PROVA PERICIAL
AUDIÊNCIA CONTRADITÓRIA
SIGILO PROFISSIONAL
ABUSO DE DIREITO
Sumário


I - O artigo 421º do Código de Processo Civil exige a verificação de quatro requisitos cumulativos para que a prova pericial produzida num primeiro processo, possa valer, enquanto tal, num segundo processo: a) que seja a mesma, em ambos os processos, a parte contra quem foi produzida; b) a audiência contraditória da parte contrária, isto é, que esta tenha tido a possibilidade no primeiro processo de exercer o contraditório quanto à admissão e produção daquele meio de prova; c) que o regime de produção da prova no primeiro processo ofereça às partes garantias pelo menos iguais às do segundo processo; d) que não tenha sido anulada a parte do processo relativa à produção da prova que se pretende invocar.
II - Se falhar o requisito referido em c) os meios de prova só valem no segundo processo como princípio de prova.
III - Para que se possa falar em audiência contraditória é necessário que a parte tenha sido convocada para os atos de preparação e produção da prova e admitida a neles intervir, independentemente de ter tido intervenção efetiva.
IV - O principio da audiência contraditória varia em função da natureza dos meios de prova: tratando-se de provas constituendas, como é o caso, da prova pericial, aquele deve ser observado quanto à sua admissão, preparação e produção, tratando-se de provas já constituídas, como ocorre com os documentos, deve ser observado quanto à sua admissão e apreciação
V- É admissível a junção a uma ação cível de uma perícia à assinatura da autora, realizada pelo Laboratório de Polícia Cientifica, no âmbito de um processo crime, sem audiência contraditória do réu, mas o seu valor não será de prova pericial, mas sim de prova documental.
VI - O advogado está sujeito a sigilo profissional, relativamente a factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
VII - Não sendo obtida dispensa do sigilo, é proibido o depoimento testemunhal do advogado, bem como dos seus colaboradores, não podendo fazer prova em juízo os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional.
VIII - Uma das modalidades de abuso de direito é, como se sabe, o venire contra factum proprium, a qual se manifesta no essencial pela violação do princípio da confiança, revelando um comportamento com que, razoavelmente, não se contava, face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou.
IX - Não atua em abuso de direito a Autora que, decorridos 12 anos sobre a instauração pelo Réu contra si de ação executiva, o demanda na presente ação, peticionando a declaração de nulidade do titulo executivo e a sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, se não se encontram demonstrados factos concretos que permitam concluir por uma conduta que tivesse criado a confiança e gerado legitimas expectativas de que nunca iria suscitar a falsidade da assinatura aposta na letra de câmbio e a nulidade do titulo ou da obrigação.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA, residente no Lugar ..., ..., ..., veio intentar a presente Ação de Processo Comum contra BB, residente no Lugar ..., ..., ..., pedindo a declaração da inexistência do título executivo que serviu de base ao processo executivo ...8..., ou, subsidiariamente, a declaração de nulidade do mesmo e, em qualquer dos casos, a condenação da Autora no pagamento da quantia de dez mil euros a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência daquele processo.
Para tanto alega em síntese que o Réu instaurou uma ação executiva contra si, e o seu ex-marido, utilizando como título executivo uma letra no valor de €36.691,90, que a Autora não subscreveu nem assinou, tendo sido surpreendida com o processo de execução em 2009.
Que a assinatura foi falsificada, que não foi assinada pelo seu punho e que, nessa sequência, apresentou queixa crime que deu origem ao processo 210/09.5TACBT, onde foi realizada uma perícia à letra que concluiu como “muitíssimo provável” que a escrita não fosse do punho da Autora.
Mais alega que, com aquele título, foram instauradas execuções contra a Autora e realizadas penhoras, o que causou transtornos à Autora pessoais e profissionais, deixando-a ansiosa, triste, perseguida, privou-a do seu salário, sentiu-se humilhada junto da entidade patronal e deixou de ser uma pessoa alegre.
Regularmente citado, o Réu veio contestar alegando que no processo de execução a Autora não deduziu incidente de embargos de executado nem incidente de falsidade da assinatura pelo que ficou precludido o exercício desse direito, não o podendo fazer agora. Mais alega que foi assinado um acordo de pagamento em prestações, no âmbito do processo de execução pelo qual a Autora reconheceu a validade daquela letra e acordou em pagá-la. Como tal, a conduta da Autora, ao colocar, agora, em causa, a veracidade da assinatura, decorridos 12 anos, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé.
Conclui, referindo que a conduta do Réu não preenche os pressupostos de qualquer tipo de responsabilidade. 
A Autora respondeu, ao abrigo do princípio do contraditório, e invocou a falta de citação para a ação executiva, alegando que tal não a pode impedir de exercer no presente processo o seu direito, com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo réu e impugnou a falsidade do invocado acordo de pagamento da dívida constante da letra dada à execução.
Foi proferido saneador sentença que absolveu o Réu do pedido por considerar que a falta de oposição à execução com fundamento na inexistência do título executivo precludiu a possibilidade de a Autora vir, agora, instaurar a presente ação para ver reconhecido esse direito.
A Autora recorreu desta decisão, a qual foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
Não se conformando com o acórdão proferido por esta Relação, a Autora apresentou recurso de revista excecional, o qual foi admitido, tendo sido proferido acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que decidiu revogar a decisão proferida e determinar o prosseguimento dos autos.
Foi proferido despacho saneador e despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
A Autora requereu a ampliação do pedido, peticionando a condenação do Réu no pagamento dos montantes que a Autora entregou no âmbito do processo executivo, que ascendem a €54.779,58, a qual foi indeferida, por se entender que não estavam em causa factos supervenientes.
Da decisão de indeferimento da ampliação do pedido foi interposto recurso, o qual não foi admitido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, por ter sido considerado que a sua interposição com a sentença que vier a ser proferida não seria inútil. 

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

“Considerando toda a argumentação aduzida, julga-se a ação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente:
a) Declara-se a nulidade da obrigação da Autora, constante da letra de crédito que serviu de título executivo no processo 397/08....;
b) Condena-se o Réu no pagamento à Autora da quantia de Eur.4.000,00 (quatro mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
c) Absolve-se o Réu do demais peticionado;
d) Condena-se ambas as partes nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, fixando-se em 60% para o Réu e em 40% para a Autora.

*
Registe e notifique”.

