuídos, tem-se entendido na jurisprudência deste Supremo Tribunal que estamos perante uma situação de dupla conformidade.

Nos termos do do AUJ n.º 7/2022, «Em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta.»

Já vinha sendo decidido pela jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal, que: «Configura uma situação de dupla conforme de decisões das instâncias, impeditiva da admissibilidade do recurso de revista – art. 671.º, n.º 3, do CPC, a situação em que, estando em causa obrigações pecuniárias, o acórdão da Relação é quantitativamente mais favorável ao recorrente da revista que a sentença de 1.ª instância. (cfr., entre outros, Acórdão de 21-03-2017 - Revista n.º 250/13.0TBCBC.G1.S1).

6.1. Assim, por aplicação desta orientação, não se admite o recurso de revista da ré em relação ao valor arbitrado ao autor, a título de danos não patrimoniais (na procedência parcial da apelação, o Tribunal da Relação baixou este valor de 240,000 euros para 200,00 euros)

6.2. Quanto aos danos emergentes, a sentença de 1.ª instância inclui na indemnização os seguintes montantes:

- A quantia de € 293.872,00 com ajuda a terceira pessoa ( € 14.693,60x 20 anos);

- A quantia de € 72.800,00 por duas sessões semanais de fisioterapia (€ 35 por sessaõx2 sessões por semanax52semanas/anox20 anos);

- A quantia de € 41.600,00 por duas sessões semanais de hidroterapia ( € 20 por sessaõx2 sessões por semanax52semanas/anox20 anos);

- A quantia de € 72.800,00 por duas sessões semanais de fisioterapia (€ 35 por sessão x 2 sessões por semana x 52semanas/anox20 anos);

- A quantia de € 60.000,00 por sessões de terapia da fala ( €250 por mês (vide recibo junto com o requerimento de 10/10/22 x 12 mesesx20 anos);

A título de danos emergentes, o Tribunal da Relação alterou o montante a pagar de forma favorável à ré, subtraindo ao valor encontrado pela 1.ª instância o valor de 72.800,00 euros, perfazendo o montante de 568.974 euros (em vez de 641.774,00 euros). Pelo que em relação a esta indemnização também não se admite o recurso de revista por dupla conformidade.

7. Todavia, há que destacar a rubrica da ajuda de terceira pessoa, que foi autonomizada pelas instâncias na categoria dos danos emergentes, e à qual o tribunal de 1.ª instância atribuiu um valor de € 293.872,00, tendo o acórdão recorrido acrescentado a este valor a quantia de € 455. 519, 20. O Tribunal da Relação alterou este montante indemnizatório, em sentido desfavorável à recorrente, devendo admitir-se , em relação a este valor, o recurso de revista

8. A indemnização pelo dano patrimonial da perda de ganho foi calculada pelo tribunal de 1.ª instância em € 128.304, 00 e o acórdão recorrido subiu-a para a quantia de € 165.000, 00. Pelo que também nesta sede o recurso de revista da ré é admissível.

9. Assim, o objeto do recurso de revista fica reduzido aos valores da indemnização para ajuda de terceira pessoa e da indemnização pelo dano da perda da capacidade de ganho, por não se ter verificado em relação a estas indemnizações a dupla conformidade obstativa do recurso de revista normal, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC.

10. Pelo exposto, decide-se:

a) Não admitir o recurso de revista quanto às indemnizações pagas a título de danos não patrimoniais ao autor e à autora, bem como quanto à indemnização paga a título de danos emergentes (com exclusão da indemnização devida para ajuda de terceira pessoa);

b) Admitir o recurso de revista quanto à determinação das indemnizações arbitradas para auxílio de terceira pessoa e a título de perda da capacidade de ganho».

10. Não tendo a recorrente impugnado esta decisão singular, transitou a mesma em julgado, pelo que o objeto do recurso de revista inclui apenas a revisão, por este Supremo, dos montantes indemnizatórios relativos à perda de capacidade de ganho (I) e à ajuda de terceira pessoa (II).

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Os factos

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1 - No dia 07 de julho de 2015, às 18:00 horas, na Rua ..., em frente ao número de polícia 570, em ..., ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes:

a. O motociclo com a matrícula ..-PD-.., conduzido pelo Autor, seu proprietário; e

b. O veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-HQ-.., tripulado pela sua proprietária CC. (cfr. Auto de Participação de Acidente junto como doc.1 com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

2. A referida artéria configura uma reta com mais de 800 metros de extensão, em piso betuminoso e em bom estado de conservação, composta por duas vias de trânsito, separadas, no local onde veio a ocorrer o sinistro, por traço longitudinal descontínuo;

3. Sendo uma no sentido Nascente/Poente e outra no sentido Poente/Nascente.

4. No troço onde ocorreu o sinistro, e no ponto de embate das viaturas, a visibilidade, para qualquer um dos sentidos, é superior a 200 metros (cfr. fotografias juntas como doc.2, com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo a primeira colhida no sentido em que seguia o veículo PD e a segunda no sentido que tomava o veículo HQ).

5. No momento do acidente a visibilidade era boa e o tempo estava ameno.

6. O Autor seguia na referida artéria, no sentido Nascente/Poente (Este/Oeste), imprimindo ao seu motociclo uma velocidade de 30 kms horários, seguindo com atenção e diligência, usando capacete de proteção da cabeça, e a um metro da berma direita da sua via de trânsito.

7. Com total visibilidade para a sua frente, transitando numa longa reta.

8. Por seu turno, CC circulava na mesma artéria, no sentido inverso – Poente/Nascente – tripulando o seu veículo totalmente desconcentrada e desatenta, quer à sua condução, quer aos demais veículos que transitavam na estrada.

9. No local onde veio a ocorrer o embate, existia, como existe, à direita da estrada, atento o sentido de marcha do Autor (e à esquerda de quem, como a CC, seguia no sentido Poente/Nascente), um largo com quatro lugares de estacionamento em perpendicular, ladeados de uma estrada particular, que dá acesso a uma escola e à Rua ... – (vide fotografia aérea retirada do Googlemaps junta como doc. 3 com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

10. A CC, condutor do HQ pretendia tomar essa estrada particular.

11. Como tal, e ao aproximar-se do referido largo, de forma súbita, imprevista e sem sequer sinalizar previamente tal intenção, mediante a sinalização luminosa intermitente, fez o veículo HQ que conduzia virar à esquerda, invadindo a via de trânsito onde seguia o Autor, atravessando-se em frente do PD, cortando-lhe a marcha repentinamente.

12. O Autor, nesse preciso momento, estava já a passar com o PD pelo referido largo, seguindo em frente.

13. Ato contínuo à mudança de direção à esquerda do HQ, este foi embater com parte da frente do PD com a parte frente direita do HQ.

14. Sem sequer ter o Autor tido tempo de reação - dada a imprevisibilidade da manobra da CC, e a proximidade dos veículos quando a mesma a iniciou - para se desviar ou travar o PD, a fim de, pelo menos, tentar evitar o embate.

15. O HQ tinha uma ampla visibilidade para a frente (superior a 200 metros) e o sol pelas costas (seguia no sentido poente/nascente, e eram 18 horas).

16. Não atentou à presença do motociclo tripulado pelo Autor, que seguia em sentido contrário, não aguardou que este passasse por si, para, depois, iniciar e fazer a manobra de mudança de direção.

17. Tendo o veículo HQ cortado a marcha do veículo PD conduzido pelo Autor, dando-se o embate.

18. Por contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice nº ...70, a CC tinha transferido a sua responsabilidade civil extracontratual decorrente da circulação do HQ para a aqui Ré.

19. Seguradora que assumiu ter existido culpa única e exclusiva da condutora do veículo HQ, e sua segurada, e a responsabilidade pela compensação de todos os danos decorrentes do acidente (cfr. carta datada de 04/08/2015, na qual assume a responsabilidade pela ocorrência do sinistro e uma outra, datada de 07/11/2018, remetida ao mandatário do Autor – cfr. doc. 4, com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

20. Tendo a Ré vindo a suportar e custear tratamentos médicos e hospitalares, despesas medicamentosas, fisioterapia e terapia da fala e hidroterapia (ou diretamente, ou fazendo o seu reembolso, ou adiantando montantes por conta da indemnização a fixar) com vista à adaptação da sua habitação, e custo de ajuda de terceira pessoa, e seu sustento.

21. Fruto do embate entre os veículos, o Autor foi projectado para o seu lado direito, tendo ficado prostrado no pavimento, junto ao eixo delimitador da faixa de rodagem.

22. Com a violência da colisão e queda, o Autor perdeu os sentidos, ficando inanimado.

23. Os primeiros socorros foram prestados pela própria condutora do HQ, que é médica de profissão.

24. O Autor foi assistido no local por uma ambulância e uma outra viatura médica do INEM, que o observaram e lhe colocaram um colar cervical, tendo-o transportado, em plano duro, para o Centro Hospital ... e ....

25. No SU do referido centro hospitalar, foi diagnosticado com: a. TCE grave com hemorragia da cabeça do caudado e braço da cápsula interna direita e focos punctiformes frontais esquerdos;

b. Fratura dos pratos tibiais à esquerda;

c. Fratura de Barton a nível do punho direito; e,

d. Traumatismo da face, com destruição da placa dentária.

26. Por falta de vagas na unidade de cuidados intensivos daquela unidade hospitalar, foi transferido para o Hospital ..., ..., onde permaneceu, internado na unidade de neurocríticos, até ao dia 14/07/2015.

27. Considerando a gravidade e extensão das lesões, e dores dilacerantes que as mesmas provocavam, o Autor foi mantido em estado de coma induzido e ventilado com PIC cerebral.

28. No dia 14/07/2015, o Autor foi transferido para o Centro Hospitalar ... e ....

29. Mantendo-se por cerca de 2 meses em estado de coma induzido e ventilado com PIC cerebral, em risco de vida.

30. Enquanto esteve internado por neurocirurgia, foi operado por ortopedia, pelo menos por duas vezes (a 15/07/2015 e 18/08/2015) tendo sido feita osteotaxia com fixador externo tipo Hoffman Stryker de fractura exposta da tíbia e perónio à esquerda e osteotaxia com fixador externo tipo mini-Hoffman Stryker de fractura tipo Barton rádio distal direito.

31. Durante o internamento, teve complicações respiratórias com quadro pneumónico, tratado com recurso a antibióticos.

32. Durante o período de internamento no CH..., foi ainda submetido a intervenção para retirar material de osteotaxia da perna esquerda.

33. Quando a pressão intracraniana estabilizou, foi retirado o cateter da PIC.

34. Tendo o Autor estado internado no CH... 50 dias, entre 14.07 e até 02.09.2015. 35. No dia 02/09/2015, o Autor foi transferido para a Casa de Saúde ... (CS...), ..., onde permaneceu internado, (vide Carta de Transferência junta como doc. 5 com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

36. Na CS..., foi acompanhado pelas especialidades de otorrinolaringologia, ortopedia, neurologia, psiquiatria, estomatologia, medicina interna, neurocirurgia e urologia, tendo tido (e ainda tem) numerosas consultas e efectuado inúmeros tratamentos;

37. Tendo sido submetido a cirurgia para retirar material de osteotaxia do punho esquerdo.

38. Ao A. foram ministradas terapias funcionais com vista a evitar a atrofia dos membros, o Autor foi mantido permanentemente acamado durante largos meses, fazendo as necessidades fisiológicas na cama, algaliado e, posteriormente, com recurso a uma arrastadeira.

39. Situação que o entristecia e angustiava, fazendo-o sentir-se diminuído na sua pessoa.

40. Por causa desse longo período acamado, e dos fixadores externos aplicados na perna, o Autor ficou com feridas que demoraram muito tempo a sarar e que implicaram muitas dores e curativos diários.

41. O que demandou nova intervenção médica, com aplicação de pomadas e toma de antibióticos, e substituição de colchão por um que evitasse ou diminuísse o risco de aparecimento desse tipo de lesões.

42. No dia 16/05/2016, foi transferido para as Residências ... na Rua ..., em ..., a fim de receber tratamentos de reabilitação funcional (fisioterapia), terapia ocupacional e da fala.

43. De acordo com Informação Médica datada de 26/08/2016 daquela instituição (cfr. doc. 6 com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido), o Autor apresentava-se consciente, colaborante, e orientado, com labilidade emocional marcada, mudanças frequentes e repentinas de humor, ao falar dos problemas e da vida anterior ao acidente.

