CASO JULGADO
PROVA PERICIAL
Sumário


I - É pressuposto essencial do caso julgado formal a existência de uma pretensão já decidida e transitada em julgado, em contexto meramente processual, e que a mesma seja objecto de repetida decisão.
II - Apesar da prova pericial não ser o único meio disponível para a demonstração da veracidade da assinatura, a verdade é que se trata da prova mais natural ou preferencial para tanto, por esse apuramento pressupor conhecimentos técnicos subtraídos ao indiferenciado julgador.
III - É admissível a prova pericial, relativa à autoria da assinatura aposta num documento, com base na análise de uma cópia.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

EMP01..., LDA
intentou acção declarativa comum contra
EMP02... - Unipessoal, Lda e AA,
pedindo, para além do mais, que seja declarada válida e eficaz a resolução do contrato de franchising junto aos autos com a petição inicial sob o documento nº ....
Com a petição inicial, a autora juntou, como documento nº ... - constante de fls. 13 e seguintes dos autos principais - um documento intitulado “Contrato de Franchising” não rubricado nas suas páginas, com três assinaturas ilegíveis na sua última página, sendo duas apostas após a expressão “FRANCHISADOR” e outra após a expressão “FRANCHISADO” e datado de 12.03.2017.
Regularmente citados, os réus deduziram contestação onde, além do mais, o 2º réu invocou que não assinou, por si ou pelo seu punho, aquele referido documento intitulado de “Contrato de Franchising” e junto pela autora como documento nº ... da sua petição inicial.
No requerimento probatório junto com a contestação, os réus, entre outras, requereram a realização de prova pericial, tendo como objecto a alegada assinatura do 2º réu constante da última página do aludido documento nº ... junto com a petição inicial (contrato de franchising).
Por requerimento datado de 30.09.2021, a autora veio responder à invocada impugnação da assinatura e da genuinidade do dito documento e requerer a produção de prova.
De seguida, em 04.02.2022, o tribunal recorrido prolatou o seguinte despacho:
“Considerando que os pedidos formulados na acção pressupõem a subscrição, pelos réus, de um contrato de franchising que os mesmos declaram não ter subscrito, declarando-o falso e requerendo perícia à letra, considero que antes do mais deverá dar-se seguimento ao disposto nos arts. 444º e 445º do CPC, operando as diligências atinentes à determinação da genuinidade do documento (nº 1 do art. 6º do CPC)
Para esse efeito, será determinada a perícia à letra e solicitados vários documentos, designadamente os indicados pela autora, como elementos comparativos, a mais da produção da prova indicada pela autora no requerimento apresentado em 30.09.2021.