Inconformado, veio o Réu interpor recurso da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“i. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
1- O Réu/apelante discorda do tratamento fáctico-jurídico dado pelo Tribunal a quo, pois no seu entender, os pontos 3), 4), 11), 12), 14) e 15) da matéria de facto dada como provada, foram incorretamente julgados, pelo que tal factualidade deveria passar a constar da matéria de facto não provada, assim como a alínea C) da matéria de facto dada como não provada, também não foi corretamente apreciada, pelo que, deveria passar a constar da matéria de facto provada, e consequentemente, devem ser aditados aos factos provados, os pontos 12), 13) e 14) da contestação do Réu.
2- O processo de convicção, com o devido respeito, afigura-se-nos ilógico e irracional, violando as regras da experiência comum na apreciação da prova.
3- No que concerne aos pontos 3) e 4) da matéria de facto dada como provada, conforme reconheceu a sentença recorrida, o ónus da prova da falsidade da assinatura aposta na letra recaía sobre a Autora, uma vez que foi a Autora quem alegou a existência de um documento falsificado.
 4- Porém, não existe prova bastante que permitisse ao Tribunal dar como provados os factos acima impugnados.
5- De salientar que, as condições de admissibilidade do “valor extraprocessual da prova”, vêm previstas no art. 421º nºs 1 e 2 do CPC, designadamente, e como o preceito indica, que os depoimentos e perícias produzidos num processo, o tenham sido com audiência contraditória da parte, e que venham a ser invocados noutro processo contra essa mesma parte; que o regime de produção de prova do primeiro processo ofereça às partes garantias não inferiores às do segundo; que o processo em que a prova foi realizada não tenha sido anulado, na parte relativa à produção de prova que se pretende invocar.
6- Sucede que, o relatório de perícia produzido no processo penal, que a Autora fez juntar aos presentes autos, não foi objeto de contraditório por parte do Réu, uma vez que, a queixa-crime foi apresentada contra desconhecidos, e o aqui Réu nunca foi constituído arguido, razão pela qual, nunca foi notificado do exame pericial, não lhe tendo sido dada a oportunidade de o contraditar, mormente, pedir esclarecimentos, ou requerer uma segunda perícia.
7- Desta feita, é ilegal a admissão de tal prova e a sua valoração nos presentes autos, não sendo as provas admitidas ou produzidas sem a audiência contraditória da parte a quem sejam opostas.
8- Quanto ao depoimento da filha da Autora, CC, não se vislumbra razão científica para a valoração do seu depoimento, quando é certo que, a mesma não presenciou o momento da assinatura da letra, pelo que, o seu depoimento afigura-se irrelevante para apurar da veracidade de tal factualidade.
9- Aliás, é a própria testemunha que refere que a mãe nunca assinou nada, ou pelo menos, “Nada que eu tenha visto”, admitindo que nunca viu a letra. (“Diligencia_327-20.5T8CBT_2023-12-11_10-02-58”: [00:06:21 a 00:06:31] e [00:20:43 a 00:20:52]);
10- Ora, a par da prova documental e prova testemunhal (inexistentes como se viu) - uma outra foi, no entanto, produzida no âmbito do presente processo: a prova pericial, requerida pela própria Autora, que se revelou inconclusiva.
11- Pese embora, esta prova esteja sujeita à livre apreciação pelo Tribunal, dada a especificidade que apresenta em relação aos restantes meios de prova valorados livremente pelo Tribunal, por o relatório pericial englobar um juízo técnico assente em conhecimentos que o juiz, por norma não possui, não deixa de ter um valor acrescido obrigando o juiz a rodear-se de especial cautelas na apreciação da prova e na sua fundamentação, caso pretenda afastar-se das suas conclusões.
12- Na caso em apreço, os peritos, utilizando o apontado método da comparação da assinatura que se pretendia reconhecer com outra que se sabia pertencer à sua autora aparente, concluíram não ser possível formular qualquer conclusão relativamente à assinatura da letra, ser ou não do seu punho.
13- Se os peritos não conseguiram sequer chegar a uma conclusão sobre a pertença da assinatura impugnada ao seu autor aparente, então o juiz, na apreciação, por exemplo, da prova testemunhal deve estar de sobreaviso, devendo ser exigente na apreciação do seu valor persuasivo, sob pena de, usando de uma prova particular e consabidamente falível, estabelecer a realidade de um facto que, pessoas dotadas de conhecimentos especiais, em absoluto estranhas às partes e indiferentes aos interesses de que são portadoras, não conseguiram tornar indiscutível.
14- Restava, por isso, o caso de a assinatura ter sido feita na presença de qualquer pessoa que, ouvida na audiência, asseverasse, de forma concludente, ter assistido à subscrição autógrafa na letra, e que soubesse claramente que aquela assinatura não foi aposta pela Autora, mas sim por pessoa diversa.
15- Ora, como se viu a filha da Autora, CC, nunca tinha visto sequer a letra, desconhecendo por isso se a mesma foi ou não assinada pelo punho da sua mãe.
16- Ao constituir uma prova de probabilidades, demasiado falível, facilmente se conclui que a mesma se caracteriza como uma prova potenciadora de erros judiciários e, por isso, insuficiente no julgamento.
17- Pelo que, os factos dados como provados nos pontos 3) e 4) devem passar a constar da factualidade dada como NÃO PROVADA.
18- Relativamente ao facto dado como provado no ponto 11), importa esclarecer que a fundamentação do Tribunal recorrido, parte de uma premissa errada, ao considerar que o Réu sabia do resultado da prova pericial produzida no processo penal.
19- Na verdade, o Réu nunca foi notificado do exame pericial realizado no processo penal, uma vez que, a queixa-crime foi apresentada contra desconhecidos, e o Réu nunca foi constituído arguido no aludido processo, pelo que, nunca lhe foi dado conhecimento do resultado do relatório pericial, sendo certo que, o referido processo veio a ser arquivado.
20- De todo o modo, o comportamento posterior da Autora, veio reforçar ainda mais a tese de que a assinatura aposta na letra foi aposta pelo seu punho, pois que, podendo a Autora agir contra a execução lhe que foi movida pelo Réu, mormente, deduzir embargos de executado e/ou incidente de falsidade, a mesma não se manifestou no processo, aceitando e reconhecendo a letra como verdadeira.
21- A tudo isto, acresce ainda o facto de ter assinado o acordo de pagamento em prestações, que pagou mensalmente ao longo de 12 anos, intensificando ainda mais a ideia de que a assinatura aposta na letra é verdadeira, caso contrário, não teria assinado o aludido acordo, nem teria efetuado os pagamentos ao longo de todos estes anos.
22- Pelo que, o facto dado como provado no ponto 11) deve passar a figurar da matéria de facto dada como NÃO PROVADA.
23- Quanto aos factos dados como provados nos pontos 12), 14) e 15), não se pode concordar com tal decisão, uma vez que que o depoimento da filha da Autora, se revelou comprometido e demasiado interessado, apontando todos os danos sofridos pela sua mãe ao processo que lhe foi movido pelo Réu, quando existiam outros processos que certamente foram o início e a causa de muitas das suas preocupações.
24- De facto, foi a testemunha que acabou por admitir que existiam outras dívidas, e que nem sabia ao certo em que processo tinham sido penhorados os bens móveis, assim como deu a entender que o sofrimento da mãe surgiu com a penhora do salário efetuada pelo Réu, quando é certo que o salário já antes havia sido penhorado noutro processo, referindo, contudo, que “é totalmente diferente”. (“Diligencia_327-20.5T8CBT_2023-12-11_10-02-58”: [00:18:40 a 00:20:429);
25- Sendo que, a testemunha DD, Advogado do Réu, juntamente com o seu pai, garantiu que no momento em que meteu a execução e quiseram penhorar o salário da Autora, o mesmo já se encontrava com outra penhora, além de que a Autora já tinha vendido vários bens. (“Diligencia_327-20.5T8CBT_2023-12-11_10-26-58”: [00:11:33 a 00:12:54]);
26- Pelo que, os factos dados como provados nos pontos 12), 14) e 15), devem passar a constar da matéria de facto dada como NÃO PROVADA.
27- Por último, quanto ao facto C) dos factos não provados, contrariamente ao entendimento do Tribunal recorrido, o ónus de provar que a assinatura do acordo do pagamento em prestações pertence à Autora, não recaía sobre o Réu.
28- O artigo 374º do Código Civil, reporta-se à situação em que uma parte apresenta um documento contra aquele a quem é imputada a assinatura do mesmo, situação em que, basta a este impugnar a veracidade da letra ou assinatura, para que passe a incumbir à parte que o apresenta a prova da sua veracidade.
29- Estabelecida a autoria do documento, por falta de impugnação da sua letra ou assinatura, a declaração nele contida, feita ao declaratário contrária ao interesse do declarante, representa uma confissão do seu autor, pelo que a esse documento particular deve ser atribuído nas relações entre ambos, valor probatório pleno (art.352º e ss do CC).
30- No caso dos presentes autos, não podemos olvidar que, foi a própria Autora, quem apresentou o documento do acordo de pagamento em prestações na petição inicial, o que significa que aceitou e reconheceu a assinatura nele constante, representando uma confissão.
31- O facto de o aludido documento ter sido anexo à participação criminal dirigida ao Exmo. Procurador Adjunto, e de a Autora não se ter feito valer deste ou da falsidade do mesmo para fundar a sua pretensão na petição inicial, é irrelevante, pois basta a sua apresentação/junção.
32- Ora, segundo as regras de direito probatório material, faria prova plena do declarado – nos termos do disposto no art.º 376.º do CC –, a não ser que a Autora, que estava onerada com a sua ilisão, o tivesse feito e tivesse espoletado o dito incidente dos art.os 445.º, 448.º e 449.º do CPC aquando da sua junção.
33- E o certo é que não fez (só o fez posteriormente, depois do Réu ter alegado o abuso de direito com base nesse documento), pelo que, o documento só podia ser considerado genuíno.
34- De todo o modo, e mesmo que assim não se entenda, o Réu logrou provar que a assinatura aposta no aludido acordo de pagamento em prestações foi aposta pela Autora, tanto mais que, o Advogado que elaborou o aludido documento, confirmou precisamente que esse acordo foi assinado no escritório do seu pai. (“Diligencia_327-20.5T8CBT_2023-12-11_10-26-58”: [00:03:14 a 00:11:04]);
35- Pelo que, o facto dado como não provado na alínea C) deve passar a constar dos factos PROVADOS, e em consequência, devem ser aditados aos factos provados, os pontos 12), 13) e 14) da contestação do Réu:
“12) Ainda, no mesmo processo, como resulta do documento junto com a petição inicial, a Autora e outro, reconhecem que a dívida e acrescido é do montante de 50.800,00€;
13) E reconhecem e aceitam a validade da letra aqui em causa e acordam em pagar a quantia inscrita na letra de câmbio em prestações;
14) O acordo de pagamento em prestações pressupõe uma convergência de vontades dos contraentes quanto aos vários aspetos que a ele mostrem relevantes, designadamente quanto ao título, ao montante da dívida, ao seu pagamento fracionado, ao valor de cada prestação e à data de vencimento das mesmas.”.

ii. DO DIREITO:
36- A propugnada alteração da decisão sobre a matéria de facto implica, como consequência direta e necessária e salvo o devido respeito por diverso entendimento, que julgue a ação totalmente improcedente por não provada;
a) Da alegada inexistência ou nulidade do título executivo
37- A ação proposta pela Autora tem por base, por força da lei, a declaração de inexistência ou, subsidiariamente, a declaração de nulidade do título executivo, porquanto a Autora alega que a assinatura aposta na letra é falsificada e não foi aposta pelo seu punho.
38- É falsa a assinatura que não é da pessoa a quem é atribuída, ou seja, a que não foi feita pelo punho da própria pessoa cujo nome foi escrito no título com o fim de subscrever a obrigação nele definida.
39- Significa isto que a falsidade da assinatura numa letra torna nula a obrigação da pessoa a quem respeita (artigo 7.º da LULL).
40-Por outro lado, a falsidade de assinatura não é qualificável como vício de forma e, por isso, não é abrangida no normativo da segunda parte do artigo 32.º da LULL.
41- A referida falsidade, envolve a nulidade da obrigação da pessoa a quem respeita (veja-se neste sentido o Ac. do STJ, de 30.09.2004);
42- No caso em apreço, era à Autora que incumbia o ónus de provar a falsidade da assinatura, porém, a Autora não logrou provar que a assinatura aposta na letra não era sua.
43- Com efeito, a perícia efetuada à letra e assinatura da Autora, no âmbito de um processo-crime, não tem o valor de prova pericial, mas sim de prova documental.
44- Não obstante, não tendo o Réu sido notificado de tal relatório pericial, nunca exerceu o contraditório relativamente ao mesmo, pelo que, tal prova é inadmissível.
45- Além disso, não existiu uma única testemunha que estivesse presente no momento da assinatura, para poder atestar que a mesma não foi feita pelo punho da Autora, mas antes por pessoa diversa.
46-Apesar da sua filha, CC ter afirmado que a mãe não assinou nada, ou pelo menos, nada que tivesse visto, o certo é que a aludida testemunha, nunca viu sequer a letra em discussão nos presentes autos, razão pela qual, nunca poderia afirmar aquilo que não viu.
47- Por outro lado, o relatório pericial efetuado no presente processo, revelou-se inconclusivo, ficando-se sem saber se efetivamente a assinatura constante da letra era ou não da Autora.
48-Ademais, foi a própria Autora que apresentou na petição inicial um acordo de pagamento em prestações, sem que tenha alegado a sua falsidade, o que equivale a confissão, assinatura essa que, foi confirmada pela testemunha Dr. DD, que foi quem outorgou o aludido acordo, e por isso feita na sua presença.
49-Ora, à luz das regras da experiência comum, tudo leva a crer que a assinatura aposta na letra é da Autora, tanto mais que, assinou o acordo do pagamento em prestações em que reconhece e aceita a validade da letra, o qual cumpriu escrupulosamente durante 12 anos, pagando a dívida na totalidade.
50- Pelo que, não provando a Autora que a assinatura é falsa, não se verifica a nulidade da obrigação respeitante à Autora constante da letra de câmbio.
b) Da alegada indemnização pelos danos não patrimoniais
51- De acordo com o disposto no art.º 483.º do C.C., a referida obrigação depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: o facto (voluntário do agente); a ilicitude desse facto; a imputação do facto ao lesante; o dano; um nexo de causalidade entre aquele facto e este dano;
52- In casu, o Réu não sabia, nem tinha como saber que a assinatura da Autora constante da letra era, como alega a Autora, “hipoteticamente” falsificada, já que nunca foi notificado do resultado da perícia efetuado no processo-crime, nem sequer teve a possibilidade de o contraditar.
53- Além de que, tendo a Autora tido oportunidade de usar os meios próprios (embargos), não o fez, pelo que, à luz da normalidade, qualquer cidadão colocado na posição do Réu, também teria todos os motivos para acreditar que a assinatura era verdadeira.
54- Aliás, estranha-se e deveria também ter estranhado ao Tribunal recorrido a conduta da Autora, pois se efetivamente a assinatura aposta na letra fosse falsificada, a Autora já podia ter intentado a presente ação, logo após o processo-crime ter sido arquivado, mas ao invés disso, aceitou fazer um acordo de pagamento em prestações, que andou a pagar mensalmente durante 12 anos.
55- Mesmo que assim não seja, o certo é que, o depoimento da filha da Autora, também não se afigura credível, sobretudo porque, plasmou a ideia de que todos os incómodos, humilhação e tristeza da sua mãe resultaram do processo executivo que o Réu lhe moveu, bem sabendo que existiam outras dívidas/processos executivos a correr contra ela, tanto mais que, não sabia no âmbito de que processo tinha sido efetuada a penhora dos bens móveis da casa.
56- Além disso, referiu que o sofrimento da sua mãe surgiu após o momento em que lhe penhoraram o salário, dando a entender que foi a partir da penhora do salário efetuada pelo Réu, quando é certo que, muito tempo antes, o salário da sua mãe já tinha sido penhorado no âmbito de outro processo.
57- Pelo que, não se verificando o facto ilícito e culposo por parte do Autor, os demais pressupostos de que depende a responsabilidade civil ficam prejudicados.
58- Devendo o Réu ser absolvido do pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais à Autora, no valor de 4.000,00€.
c) Do abuso de direito
59- O abuso de direito – art. 334º do Código Civil – na modalidade de venire contra factum proprium resulta da violação do princípio da confiança, traduzida no facto de o demandante agir, de forma claramente ostensiva, contra as fundadas expectativas por ele criadas no demandado, no sentido do não exercício do direito.
60-No caso vertente, impõe-se ter presente que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, ficou demonstrado que foi a Autora que assinou o acordo de pagamento de prestações.
61- Desde logo, foi a própria Autora que juntou na petição inicial o documento respeitante ao acordo de pagamento em prestações, e ao longo da sua petição inicial, nunca e em momento algum põe em causa ou impugna a assinatura constante do aludido documento, aceitando e reconhecendo aquela assinatura como verdadeira.
62- Mesmo que assim não seja, o que não se concebe nem concede, o certo é que, a testemunha DD, Advogado, e que foi quem elaborou o aludido documento, assegurou que o mesmo foi assinado pela Autora no seu escritório, o que não permite suscitar quaisquer dúvidas, de que a assinatura nele aposta é da Autora, pois presenciou tal assinatura.
63- Com tal conduta, ou seja, ao assinar o aludido acordo de pagamento em prestações, e ao efetuar o pagamento mensal ao longo de 12 anos, a Autora criou no Réu a fundada convicção de que aceitava a dívida, e que por isso jamais viria invocar que a assinatura era falsa.
64-Ao exigir do Réu o pagamento de uma indemnização pelos danos morais causados, invocando a falsidade da assinatura constante da letra, 12 anos depois, a Autora age em manifesta contradição com o comportamento omissivo anterior e com as fundadas expectativas por esta criadas no Réu, no sentido do não exercício do direito que ora invoca com a presente ação.