44. Apresentava-se também, com hemiparesia esquerda sequelar (MSE 4), défice cognitivo ligeiro, grau de dependência moderado nas actividades de vida doméstica (AVDs), com queixas de dores nos membros inferior e superior esquerdos.

45 - O Autor apresenta uma dependência total para as AVD (actividades da vida diária).

47. Nessa data o Autor marido apenas se conseguia manter de pé com ajuda de canadianas ou de tripé, e sempre com supervisão, com risco médio de queda, mas sem equilíbrio para caminhar sem ajuda técnica ou pessoa próxima.

48. No dia 29/08/2016, o Autor foi examinado, em consulta de avaliação de dano, pelo Dr. DD, médico que prestava serviço para a Ré seguradora, tendo identificado, as seguintes sequelas:

a. Dor no joelho direito; b. Hemiparesia esquerda;

c. Perturbação da memória;

d. Dificuldade na deglutição; e,

e. Dificuldade na marcha;

49. O Dr. DD detectou ainda “dificuldade e lentificação do raciocínio”.

50. Concluindo esse médico estar o Autor afetado por uma IPG – incapacidade permanente geral, de 50 pontos, com incapacidade total para o trabalho habitual.

51. Dando-lhe alta naquele mesmo dia 29.08.2016, com necessidade de ajuda de terceira pessoa no domicílio 8 horas/dia por 6 meses, seguida de 6 horas/dia por 6 meses.

52. Fisioterapia no domicílio durante 6 meses (conforme doc.7 com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

53. Alta e fixação de incapacidade com apoio apenas parcial de terceira pessoa, que teve a imediata contestação por parte do Autor e da sua família (a aqui Autora e sua filha), pois para além do Autor necessitar de vigilância permanente e de apoio para qualquer tipo de AVD, nomeadamente para tratar da sua higiene pessoal, incluindo oral, vestir-se, confecionar e tomar refeições, passar da posição de deitado para sentado e daí para se levantar, andar, dirigir-se à casa de banho, até de mudar de posição na cama durante a noite, e autonomia para toda e qualquer atividade.

54. Aquele médico reconheceu que a única forma de o Autor não regredir nos pequenos progressos que tinha feito, seria continuar também a frequentar as sessões de terapia da fala, para além da fisioterapia.

55. Apesar de ter sido dada “alta” ao Autor, pelo referido médico, nesse dia 29.08.2016, o Autor, por decisão da seguradora, permaneceu internado nas Residências ... até ao final desse mesmo ano de 2016, por não ser aconselhável nem viável o regresso à sua residência, apenas tendo regressado na véspera de Natal (24/12/2016).

56. Data até à qual o Autor continuou a receber os tratamentos que até então vinha a receber, e que continuou a carecer, assim como a frequentar as sessões de fisioterapia, terapia da fala e terapia ocupacional, necessárias a manter um mínimo de qualidade de vida, e não regredir nos poucos progressos alcançados.

57. Em finais de dezembro de 2016, e ainda de acordo com a referida instituição Residências ..., o Autor estaria a revelar melhorias, mas carecia de prosseguir com os tratamentos diários de fisioterapia, com vista à sua otimização funcional, e promoção de autonomia nas AVDs e na marcha (cfr. doc. 8 com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

58. Em 30/12/2016, de acordo com a Nota de Alta de Terapia da Fala (cfr. doc.9 com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido), e segundo a escala Rancho Los Amigos, enquadrava-se no nível VI: “Confuso e apropriado (realiza as actividades com alguma finalidade, mas necessita de supervisão; fica mais consciente; segue a agenda e realiza os cuidados pessoais com ajuda; manifesta alterações no planeamento, início e continuidade das actividades; apresenta défice de concentração/atenção em todas as situações; é inflexível e rígido, comportamentos que se devem à lesão cerebral; é capaz de aprender coisas novas de forma lentificada);”

59. “Consegue produzir frases simples e complexas com qualidade vocal satisfatória; consegue identificar todos os objectos nomear alguns objectos do quotidiano, por vezes apresenta anomia e parafasias semânticas; compreende parte da informação que lhe é fornecida e consegue repetir palavras. No entanto mantem estado de desorientação. Consegue fornecer dados pessoais como o nome; morada; estado civil; nome de familiares; datas entre outros; mantém dificuldade na memória recente e tem dificuldades de cálculo”.

60. Por fim, o Autor, no penúltimo dia de 2016, apresentava, ainda, “necessidade de intervenção em Terapia da Fala”.

61. Terapia, essa, cuja necessidade se deveu ao acidente e às lesões que o Autor sofreu ao nível da face, com destruição da placa dentária, que, mesmo ano e meio após o sinistro, lhe provocava grandes dificuldades em deglutir os alimentos e mesmo a própria saliva (problemas e limitações que ainda se mantêm).

62. A hemiparesia à esquerda que afetou e afeta o Autor dificulta o encaixe da nova placa, provocando, para além de uma produção excessiva de saliva, um sentimento de revolta e de irritação do Autor, que o acompanha 24 horas por dia, pois que se baba continuamente.

63. O que contribui também para o comportamento habitual do Autor - irritável, impaciente, revoltado e frustrado.

64. De volta à sua habitação, o Autor continuou a ser tratado e seguido diariamente pela Ré, ou a expensas desta, ou por conta dos adiantamentos por esta efetuados.

65. Tiveram os Autores que contratar uma empregada doméstica que providenciasse o acompanhamento ao Autor durante o dia, pois que a Autora mulher tem atividade profissional, absolutamente necessária para sustentar, todas as despesas domésticas.

66. O Autor fazia fisioterapia todos os dias úteis da semana, pausando ao fim-de-semana, sendo 3 dessas sessões na habitação, e duas em clínica convencionada da Ré seguradora, e que esta pagava diretamente.

67. Quando o Autor regressou a casa, a Ré seguradora decidiu cessar os tratamentos de terapia da fala e de terapia ocupacional.

68. Em junho de 2017, por sugestão e recomendação do Dr. DD, o Autor iniciou sessões de Hidroterapia na Piscina Municipal ... (que o Autor custeava com as quantias que a Ré lhe ia adiantando).

69. A partir de junho de 2017 e até à data da entrada desta ação (março de 2019), o Autor passou a frequentar três sessões de hidroterapia e duas de fisioterapia, por semana.

70. O Autor teve “alta” formal pela Ré em dezembro de 2016 (conforme doc.10 que se junta e se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais).

71. Quando lhe foi dada “alta”, o Autor tomava, e teve indicação para continuar a tomar, os seguintes medicamentos:

a. Omeprazol 20; b. Lisinopril 20;

c. Mistazapina 15;

d. Risperidona 1; e. Concor 4;

f. Amlodipina 5; g. Alprazolam; h. Elocom;

i. Lorezapam Cinfa 1; e, j. Eucreas 850/50 mg.

72. Medicamentos cujos custos foram sendo, quase na totalidade, suportados pela Ré.

73. Antes do acidente, o Autor era uma pessoa saudável e muito ativa e dinâmica, apenas com problemas de diabetes e hipertensão arterial.

74. Os quais mantinha sob vigilância e controlo médico e medicamentoso, nunca tendo tido qualquer complicação de saúde.

75. Era uma pessoa totalmente autónoma para todas as atividades da vida diária.

76. Trabalhando e auferindo rendimentos, com o que se sustentava e contribuía para suportar as despesas de casa e de educação dos seus dois filhos.

77. Trabalhou entre 1969 e 1972 como auxiliar de farmácia;

78. Nos Serviços Municipalizados de Águas, Saneamento e Eletricidade de ... entre 1972 e 1986;

79. Passou a trabalhar na EDP, S.A., primeiro como eletricista e, a partir de 1994, como coordenador de equipa em trabalhos de Baixa e Média Tensão (cfr. doc.11 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido).

80. Em dezembro de 2004, fez cessar por acordo o contrato de trabalho que o ligava à EDP, e decidiu fazer formação técnico-profissional na área da massagem de recuperação e cinesioterapia, sonho que tinha desde jovem, dos tempos em que trabalhou na farmácia.

81. Tendo frequentado diversos cursos e formações profissionais, com aproveitamento (cfr. doc.12 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido), assim como tirou a certificação de Formador (doc.13 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido).

82. Concluída a formação e já apto para a profissão, abriu um consultório, em 2009, tendo aos poucos granjeado clientela e nome na praça, o que acontecia também à data do sinistro.

83. Era um desportista nato, sendo cinturão negro em taekwondo e kung-fu.

84. Adorava praticar e praticava, com grande regularidade, natação, futebol, andebol e halterofilismo, tendo competido em algumas dessas modalidades, a nível nacional.

85. Foi dirigente desportivo de Andebol no Sporting Clube de Espinho.

86. Era praticante, assíduo e ativo, de caça desportiva desde os 17 anos, sendo membro do Clube de Caçadores ..., do Clube de Caçadores ... (onde chegou a ser presidente da Assembleia Geral), do Clube de Caçadores ... e da Reserva de Caça ....

87. Praticava tiro desportivo (era também membro do Clube de Tiro ..., da Sociedade de Tiro ... e da Federação Portuguesa de Tiro), tendo participado em vários torneiros e alcançando, regularmente, lugares cimeiros.

88. Possuía licença de uso e porte de Arma de Caça Maior, Arma de Precisão e de Arma de Defesa Pessoal (a título de exemplo, vide doc.14 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido).

89. Era um entusiasta de todas as atividades relacionadas com praia e mar, praticante frequente de pesca lúdica e desportiva de mar, foi nadador salvador na juventude e alistou-se na Marinha Portuguesa, onde fez serviço militar, quando jovem, tendo estado ao serviço da NATO.

90. Para além disso, todos os anos fazia viagens de férias em família para um local de praia.

91. Era ainda um amante do ciclismo de estrada, atividade que praticava quase diariamente (e que praticou na manhã do dia do acidente dos presentes autos).

92. Tinha, à data do acidente, 58 anos de idade, era, como é, casado, e pai de uma filha e de um filho, com, na altura, 26 e 35 anos de idade respetivamente.

93. Era um marido e pai atencioso e presente, retirando prazer do convívio que tinha com a sua família, sendo que vivia com a sua cônjuge, aqui Autora e com a sua filha.

94. Era trabalhador e, com os frutos do seu trabalho, sempre suportou os gastos de educação dos seus filhos, custos da casa onde viviam e vivem, as despesas correntes de água e eletricidade, vestuário e alimentação, transportes, veículos automóveis (seu, da sua mulher e dos seus filhos, assim como os respetivos seguros e despesas de manutenção).

95. Fruto dos seus hobbies, tinha muitos amigos com quem regularmente se encontrava e convivia.

96. Era uma pessoa muito sociável e amistosa, com grande alegria de viver, amante do ar livre e do desporto.

97. O Autor sofreu um TCE grave com hemorragia da cabeça do caudado e braço da cápsula interna direito e focos punctiformes frontais esquerdos, para além de fratura dos pratos tibiais à esquerda, fratura do punho direito e, ainda traumatismo da face, com destruição da placa dentária.

98. Como sequelas, o Autor ficou afetado de perturbações cognitivas e psiquiátricas, com importantes alterações nas condutas instintivas, perda de iniciativa e perturbação do humor.

99. Ficou ainda afetado de hemiparesia esquerda com grave repercussão na atividade funcional.

100. Perturbações funcionais e dolorosas nas articulações (nomeadamente ao nível da coluna corso lombar, ombro, joelho e tornozelo esquerdos).

101. Ficou afetado no raciocínio lógico, memória e capacidade de concentração, situação que veio a piorar no ano de 2018.

102. Sofre de alucinações auditivas e visuais, encontrando-se constantemente medicado e sob avaliação médica, pois que a medicação tem que ser adaptada ao longo do tempo.

103. Vive em estado de desorientação, sendo frequente não conseguir identificar o dia e hora, assim como não é capaz de interiorizar e seguir uma rotina diária básica (horários de refeições, higiene, hora de deitar, etc).