- A douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto nos artigos 421º e 604º do CPC, artigos 334º, 352º, 376º, 388º, 389º e 483º do CC, e artigos 7º e 32º da LULL.
66-Pelo que, deve ser proferido douto acórdão que revogando a sentença recorrida, julgue a ação totalmente improcedente, por não provada”.
Pugna o Recorrente pela procedência do recurso e consequentemente pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por acórdão que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada.
A Autora apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes:
1 - Determinar se houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 3), 4), 11), 12), 14) e 15) dos factos provados e ao ponto C)) dos factos não provados e se devem ser aditados novos factos;
3 - Determinar se houve erro na subsunção jurídica dos factos.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:
1. Em julho de 2008, o Réu intentou ação executiva contra a A. – que deu origem ao processo n.º 397/08.... e corre termos no Juízo de Execução de Guimarães - Juiz ..., do Tribunal da Comarca de Braga, alegando o seguinte: “O exequente é legítimo portador de uma letra de câmbio, subscrita e aceite pelos executados, no valor de 36.691,90€, emitida em ../../2008 e com vencimento para 23.05.2008. Os executados não pagaram a referida letra, nem na data do seu vencimento, nem posteriormente, não obstante terem sido intentados a fazê-lo pelo exequente por diversas vezes. Os executados, devem assim, ao exequente a quantia de 36.691,90, acrescida de juros já vencidos desde 23.05.2008 até à presente data - 16.07.2008 - que perfazem o montante de 596,72€. Entretanto, os executados devem ainda ao exequente a quantia de 445,85€ correspondente às despesas de devolução e despesas bancárias suportadas pelo exequente. Devem, assim, os executados ao exequente a quantia global de 37.734,47€, além dos juros que se vencerem a partir da entrada em juízo da presente execução sobre o capital de 36.691,90€.”
2. O Réu apresentou, como título executivo uma letra de câmbio, no valor de Eur.36.691,90, com data de emissão em 23.04.2008 e data de vencimento em 23/05/2008, constando, como nome do sacador “BB”, como nome do sacado “EE” e no lugar do aceite, assinaturas com os nomes EE e AA.
3. A Autora não assinou o referido documento.
4. A assinatura com o nome da Autora foi aposta por pessoa não concretamente determinada.
5. No âmbito do referido processo de execução, a Autora foi notificada, por missiva datada de 6/02/2009, do seguinte despacho: “Prossigam os autos. Notifique o Sr. Solicitador para os termos do processo.”.
6. Por requerimento apresentado no referido processo, com assinatura digital datada de 19/02/2009, a Autora arguiu a falta de citação.
7. Em data não concretamente apurada do ano de 2009, a Autora dirigiu um requerimento ao Exmo. Sr. Procurador Adjunto do Tribunal de ..., onde referiu pretender participar criminalmente contra o aqui Réu, pela utilização do documento referido em 2 no âmbito do mencionado processo de execução.
8. Mais informou que, no âmbito daquele processo, foi junto um acordo de pagamento em prestações “da alegada dívida, alegadamente também assinado pela participante”, que afirma não ter assinado.
9. Tal requerimento deu origem ao inquérito n.º 210/09.5TACBT.
10. No âmbito desse inquérito, foi realizado exame pericial à letra e assinatura.
11. O Réu, sabendo que a assinatura constante da letra de câmbio não pertencia à Autora, prosseguiu com a execução contra a mesma.
12. A utilização, pelo Réu, do documento referido em 2 no âmbito do processo de execução deixou a Autora ansiosa e triste, causou-lhe aborrecimentos, incómodos e humilhação.
13. No âmbito do processo de execução foi penhorado parte do vencimento da Autora.
14. No âmbito do processo de execução foram penhorados bens móveis na casa onde a Autora residia, o que lhe causou vergonha e angústia.
15. Antes da execução a Autora era uma pessoa alegre e bem-disposta e, após, passou a estar amargurada.
16. Em 30/09/2008 deu entrada de um requerimento na Secretaria do Tribunal Judicial de ..., dirigido ao processo 397/08...., no qual se fez constar que o Exequente, aqui Réu, e que os Executados, a Autora e EE, declaram reconhecem que a dívida e acrescidos é do montante de Eur.40.800.00, acordando que tal valor será pago em prestações mensais e sucessivas de Eur.3.400,00.
17. O referido requerimento encontra-se assinado, no local dos executados, com os nomes “EE” e “AA”.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:
A. A notificação referida em 5 foi a primeira notificação recebida pela Autora para o processo executivo.
B. Fruto da penhora do vencimento, a Autora sentiu-se humilhada junto da sua entidade patronal, perante todos os colegas de trabalho e a secção de pessoal da escola em que trabalha.
C. O nome de “AA” no acordo referido em 16 foi assinado pela própria.
***
3.2. Da modificabilidade da decisão de facto
Sustenta o Recorrente que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 3), 4), 11), 12), 14) e 15) dos factos provados, que pretende sejam julgados não provados, e ao ponto C) dos factos não provados, pretendendo por via disso o aditamento aos factos provados da matéria alegada nos pontos 12), 13) e 14) da contestação do Recorrente:
“12) Ainda, no mesmo processo, como resulta do documento junto com a petição inicial, a Autora e outro, reconhecem que a dívida e acrescido é do montante de 50.800,00€;
13) E reconhecem e aceitam a validade da letra aqui em causa e acordam em pagar a quantia inscrita na letra de câmbio em prestações;
14) O acordo de pagamento em prestações pressupõe uma convergência de vontades dos contraentes quanto aos vários aspetos que a ele mostrem relevantes, designadamente quanto ao título, ao montante da dívida, ao seu pagamento fracionado, ao valor de cada prestação e à data de vencimento das mesmas.”
Nos termos do disposto no artigo 662º n.º 1 do CPC “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
O legislador impõe por isso ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar, sob pena de rejeição do recurso.
No caso concreto, o Recorrente cumpriu satisfatoriamente o ónus de impugnação da matéria de facto indicando a matéria de facto que considera incorretamente julgada, o sentido da decisão que em seu entender se impõe e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso.
Analisemos então os motivos de discordância do Recorrente.

PONTOS 3) e 4) DOS FACTOS PROVADOS

“3. A Autora não assinou o referido documento.
4. A assinatura com o nome da Autora foi aposta por pessoa não concretamente determinada”.
Sustenta o Recorrente que não existe prova bastante que permita dar como provado que não é da autoria da Autora a assinatura constante da letra de câmbio.
Para o efeito alega, em síntese, que:
- a perícia realizada no processo de inquérito não pode ter aqui valor extraprocessual nos termos previstos no artigo 421º do CPC, sendo ilegal a admissão de tal prova e a sua valoração nos presentes autos;
- a testemunha CC, filha da Autora, não demonstrou razão de ciência para a valoração do seu depoimento pois não presenciou o momento da assinatura da letra, limitando-se a dar a sua opinião, e sendo filha trata-se de testemunha que tudo diria para beneficiar a mãe, sendo o seu depoimento irrelevante para aferir da veracidade desta factualidade;
- a perícia realizada nos presentes autos revelou-se inconclusiva e, estando em causa uma perícia, o juízo técnico ou cientifico só deve ser suscetível de uma critica material e igualmente técnica e cientifica, sendo que o meio indicado para verificar a autenticidade da assinatura é a prova pericial e no caso concreto os peritos concluíram não ser possível formular qualquer conclusão relativamente à assinatura da letra ser ou não do punho da Autora;
- sendo a perícia inconclusiva seria necessário que fosse ouvida em audiência quem tivesse assistido à subscrição da letra e soubesse claramente que a assinatura não foi aposta pela Autora, mas sim por pessoa diversa.
Vejamos se lhe assiste razão.
O tribunal a quo na motivação da sentença recorrida refere, o seguinte:
“(…) A afirmação da realidade dos factos 3 e 4 resultaram da prova pericial realizada no processo 210/09.5TACBT (de acordo com o relatório pericial junto como documento ... da petição inicial), cujo valor extraprocessual se considera ter sido produzido, nos termos do artigo 421.º, do Código de Processo Civil. No entanto, ainda que não gozasse deste valor, também a convicção do Tribunal se formaria no mesmo sentido, valorando-se o relatório pericial como prova documental, constituindo o seu conteúdo um princípio de prova, conjugado com o depoimento da testemunha CC, filha da Autora.
Concretizando, em primeiro lugar impõe-se sublinhar que o ónus da prova da falsidade da assinatura recaía sobre a Autora. Sendo a Autora quem alega a existência de um documento falsificado, é à Autora que incumbe provar a falsidade da sua assinatura, não se verificando qualquer inversão do ónus da prova, como se verifica nos casos em que há impugnação dos documentos, nos termos do artigo 374.º, n.º2, do Código Civil, onde cabe à parte que se pretende fazer valer do documento a prova de que a assinatura é verdadeira. Na verdade, não é de aplicar o disposto em tal preceito legal porquanto o mesmo está pensado para as situações em que uma parte apresenta um documento contra aquele a quem é imputada a assinatura do mesmo. Nos casos em que o documento é apresentado e utilizado pelo próprio a quem é imputada a assinatura, por forma a fazer valer a sua pretensão e a ver reconhecida essa mesma falsidade da assinatura, terá de ser este a demonstrar não ter sido o documento assinado por si. Nos autos, não está em causa a impugnação da assinatura de um documento apresentado pelo Réu, mas sim, a alegação de que foi utilizado, num outro processo, um documento cuja validade a Autora pretende discutir nos presentes autos. Como tal, recai sobre a Autora o ónus de provar que o documento não foi assinado por si, ou provar que foi assinado por um terceiro que não a própria. Assim decidiu, de igual modo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/04/2021, proferido no processo 44/18.6T8CRD.C1, onde se lê que “O artigo 374.º do Código Civil aplica-se às situações em que uma parte apresenta um documento contra aquele a quem é imputada a assinatura do mesmo, caso em que incumbe ao apresentante a prova da sua genuinidade. II) Não se aplica aos casos em que quem apresenta e se pretende servir dos documentos nos quais foram apostas as impugnadas assinaturas são aqueles a quem as mesmas são imputadas, para o efeito de formular um pedido de indemnização civil fundado na alegação da falsidade das assinaturas e da falta de cumprimento pela contraparte dos deveres de verificação da sua genuinidade, caso em que incumbe ao apresentante o ónus de provar a falsidade das assinaturas”.
Recaindo sobre a Autora este ónus, considera o Tribunal que conseguiu, com a prova produzida e junta, demonstrar não ter sido a própria a assinar. Embora tenha sido realizado o exame pericial à letra e assinatura da Autora, por forma a apurar a (não) autoria da assinatura por parte da Autora, os resultados foram inconclusivos. No entanto, olhando à perícia realizada no processo crime, a mesma pode ser valorada nos presentes autos ao abrigo do disposto no artigo 421.º, do Código de Processo Civil, tendo o valor que naquele outro processo lhe é conferido.
Assim é, pois, nos termos do mencionado artigo, o pressuposto para que a perícia realizada possa ter eficácia extraprocessual, é a circunstância de a mesma ter sido produzida com audiência contraditória da parte contra a qual se pretende ver invocada tal prova.
Ora, analisado o relatório pericial realizado e junto como Doc. ... da petição inicial, constata-se que o Réu foi constituído Arguido antes de ser realizada a perícia (porquanto se utilizou o termo de constituição de Arguido para analisar as assinaturas), tendo-lhe sido, inclusivamente, recolhidos os seus autógrafos (o que se retira igualmente da análise do mesmo documento, onde se faz referência a esses mesmos autógrafos). Daqui resulta que esta prova foi produzida, inegavelmente, com o contraditório do ali Arguido, aqui Réu. Esta conclusão retira-se, igualmente, da análise a contrario do sobredito Acórdão, quando refere que “Dúvidas não haverá de que, não tendo qualquer dos Réus sido parte no inquérito crime, no âmbito do qual foi realizada a perícia à assinatura constante do contrato de financeiramente e respetiva livrança, imputadas aos aqui autores, tal Relatório de perícia, que os autores fizeram juntar aos presentes autos, e apenas aqui foi objeto de contraditório por parte dos réus, não pode aqui valer como “prova pericial[3]””. Como tal, se, na situação do Acórdão, os Réus não tinham sido parte no inquérito e se concluiu que, por esse motivo, a prova pericial não podia ser utilizada enquanto tal, então aqui, uma vez que o Réu foi, efetivamente, Arguido nesse processo, a conclusão tem de ser inversa, sendo admissível a utilização dessa prova com o valor que lhe seja emprestado nos termos do artigo 421.º, do Código de Processo Civil.
Além disso, tendo sido concedido o acesso eletrónico daquele processo a estes autos, constatou-se que foi proferido despacho de arquivamento, donde é inconcebível que o Arguido não tenha sido notificado do mesmo e, consequentemente, tomado conhecimento do resultado daquela perícia. Ainda, foi requerida a abertura de instrução pela Autora, o que implica necessariamente a notificação do Réu (ali Arguido) para os termos da instrução. Estas considerações tornam inegável que o Réu teve conhecimento desta prova produzida e que a mesma foi produzida com respeito pelo princípio do contraditório.
Como tal, afigura-se que a perícia realizada no processo 210/09.5TACBT pode valer nos presentes autos, nos termos do artigo 451.º, do Código de Processo Civil, valorando-se a mesma.
Deste modo, olhando para as conclusões da perícia, onde se conclui como “muitíssimo provável” que a assinatura aposta na letra não seja da Autora, conjugadas com as notas informativas sobre exames periciais de escrita manual que acompanham aquele exame, de onde se retira que a conclusão “muitíssimo provável” se aproxima do grau de certeza, não pode este Tribunal deixar de assentar não ter sido a Autora, mas sim um terceiro não concretamente determinado, a assinar a letra em causa.
A este propósito impõe-se esclarecer que, ainda que não se considerasse que a perícia realizada podia valer nos termos do artigo 421.º, do Código de Processo Civil, isto é, que o valor extraprocessual da perícia não se estende até este processo, valendo, somente como princípio de prova, não se afasta esta conclusão. Isto porque “Tratando-se de um relatório realizado pelo Laboratório de Polícia Científica, estabelecimento especializado a quem é, em regra, legalmente confiada a realização de exames à letra e assinatura a efetuar no âmbito de processos judiciais (artigo 467º, nº4), com recolha das assinaturas e observância dos procedimentos legalmente previstos para o efeito, contendo a opinião técnica de um especialista na matéria, terá de ter, pelo menos, o valor que é dado aos pareceres técnicos realizados fora do tribunal e a que as partes recorrem com frequência para reforçarem a sua posição. Estes pareceres, embora relevantes para a descoberta da verdade, não podem ser avaliados como perícias, constituído antes prova documental. Com efeito, nem sempre as opiniões técnicas emitidas no âmbito de um processo por um especialista devem ser consideradas perícias: para além da perícia realizada pelo tribunal com observância dos procedimentos legais, podem ainda as partes socorrer-se, por ex. de pareceres para reforçarem tecnicamente a sua posição. Tais pareceres, embora relevantes para a descoberta da verdade, não devem ser avaliados como perícias, constituindo antes prova documental” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/04/2021, proferido no processo 44/18.6T8CRD.C1)
Deste modo, ainda que se considerasse que esta perícia não podia ser valorada enquanto tal, ela poderia sempre ser valorada enquanto prova documental. E, enquanto tal, não se pode ignorar que os autos comungam de um parecer técnico no qual se concluiu, com um grau próximo da certeza, que a assinatura não era da Autora o que, concatenado com a própria perceção do Tribunal - natural e intrinsecamente limitada pela total ausência de razão técnica para avaliar a veracidade da assinatura, mas que, comparando as assinaturas, consegue visualizar algumas divergências como algumas das letras são desenhadas- e com o depoimento da testemunha CC, que, de forma emocionada, contou ao Tribunal que a mãe nunca assinou aquele documento ou outros, permite formar a convicção do Tribunal quanto à circunstância de não ter sido a Autora, mas sim um terceiro, a apor a sua assinatura na letra de câmbio referida no facto provado 2 (…)”.
Decorre da motivação exposta pelo tribunal a quo que considerou ser admissível que a perícia realizada no âmbito do processo n.º 210/09.5TACBT pudesse valer nos presentes autos (enquanto tal, como prova pericial), nos termos estabelecidos pelo artigo 421º do CPC; considerou ainda, de qualquer forma que, se assim não fosse, sempre valeria enquanto prova documental, enquanto principio de prova.
A primeira questão que aqui se coloca remete-nos para a problemática do valor extraprocessual das provas, e em concreto da prova pericial.
Dispõe a este respeito o artigo 421º do CPC que:
“1- Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.° 3 do artigo 355.° do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.”
Podemos daqui concluir, que a prova pericial (que é a que aqui releva) produzida num processo pode valer, enquanto tal, para outro processo se ocorrerem quatro requisitos cumulativos:
a) que seja a mesma, em ambos os processos, a parte contra quem foi produzida;
b) a audiência contraditória da parte contrária, isto é, que tenha tido a possibilidade no primeiro processo de exercer o contraditório quanto à admissão e produção daquele meio de prova;
c) que o regime de produção da prova no primeiro processo ofereça às partes garantias pelo menos iguais às do segundo processo;
d) que não tenha sido anulada a parte do processo relativa à produção da prova que se pretende invocar.
No caso referido em c) os meios de prova (e concretamente a perícia) só valem no segundo processo como princípio de prova; daqui decorre que a prova produzida no primeiro processo pode ser aproveitada, mas apenas como princípio de prova.
Importa ainda referir que, para se mostrar verificado o requisito da identidade da parte, não releva que no segundo processo a prova seja utilizada por pessoa diferente daquela que a fez produzir ou que a aproveitou no primeiro processo, mas tão só que a prova seja invocada contra pessoa que foi parte naquele processo e que tenha aí sido produzida com audiência contraditória dessa pessoa.
In casu, é inequívoco que o Réu foi parte no processo n.º 210/09.5TACBT; ao contrário do que alega no presente recurso foi constituído aí arguido.
Questão distinta, é se a prova pericial em causa foi produzida com audiência contraditória. E, nesta parte, entendemos assistir razão ao Recorrente.
Vejamos.
Para que se possa falar em audiência contraditória é necessário que a parte tenha sido convocada para os atos de preparação e produção da prova e admitida a neles intervir independentemente de ter tido intervenção efetiva (v. neste sentido Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, p. 637, citando ainda Lebre de Freitas e Montalvão Machado/Paulo Pimenta; no mesmo sentido afirma Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II volume, 2015, p. 330-331, citado no acórdão da Relação do Porto de 15/06/2020, Processo n.º 14954/17.4T8PRT-A.P1, Relator        Jorge Seabra, disponível para consulta em www.dgsi.pt, a lei basta-se com a facultação à parte contrária do ensejo da respetiva exercitação mediante notificação expressa para a produção daquele meio de prova, não se tornando necessária uma sua real intervenção, participação ou assistência na respetiva produção, basta, portanto, que à parte tenha sido dada a possibilidade de intervir na admissão e na produção da prova em causa).