104. Tem muita dificuldade em apreender e executar tarefas ou ações básicas, quando lhe é solicitado.

105. Desde que recuperou a consciência após o período prolongado de coma, ficou extremamente emotivo, sendo incapaz de falar da sua vida anterior ao acidente, de choro muito fácil e com irritabilidade muito acentuada, muitas vezes degenerando em episódios de impaciência extrema e agressividade.

106. Não tem qualquer motivação ou iniciativa para qualquer tipo de atividade, sofrendo de depressão, para a qual tem também vindo a ser acompanhado, por médico psiquiatra, na Casa de Saúde ....

107. É usual não conseguir controlar impulsos, não medindo o que diz, usando palavrões, mesmo perante terceiros, situação que nunca ocorrera antes do acidente.

108. Perdeu toda a líbido assim como a potência sexual.

109. Ao nível da comunicação, sofreu alterações no tom da voz, apresenta um discurso por vezes incoerente e monossilábico, limitando-se a responder a questões (e, quando responde) apenas após insistência, não iniciando conversas, usando sempre um vocabulário pobre e muito reduzido, e cada vez mais reduzido.

110. Ao nível físico, sofre de hemiparesia esquerda, com grandes dificuldades de equilíbrio, quando está de pé, cansando-se facilmente.

111. Para caminhar, ou melhor dar alguns poucos passos, necessita de auxílio de tripé e de vigilância constante e próxima de terceiros, cansando-se facilmente.

112. A marcha é lenta e necessita de estímulo constante; caso contrário, por lhe ser muito custoso, desiste, pedindo apoio para se sentar.

113. O membro superior esquerdo encontra-se também afectado, impossibilitando-o de o dobrar em toda a sua extensão e de alcançar e elevar objectos de peso superior a 2 kgs.

114. Carece de apoio de terceiros para se mover: sentar e levantar da posição de sentado, assim como para se deitar e levantar da posição de deitado, e também para mudar de posição quando deitado, e para andar ou dar alguns passos.

115. Apenas sobe e desce escadas, alguns degraus, com muito esforço, também com apoio de tripé e de terceira pessoa, mas sempre com muita dificuldade, o que faz diariamente em sua casa que tem dois andares.

116. Não consegue mudar de posição quando deitado, necessitando de ser reposicionado, na cama (tarefa para a qual nunca é cooperante), durante a noite, várias vezes, essencial para evitar o surgimento de feridas ou escaras na pele, embora use colchão anti-escaras.

117. Fruto da medicação que toma, sofre de erupções cutâneas na face e couro cabeludo.

118. Tem dores constantes na perna esquerda, sobretudo no joelho e no pé, assim como no ombro esquerdo, na cervical e região lombar.

119. Sofre de impotência sexual e não tem controlo dos esfíncteres, o que obriga ao uso permanente de fralda.

120. Para além da placa dentária que já usava antes do acidente, a sua dentição foi-se deteriorando ao longo do longo período de internamento (visto ter sido alimentado por sonda nasogástrica durante cerca de 6 meses), utilizando uma prótese dentária removível, que não consegue fixar convenientemente (situação imputável à falta de suporte, pela perda de dentição aquando do internamento, assim como à hemiparesia do lado esquerdo);

121. O que lhe provoca, para além de frustração e irritabilidade, dificuldades na fala e na alimentação e formação e acumulação excessiva de saliva na boca, qua não consegue deglutir, e provoca que se babe continuadamente.

122. Necessita de auxílio de terceiro para quase todas as actividades da vida diária.

123. Necessita de auxílio de terceiro na higiene íntima, cooperando na muda de fralda

durante o dia, mas não durante a noite, que acontece no mínimo duas vezes por noite.

124. Necessita de ajuda para se deslocar, sentar e levantar da sanita, mesmo com a wc adaptada.

125. Não pode tomar banho sem apoio e supervisão de terceiro.

126. Quando está “em dia bom” e quando incentivado, tenta lavar o cabelo, tarefa que tem de ser sempre finalizada por outrem.

127. Não consegue secar o corpo e o cabelo, após o banho, sozinho.

128. Necessita de auxílio para se vestir e despir.

129. Consegue fazer a barba com indicações e sempre supervisão.

130. Retira e coloca sozinho a prótese dentária, mas não consegue tratar da higiene da mesma.

131. Lava as mãos sozinho, com indicações e supervisão.

132. Necessita de ajuda para se calçar, mas é capaz de apertar sapatilhas de velcro com indicações (é totalmente incapaz de apertar atacadores de um sapato).

133. Precisa de ajuda para pentear o cabelo.

134. Na alimentação, não pode nem consegue preparar as suas refeições.

135. Necessita de supervisão e ajuda durante as refeições, já que se engasga muito facilmente, tanto com alimentos líquidos, como com sólidos, assim como para cortar os alimentos e levá-los à boca.

136. O que lhe causa, desde que acordou do coma, aliado ao estado depressivo, falta de apetite e de vontade de comer tendo perdido mais de 10 kgs de peso.

137. Todas essas limitações e incapacidades deixam o Autor num estado de tristeza e desgosto profundos e constantes, deprimido e sem autoconfiança.

138. É-lhe difícil encarar a sua mulher e filhos e os seus amigos e conhecidos de longa data.

139. Sente angústia, irritação e vergonha em não conseguir falar ou conversar normalmente, salivar e babar-se, caminhar normalmente, comer, tratar da sua própria higiene e por necessitar de usar fraldas.

140. O Autor sempre ansiou ser avô, tendo nascido o seu primeiro neto (Outubro de 2015) quando ainda se encontrava internado na CS....

162. Apenas conseguindo segurar o seu neto quando está sentado, não o podendo levar a passear, ao parque ou à praia de que tanto gosta, nem o poderá ensinar a andar de bicicleta, que era uma das suas paixões.

141. Nunca mais pôde trabalhar, nem o poderá fazer no futuro, seja na sua profissão, seja em qualquer outra.

142. Nunca mais conduziu o seu automóvel, a sua moto, correu, nadou, jogou futebol, praticou ginásio, caçou, pescou, praticou tiro ou ciclismo, nem o poderá fazer no futuro.

143. Não tem qualquer actividade desportiva, pois que a sua actividade física limitava-se às sessões de fisioterapia e hidroterapia, que frequentava cinco vezes por semana, e que tem como único propósito manter e conservar os movimentos dos seus membros, apesar de gravemente limitados.

144. Deixou de conviver com amigos e participar em actividades sociais, vivendo confinado à sua residência – um pequeno apartamento em dois pisos, com escadas, onde tem mobilidade e actividade muito reduzida.

145. Perdeu completamente a alegria de viver, totalmente dependente de terceiros, com episódios de choro, e nos poucos períodos de lucidez, sente-se um fardo para a sua mulher e filha, que com ele ainda reside, assim como frustrado por os cuidados permanentes de que necessita ultrapassarem o actual orçamento familiar, estando o seu agregado, actualmente e por sua causa, em situação de notória dificuldade económica.

146. A Autora, na altura do acidente, como actualmente, trabalha no Centro Paroquial ..., com a categoria profissional de Chefe de ..., auferindo um rendimento líquido de cerca de € 800,00, já incluído o subsídio de alimentação – (vide recibo de vencimento como doc.15 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido).

147. Assim que o Autor regressou a casa, houve necessidade absoluta e imediata de contratar alguém que acompanhasse o Autor, pelo menos enquanto a Autora se encontra a trabalhar, em todas as actividades da vida diária, nomeadamente deitar, levantar, vestir, tomar banho, tratar da higiene pessoal, acompanhá-lo na satisfação das suas necessidades fisiológicas, confeccionar e preparar as refeições e alimentá-lo.

148. No dia 03/01/2017, e com início de execução no próprio dia, foi celebrado contrato de trabalho doméstico entre a Autora e EE, em que esta se obrigou, mediante o pagamento de um retribuição no valor total de € 700,00, se comprometeu a executar as “actividades destinadas à satisfação das necessidades do seu agregado familiar” (da Autora, enquanto primeira outorgante) “tendo a seu cargo, designadamente, as funções relacionadas com a vigilância e assistência ao marido da Primeira Outorgante, que se encontra afectado de incapacidade” (cfr. doc.16 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido).

149. A partir dessa data, passou a ser a referida EE enquanto a Autora se encontrava a trabalhar, a cuidar do Autor, dando-lhe apoio no banho, a pentear, fazer a barba, vestir, calçar, confecionando e dando-lhe as refeições, vigiando-o durante o dia e controlando que o mesmo toma a medicação prescrita pelos médicos que o acompanham.

150. Na sequência da celebração do referido contrato de trabalho, foi feita a competente comunicação de celebração de contrato de trabalho ao Instituto de Segurança Social e celebrado o obrigatório seguro de acidentes de trabalho (doc.17 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido).

151. Os custos mensais associados à ajuda de terceira pessoa ascendem a € 1.080,00 (€ 750,00 referente à retribuição mensal + € 178,12 a título de taxa social única + € 20.66, referente ao valor mensal pelo seguro de de acidentes de trabalho (cfr. doc. juntos por requerimento de 10/10/22 para onde se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos).

152. A que acresce a quantia de € 6,00, referente a todos os gastos de alimentação da empregada doméstica – num total de € 132,00 mensais (tomado por base 22 dias úteis).

153. Após a hora de saída do trabalho da empregada doméstica e cuidadora, continua a ser necessário prestar assistência ao Autor, controlar a sua medicação, dar-lhe o jantar, vestir-lhe o pijama, dar-lhe apoio na sua higiene, levá-lo ao wc quando necessário, mudar as fraldas (também de noite, no mínimo duas vezes) e, durante a noite, mudar a sua posição na cama, para evitar o surgimento de escaras ou equimoses na pele.

154. Tarefas para as quais deveriam os Autores poder contratar uma outra pessoa mas que, por motivos de falta de capacidade económica, são executadas pela Autora, que depois de executar o seu trabalho diário (a tempo inteiro), não pode descansar tendo que assegurar todas essa necessidades de apoio ao autor marido, e até tem que interromper o sono durante a noite por duas vezes, para o mudar de posição e trocar a fralda.

155. Assegurando a Autora mulher, também, o apoio ao Autor seu marido, durante todos os fins de semana, feriados e períodos de férias da empregada doméstica.

156. Períodos que anteriormente aproveitava para viajar, descansar, fazer compras, passear, conviver socialmente, e que agora, dedica integralmente ao Autor marido, também por razões económicas, pois que os Autores não têm rendimento para contratar, com é absolutamente necessário, uma outra pessoa que complete o apoio de que o Autor marido necessita, nesses períodos – todos os dias, aos fins de semana, aos feriados, e nas férias.

157. Desde o acidente a A., praticamente não tem tempo para si, para ter a sua própria vida: fazer exercício físico, ir ao cabeleireiro, conviver com amigos e familiares, passear, descansar, jantar fora…. Desde que o Autor voltou para casa, a Autora não mais pôde ter uma noite de sono descansado, uma vez que, por indicação médica e por necessidade efetiva do seu marido, tem de acordar duas vezes por noite para virar o Autor na cama e lhe mudar a fralda.

158. O Autor necessitará de sessões de fisioterapia e hidroterapia, até ao resto da vida, necessárias para assegurar que não perca força e volume muscular dos seus membros, nomeadamente inferiores (vide, a este título, os relatórios juntos como docs. 8 e 9, o que ora se junta como doc.18 e, ainda, os que serão juntos como docs.20 e 23 com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido).

159. A terapêutica em vigor atualmente é a que melhor serve as carências do Autor – duas sessões de fisioterapia por semana -, e apesar de as mesmas virem a ser suportadas diretamente pela Ré, o custo semanal com tais tratamentos ascende a, aproximadamente, € 70,00 (€ 35,00 por cada sessão – conforme doc. junto por requerimento de 10/10/22 para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

160. A hidroterapia tornou-se também uma actividade muito importante na vida do Autor, uma vez que é o local onde se sente mais livre, mais leve e mais relaxado, já que consegue fazer um maior número de movimentos, e com maior facilidade –a hidroterapia é a actividade da qual o Autor retira a maior satisfação, nomeadamente aliviando a sua situação de depressão.

161. Tais sessões têm vindo a ser custeados pelos Autores e ascendem a € 20,00, por sessão, conforme doc. 20 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido.

162. O Autor necessita, com urgência, de retomar as sessões de terapia ocupacional (sessões em que um profissional de saúde, por recurso a exercícios mentais e jogos de raciocínio, incentiva o paciente a alcançar objectivos e resolver problemas de grau de dificuldade básico ou baixo) com vista a evitar a sua deterioração mental e cognitiva.