A este propósito esclareciam já Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, 2ª Edição, p. 493) que “[j]á se perguntou se a necessidade, legalmente imposta, de a prova ter sido produzida com audiência contraditória da parte significa que só valem noutro processo, contra a mesma pessoa as provas em cuja produção esta tenha efetivamente participado (audiência efetiva ou real) ou se exige para o efeito apenas a notificação à parte para ela, querendo, exercer o seu direito (audiência virtual ou potencial).  A resposta certa é a que se contenta com o chamamento da parte, nos termos exigidos pelo princípio da audiência contraditória. O que a lei exige, em nome do princípio da audiência contraditória no domínio da instrução da causa, é que a parte tenha sido chamada para poder acompanhar as diligências de prova e, eventualmente, participar na produção dela.  Se ela, convidada para fiscalizar a prova, o não fez – sibi imputet. O que pode, nesse caso, é o juiz ser... mais papista do que o Papa. E o que se diz para o efeito imediato da prova, aplicar-se-á, com igual razão, aos efeitos mediatos dela, inclusivamente ao valor extraprocessual da prova oferecida.”
Assim, ainda que não seja de exigir uma efetiva (real) intervenção, será sempre necessário que no primeiro processo a parte contra quem se pretende fazer valer a prova tenha sido efetivamente convocada/notificada para os atos de preparação e produção de prova e tenha a possibilidade de neles intervir.
Ora, no caso concreto, consultados (via CITIUS, na sequência do despacho proferido em 13/03/2024) os autos do processo n.º 210/09.5TACBT concluímos que ao aqui Réu (ali arguido) não foi dada a possibilidade de intervir na realização prova pericial realizada, no sentido de que não foi ouvido para a sua realização e nem notificado de que a mesma ia ser realizada, e nem foi notificado do relatório pericial, mas apenas a posteriori, em 22/05/2012, foi notificado de que foi proferido despacho de arquivamento, nos termos do art.º 277º do Código de Processo Penal, juntando-se cópia do despacho de arquivamento. Em momento anterior, e na mesma altura em que compareceu para interrogatório (sendo para esse efeito que foi notificado) no dia 10/02/2010, apenas foi feita a sua recolha de autógrafos. Contudo, a sua presença nesta diligência não pode ser considerada suficiente, em nosso entender, para que se possa falar em audiência contraditória.
Do exposto decorre que não podemos concordar com o tribunal a quo quando considera que pode ser valorada a perícia realizada no processo n.º 210/09.5TACBT nos termos previstos no artigo 421º do CPC, ou seja, que pode ser valorada nos presentes autos como prova pericial; tal como afirma o Recorrente a referida perícia não foi objeto de audiência contraditória pois não foi notificado do relatório pericial, não teve oportunidade de o contraditar e nem de eventualmente poder requerer uma segunda perícia.
Com efeito, não podemos considerar reunidos os pressupostos necessários a que a prova pericial efetuada no âmbito do processo n.º 210/09.5TACBT seja atendida neste processo, para efeitos de prova, como prova pericial, não podendo como tal ser valorada. Aliás, é a própria Autora que na petição inicial alega que a perícia efetuada no âmbito do processo n.º 210/09.5TACBT apenas constitui principio de prova, requerendo a realização de prova pericial nos presentes autos à letra e assinatura constante da letra de câmbio.
Mas, o facto de a perícia não poder valer nos presentes autos como prova pericial, determina que seja ilegal a admissão de tal prova e a sua valoração nos presentes autos, tal como sustenta o Recorrente?
Entendemos que a resposta deve ser negativa, acompanhando aqui a posição expressa no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra citado na sentença recorrida (de 13/04/2021, proferido no processo n.º 44/18.6T8CRG.C1) onde se conclui que “[é] admissível a junção a um processo cível de uma perícia à letra e assinatura dos autores, realizada pelo Laboratório de Polícia Cientifica, no âmbito de um processo crime no qual as rés não foram intervenientes, apesar do que não terá o valor de prova pericial, mas sim de prova documental”.
Conforme ai se refere, tratando-se de um relatório realizado pelo Laboratório de Polícia Científica, “estabelecimento especializado a quem é, em regra, legalmente confiada a realização de exames à letra e assinatura a efetuar no âmbito de processos judiciais (artigo 467º, nº 4), com recolha das assinaturas e observância dos procedimentos legalmente previstos para o efeito, contendo a opinião técnica de um especialista na matéria, terá de ter, pelo menos, o valor que é dado aos pareceres técnicos realizados fora do tribunal e a que as partes recorrem com frequência para reforçarem a sua posição. Estes pareceres, embora relevantes para a descoberta da verdade, não podem ser avaliados como perícias, constituído antes prova documental”.
Importa, para este efeito, chamar ainda à colação a distinção entre prova pré-constituída e prova constituenda, ínsita ao estabelecido no artigo 415º do CPC, que consagra o principio da audiência contraditória; segundo dispõe o n.º 2 deste preceito quanto às provas constituendas a parte é notificada, quando não for revel, para todos os atos de preparação e produção de prova e é admitida a intervir nesses atos nos termos da lei, relativamente às provas pré-constituidas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respetiva admissão como da sua força probatória.
O principio da audiência contraditória varia em função da natureza dos meios de prova: tratando-se de provas constituendas, como é o caso, da prova pericial, aquele deve ser observado quanto à sua admissão, preparação e produção, tratando-se de provas já constituídas, como ocorre com os documentos, deve ser observado quanto à sua admissão e apreciação (v. António Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luis Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 488).
Ora, as cautelas que devem estar presentes quanto ao valor extraprocessual da prova nos termos exigidos pelo artigo 421º do CPC, não tem aplicação à prova documental, enquanto prova pré-constituida; como esclarece Rui Pinto (ob. cit. p. 635) de fora do âmbito da regra enunciada no n.º 1 primeira parte estão as provas cujo teor pode ser facilmente repetido, como a prova documental.
Assim, não entendemos que seja ilegal do relatório pericial em causa e a sua valoração nos presentes autos (enquanto documento e não enquanto prova pericial), podendo ser considerado juntamente com os demais meios de prova.
Posto isto, e sendo de admitir a junção aos autos do referido relatório pericial enquanto prova documental, importa agora analisar criticamente a prova produzida nos presentes autos.
E começamos por apreciar a prova pericial realizada nos presentes autos (realizada também pelo Laboratório de Policia Cientifica), a qual, como refere o Recorrente se revelou inconclusiva; conforme consta da conclusão do relatório pericial a qualidade e quantidade das semelhanças e diferenças registadas no confronto das escritas suspeitas das assinaturas com a dos autógrafos da Autora.
A perícia realizada não permitiu, por isso, alcançar, com suficiente certeza técnico-científica, um parecer que confirme ou infirme que a autoria da assinatura constante da letra é da Autora.
Vejamos.
A prova pericial tem por fim, em termos gerais, a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas não devam ser objeto de inspeção judicial (cfr. artigo 388º do Código Civil); assim, é pressuposto essencial da realização de prova pericial que a perceção e/ou a apreciação de factos assente em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, por envolverem conhecimentos de natureza científica, técnica, artística, profissional ou de mera experiência não detidos por aqueles (v. Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, ob. cit. p. 578).
Decorre do disposto nos artigos 389º do Código Civil e 489º do CPC que a prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal, uma vez que “apesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente critério dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos” (Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, ob. cit., p. 583).
É certo que, estando em causa a perceção ou apreciação de factos que envolvam conhecimentos especiais que o julgador não detém, tais factos assim percecionados e apreciados pelos peritos, possuem em regra o que podemos designar de força probatória especial, de onde decorre que o juiz, para se afastar do respetivo parecer pericial, tem de fundamentar a sua posição com recurso a conhecimentos da mesma ordem e natureza que presidiu ao juízo pericial emanados pelos senhores peritos.
Ainda assim, importa chamar a atenção para a grande diversidade entre as ciências que baseiam a intervenção dos peritos em tribunal e os respetivos pareceres e que vem levando a que se equacione a dicotomia entre a chamada perícia científica e a perícia de opinião, pois “a par das ciências duras ou da explicação (física, química, engenharia) existem outras ciências sociais ou da compreensão cujo padrão não é o nomológico ou hempeliano”; assim, enquanto a designada perícia científica “produz certeza, no sentido de que, perante o estado atual do saber científico, o resultado da perícia deve ser idêntico para todas as pessoas, i.e., só é possível um resultado: se houver resultados divergentes, é porque um deles está, necessariamente, errado. Está nessas condições, por exemplo, a determinação da área de uma superfície ou a composição química de uma coisa. A perícia de opinião, essa, diversamente, produz convicção: não se trata já de verificar a exatidão de uma determinada afirmação de facto - mas de valorar um facto ou alguma circunstância desse mesmo facto, valoração que traz implicada a emissão de um juízo de valor. Neste caso, podem existir laudos divergentes e mesmo contraditórios. Serve de exemplo a determinação do valor de um imóvel.
Esta distinção traz implicada toda uma constelação de consequências. Perante uma perícia científica, não é admissível que o juiz se afaste, arbitrariamente, do seu resultado, com o argumento de que esse resultado não o convence ou de que tem opinião contrária. Não é concebível, por exemplo, que o juiz discorde da conclusão pericial de que a água é composta por uma molécula de oxigénio e duas de hidrogénio.
Diversamente, na perícia de opinião, o juiz deve ser particularmente prudente na adesão ao parecer dos peritos, sendo-lhe exigível um juízo de valor sobre o seu conteúdo, a idoneidade do perito e o resultado que disponibiliza, em função do seu objeto” (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/01/2022, Processo n.º 20975/18.2T8SNT-A.L1-7,  Relator Luís Filipe Pires de Sousa, disponível em www.dgsi.pt), sendo que, no que tange à grafologia, a mesma subsumir-se-á a esta categoria de perícia de opinião.
No caso concreto, contudo, os peritos concluíram apenas não ser possível formular qualquer conclusão relativamente à assinatura da letra ser do punho da Autora; o resultado inconclusivo da perícia não contém, por isso, a formulação positiva de um verdadeiro juízo pericial, mas apenas de um estado de dúvida perante a análise das escritas suspeitas das assinaturas com a dos autógrafos recolhidos. E, perante esse estado de dúvida, incumbe ao tribunal, na análise de todos os meios de prova e no âmbito da sua função de julgar, verificar se é possível esclarecer se a assinatura foi ou não aposta por quem invoca a sua falsidade, pois “um resultado inconclusivo da perícia não tem, necessariamente, de conduzir a uma dúvida insanável por parte do tribunal” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/09/2010, Processo n.º 2285/05.7TDPRT.P1, Relator Jorge Gonçalves, também disponível para consulta em www.dgsi.pt)
Ora, ouvido o depoimento da testemunha CC, filha da Autora, se é certo que não presenciou o momento da assinatura da letra, não vemos que se tenha limitado “a dar a sua opinião” e que “sendo filha trata-se de testemunha que tudo diria para beneficiar a mãe”, antes tendo relatado, de forma muito emocionada, de quem efetivamente vivenciou os acontecimentos, a forma como a mãe (e ela própria também) foram confrontadas, quando o pai se foi embora, com cartas a dizer que a mãe devia dinheiro quando nunca tinha pedido dinheiro e nem assinado nada; mais esclareceu que não tinham “noção do que o pai andava a fazer” e que a mãe  nunca pediu nada ao aqui Réu, tendo sido surpreendida com esta situação e outras.
Subscrevemos, por isso, o entendimento do tribunal a quo de que os autos comungam de um parecer técnico no qual se concluiu, com um grau próximo da certeza (ser “muitíssimo provável” que a assinatura aposta na letra não seja da Autora), numa data mais próxima da que consta na letra de câmbio (a letra tem a data de 23/05/2008 e o relatório de 27/04/2012), o que, “concatenado com a própria perceção do Tribunal - natural e intrinsecamente limitada pela total ausência de razão técnica para avaliar a veracidade da assinatura, mas que, comparando as assinaturas, consegue visualizar algumas divergências como algumas das letras são desenhadas- e com o depoimento da testemunha CC, que, de forma emocionada, contou ao Tribunal que a mãe nunca assinou aquele documento ou outros, permite formar a convicção do Tribunal quanto à circunstância de não ter sido a Autora, mas sim um terceiro, a apor a sua assinatura na letra de câmbio referida no facto provado 2 (…)”.
Inexiste, pois, fundamento para julgar não provados os pontos 3) e 4) dos factos provados.