163. Assim como a terapia da fala.

164. Que são tratamentos que, a par da fisioterapia e hidroterapia, têm por objectivo a recuperação (ou não deterioração) mental e intelectual do Autor, assim como tornar o dia- a-dia do Autor mais activo e dinâmico – não o limitando a um sofá ou a uma cadeira de rodas.

165. Por motivos de carência económica dos Autores, o Autor deixou de frequentar sessões de terapia ocupacional e a terapia da fala, quando voltou para a sua casa.

166. Não deixaram a Autora e sua filha de se inteirarem dos custos das mesmas, que ascendem a € 35,00 por cada sessão de terapia ocupacional e € 30,00 pelas sessões de terapia da fala – conforme doc.19 já referido.

167. O A. no mês de Junho de 2022 gastou € 250,00 em terapia da fala reportado a 5 sessões.

168. Para frequência das sessões de fisioterapia (2/semana), e terapia da fala (3/mês), o Autor tem que se deslocar em automóvel, e percorrer, no mínimo, 25 kms (ida e volta) por dia útil, considerando que os tratamentos prolongar-se-ão até ao final da sua vida.

169. No que diz respeito a ajudas medicamentosas, o Autor tem vindo a ser seguido por médico da especialidade de psiquiatria, a expensas da Ré, que, a cada três meses, consulta e procede ao ajustamento da medicação.

170. No passado dia 17/01/2019, data da última consulta de psiquiatria (com o Dr. FF, clínico que presta serviços para a Ré), foi mantida a terapêutica que estava já a ser ministrada ao Autor, embora com um aumento de dosagem em certos medicamentos.

171. Os medicamentos que o Autor levantou na farmácia da CS... (onde tem todas as consultas): Rivastigmina 13,3mg, Risperidona 1mg, MIrtazapina Aurovitas 30mg, Abilify 10mg e Victan 2mg – têm um custo mensal de cerca de € 148,61 (medicamentos que sempre foram custeados pela Ré).

172. No passado ano de 2018, o Autor gastou, em artigos médicos e ortopédicos (almofadas de gel, resguardos, babetes, luvas, gel desinfectante, etc) e artigos de higiene (toalhitas, fraldas, cremes, etc. – que anteriormente ao acidente não necessitava) um total de € 471,90 (tinha gasto em 2017 o valor total de € 743,37).

173. Dessa forma, para fazer face a esse tipo de despesas, o Autor necessitará de despender, até ao final da sua vida, por causa das sequelas de que ficou a padecer na sequência do

174. Desde que o Autor regressou a casa, a Ré tem vindo a fazer pagamentos periódicos, num montante de € 7.500,00 a cada três meses (normalmente, pagava € 7.500,00 para fazer face às despesas decorrentes do próprio mês e dos dois meses seguintes, tendo), tendo o último ocorrido no mês de Agosto de 2018, data em que, por sua decisão, fez cessar tais adiantamentos.

175. O Autor nasceu no dia .../10/1956, tendo 58 anos de idade à data do sinistro. 176. O valor dos adiantamentos que a Ré fez tiveram início assim que o Autor

regressou a casa – 24/12/2016.

177.A A. teve despesas com deslocações diárias, em automóvel próprio, entre a sua residência e: a. o Hospital de ... ... (durante 7 dias: 07/07/2015 a 14/07/2015, num total de 326,2 kms); b. o CH... (durante 50 dias: 15/07/2015 a 02/09/2015, num total de 1.910 kms); c. a Casa de Saúde ..., ... (durante 255 dias: 03/09/2015 a 16/05/2016, num total de 12.699 kms); e, d. as Residências ..., em ... (num total de 221 dias: entre 17/05/2016 e 24/12/2016, num total de 7.072 kms).

178. Deslocações diárias, efectuadas para ver o seu marido e de tentar perceber alguma melhoria no seu estado de saúde.

179. Mas também por indicação expressa dos médicos que foram assistindo o Autor, que sempre advertiram a Autora de que era profundamente aconselhável, e que podia trazer benefícios para o Autor, assim como acelerar a sua recuperação, sentir a presença das pessoas que lhe eram mais próximas.

180. Por cada sessão de massagens, o Autor cobrava a quantia de € 30,00.

181. Do rendimento mensal obtido suportava a renda do consultório - € 120,00 (cfr.doc. 21 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido).

182. As contas de água e luz que se cifravam em montante não superior a €40,00 (cfr. a título exemplificativo, o recibo de água referente ao mês de Dezembro 2014/ Janeiro de 2015 – doc. 22 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido).

183. Das sequelas de que ficou a padecer na sequência do acidente dos autos, o Autor viu-se totalmente incapaz para a sua profissão e para qualquer outra.

184. O último salário auferido e fiscalmente declarado do A., ascendia à quantia líquida de € 1.489,55 (conforme doc.11 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido) - pago 14 meses por ano.

185. Na entrada no serviço de urgência, o prognóstico do Autor era de extrema gravidade e de pouca esperança.

186. O Autor sentiu, enquanto não foi induzido o coma em que permaneceu durante cerca de dois meses e assim que acordou dele, medo e ansiedade insuportáveis, e incerteza relativamente ao futuro.

187. Não sabendo sequer se ia sobreviver às lesões que sofrera e qual iria ser a sua recuperação.

188. Sentindo o seu corpo e a sua vida a definhar, enquanto estava deitado numa cama, entubado, a ser alimentado por uma sonda, meses e meses a fio.

189. Por causa das lesões e sequelas viu a sua vida grave e irremediavelmente afectada, estando preso no seu próprio corpo, sem mobilidade e dependente de ajuda permanente de terceiros, e experimentando episódios de alucinações auditivas e visuais.

190. A sua vida anterior terminou, tendo ficado impedir de executar, de forma autónoma, a mais simples tarefa, como tomar banho ou pentear o cabelo.

191. Nunca mais vai poder passear, correr, fazer ciclismo, nadar…

192. Nunca mais pôde nem vai poder trabalhar e providenciar pelo sustento da sua casa e do seu agregado familiar.

193. Sofre e vive frustrado por se sentir um peso, um fardo para a sua mulher que dele tratam diariamente e, como ele, viram as suas vidas afectadas.

194. Recusa-se a falar da sua vida anterior ao acidente.

195. Sofre ainda por não mais poder ir de férias com a sua família, levar a sua mulher a passear, a jantar fora.

196. O acidente dos autos deixou o Autor sem líbido e com impotência sexual, o que o deixa de rastos e em profundo estado de depressão.

197. Pelo Instituto de Segurança Social, foi atribuído ao Autor, em 15/11/2017, uma incapacidade permanente global de 80% (cfr. doc. 24 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido).

198. Autora e Autor casaram em 1998, após vários anos de namoro.

199. Antes do acidente dos autos, a Autora era feliz, unida ao seu marido por uma longa relação de amizade e amor.

200. Nunca receou o futuro, apesar de trabalhar e depender do seu trabalho (como dependia do trabalho do seu marido) para se sustentar.

201. Tinha a sua autonomia, trabalhando e, quando assim entendesse, estava com amigos e familiares, passeava, jantava fora, fazia férias.

202. Tinha uma vida sexual activa com o seu marido.

203. Desde o acidente que a Autora vive apenas e exclusivamente para o seu marido, pois que este de si depende para tudo.

204. Do seu trabalho retira o rendimento necessário para pagar a ajuda de terceira pessoa que teve de contratar, desde que o Autor regressou a casa.

205. Pouco lhe sobra para fazer face às despesas correntes.

206. O que lhe tem valido têm sido as entregas trimestrais da Ré.

207. Vive, assim, num profundo e constante desconforto, desânimo e amargura.

208. Receia pelo futuro, visto que, pela primeira vez, se viu obrigada a contar os tostões, já que o seu marido teve de deixar de trabalhar, por causa das sequelas resultantes do acidente.

209. Quando chega a casa depois do dia de trabalho, a Autora entra novamente ao serviço, preparando o jantar do Autor, ajudando-o a comer, apoiando-o e vigiando-o nas deslocações dentro de casa.

210. Tem a preocupação de verificar que, durante o dia, o seu marido tomou toda a medicação prescrita pelo médico e, desde que chega a casa, certifica-se que a continua a tomar.

211. Ajuda o marido a ir ao wc e a lavar os dentes, fazer a barba, tomar banho, lavar o cabelo, secar o corpo, secar o cabelo, vestir o pijama e deitar-se.

212. Durante a noite, acorda pelo menos duas vezes para mudar o marido de posição na cama e verificar se há necessidade de lhe mudar a fralda.

213. Tarefas que se prolongarão atá ao final da sua vida e se tornarão cada vez mais penosas e difíceis de executar, com o passar dos anos.

214. A sua vida sexual deixou de existir após o acidente.

215. Nunca mais foi jantar fora com o seu marido, nunca mais foram passear e nunca mais foram de férias.

216. A Autora perdeu a alegria de viver e vive constantemente desanimada.

217. Sem vontade - e disponibilidade, já que o seu marido depende de si para tudo -para ir passear ou jantar fora com amigas, ou até para reunião com familiares.

218 - Conforme Doc. de Fls. 287 e ss – Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civel, realizado pelo INML, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, o A. apresenta:

- Conforme avaliação baseada na Tabela Nacional de Incapacidades, considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas, não afectando o A. em termos de autonomia e independência são causa de sofrimento psíquico, com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico- Psíquica fixável em 72 pontos.

- A Data de Consolidação/estabilização médico-legal das lesões é fixável em 29/08/2016. - Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 315 dias.

- Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 105 dias.

- Período de Repercussão temporária na Actividade Profissional Total fixável em 420 dias. - Quantum Doloris fixável no grau 5/7.

- Défice Funcional Permamente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 72 pontos. - O A. apresenta como Dano Estético permanente de Grau 5/7.

- Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no Grau 6/7. - Repercussão Permanente na Actividade Sexual fixável no grau 6/7.

- As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são impeditivas de qualquer actividade profissional. - Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas do foro psiquiátrico; tratamentos médicos regulares (consultas periódicas da especialidade de Neurocirurgia, Psiquiatria, Ortopedia e MFR); ajudas técnicas (apoio tripé/canadianas); adaptação domicílio (adaptação na residência, quarto de banho e espaços de locomoção), Ajuda terceira pessoa (8 horas por dia).

219- Vigora na R. o contrato de seguro titulado pela Apólice nº ...70 para cobertura dos danos causados a terceiros e decorrentes do veículo de matrícula ..-HQ-..

(cfr. Doc. 1 junto com a contestação para o qual se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

220- A R. declara aceitar a responsabilidade do acidente e a obrigação de indemnizar o A.

221- Na sequência de transacção, homologada por sentença já transitada, em sede de providência cautelar apensa a estes autos, a R. pagou ao A. € 19.000,00.

222- Bem como outras quantias antecipadas ao A. por conta da indemnização final, num total de € 141.000,00.

Facto não provado:

a) Obtendo um rendimento médio mensal de € 1.500,00.

B) O Direito

I - Da perda de capacidade de ganho

1. As instâncias divergiram na avaliação do montante em dinheiro desta dimensão do dano patrimonial, que se reporta ao impacto das sequelas físicas e psíquicas resultantes do acidente na capacidade de obter rendimentos do trabalho ao longo de toda a vida ativa e na pensão de reforma até ao fim da vida, tendo sido adotado como referência o limite dos 78 anos de idade, de acordo com os dados da esperança de vida dos indivíduos de sexo masculino em 2015.

Segundo os factos do caso, na sequência do acidente o autor, com 58 anos de idade (facto provado n.º 175) à data do acidente, ficou totalmente incapaz para o seu trabalho habitual ou para qualquer outro (facto provado n.º 183), padecendo de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 72 pontos (factos provados n.ºs 2 e 218) e uma taxa de incapacidade permanente global de 80% atribuída pelo Instituto de Segurança Social (facto provado n.º 197).