PONTO 11) DOS FACTOS PROVADOS

“11. O Réu, sabendo que a assinatura constante da letra de câmbio não pertencia à Autora, prosseguiu com a execução contra a mesma”.
Quanto a esta matéria consta da decisão recorrida o seguinte:
“A convicção do Tribunal para afirmar o facto 11 formou-se através das regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, e daquilo que se deixou dito na motivação dos factos 4 e 5 quanto ao conhecimento pelo Réu do resultado da prova pericial. Nesse processo, o Réu teve conhecimento do resultado da perícia à letra, o qual concluiu como muitíssimo provável não ter sido a Autora a assinar a letra, pelo que não se podia ter que o Réu desconhecesse que não foi esta a assinar o documento. No entanto, como foi por ambas as partes reconhecido, a execução prosseguiu”.
Sustenta o Recorrente que a fundamentação do tribunal parte de uma premissa errada ao considerar que o Réu sabia do resultado da prova pericial realizada no processo penal, o que não resulta de qualquer elemento probatório; sustenta ainda que o seu comportamento posterior veio reforçar ainda mais a tese de que a assinatura aposta na letra era sua pois podendo agir contra a execução não se manifestou no processo (deduzindo embargos e/ou incidente de falsidade) aceitando e reconhecendo a letra como verdadeira, tendo ainda assinado o acordo de pagamento em prestações, execução que pagou ao longo de 12 anos.
Vejamos se lhe assiste razão.
Ao contrário do que refere o Recorrente inexiste qualquer erro do tribunal ao considerar que o Réu sabia do resultado da prova pericial realizada no processo penal; na verdade, ainda que o Recorrente não tenha sido notificado do relatório pericial no âmbito do processo de inquérito, a verdade é que foi notificado do despacho de arquivamento e foi notificado da decisão instrutória pelo que teve conhecimento do resultado do relatório pericial e de que, quanto a si, do “resultado da perícia à letra e assinatura da letra de câmbio em causa nos autos, com vista a determinar se a assinatura do documente objeto dos autos pertence ao arguido, concluiu-se que “a reduzida qualidade das semelhanças e diferenças registadas no confronto da escrita suspeita da assinatura com os autógrafos de BB não permitem obter resultados conclusivos” e, quanto à aqui Autora, que “[a] fls. 107 e seguintes mostra-se junto o Relatório de Exame Pericial à assinatura suspeita de AA, a fim de determinar a autoria da assinatura suspeita aposta na letra de câmbio datada de 23.04.2008, em causa nos presentes autos, e de cujas conclusões se pode ler o seguinte: “Admite-se como muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura (doc 1 deste relatório) não seja da autoria de AA. A reduzida qualidade das semelhanças e diferenças registadas no confronto da escrita suspeita da assinatura (doc 1) com a dos autógrafos de BB, bem como as limitações mencionadas em Nota, não permitem obter resultados conclusivos” (v. decisão instrutória que nesta parte aqui transcrevemos, e a cuja leitura em 04/02/2013 esteve presente o recorrente, bem como o então seu mandatário Dr. FF).
De todo o modo, não entendemos que, neste caso, tendo o Réu tido apenas conhecimento do resultado da prova pericial, as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer permitam concluir e afirmar que sabia que a assinatura constante da letra de câmbio não pertencia à Autora, tanto mais que a prova pericial foi realizada no inquérito sem a sua audiência contraditória conforme já referimos.
Assim, entendemos ser de alterar a redação do ponto 11) dos factos provados para que passe a constar:
“11. O Réu, tendo tido conhecimento que o relatório da perícia realizada no processo n.º 210/09.5TACBT concluiu ser de admitir como muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura da letra de câmbio não seja da autoria da Autora, prosseguiu com a execução contra a mesma”.

PONTOS 12), 14) e 15) DOS FACTOS PROVADOS

“12. A utilização, pelo Réu, do documento referido em 2 no âmbito do processo de execução deixou a Autora ansiosa e triste, causou-lhe aborrecimentos, incómodos e humilhação.
14. No âmbito do processo de execução foram penhorados bens móveis na casa onde a Autora residia, o que lhe causou vergonha e angústia.
15. Antes da execução a Autora era uma pessoa alegre e bem-disposta e, após, passou a estar amargurada”.
Sustenta o Recorrente que a testemunha CC, cujo depoimento foi valorado pelo tribunal a quo, teve um depoimento comprometido, parcial e demasiado interessado e pretendeu favorecer a mãe; mais alega que o processo movido pelo Recorrente foi apenas um entre tantos outros que a Autora já tinha.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“Quanto aos factos 12 a 15, o Tribunal valorou o depoimento da filha da Autora, a testemunha CC que, num depoimento escorreito, sério e credível, explicou os incómodos que a mãe sentiu em virtude da execução em causa nos autos, as alterações na sua vida e estado de espírito e a penhora dos móveis, sendo verosímil que alguém experiencie este tempo de sentimentos quando confrontada com as situações descritas”.
Conforme já anteriormente referimos não entendemos que a testemunha CC, não obstante ser filha da Autora, tenha tido um depoimento comprometido e interessado e nem que tenha pretendido favorecer a Autora. Por outro lado, o facto de terem existido outras situações, como a própria testemunha espontaneamente reconheceu, ou eventualmente outros processos  como alega o Recorrente (mas que se não encontram demonstrados nos autos), não obsta a que se julgue provado que a utilização, pelo Réu, da letra de câmbio na execução tenha deixado a Autora ansiosa e triste, e lhe tenha causado aborrecimentos, incómodos e humilhação e nem que a penhora dos bens móveis tenha causado vergonha e angústia ou que antes da execução a Autora era uma pessoa alegre e bem-disposta e, após, passou a estar amargurada, o que não só foi relatado pela testemunha (que salientou que retiraram tudo da casa, eletrodomésticos e radiadores e até o micro-ondas e que a mãe é agora uma pessoa muito deprimida e com problemas de saúde) como é verosímil que assim tenha ocorrido.
Inexiste, pois, fundamento para julgar não provados os pontos 12), 14) e 15) dos factos provados.