2. O tribunal de 1.ª instância calculou o valor da indemnização, tendo por referência, uma vez que não se provou o montante mensal dos rendimentos do autor, um salário médio der 990,00 euros, tendo a sentença recorrido aos dados constantes dos cálculos estatísticos fornecidos pela Pordata Portugal, segundo os quais o ordenado médio mensal era, na data do acidente, de 990 euros (cfr. estudo disponível in 2_FF_Estudo_SalarioMedio_pt-2.pdf). Assim, aplicando uma fórmula matemática para calcular o rendimento anual perdido durante o período de 20 anos de esperança de vida do autor (990,00x12) subtraiu ao capital encontrado multiplicado por 20, para um individuo com 72 pontos de défice funcional permanente de integridade física-psíquica, um montante de 25 %, obtendo um valor global de 128.304,00 euros.

Baseou-se numa orientação jurisprudencial deste Supremo, segundo a qual «a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida do lesado, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa), com uma dedução que razoavelmente se pode estimar em 1/4, dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital».

3. Já o Tribunal da Relação entendeu subscrever a metodologia de cálculo adotada, mas decidiu que não havia lugar à subtração de 25%, ao montante global dos rendimentos durante 20 anos, obtendo um montante total de 165,000.00 euros, a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho, fundamentando a decisão do seguinte modo:

«Quer isto dizer que o desconto de ¼ operado em primeira instância se nos afigura desajustado, constituindo uma constrição exasperada da indemnização, sobretudo num tempo como o atual em que a inflação se encontra em níveis ainda superiores à taxa de juro real líquida considerada na referida equação (a inflação é de 5, 8, em 2023).».

4. A seguradora não contestou no processo a culpa exclusiva da condutora do veículo HQ, sua segurada, nem a sua responsabilidade pela compensação de todos os danos causados pelo acidente (factos provados n.ºs 19 e 220). Aceitou, também, que a esperança média de vida do autor tivesse como limite os 78 anos de idade. Entende, apenas, que o valor adjudicado (165.000 euros) foi excessivo e pretende a sua redução, tendo-se por padrão o salário mínimo nacional (705,00 euros) e não o salário médio (990,00 euros) como entenderam as instâncias, bem como pugnando pela aplicação da dedução de 25% e tendo-se em conta apenas os 10 anos de vida ativa, em detrimento dos 20 anos de esperança média de vida, o que computaria uma indemnização pelo dano da capacidade de ganho no valor de 45.684,00 euros (705,00€ x 12 meses x 10 anos x 72% IPG = 60.912,00€ apurando-se o montante de 45.684,00€ após o desconto de ¼ por antecipação de capital).

5. Vejamos.

Segundo a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 21-06-2022, proc. n.º 1633/18.4T8GMR.G1.S1), «(…)na determinação equitativa desse dano patrimonial futuro do lesado, há uma panóplia de tópicos ou elementos referenciais que poderão/deverão ainda ser considerados, tais como:

- A idade do autor lesado à data do acidente;A remuneração mensal auferida pelo lesado à data do acidente e/ou outros rendimentos por si usufruídos;

- A evolução profissional perspetival, ou não, e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até em simultâneo;

- A taxa média de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade.

- A gravidade das lesões e as suas consequências, e a atribuição do grau de incapacidade ou de défice funcional.

- O recebimento de uma só vez do todo capital/rendimento futuro que é antecipado».

No citado Acórdão, de 21-06-2022, também se afirme constituir entendimento prevalecente nos tribunais superiores, e particularmente neste, que a indemnização do dano patrimonial futuro (vg. na vertente de lucro cessante) decorrente da perda ou diminuição da capacidade aquisitiva, motivado pelo défice funcional de que o lesado ficou afetado, deve, como regra, ser calculada em atenção ao tempo provável de vida da vítima, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional ativa, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a atual até final desse período. (neste sentido, v., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-09-2015, proc. n.º 146/08.7PTCSC.L1.S1).

5. Assim, não tem razão a seguradora quando entende que o valor das perdas de rendimento se multiplica por 10 anos, e não por 20, presumindo-se que a reforma do autor se atingiria por volta dos 68 anos.

Em primeiro lugar o dano da perda salarial repercute-se também no valor da pensão de reforma, que será necessariamente mais baixa para um individuo, como o autor, que, por incapacidade, deixa de trabalhar aos 58 anos, assim diminuindo, por força do acidente que o vitimou, a sua carreira retributiva

Em segundo lugar, como se afirmou no acórdão recorrido, o dano biológico não se repercute apenas na perda da capacidade, abrangendo também a perda funcional, a capacidade de utilizar o corpo na sua plenitude, o que pressupõe todo o percurso de vida do lesado, e não apenas o período de vida profissionalmente ativa.

Também no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 23-10-2018 (proc. nº. 902/14.7TBVCT.G1.S1) se entende que a indemnização deve corresponder «a um capital produtor do rendimento de que o lesado ficou privado e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida, e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado». Com efeito, atingida a idade da reforma, o indivíduo continua a ter necessidades físicas, psíquicas e culturais, médicas e outras. Porventura, em virtude dos danos sofridos, essas necessidades serão até mais elevadas no caso dos sinistrados por acidente de viação.

Já no Acórdão deste Supremo, datado de 10-10-2012 (proc. 632.G1.S1) se afirmava que “as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas , com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito”.

Por estes motivos está correto que o horizonte temporal para a determinação do dano futuro seja a esperança média de vida, tal como fez o acórdão recorrido, e não apenas a vida ativa do lesado, devendo multiplicar-se o rendimento anual do autor pelo número de anos correspondentes à esperança de vida do autor.

6. A fórmula matemática proposta pela recorrente não é vinculativa para os tribunais, que devem determinar a indemnização de acordo com os princípios gerais da reparação integral do dano e da equidade, podendo adaptar as fórmulas às circunstâncias de cada caso, designadamente, à factualidade segundo a qual o autor ficou totalmente incapacitado para o seu trabalho habitual ou qualquer outro.

As fórmulas matemáticas são apenas meros elementos atendíveis em sede de fixação de indemnização por acidente de viação, mas não vinculam o tribunal à estrita adoção dos valores através delas atingíveis, caso se mostrem insuficientes para indemnizar o dano no caso concreto, devendo o juiz cumprir o estipulado no n.º 3 do artigo 566º do Código Civil, nos termos do qual deve o tribunal julgar “equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

Como se tem entendido neste Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 15-01-2004 - Revista n.º 3926/03), «O recurso às fórmulas matemáticas ou de cálculo financeiro para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes não poderá substituir o prudente arbítrio do julgador, ou seja a utilização de sãos critérios de equidade, de resto em obediência ao comando do n.º 3 do art.º 566 do CC».

No mesmo sentido, veja-se o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19-04-2018 (proc. nº 196/11.6TCGMR.G2.S1), onde se considerou que «Em conformidade com a jurisprudência consolidada na matéria, os valores obtidos através da aplicação de auxiliares matemáticos fornecem apenas uma orientação com o objetivo de uniformização de soluções para casos idênticos ou de contornos semelhantes, sem prejuízo da indemnização dever ser sempre ajustada ao caso concreto, recorrendo o julgador, para alcançar esse desiderato, à equidade».

A determinação do quantum indemnizatório surge como uma tarefa particularmente difícil em relação aos danos futuros porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. E por isso é que tais danos se devem calcular segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal e, se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exato, deverá o tribunal julgar segundo a equidade.

Não se pode, pois, olvidar que o vetor factual central para calcular a indemnização pelo dano patrimonial futuro, no caso sub judice, é a circunstância de o autor ter ficado totalmente incapacitado para o seu trabalho habitual, ou qualquer outro, aspecto que na fórmula proposta pela seguradora é desconsiderado.

7. Também não tem razão a seguradora quando pretende o cálculo da indemnização, tendo por base o salário mínimo e não o salário médio, como entendeu o acórdão recorrido.

À data do sinistro (2015), o Autor trabalhava como massagista (facto provado n.º 80 a 82), atividade a que se dedicou, depois de ter desempenhado outras, designadamente a de funcionário da EDP, Distribuição, ao serviço da qual auferiu o último valor salarial fiscalmente declarado – de € 1.489, 55 -, em abril de 2004 (facto provado n.º 184).

Na atividade de massagista, cobrava 30 euros por sessão (facto provado n.º 180), não tendo sido apurado o número de sessões efetuadas por dia, por semana ou por mês.

O instituto da responsabilidade civil norteia-se pelo princípio da reparação integral dos danos, visando reconstituir a situação em que o lesado se encontraria se não fosse a lesão.

Ora, estando provado o dinamismo e versatilidade do autor (facto provado n.º 73) e que era trabalhador e sustentava a família com o seu rendimento (factos provados n.º 76 e n.º 94), caraterísticas que o levaram a fazer cursos de formação e a exercer atividades diferentes ao longo da vida (factos provados n.ºs 76 a 82), tem de se presumir que auferiria um salário médio superior à retribuição mínima. Tanto mais que a generalidade das pessoas ao longo do seu percurso profissional vai aumentando o seu rendimento mensal, mesmo quando começa com o salário mínimo.

Como se tem entendeu no Tribunal da Relação do Porto (acórdão de 18-04-2023, proc. n.º 1088/21.6T8MAI.P1), « É corrente na jurisprudência o recurso, para efeitos de cálculo desta indemnização, ao valor do salário mínimo nacional ou a este valor acrescido de metade, argumentando-se com a segurança deste valor. Outra jurisprudência preconiza o recurso ao valor do salário médio nacional, argumentando que «o salário mínimo, prevenindo um mínimo para a subsistência de quem trabalha, não é a regra nem corresponde às expectativas de quem, dotado de mediana capacidade e aptidão, está em condições de entrar no mundo do trabalho» (cfr. ac. do TRP, de 26.05.2009, proc. n.º 153/06.4TBPNF.P1, rel. Pinto dos Santos)».

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ambos os valores são aceitáveis consoante as circunstâncias do caso. Como nos dá nota, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-03-2023, Proc. 460/19.6T9SXL.L1.S1: Nunca será de mais afirmar a natureza extraordinariamente difícil da graduação monetária, em sede de indemnização compensatória, deste tipo de danos – entendemos que não se justifica qualquer punição do lesante neste domínio. É, consabidamente, tarefa complexa, discutível quanto aos seus termos e limites, e sempre um pouco, direta ou indiretamente, balizada por critérios como a quantia geralmente fixada pelos tribunais para o dano da morte, ou a multiplicação de salários, mínimos ou médios, ou outros fatores de que os avaliadores e os julgadores costumam lançar mão para procurar obter critérios medianamente orientadores que evitem o desfasamento excessivo (algum haverá sempre, necessariamente) entre as muitas decisões a este respeito proferidas pelos tribunais». – sublinhado e destaque nossos

Este critério do salário médio tem sido, assim, utilizado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, não constituindo a sua aplicação qualquer violação do princípio da igualdade dos cidadãos ou enriquecimento do lesado.

Tendo o acórdão recorrido fundamentado, de forma lógica e coerente, a referenciação da indemnização ao salário médio (990 euros mensais), nada há a censurar, tanto mais que, tratando-se de questão de equidade, a competência do Supremo Tribunal de Justiça restringe-se aos casos em que os valores encontrados são muito distintos do valor habitual na jurisprudência, o que, de todo, não é o caso, tendo em conta o percurso profissional do autor tal como descrito na matéria de facto e a circunstância de este ter ficado incapacitado para qualquer trabalho. Como termo de comparação veja-se o caso decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-10-2018 (proc. n.º 902/14), em que o lesado com 54 anos de idade, Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 72 pontos, e rendimento anual de € 18.200,00, obteve uma indemnização pelo dano futuro de 350.000,00 euros, sendo explicável o valor mais elevado pelo montante superior dos rendimentos anuais provados (correspondente a um salário mensal cerca do dobro do salário médio que agora serviu de referência). Como padrão, pode também analisar-se o Acórdão de 28-02-2023 (proc. n.º 651/20.7T8VRL.G1.S1) que considerou justa e equitativa a indemnização por danos patrimoniais de € 180 000,00 por danos futuros, atribuída a um lesado, trabalhador agrícola indiferenciado, que tinha 47 anos aquando do acidente, e auferia o equivalente a um salário mínimo nacional, esteve 394 dias até à alta médica com incapacidade absoluta para o trabalho e permaneceu com uma afetação da integridade físico-psíquica de 45 pontos com uma incapacidade total para profissões que exijam esforço/utilização do membro superior esquerdo, como é o caso do trabalho agrícola que o mesmo sempre executou.

8. O mesmo se conclui quanto à recusa do acórdão recorrido em proceder ao abatimento de 25 % ao valor global dos rendimentos, como contrapartida da vantagem obtida com a antecipação do capital. Ora, nada de inovador ou insólito representa esta decisão do acórdão recorrido, na medida em que se baseia na jurisprudência mais recente deste Supremo em face da nova conjuntura económico-financeira traduzida em taxas de inflação elevadas acompanhadas da descida das taxas de juro dos depósitos (1% a 2%).

No que diz respeito à redução do montante indemnizatório como forma de compensar a vantagem do lesado poder dispor antecipadamente do capital destinado a reparar danos futuros, em vez da divisão em prestações, o Supremo tem vindo a deslegitimar esta redução ou a baixar a percentagem da mesma para 10%, tendo em conta as circunstâncias do caso.

Como se afirmou no Acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 10-10-2023 (Processo nº 9039/20.9T8SNT.L1.S1), «Esta questão convoca, em tese geral, o princípio da proibição do enriquecimento em sede de responsabilidade civil, que vem sendo objecto de críticas», segundo as quais, «(…) sendo o enriquecimento o efeito do cumprimento da indemnização não deverá concorrer para o cálculo do dano, o enriquecimento do lesado não precede o cálculo da obrigação de indemnizar, é posterior ao cumprimento, o enriquecimento pode nem sequer ocorrer, e não deve ser o lesado a assumir o risco da não verificação futura da vantagem restituindo de imediato ao lesante (aquando do pagamento da indemnização ) um enriquecimento que não se sabe se ocorrerá (cf. neste sentido, MARIA DE LURDES PEREIRA, Direito da Responsabilidade Civil, 2022, pág.513 e segs.)»

A título de exemplo, veja-se o Acórdão de 06-03-2024 (proc. n.º 13390/18.0T8PRT.P1.S1), onde se faz uma resenha da jurisprudência recente do Supremo que adere a esta orientação, da qual destacamos os seguintes Acórdãos:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-02-2024 (processo nº 21224/17.0T8PRT.P1.S1), onde se afirmou o seguinte:

«O apuramento do montante da indemnização deverá, no entanto, ser ajustado face à antecipação integral do capital do que viria a receber ao longo de várias décadas, com uma muito ligeira redução do valor encontrado decorrente da possibilidade que confere ao lesado de o rentabilizar.

Mas também, como bem refere o acórdão recorrido, importa ponderar, em sentido contrário, para além da mais do que previsível evolução positiva do nível dos rendimentos do trabalho em geral – e inerentes perdas do autor que dela não irá beneficiar – que o autor ficou totalmente incapacitado de exercer a sua profissão habitual e se encontra muitíssimo condicionado para o exercício de qualquer outra profissão ou actividade, mesmo que relacionada com a área da sua anterior actividade profissional».

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-01-2024 (processo nº 3527/18.4T8PNF.P2.S1), onde se refere o seguinte:

«A seguradora entende que, como o lesado vai ser indemnizado com a entrega antecipada e de uma só vez do capital, deve proceder-se a uma redução de ¼ na indemnização a arbitrar, sob pena de um enriquecimento indevido do autor.

Não nos parece que tenha razão. A jurisprudência deste terceiro grau já em 2017 entendeu que na conjuntura então prevalecente de juros baixos não se justificava uma redução superior a 10% (Ac. STJ de 30/3/2017, Proc. nº 2233/10).

Hoje em dia, a conjuntura económica alia taxa de depósitos baixos a uma inflação descontrolada (sem prejuízo das aliás polémicas intervenções do BCE)».

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-10-2023 (Processo nº 9039/20.9T8SNT.L1.S1), onde se teve em conta a orientação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/5/2017 (proc. nº 8689/10), segundo a qual “A regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade” e recusou-se a redução do capital, tendo em conta que a pessoa lesada era uma criança, afirmando-se que «Parece que na situação em análise não se justifica operar tal dedução, mesmo como tópico adjutor da equidade, dada a finalidade da indemnização, sabido que as necessidades patrimoniais de uma criança não são as mesmas ao longo do tempo, seguramente maiores com o decurso da idade, pelo que a extensão dos danos patrimoniais futuros para cada um dois Autores será evolutiva, sendo flutuantes as condições financeiras de mercado”.

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-10-2018 (proc. 902/14):

« A dedução de que acima se falou, cuja finalidade é evitar o enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia, não deve atingir os valores de outrora, noutros contextos macroeconómicos, que chegavam a ultrapassar os 30% do capital[8].

Pensamos que hoje, sendo muito mais baixos os valores das remunerações resultantes da aplicação do capital, essa dedução, considerando os anos por que durará a perda do rendimento reflectida na prestação anual, não deverá ultrapassar 10% do capital a receber».

9. Assim, não tendo o cálculo da indemnização pelo dano patrimonial futuro obedecido a desvios em face do que é comum na jurisprudência deste Supremo Tribunal, nem desse cálculo tendo resultado um valor excessivo para os padrões habituais, confirma-se o acórdão recorrido.

Como se afirmou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10-11-2016, proc. n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1 «(…) o juízo prudencial e casuístico das instâncias só não será mantido se o julgador se tiver afastado da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – “muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e , em última análise, o princípio da igualdade», o que manifestamente não foi o caso.

II – Indemnização para compensar o dano da assistência de terceira pessoa

10. Sobre esta temática, o tribunal de primeira instância atribuiu ao autor, que apresenta uma dependência total para as atividades da vida diária (facto provado n.º 45), uma compensação para a ajuda de terceira pessoa, no valor de 293, 872, 00 euros, valor apurado tendo por referência uma retribuição mensal de 750 euros (correspondente a 8h de trabalho por dia, de segunda a sexta), acrescendo a taxa social única (178, 12 euros), o seguro de acidentes de trabalho (20, 66 euros) e as despesas de alimentação da empregada, conforme comprovado nos factos 151 e 152.

Já o Tribunal da Relação acrescentou a este valor a quantia de 455.519, 20, o que perfaz um valor total de 749, 391, 20 euros, entendendo que, dadas as limitações físicas do autor demonstradas na matéria de facto (factos provados n.ºs 114, 115, 116, 122 a 135, 153, 154 e 155), este necessita não só de 8 horas de apoio diárias de segunda a sexta (293, 872 euros), mas também de 8h de apoio durante a noite de segunda a sexta (293, 872 euros), e ainda o mesmo número de horas (8+8) nos fins de semana e feriados, no montante de € 161.647, para 20 anos.

O fundamento da decisão foi o seguinte:

«A este respeito, está, de facto, provado que, depois da saída da empregada doméstica e cuidadora (que presta assistência durante 8 horas), o A. continua a necessitar de quem lhe dê a medicação, o jantar, o ajude a vestir o pijama, lhe dê apoio na higiene, lhe mude as fraldas, etc.., tarefas que são realizadas pela A. mulher, atenta a ausência de capacidade económica para pagar a outra pessoa (factos provados 153 e 154). Também durante os fins de semana e feriados, é a A. mulher quem cuida do marido (ponto 155).

Ora, a despeito do dever de assistência a que a A. mulher está vinculada em função do casamento, é bem verdade que lhe não cabe sacrificar todo o tempo disponível, nomeadamente ao final do dia e durante os dias de descanso, para cuidar do A. marido (cfr. factos 203, 209, 211 a 213 e 217), antes se impondo seja o A. inteirado do valor necessário para fazer face às despesas com empregada doméstica nesses períodos de tempo uma vez que as sequelas de que padece e por força das quais não sobrevive sem tal apoio externo são consequência do sinistro pelo qual a Ré responde.

Fixar em 24 horas diárias a ajuda permanente ao A., como este pretende, parece-nos exagerado, não resultando dos factos provados que essa assistência tenha que ocorrer durante os períodos de descanso, mas já a contratação de alguém que, durante outras 8 horas/5 dias por semana, efetue aquele trabalho, é de toda a justiça. Acrescem 32 horas (16 horas por dia) em cada fim de semana e nos dias feriados (que são treze em Portugal).

Considerando o que foi fixado para a empregada doméstica que atualmente presta serviço durante 8 horas por dia, à semana, num total anual de € 14.693, 60, entendemos ser de condenar a Ré a indemnizar o A. em idêntico valor anual pelos mesmos 20 anos não colocados em dúvida pela Ré.

É, pois, de conceder ao A., ainda, a quantia de € 293.872, 00, para aquele serviço prestado durante a semana, por mais 8 horas diárias, em cinco dias úteis.

Sendo também de considerar os fins de semana e feriados, num total de 104 dias (52 fins de semana) a que acrescem os 13 dias de feriado, apuramos o valor a pagar por 117 dias anuais de trabalho prestado ao fim de semana, durante as mesmas 16 horas diárias, o que equivale a 234 dias.

Em 2023, a retribuição mínima mensal garantida é de € 760, 00 (Decreto-Lei n.º 85-A/2022 de 22 de dezembro), o que equivale a € 34, 54/dia.

Por conseguinte, para aqueles 234 dias o valor devido é de € 8.082, 36, por ano, sendo de € 161.647, 20, nos 20 anos considerados».

11. A recorrente aceita que o autor precisa de ajuda de terceira pessoa durante 8 horas por dia, de segunda a sexta (40 horas por semana) e os valores pagos à empregada doméstica contratada pela família do autor, conforme factos 151 e 152, com custos mensais associados à ajuda de terceira pessoa no valor € 1.080,00 (€ 750,00 referente à retribuição mensal + € 178,12 a título de taxa social única + € 20.66, referente ao valor mensal pelo seguro de acidentes de trabalho.

A seguradora, peticiona que a indemnização arbitrada pela Relação seja reduzida para corresponder apenas para 8 horas diárias (40 horas por semana) como entendeu o tribunal de 1.ª instância, devendo ser repristinado o valor arbitrado pela 1.ª instância, 293,872, euros, ao qual devem ainda ser descontados os seguintes valores:

- um valor equivalente ao número de horas em que o autor está a fazer terapia, cerca de 3 horas por dia, no mínimo 9 horas por semana, a que acresce mais uma hora diária em deslocações;

- um valor de 22, 040, 70 euros correspondente ao período de internamento de 15 de julho de 2015 a 24 de dezembro de 2016, em que o autor não teve de pagar à empregada doméstica por estar internado.

A este valor, 271.831,30 euros, teria ainda, conforme sustenta a seguradora, de ser abatido um valor 25% sobre o total para compensação da antecipação do capital.

Quid iuris?

12. Os factos do caso com relevo para a decisão são, no essencial, os seguintes:

«45 - O Autor apresenta uma dependência total para as AVD (actividades da vida diária).

(…)

110. Ao nível físico, sofre de hemiparesia esquerda, com grandes dificuldades de equilíbrio, quando está de pé, cansando-se facilmente.

111. Para caminhar, ou melhor dar alguns poucos passos, necessita de auxílio de tripé e de vigilância constante e próxima de terceiros, cansando-se facilmente.

112. A marcha é lenta e necessita de estímulo constante; caso contrário, por lhe ser muito custoso, desiste, pedindo apoio para se sentar.

113. O membro superior esquerdo encontra-se também afectado, impossibilitando-o de o dobrar em toda a sua extensão e de alcançar e elevar objectos de peso superior a 2 kgs.

114. Carece de apoio de terceiros para se mover: sentar e levantar da posição de sentado, assim como para se deitar e levantar da posição de deitado, e também para mudar de posição quando deitado, e para andar ou dar alguns passos.

115. Apenas sobe e desce escadas, alguns degraus, com muito esforço, também com apoio de tripé e de terceira pessoa, mas sempre com muita dificuldade, o que faz diariamente em sua casa que tem dois andares.

116. Não consegue mudar de posição quando deitado, necessitando de ser reposicionado, na cama (tarefa para a qual nunca é cooperante), durante a noite, várias vezes, essencial para evitar o surgimento de feridas ou escaras na pele, embora use colchão anti-escaras.

(…)

118. Tem dores constantes na perna esquerda, sobretudo no joelho e no pé, assim como no ombro esquerdo, na cervical e região lombar.

(…)

123. Necessita de auxílio de terceiro na higiene íntima, cooperando na muda de fralda durante o dia, mas não durante a noite, que acontece no mínimo duas vezes por noite.