PONTO C) DOS FACTOS NÃO PROVADOS

“C. O nome de “AA” no acordo referido em 16 foi assinado pela própria”.
Relativamente a esta matéria consta da decisão recorrida o seguinte:
“Quanto ao facto não provado C, ao contrário daquilo que se deixou dito relativamente aos factos provados 4 e 5, o ónus de provar que a assinatura pertence à Autora recaía sobre o Réu. Na verdade, da análise dos articulados constata-se que a referência ao acordo de pagamento em prestações, é feita pelo Réu, embora este não junte o documento em si, para sustentar a alegação do abuso do direito relativamente à Autora. Este acordo é, depois, impugnado pela Autora, que alega não o ter assinado. Ora, daqui resulta que tem de aplicar-se a regra do artigo 374.º, n.º2, do Código Civil e fazer recair sobre o Réu o ónus de demonstrar que o acordo de pagamento que se encontra junto a fls.271 foi assinado pelo punho da Autora. Não se ignora que, a primeira vez que aquele acordo é junto aos autos é com a petição inicial. No entanto, este apenas foi anexo à participação criminal dirigida ao Exmo. Procurador Adjunto, não tendo a Autora, na sua alegação, feito valer-se deste ou da falsidade do mesmo para fundar a sua pretensão. Ao invés, é com base neste mesmo acordo que o Réu funda a sua alegação de que a Autora atua em abuso do direito, o que tem de levar a concluir que é este quem se pretende fazer valer do documento e que este é, nessa sequência, impugnado pela Autora. Deste modo, nesta forma de analisar a situação, conclui-se que incumbia ao Réu provar a assinatura da Autora. Considerando que da prova junta aos autos, mormente o relatório pericial realizado, cujo resultado foi inconclusivo, não é possível retirar a autoria da assinatura, tem-se este facto como não provado. Note-se que não se pode agora convocar o relatório realizado no processo 210/09.5TACBT, porquanto nesse não foi analisada esta assinatura, conforme se constata do elenco do “material para exame” ali discriminado. Além disto, a testemunha trazida pelos Réus, o Dr. GG, advogado que redigiu o acordo de pagamento em prestações, não fez transparecer ao Tribunal a certeza de que a Autora assinou esse acordo à sua frente. Pelo contrário, foi frequentemente esquivo na resposta a essa questão, falando de outras situações, de uma insolvência, de uma penhora, referindo que “em princípio” o acordo foi assinado lá no escritório, o que se considera insuficiente para o Tribunal, com a certeza e a segurança que se crê ser necessária, assentar esta factualidade”.
Sustenta o Recorrente que o tribunal a quo analisou mal a questão ao considerar que ónus de provar que a assinatura era da Autora recaia sobre o Réu, e que foi a própria Autora quem apresentou (juntou) o documento o que significa que aceitou e reconheceu a assinatura nele constante, representando uma confissão.
Entende, de qualquer forma, que fez prova de que tal assinatura foi aposta pela Autora pois o advogado que elaborou o documento confirmou que o acordo foi assinado no escritório de seu pai.
Vejamos se lhe assiste razão.
Começamos por referir que não pode afirmar-se da forma simplista como faz o Recorrente que a Autora juntou o documento de acordo de pagamento em prestações e que, por isso, aceitou e reconheceu a assinatura dele constante, o que equivale a uma confissão.
De facto, o documento que a Autora junta e a que se refere na petição inicial é a queixa que apresentou contra desconhecidos, mas indicando como suspeito o Recorrente, onde consta expressamente não ter assinado a letra de câmbio e nem o acordo de pagamento em prestações cuja cópia juntou à referida queixa. Não pode, por isso, afirmar-se que a Autora aceitou e reconheceu a assinatura constante desse documento e nem que esteja em causa qualquer confissão.
Pelo contrário, é o Recorrente que na sua contestação (referindo-se ao “documento junto com a contestação”) faz apelo a esse acordo de pagamento junto nos autos de execução a seu favor para retirar a conclusão que a Autora reconheceu e aceitou a validade da letra de câmbio e invocar o abuso de direito.
Não assiste, dessa forma, razão ao Recorrente quando sustenta que o tribunal a quo analisou mal a questão ao considerar que ónus de provar que a assinatura era da Autora recaia sobre si.
Questão distinta e que importa também apreciar é se da prova produzida se pode retirar que a assinatura constante do referido acordo de pagamento em prestações foi aposta pela Autora.
Alega o Recorrente que logrou fazer tal prova invocando as declarações da testemunha GG, advogado que elaborou o documento e confirmou que o acordo foi assinado no escritório do pai.
Não entendemos que assim seja.
É certo que a testemunha afirmou ter sido ele a elaborar o documento, mas, relativamente às perguntas relacionadas com a assinatura do mesmo o seu depoimento não foi perentório e afirmativo, mas vago e hipotético, referindo-se a que “em principio” teria sido assinado por eles, que “tinha ideia” que teria sido assinado no escritório, que não tinha ideia de ter ido ao tribunal para assinar pelo que “em principio” teria sido assinado no escritório. Veja-se que em nenhum momento afirmou com clareza e certeza que o documento foi assinado no escritório e na sua presença; aliás, referiu por mais de uma vez não se recordar muito da execução, mas do processo de insolvência. Não podemos também deixar de mencionar que o referido documento deu entrada nos autos de execução n.º 397/08.... em 30 de setembro de 2008, ou seja há mais de 15 anos.
É, por isso, totalmente acertada a posição do tribunal a quo ao considerar que a testemunha “que redigiu o acordo de pagamento em prestações, não fez transparecer ao Tribunal a certeza de que a Autora assinou esse acordo à sua frente. Pelo contrário, foi frequentemente esquivo na resposta a essa questão, falando de outras situações, de uma insolvência, de uma penhora, referindo que “em princípio” o acordo foi assinado lá no escritório, o que se considera insuficiente para o Tribunal, com a certeza e a segurança que se crê ser necessária, assentar esta factualidade”.
Por outro lado, a perícia realizada nos presentes autos, que abrangeu também a assinatura aposta neste documento foi, conforme já referimos, inconclusiva quanto à assinatura do acordo ser do punho da Autora, valendo aqui as considerações que a propósito da perícia já consignamos, e que aqui reiteramos. Salientamos, de qualquer forma, que a perícia realizada no processo n.º 210/09.5TACBT, e cujo relatório pericial entendemos poder ser valorado nos presentes autos enquanto documento (e não enquanto prova pericial) para ser considerado juntamente com os demais meios de prova, não abrangeu a assinatura constante do acordo de pagamento em prestações.
Assim, analisada a prova produzida nos presentes autos, nada permite concluir com certeza e segurança que a assinatura que consta do acordo de pagamento em prestações, junto ao processo executivo, foi aposta pela Autora
No entanto, ainda que assim não fosse de entender, sempre as declarações prestadas pela testemunha GG, advogado, não seriam idóneas a fundamentar a demonstração do facto nos termos pretendidos pelo Recorrente, por estar em causa a violação do dever de sigilo do advogado.
Conforme o próprio afirmou nas suas declarações o pai era advogado do Recorrente e o acordo em causa foi por si elaborado; conforme esclareceu era ele que tinha intervenção nas penhoras e nas ações executivas (e não o pai), tendo tido intervenção no processo de insolvência instaurado contra a Autora, reconhecendo ainda conhecer as partes pelas suas funções.
Ainda que não tenha resultado de forma inequívoca a forma da sua participação no processo executivo, e no processo de insolvência que referiu, designadamente se com procuração ou substabelecimento, uma vez que afirmou que o seu pai é que era o advogado do Réu, a verdade é que decorre inequivocamente das suas declarações que os factos cujo conhecimento relatou lhe advieram do exercício das suas funções e/ou de trabalhar no escritório do seu pai.

Dispõe o n.º 1 do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro) que:
“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo”.

O n.º 2 estabelece ainda que “[a] obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço”, e o n.º 3 que “[o] segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo”.
Esta imposição de sigilo não é absoluta, conforme decorre do n.º 4 do referido artigo 92º, podendo obter-se dispensa mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
A imposição do sigilo profissional é um instrumento de proteção de três grandes objetivos: garantir a relação de confiança entre o advogado e o cliente; dignificar a função do advogado enquanto agente ativo na administração da justiça; e promover o papel essencial do advogado na composição extrajudicial dos conflitos.
No cado concreto, nada consta da ata de audiência relativamente à dispensa de sigilo e ouvida a respetiva gravação também nada consta relativamente a ter sido obtida tal dispensa.
Ora, não sendo obtida dispensa do sigilo, é proibido o depoimento testemunhal do advogado, bem como eventualmente dos seus colaboradores – cfr. n.º 7 do referido artigo 92º -, estabelecendo o n.º 5 deste preceito que os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
Como se afirma no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/05/2022 (Processo n.º 126/20.4T8OAZ-A.P1.S1, Relator João Cura Mariano, disponível para consulta em www.dgsi.pt) “II. Uma das consequências da violação deste dever de sigilo do advogado é a de que as provas que desrespeitem esse dever de segredo não são idóneas a fundamentar a demonstração daqueles factos, o que abrange não só o depoimento testemunhal do advogado ou dos seus colaboradores, como a junção de documentos que se relacionem direta ou indiretamente com a revelação de factos naquelas circunstâncias (…) IV. Estamos perante uma proibição de valoração da prova, tendo essa proibição um tratamento autónomo do que se encontra previsto para as nulidades processuais, podendo, designadamente, tal infração ser conhecida em recurso, sem que a nulidade da produção do respetivo meio de prova tenha que ser arguida nos termos previstos no artigo 199.º do Código de Processo Civil”.
Não deve, por isso, ser julgado provado que foi a Autora quem assinou o acordo de pagamento em prestações, e nem aditados os factos alegados pelo Réu nos pontos 12), 13) e 14) da sua contestação.
De todo o exposto decorre que, com exceção da alteração da redação do ponto 11) dos factos provados, não resulta fundamento para qualquer outra alteração da decisão recorrida quanto à matéria dada como provada e não provada.
***
3.4. Reapreciação da decisão de mérito da ação