124. Necessita de ajuda para se deslocar, sentar e levantar da sanita, mesmo com a wc adaptada.

125. Não pode tomar banho sem apoio e supervisão de terceiro.

126. Quando está “em dia bom” e quando incentivado, tenta lavar o cabelo, tarefa que tem de ser sempre finalizada por outrem.

127. Não consegue secar o corpo e o cabelo, após o banho, sozinho.

128. Necessita de auxílio para se vestir e despir.

129. Consegue fazer a barba com indicações e sempre supervisão.

130. Retira e coloca sozinho a prótese dentária, mas não consegue tratar da higiene da mesma.

131. Lava as mãos sozinho, com indicações e supervisão.

132. Necessita de ajuda para se calçar, mas é capaz de apertar sapatilhas de velcro com indicações (é totalmente incapaz de apertar atacadores de um sapato).

133. Precisa de ajuda para pentear o cabelo.

134. Na alimentação, não pode nem consegue preparar as suas refeições.

135. Necessita de supervisão e ajuda durante as refeições, já que se engasga muito facilmente, tanto com alimentos líquidos, como com sólidos, assim como para cortar os alimentos e levá-los à boca.

(…)

148. No dia 03/01/2017, e com início de execução no próprio dia, foi celebrado contrato de trabalho doméstico entre a Autora e EE, em que esta se obrigou, mediante o pagamento de um retribuição no valor total de € 700,00, se comprometeu a executar as “actividades destinadas à satisfação das necessidades do seu agregado familiar” (da Autora, enquanto primeira outorgante) “tendo a seu cargo, designadamente, as funções relacionadas com a vigilância e assistência ao marido da Primeira Outorgante, que se encontra afectado de incapacidade” (cfr. doc.16 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido).

149. A partir dessa data, passou a ser a referida EE, enquanto a Autora se encontrava a trabalhar, a cuidar do Autor, dando-lhe apoio no banho, a pentear, fazer a barba, vestir, calçar, confeccionando e dando-lhe as refeições, vigiando-o durante o dia e controlando que o mesmo toma a medicação prescrita pelos médicos que o acompanham.

150. Na sequência da celebração do referido contrato de trabalho, foi feita a competente comunicação de celebração de contrato de trabalho ao Instituto de Segurança Social e celebrado o obrigatório seguro de acidentes de trabalho (doc.17 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido).

151. Os custos mensais associados à ajuda de terceira pessoa ascendem a € 1.080,00 (€ 750,00 referente à retribuição mensal + € 178,12 a título de taxa social única + € 20.66, referente ao valor mensal pelo seguro de de acidentes de trabalho (cfr. doc. juntos por requerimento de 10/10/22 para onde se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos).

152. A que acresce a quantia de € 6,00, referente a todos os gastos de alimentação da empregada doméstica – num total de € 132,00 mensais (tomado por base 22 dias úteis).

153. Após a hora de saída do trabalho da empregada doméstica e cuidadora, continua a ser necessário prestar assistência ao Autor, controlar a sua medicação, dar-lhe o jantar, vestir-lhe o pijama, dar-lhe apoio na sua higiene, levá-lo ao wc quando necessário, mudar as fraldas (também de noite, no mínimo duas vezes) e, durante a noite, mudar a sua posição na cama, para evitar o surgimento de escaras ou equimoses na pele.

154. Tarefas para as quais deveriam os Autores poder contratar uma outra pessoa mas que, por motivos de falta de capacidade económica, são executadas pela Autora, que depois de executar o seu trabalho diário (a tempo inteiro), não pode descansar tendo que assegurar todas essa necessidades de apoio ao autor marido, e até tem que interromper o sono durante a noite por duas vezes, para o mudar de posição e trocar a fralda.

155. Assegurando a Autora mulher, também, o apoio ao Autor seu marido, durante todos os fins de semana, feriados e períodos de férias da empregada doméstica.

156. Períodos que anteriormente aproveitava para viajar, descansar, fazer compras, passear, conviver socialmente, e que agora, dedica integralmente ao Autor marido, também por razões económicas, pois que os Autores não têm rendimento para contratar, com é absolutamente necessário, uma outra pessoa que complete o apoio de que o Autor marido necessita, nesses períodos – todos os dias, aos fins de semana, aos feriados, e nas férias.

157. Desde o acidente a A., praticamente não tem tempo para si, para ter a sua própria vida: fazer exercício físico, ir ao cabeleireiro, conviver com amigos e familiares, passear, descansar, jantar fora…. Desde que o Autor voltou para casa, a Autora não mais pôde ter uma noite de sono descansado, uma vez que, por indicação médica e por necessidade efetiva do seu marido, tem de acordar duas vezes por noite para virar o Autor na cama e lhe mudar a fralda.

(…)

203. Desde o acidente que a Autora vive apenas e exclusivamente para o seu marido, pois que este de si depende para tudo.

204. Do seu trabalho retira o rendimento necessário para pagar a ajuda de terceira pessoa que teve de contratar, desde que o Autor regressou a casa.

205. Pouco lhe sobra para fazer face às despesas correntes.

(…)

209. Quando chega a casa depois do dia de trabalho, a Autora entra novamente ao serviço, preparando o jantar do Autor, ajudando-o a comer, apoiando-o e vigiando-o nas deslocações dentro de casa.

210. Tem a preocupação de verificar que, durante o dia, o seu marido tomou toda a medicação prescrita pelo médico e, desde que chega a casa, certifica-se que a continua a tomar.

211. Ajuda o marido a ir ao wc e a lavar os dentes, fazer a barba, tomar banho, lavar o cabelo, secar o corpo, secar o cabelo, vestir o pijama e deitar-se.

212. Durante a noite, acorda pelo menos duas vezes para mudar o marido de posição na cama e verificar se há necessidade de lhe mudar a fralda.

213. Tarefas que se prolongarão atá ao final da sua vida e se tornarão cada vez mais penosas e difíceis de executar, com o passar dos anos.

(…)

217. Sem vontade - e disponibilidade, já que o seu marido depende de si para tudo -para ir passear ou jantar fora com amigas, ou até para reunião com familiares».

13. Na jurisprudência mais antiga deste Supremo já se encontra a preocupação de proceder à reparação deste dano da ajuda de terceira pessoa, embora não tenham sido usados cálculos matemáticos, mas juízos de equidade, tendo o Supremo em relação a uma mulher vítima de acidente de viação com 70% de incapacidade permanente e 45 anos de idade, subido para 200.000,00 euros o valor indemnizatório calculado pela Relação em 170.000,00, euros. É o caso do Acórdão de 15-10-2013 (jurisprudência não publicada), proferido na Revista n.º 981/07.3TBVVD.G1.S1, onde se sumariou o seguinte: «Considerando que a esperança média de vida da autora, pertencendo ao sexo feminino, será pelo menos até aos oitenta anos, que o trabalho de prestação de cuidados pela terceira pessoa se tornará mais exigente com o decorrer do tempo, e que é provável que, quando a autora se encontrar com idade mais avançada, venha a ter mais necessidades e um maior grau de dependência do que hoje, e que os salários a pagar à terceira pessoa tendam a subir ao longo do tempo, a indemnização devida pelo auxílio de terceira pessoa deve ser aumentada de € 170 000 para € 200 000».

14. Os critérios jurisprudenciais para a fixação do quantum indemnizatório por ajuda de terceiros estão sintetizados no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 06-04-2021 (Revista n.º 2908/18.8T8PNF.P1.S1): «(…) tempo estimado da necessidade de ajuda diária e em número de anos; valor horário da ajuda, mensal e acumulado em anos; valor do salário mínimo nacional ou aproximado; tempo médio de vida do lesado, distinguido em função do sexo».

Neste caso, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou o valor de 550.000,00 euros arbitrado pelo Tribunal da Relação, que partiu de um valor anual de salários a terceira pessoa multiplicado pelo número de anos de esperança de vida (€ 8.400,00/ano x 70 anos), uma vez que a vítima do acidente foi uma criança de 6 anos, com 8 à data da alta. O salário de referência foi o correspondente às 40 horas semanais num valor inferior ao salário mínimo à data do acidente (600 eurosx14). Estes cálculos determinaram um valor de 570.000,00 euros. Não houve desconto pela antecipação, mas como o autor apenas tinha pedido 550,000,00 euros foi esse o valor adjudicado pelo Tribunal da Relação.

Verificamos, pois, que o critério adotado no acórdão recorrido quanto ao salário da terceira pessoa, multiplicado pelo número de anos de esperança média de vida do lesado, está ajustado ao que é habitual, residindo a diferença entre este acórdão e o acórdão recorrido na circunstância de o Tribunal da Relação no presente processo ter partido de um valor de salário mais elevado (cerca de 750 euros por mês) e de ter estipulado um número de horas diárias mais elevado – 16 horas para incluir acompanhamento durante a noite – não só durante a semana, mas também durante o fim de semana e feriados.

15. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-12-2021, Revista n.º 2043/15.0T8STR.E1.S1, estipulou-se que, para o apuramento do valor indemnizatório por ajuda de terceira pessoa, o tribunal partiu de um valor hora de 10 euros, que multiplicada pelas horas semanais de apoio (3 horas), num ano civil com 12 meses (atinge o valor de 1440 euros anuais), numa situação em que o lesado era novo na data do acidente e terá uma esperança de vida média até aos 77 anos (chegando-se ao valor anual, multiplicado pelo número de anos até que ele perfaça os 77), e se fixa em 59.040,00 euros, valor ao qual se descontou 1/3, por pagamento de uma só vez. O Supremo entendeu que este valor estava justificado pelos critérios habituais usados para casos semelhantes, e, portanto, observada a igualdade e proporcionalidade.

16. Prosseguindo na comparação com a jurisprudência deste Supremo, veja-se o caso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12-11-2019 (proc. n.º 468/15), onde se arbitrou um valor de 400.00,00 euros para indemnizar as despesas com a assistência de terceira pessoa durante 42 anos, que teve por referência um salário mensal de 750 euros, com tendência a subir. Todavia, aqui, em sentido diverso do acórdão recorrido, não se adotou uma fórmula matemática, mas um critério de equidade, tendo-se sumariado o seguinte:

«I - Estando em causa danos futuros (despesas a suportar com a assistência de terceira pessoa durante 42 anos) cujo valor exato não é passível de fixação, atentas as especificidades e vicissitudes que lhe são próprias, tal valor só pode ser fixado com recurso à equidade e dentro dos limites objetivos que foram dados como provados – nos termos do disposto no n.º 3 do art. 566.º do CC, que não através de tabelas matemáticas, cuja utilização apenas pode ter lugar como mero auxiliar.

II - Para além da imprevisibilidade da variação da taxa de rentabilidade, atento o período temporal a considerar (42 anos), há que ter em conta o expectável aumento das despesas a suportar nesse período, sendo expectável que vá, e a breve trecho, além dos € 750,00 mensais que foram considerados pela Relação.

III - Perante tais elementos, e com recurso à equidade, afigura-se correto e ajustado dever proceder-se a uma dedução, para compensar o recebimento antecipado do capital, situada à volta dos 10%».

O Supremo aderiu, no caso acima citado, ao entendimento de que a lesada necessitaria de ajuda 365 dias por ano e não apenas nos dias úteis, tendo baixado o montante da indemnização de 425.000,00 euros para 400.000,00 por aplicação de uma taxa de cerca de 10% correspondente à antecipação do capital. Neste caso, a ajuda de terceira pessoa era prestada por uma pessoa conhecida da autora, que com ela residia, e que auferia uma remuneração de pouco mais de 500 euros, estando disponível para prestar apoios durante a noite sem acréscimo de remuneração. Por este motivo, foi apenas considerado como referência o salário correspondente a 8 horas diárias de trabalho e não de 16 horas, como fez o acórdão recorrido no presente processo.

17. Mas a solução de empregada interna não é a regra, e, de qualquer forma, sempre a pessoa encarregada destes cuidados teria que receber contrapartida financeira da sua disponibilidade para prestar assistência durante a noite.