Importa agora apreciar se deve manter-se a decisão jurídica da causa, apreciando os demais fundamentos invocados pelo Recorrente.
Na sentença recorrida o tribunal a quo declarou a nulidade da obrigação da Autora, constante da letra de crédito que serviu de título executivo no processo 397/08.... e condenou o Réu no pagamento à Autora da quantia de €4.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
Entende o Recorrente que competia à Autora o ónus de provar a falsidade da letra por si arguida, e que a mesma não o logrou fazer, pelo que não provando a Autora que a assinatura é falsa não se verifica a nulidade da sua obrigação decorrente da letra de câmbio.
Ora, esta alegação do Recorrente, pressupunha desde logo a alteração da decisão da matéria de facto nos termos por si pugnados, ou seja, que não tivesse ficado provado que a assinatura aposta na letra de câmbio não é do punho da Autora.
Porém, mantendo-se inalterados os pontos 3) e 4) dos factos provados, isto é, que a Autora não assinou o documento e que a assinatura com o nome da Autora foi aposta por pessoa não concretamente determinada, não merece censura o entendimento do tribunal a quo de que a assinatura é falsa e nula a obrigação imputada à Autora.
Relativamente à obrigação de indemnizar a Autora sustenta o Recorrente que se não verificam os requisitos exigidos pelo artigo 483º do Código Civil pois não sabia, nem tinha como saber, que a assinatura da Autora constante da letra era falsificada, concluindo que se não verifica o facto ilícito e culposo por parte do Réu.
Pelo tribunal a quo foi julgado provado no ponto 11) que o Réu, sabendo que a assinatura constante da letra de câmbio não pertencia à Autora, prosseguiu com a execução contra a mesma; considerou, por isso, no que concerne ao facto ilícito e culposo que “o Réu, sabendo que a Autora não tinha assinado a letra e, por isso, não se tinha obrigado regularmente, prosseguiu a execução contra esta. Esta conduta é ilícita porquanto viola direitos patrimoniais da Autora, ao levar a que lhe seja exigido o pagamento de uma quantia de que esta não é devedora, afetando, necessariamente o seu património. Além disso, o Réu prossegue esta execução, exigindo o pagamento à Autora, consciente de que esta não assinou a letra e por isso, não era responsável pelo seu pagamento. Preenchem-se, assim, os requisitos da ilicitude e da culpa”.
A responsabilidade civil extracontratual (delitual ou aquiliana) decorre da violação de deveres genéricos de respeito e da violação de normas gerais destinadas à proteção de outrem ou da prática de atos que, embora lícitos, possam causar prejuízo a outrem, sendo, por isso, categorias desta responsabilidade a que emerge de atos ilícitos, a que emerge de atos lícitos e a emergente do risco (alguém responde pelos prejuízos de outrem em atenção ao risco criado pelo primeiro).
Os requisitos tradicionais da responsabilidade civil por facto ilícito, ou extracontratual, tal como vêm definidos no artigo 483º do Código Civil, constam da sentença recorrida e são igualmente enunciados pelo Recorrente, são os seguintes: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa (imputação do facto ao agente a título de dolo ou mera culpa), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O Recorrente apenas vem questionar no presente recurso a não verificação dos requisitos da ilicitude e da culpa, entendendo que, não se verificando o facto ilícito e culposo, os demais pressupostos que que depende a responsabilidade civil ficam prejudicados.
Vejamos então se lhe assiste razão.
Conforme resulta da reapreciação da decisão da matéria de facto foi alterada a redação do ponto 11) dos factos provados pelo que apenas ficou demonstrado nos autos que o Réu, tendo tido conhecimento que o relatório da perícia realizada no processo n.º 210/09.5TACBT concluiu ser de admitir como muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura da letra de câmbio não seja da autoria da Autora, prosseguiu com a execução contra a mesma.
Tal é efetivamente insuficiente, em nosso entender, para que se possa afirmar a existência de um facto ilícito e culposo praticado pelo Recorrente ao prosseguir com a execução contra a Autora.
In casu, o alegado facto ilícito praticado pelo Réu que a Autora lhe imputa foi o de alegadamente saber que a assinatura constante da letra de câmbio era falsa ter prosseguido com a execução contra si; alega a Autora que o “ato é-lhe censurável, uma vez que o mesmo tem conhecimento de que a assinatura aposta na letra de câmbio não foi feita pela A.” (artigo 29 da petição inicial).
Na verdade, a Autora não alega que o Réu tinha conhecimento da falsidade da assinatura quando instaurou a execução contra si, pelo que a questão da ilicitude apenas se coloca após o conhecimento do resultado da perícia realizada no processo n.º 210/09.5TACBT.
Não resulta demonstrado pela Autora que o Réu tinha conhecimento de que a assinatura era falsa, mas apenas que tendo tido conhecimento que o relatório da perícia concluiu ser de admitir como muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura da letra de câmbio não seja da autoria da Autora, prosseguiu com a execução contra a mesma; ora, o ónus de alegação e prova dos pressupostos da responsabilidade impende ao lesado, a não ser que beneficie de uma presunção legal (cfr. artigo 487º n.º 1 do Código Civil).
E tendo a Autora logrado apenas demonstrar o conhecimento do resultado de uma perícia realizada num processo crime, cujo inquérito foi arquivado e no qual foi proferida decisão instrutória de não pronuncia do aqui Réu pela prática de um crime de uso de documento falso (previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea e), do Código Penal), entendemos que o prosseguimento da execução contra a Autora não configura a prático de um facto ilícito.
O Relatório pericial por si só, não equivale a poder afirmar-se a falsidade da assinatura (veja-se até que na perícia realizada nos presentes autos, pelo mesmo Laboratório de Policia Cientifica, o resultado foi inconclusivo); se assim fosse, bastaria certamente que a Autora juntasse aos autos de execução certidão do relatório para determinar a sua extinção; para que se pudesse afirmar a ilicitude do prosseguimento da execução contra a Autora, após o Réu ter tido conhecimento do resultado da perícia necessário, seria necessário que deste se pudesse concluir, de forma inequívoca e sem margem para qualquer dúvida, que a assinatura era falsa, e tal conclusão não se pode retirar de per si da conclusão de um relatório pericial.
Acresce ainda dizer, no caso concreto, que apesar do Réu ter tido efetivamente conhecimento do resultado da prova pericial, esta, como já referimos, foi realizada no âmbito do inquérito sem a sua audiência contraditória.
Assiste, por isso, razão ao Recorrente, não se podendo afirmar a verificação da prática de um facto ilícito e culposo por parte do Réu e nem a verificação dos necessários pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual e a obrigação de indemnizar a Autora, devendo, consequentemente, alterar-se nessa parte a sentença recorrida e absolver-se o Réu do pedido de indemnização por danos morais.
Invoca ainda o Recorrente que a Autora age em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, ao exigir uma indemnização pelos danos morais causados 12 anos depois, agindo em contradição com o comportamento omissivo anterior e com as fundadas expetativas criadas no Réu no sentido do não exercício do direito que ora invoca, ao assinar o acordo de pagamento e ao efetuar mensalmente o pagamento, tendo criado no recorrente a fundada convicção de que aceitava a divida e que jamais iria invocar que a assinatura era falsa.
Vejamos.
O artigo 334º do Código Civil prevê o abuso do direito dispondo que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito”.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume I, 3ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, p. 298) a conceção adotada de abuso de direito é objetiva pois “não é necessária a consciência de se excederem com o seu exercício os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, basta que se excedam esses limites”.
Esta complexa figura do abuso de direito é uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais com que o julgador pode obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que redundaria o exercício de um direito por lei conferido (v. Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 1958, p. 63 e seguintes; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª Edição, 2014, p. 80 e seguintes; Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. Vol. I, p. 299).
Poderá dizer-se, em síntese, que existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apoditicamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou fim social ou económico desse direito (v. acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 03/10/2019, relatado pela Conselheira Maria Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt).
O abuso de direito pressupõe, por isso, a titularidade de um direito e o seu consequente exercício, e que será legítimo em tese geral, mas que, em face dos contornos concretos da situação em causa, se revele manifestamente excessivo em face dos “limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
O abuso de direito ocorre “quando o direito, embora legítimo, é exercido de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, ou seja, longe do interesse social e por forma a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico-social desse mesmo direito, tornando-se, assim, escandalosa e intoleravelmente ofensiva do comum sentimento de justiça” (acórdão da Relação do Porto de 24/02/2015, Processo n.º 46/14.1TBAMT.P1, Relator Desembargador Fernando Samões, disponível em www.dgsi.pt)
Uma das modalidades de abuso de direito é, como se sabe, o venire contra factum proprium, a qual se manifesta no essencial pela violação do princípio da confiança, revelando um comportamento com que, razoavelmente, não se contava, face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou. Esta conduta contraditória cabe no âmbito da fórmula “manifesto excesso” e inscreve-se no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adota uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes atuara” (v. o citado acórdão da Relação do Porto de 24/02/2015).
Como ensina Menezes Cordeiro (Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58, julho 1998, p. 964, https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-1998/ano-58-vol-ii-jul-1998/doutrina/), podem apontar-se quatro pressupostos da proteção da confiança através do venire contra factum proprium:
“1.° Uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium);
2.° Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;
3.° Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma atividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa atividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara;
4.° Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela proteção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível”.
Ou seja, a proibição do venire contra factum propriumancora na ideia de proteção da confiança e da exigência de correta atuação que não traia as expectativas alimentadas por um modus agendi isento de desvios e surpresas que frustrem o investimento na confiança; reclama uma atuação pautada por regras éticas, de decência e respeito pelos direitos da contraparte; havendo violação objetiva desse modelo de atuação honrado, leal e diligente pode haver abuso do direito, devendo ser paralisados os efeitos que, a coberto da invocação da norma que confere o direito formalmente exercido, se pretendem atuar, mas que, objetivamente, evidenciam um aproveitamento não materialmente fundado que a ética negocial reprova, porque incompatível com as regras da boa fé e do fim económico ou social do direito que colidem com o sentido de justiça que a comunidade adota como sendo o seu padrão cultural” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/01/2013, Processo n.º 600/06.5TCGMR.G1.S1, Relator Fonseca Ramos, disponível em www.dgsi.pt).
No caso concreto, está em causa o direito da Autora a invocar a falsidade da assinatura constante da letra de câmbio dada pelo Réu à execução e a nulidade do titulo (ou da obrigação) e a peticionar uma indemnização por danos não patrimoniais.
A alegação do Recorrente, pressupunha desde logo que tivesse ficado provado que a Autora tivesse assinado o acordo de pagamento em prestações, o que, como já vimos, não ocorre, não se podendo falar que age em contradição com comportamento anterior e nem que tenha tido comportamento que tivesse criado no Réu fundadas expetativas no sentido do não exercício do direito; quanto a alegados pagamentos efetuados pela Autora nada de concreto resulta alegado e demonstrado: a Autora na petição inicial refere-se a penhoras efetuadas e o Réu na contestação alega apenas que ao fim de 12 anos ainda não recebeu a totalidade da quantia exequenda.
Não obstante o período de tempo decorrido não se encontram demonstrados factos concretos que permitam concluir por uma conduta da Autora que tivesse criado no Réu a confiança e gerado legitimas expectativas de que nunca iria suscitar a falsidade da assinatura e a nulidade do titulo ou da obrigação. Aliás, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado (artigo 286º do Código Civil) pelo que o simples decurso do tempo não permite concluir que se tenham excedido manifestamente os limites impostos pela boa-fé.
Relativamente ao direito a peticionar a indemnização, acresce dizer que, tendo em atenção que o Réu é absolvido do pedido, sempre ficaria prejudicado, por inútil, o conhecimento do alegado abuso de direito.
Do exposto decorre não se poder afirmar existir abuso de direito.
Em face de todo o exposto, procede, pois, parcialmente a apelação, alterando-se a sentença recorrida apenas quanto ao pedido de indemnização por danos morais do qual se absolve o Réu.
As custas são da responsabilidade do Recorrente e da Recorrida na proporção de 2/3 para aquele e 1/3 para esta, atento o respetivo decaimento (artigo 527º do CPC).
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IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, em revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o Réu no pagamento à Autora da quantia de €4.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, absolvendo o Réu deste pedido (formulado pela Autora em c), confirmando no mais a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente e pela Recorrida na proporção de 2/3 para aquele e 1/3 para esta.
Guimarães, 11 de abril de 2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Alcides Rodrigues (1º Adjunto)
Ana Cristina Duarte (2º Adjunto)