A natureza informal dos cuidados de saúde e a sua deficiente remuneração não podem servir de referência a uma decisão judicial. Conforme consta de Relatório da Organização Mundial de Saúde (cfr. The gender pay gap in the health and care sector. A global analysis in the time of COVID-19, 2022, disponível para consulta in https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_850909.pdf), o setor dos cuidados de saúde tem sido um setor feminizado, de baixos salários, e condições de trabalho muito exigentes. Foi a pandemia da COVID-19, bem como o aumento da esperança média de vida das pessoas idosas a carecer de cuidados, que trouxeram luz a esta situação e demonstraram como o setor dos cuidados de saúde é vital para a manutenção das famílias, da sociedade e da economia. Em virtude desta consciencialização, o trabalho das pessoas, que prestam serviços de saúde domésticos, tende a ser mais valorizado e profissionalizado com o consequente aumento salarial.

Assim, tendem a ser empresas especializadas que prestam estes cuidados ou uma pessoa contratada para prestar serviços de auxiliar de saúde durante a noite, cuja disponibilidade tem um valor hora que acresce ao salário da pessoa que presta o serviço de assistência durante o dia. Para que exista um apoio de 8 horas durante o dia e de 8 horas durante a noite, são necessários dois salários, o que duplica as despesas. Se a esta duplicação acrescerem os fins de semana e feriados, que também devem estar cobertos por ajuda de terceira pessoa, para permitir à família dos sinistrados períodos de descanso e de lazer, será necessário o pagamento de remuneração da prestação de cuidados domésticos a uma pessoa que trabalhe aos sábados, domingos e feriados, o que normalmente só é possível através de empresas especializadas.

18. Assim sendo, os critérios adotados pelo Tribunal da Relação estão corretos à luz do princípio da reparação integral dos danos e em nada este Supremo os pode censurar.

Não tem razão a seguradora quando invoca relatório pericial feito durante os tratamentos do autor, que recomenda 8 horas de apoio diário (facto provado n.º 218), pois as 8 horas mencionadas no relatório não excluem outras carências demonstradas na matéria de facto provada. O facto n.º 218 descreve apenas o conteúdo do relatório, o que não implica que o tribunal não possa dar como provado, com base noutros elementos de prova, outras necessidades do autor. Um relatório pericial não é, em si mesmo, um facto provado, mas um meio de prova de livre apreciação pelo tribunal, que, quando fixa a matéria de facto provada, não está vinculado pelo seu conteúdo. O que releva é o contexto fáctico global do caso, em que ficou demonstrado que o autor precisa de ajuda ou supervisão para todas as atividades da vida diária, e, durante a noite, é necessário, pelo menos duas vezes em cada noite, mudar as fraldas ao autor e mudar a sua posição corporal, para não ganhar feridas (escaras), que, nas pessoas imobilizadas, produzem dores fortes e geram uma mal-estar intenso. Quem tem feito este trabalho é a mulher do autor que, para além de trabalhar fora de casa, desempenha as funções de cuidadora do marido em tudo o que é necessário, para além das 8 horas de presença da empregada doméstica, sem períodos de descanso ou de lazer, e, a tempo inteiro, durante os feriados e fins-de-semana (factos provados n.ºs 148 a 157, 203 a 205, 209 a 213 e 217), com prejuízo dos seus direitos à autonomia e ao repouso, aos quais não renunciou pelo simples facto de estar casada e de estar vinculada a um dever de assistência. É conhecida e está estudada a sobrecarga dos cuidadores informais de pessoas com dependência (cfr. Maria dos Anjos Coelho Rodrigues Dixe/Ana Isabel Fernandes Querido, «Cuidador informal de pessoa dependente no autocuidado: fatores de sobrecarga», Revista de Enfermagem Referência, 2020, Série V, nº3, pp. 1 a 8, disponível para consulta in REF_jul2020_e20013_port.pdf, consultado em 5 de abril de 2024), pelo que deve este Supremo ter em conta na decisão as necessidades de descanso da mulher do autor que trabalha a tempo inteiro para sustentar a família e as necessidades do autor não cobertas pelas prestações da seguradora.

Este Supremo já reconheceu que a ajuda diária do marido à mulher, vítima de acidente de viação, é um dano indemnizável, apesar de incluída no dever de assistência do cônjuge. É o caso do Acórdão de 28-03-2019 (proc. n.º 1120/12.4TBPTL.G1.S1), onde se reconheceu ao marido um dever de indemnização pelas perdas salariais sofridas para apoiar a mulher vítima de acidente de viação que, durante algum tempo, precisou de ajuda diária nas atividades quotidianas, aí se tendo sumariado o seguinte: «Pela assistência prestada ao lesado em acidente de viação por parte do respetivo cônjuge que, para tanto, não pôde exercer a sua atividade profissional, tem este cônjuge direito a indemnização pelas perdas salariais por ele sofridas, a título de lucros cessantes, nos termos conjugados dos artigos 495.º, n.º 2, 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1, e 566.º, n.º 1 e 2, com referência ainda aos artigos 1672.º, 1674.º e 1675.º todos do CC».

19. Também não tem razão a seguradora quando solicita que sejam descontadas, na indemnização para apoio de terceira pessoa, as horas semanais em que o autor se encontra a fazer terapias (da fala, de locomoção, etc.), bem como o tempo despendido nas deslocações de casa para as clínicas, pois é do conhecimento da vida que também nestes períodos as pessoas dependentes precisam de apoio, quer para acompanhamento durante o transporte, quer durante as terapias.

20. O acidente de viação que vitimou o autor foi provocado por culpa exclusiva da segurada da Ré. O autor tem direito a ficar indemne, isto é, a ver totalmente reparado o dano como se não tivesse havido lesão, o que envolve necessariamente a tranquilidade de não se sentir uma sobrecarga para os seus familiares (factos provados n.ºs 145 e 193 sobre o mal-estar do autor por sentir que sobrecarrega a mulher). Não há qualquer justificação do ponto de vista das regras da responsabilidade civil para reduzir artificialmente esta indemnização. Apesar do seu montante se situar acima do que costuma ser decidido por este Supremo Tribunal de Justiça, não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade entre os cidadãos e da aplicação uniforme do direito, nos termos do no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, dado que foram utilizados os critérios habituais para a fixação da indemnização, para um número de horas diárias mais elevado, por força das necessidades específicas do lesado tal como decorrem da matéria de facto provada.

As indemnizações têm de ser adequadas ao fim a que se destinam.

Estamos precisamente perante um caso de aplicação evolutiva do direito, em face de novas circunstâncias sociais e económicas que implicam, quer uma valorização do bem-estar das pessoas doentes e/ou incapacitadas, quer uma valorização do trabalho doméstico e dos cuidados de saúde.

As razões de solidariedade com o autor e a sua família, inerentes ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, impõem que a seguradora tenha de suportar o elevado encargo que representa esta componente indemnizatória, de forma a que o autor e a sua família vejam a sua vida o menos afetada possível por força de um acidente para o qual o autor em nada contribuiu.

21. A seguradora terá, pois, que indemnizar o autor, pagando o salário de pessoas que cuidem do autor 16 horas por dia, incluindo férias, fins-de-semana e feriados.

O acórdão recorrido calculou a indemnização, aderindo ao cálculo do tribunal de 1.ª instância do qual resultou um valor de 293, 872 euros para ajuda de oito horas por dia, ao qual somou idêntico valor para as 8 horas durante a noite, e um valor de 161, 647, 20 para cobrir os fins de semana e feriados, resultando uma indemnização global de 749.391,20 euros (293, 872+293,872+161,647,20), em que a seguradora vem condenada pelo tribunal de 2.ª instância.

22. Todavia, importa analisar todos os argumentos da seguradora.

A indemnização foi calculada para um período de 20 anos – esperança média de vida – contados desde a data do acidente. Mas o autor esteve internado durante cerca de 18 meses após o acidente, como decorre dos factos 26 a 29, 34 e 35, 51 e 55 (entre julho de 2015 e dezembro de 2016), e durante esse período o autor não necessitou de prestação de cuidados domésticos. Em consequência, desconta-se, ao valor arbitrado pela Relação, a proporção em salários para prestação de cuidados, durante este hiato temporal, que se estima corresponder a cerca de 5 % do valor global da indemnização, cerca de 37.500,00 euros, perfazendo um montante total de 712.500,00 euros.

23. Por outro lado, uma vez que o Supremo costuma, em relação a valores elevados, proceder a um desconto pela antecipação do capital de montante não superior a 10%, entendemos que neste caso se justifica a aplicação de uma redução de cerca de 10% (e não 25% como pretende a seguradora) do capital para compensar o seu recebimento antecipado, dada a dimensão do montante em causa e as possibilidades de investimento seguro que permite, em alternativa aos depósitos, de forma a obter uma renda periódica.

24. Assim, condena-se a seguradora a pagar ao autor um valor de 645.000,00 euros, a título de indemnização para ajuda de terceira pessoa.

25. Anexa-se sumário elaborado nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I – Tendo o autor, com 58 anos de idade, à data do acidente, ficado totalmente incapaz para o seu trabalho habitual ou para qualquer outro, padecendo de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 72 pontos e de uma taxa de incapacidade permanente global de 80% atribuída pelo Instituto de Segurança Social, considera-se adequada uma indemnização por danos patrimoniais futuros no valor de 165.000,00, para um salário mensal médio de 990 euros por mês, a receber durante 20 anos de esperança média de vida.

II – Os critérios jurisprudenciais para o cálculo da indemnização devida para ajuda de terceira pessoa a lesado totalmente dependente para as atividades da vida diária são os seguintes: tempo estimado da necessidade de ajuda diária em número de horas diárias e em número de anos; valor horário da ajuda, mensal e acumulado em anos; valor do salário mínimo nacional (com tendência para valorizar ao longo do tempo) e tempo médio de vida do lesado.

III - Estando provado que o autor necessita de assistência durante a noite para controlar a sua medicação, dar-lhe o jantar, vestir-lhe o pijama, dar-lhe apoio na sua higiene, levá-lo ao wc quando necessário, mudar as fraldas (também de noite, no mínimo duas vezes) e, durante a noite, mudar a sua posição na cama, para evitar o surgimento de escaras ou equimoses na pele, a indemnização para ajuda de terceira deve reportar-se não só a 8 horas por dia (40 horas por semana), como pretende a seguradora, mas também a 8 horas durante a noite, como entendeu o Tribunal da Relação, incluindo fins de semana, férias e feriados, de forma a permitir à mulher do autor, que trabalha a tempo inteiro para sustentar a família, gozar os períodos de descanso e de lazer a que tem direito.

IV – Assim, considera-se adequada a atribuição ao autor de um montante de 645,000,00 euros para suportar as despesas com pagamento a terceiras pessoas encarregadas de o assistir nas atividades da vida diária, durante período correspondente à sua esperança média de vida (20 anos), tendo-se descontado ao valor global arbitrado pelo Tribunal da Relação o valor correspondente ao período de 17/18 meses em que o autor esteve internado após o acidente e um valor de cerca de 10% a título de compensação pela antecipação do capital.

V - O autor, vítima de acidente de viação por culpa exclusiva da segurada na ré, tem direito a ficar indemne, isto é, a ver totalmente reparado o dano como se não tivesse havido lesão, o que envolve necessariamente a tranquilidade de não se sentir uma sobrecarga para os seus familiares.

VI - Estamos perante um caso de aplicação evolutiva do direito, em face de novas circunstâncias sociais e económicas que implicam, quer uma valorização do bem-estar das pessoas doentes e/ou incapacitadas, quer do trabalho doméstico e dos cuidados de saúde.

VII - As razões de solidariedade com o autor e a sua família, inerentes ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, impõem que a seguradora tenha de suportar o elevado encargo que representa esta componente indemnizatória, de forma a que o autor e a sua família vejam a sua vida o menos afetada possível por força de um acidente para o qual o autor em nada contribuiu.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

a) conceder parcialmente a revista e condenar a seguradora a pagar ao autor a indemnização de 645.000,00, a título de ajuda a terceira pessoa.

b) No mais, mantém-se o acórdão recorrido.

c) Custas da revista pela recorrente e recorridos, na proporção do respetivo decaimento.

d) Considerando a correta conduta processual das partes e a desproporção que adviria face à taxa justiça a pagar e o âmbito da complexidade da causa, decide-se, à luz do disposto no artigo 6º, n.º 7, do RCP reduzir em metade o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida em todas as instâncias.

Lisboa, 10 de abril de 2024

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Manuel Aguiar Pereira (1.º Adjunto)

Jorge Arcanjo (2.º Adjunto)