*
Pelo exposto, não havendo fundada oposição à realização desta diligência instrutória com precedência a qualquer outro acto processual – o que se presumirá, caso as partes nada digam no prazo de dez dias, - designo o dia 2 de Março de 2022, às 14.00 horas, para tomada de declarações de parte do legal representante da autora, depoimento de parte do réu e do legal representante da primeira ré e produção da prova testemunhal requerida quanto a este incidente, no requerimento apresentado pela autora em 30.09.2021 (testemunhas BB e CC). Oportunamente, convoque.
- Proceder-se-á à perícia à letra solicitada pelos réus, para o que:
i) serão recolhidos autógrafos ao réu AA no dia acima mencionado.
ii) notifique a ASAE e o Hospital ... nos termos solicitados pela autora no requerimento de 30.09.2022, esclarecendo que tais elementos serão oportunamente devolvidos, importando, porém, como documentos comparativos para a perícia à letra a realizar ao contrato junto aos autos.
iii) a autora deverá apresentar o original do contrato junto com a p.i., para oportuno envio para perícia à letra.”.
As partes não apresentaram qualquer reclamação ou recurso deste despacho.
Por requerimento datado de 16.02.2022 e junto aos autos principais com a data de 18.02.2022, EMP03... – Sociedade Gestora do Edifício, SA juntou o original do documento denominado “Contrato de Cedência de Espaço Comercial”, celebrado entre aquela entidade e a ré em 31.03.2017.
Neste documento constam quatro rúbricas no canto inferior direito de cada página, encontrando-se ainda assinado, em nome da ora ré sociedade, pelo 2º réu e por DD.
Por requerimento de 21.02.2022, a autora veio informar e requerer o seguinte:
“1. Procurando a Autora o original do contrato junto com a p.i., após apuradas diligências de busca, constatou não ter o mesmo na sua posse.
2. Não obstante, na sequência de tais diligências de busca, a Autora logrou encontrar o Contrato de Franchising que agora junta aos autos como Doc. n.º ...6.
3. Que é o contrato objecto dos presentes autos, mas devidamente rubricado e assinado, na última página, pelos 4 outorgantes (dois em representação da Autora e dois em representação da 1ª Ré).
O que facilmente se explica:
4. Conforme já explanado no requerimento da Autora de 30/09/2021, com a ref.ª ...23, no dia 09/02/2017 a Autora enviou à Ré por e-mail, após esta ter confirmado que iria realizar o negócio, a minuta do Contrato de Franchising EMP01... para o Hospital ... – cfr. arts. 34º e 35º do referido requerimento e documento junto ao mesmo sob o nº 23.
5. Tendo entretanto decorrido a reunião entre o representante legal da Autora e o 2º Réu descrita nos artigos 6º a 10º do referido requerimento da Autora, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
6. Na qual foi assinada/rubricada por este a versão do contrato junta como Doc. nº ....
7. Depois disso, os Réus fizeram chegar à Autora a versão, por estes rubricada e assinada, do contrato que agora se junta.
8. Com a data em que provavelmente, após preencherem os elementos relativos à identificação da Ré, a terão impresso, data essa bastante anterior à do seu envio – cfr. ainda Doc. nº ...3 com Doc. nº ...6, que agora se junta.
9. Versão que os representantes legais da Autora assinaram, quando a receberam, e que só agora a Autora logrou encontrar, na busca resultante da notificação recebida.
10. E que não estava arquivada no local onde deveria estar, o que também facilmente se explica: a mudança de instalações da Autora do ... para ..., e a alteração do Técnico Oficial de Contas da Autora, que levaram ao “extravio”, até à presente data, do documento que agora se junta.
Não obstante,
11. Ambas as “versões” consubstanciam o mesmo e único contrato de franchising, que titula a relação jurídica objecto dos presentes autos, e cujo incumprimento é a causa de pedir dos mesmos. 
12. Pondo definitivamente por terra a versão trazida pelos Réus na contestação de que o 2.º Réu não assinou qualquer contrato de franchising, e que nem sequer há “(como efectivamente não há, nem nunca houve) qualquer contrato de franchising que vinculasse e reciprocamente obrigasse as partes” – cfr. art. 22 da Contestação.
Termos em que, reiterando tudo quanto já foi explanado na p.i, bem como no requerimento da Autora de 30/09/2021, com a ref.ª ...23,
Vem juntar aos autos o Contrato de Franchising devidamente rubricado e assinado pelas partes,
Requerendo a V. Ex.ª, face aos motivos invocados, releve a junção tardia do mesmo».
Junto com tal requerimento foi apresentado, unicamente via citius, um documento denominado de “Contrato de franchising”, datado de 3.03.2017, e no qual constam as duas assinaturas abreviadas no canto superior direito de cada página com os seguintes dizeres: “AA” e “DD” e duas rúbricas ilegíveis; e no final do mesmo contrato constam duas assinaturas com os seguintes dizeres: “AA” e “ DD” e outras duas ilegíveis sobre o carimbo com o seguinte teor: “EMP01... – Serviço de Lavagem de Automóveis, Lda. NIF ........1 A Gerência”  
Na resposta apresentada pelos réus, em 07.03.2022, os mesmos defenderam que a autora, ao juntar uma nova versão do contrato alegadamente celebrado entre as partes não cumpre o determinado, devendo juntar o original do contrato junto com a petição inicial. Mais alegaram que os documentos são diferentes, pelo que a junção deste “novo” contrato se deveria considerar extemporânea e impugnaram todo o alegado no requerimento de 21.02.2022, reiterando a afirmação de que “não há nem nunca houve qualquer contrato de franchising que vinculasse e reciprocamente obrigasse as partes”.
Na sequência, em 12.07.2022, foi proferido o seguinte despacho:
“No âmbito do incidente de impugnação de genuinidade de documento com que se iniciou a tramitação destes autos, instada a apresentar o original do contrato em que estriba a sua posição, o qual foi impugnado pelos réus, que dizem não o ter assinado (despacho de 04/02/2022), a autora procedeu à junção de um documento que não corresponde à dita cópia, dizendo que esta foi anexada a uma mensagem de e-mail, tendo o contrato sido depois assinado e entregue em mão. De todo o modo, sublinha “as “versões” consubstanciam o mesmo e único contrato de franchising, que titula a relação jurídica objecto dos presentes autos, e cujo incumprimento é a causa de pedir dos mesmos.
Nessa medida, solicita o envio deste original para a entidade que irá realizar a perícia.
Pronunciando-se quanto a este documento (req. ref. ...54, de 07.03.2022), a contraparte manteve que não o assinou.
Pelo exposto, remeta o original do “contrato de franchising” junto em 21.02.2022 à entidade que realizará a perícia à letra (a secção deverá indagar, junto das entidades e laboratórios oficiais, qual a que está a efectuar estas perícias com maior celeridade, remetendo em conformidade), esclarecendo que o objecto da perícia consiste em declarar se as rúbricas e a assinatura que dele constam com o nome “AA” e “AA” foram apostas pelo punho do ora réu.”.
Após várias diligências com vista à realização de tal exame, em 20.02.2023, foi remetido ofício ao Laboratório da Polícia Científica da Polícia Judiciária de Lisboa, a solicitar a realização daquele.
Em 21.07.2023, foi junto aos autos o relatório do exame pericial, constando deste que foram enviados para exame os seguintes documentos: “1 – Contrato de cedência de espaço com respectiva proposta entre EMP03... e EMP02...”; “2 – Procuração”; “3 – Auto de recolha de autógrafos de AA”; e “4 – Cartão de Cidadão de AA”.
Consta da “Conclusão” do mesmo relatório o seguinte:
“Conclui-se como provável que a escrita suspeita das rubricas e da assinatura (doc ... deste relatório) seja da autoria de AA.”.
Findadas as demais diligências de prova requerida pelas partes, foi, em 17.11.2013, proferida decisão final no aludido incidente, cujo teor, por facilidade de exposição, se passa a transcrever na íntegra:
Relatório:
“EMP01..., LDA” intentou acção declarativa comum contra “EMP02... - Unipessoal, Ld.ª” e AA, pedindo o reconhecimento da validade e eficácia da resolução do contrato de franchising que identifica, com a consequente condenação solidária dos réus no pagamento da indemnização decorrente da cláusula penal contratualmente acordada [ou seja, € 1.000,00 por cada serviço (lavagem) que a 1ª ré realizou no seu centro EMP04... no ..., entre os dias ../../2020 e ../../2020, que se estima ser em número não inferior a 254), e ainda uma indemnização por lucros cessantes no valor de € 15.105,06, devendo a ré sociedade abster-se de explorar o centro de lavagem automóvel em questão até ao dia ../../2021, ou, em alternativa, caso se vença esta data sem que haja douta decisão proferida, serem os
réus solidariamente condenados a pagar à autora indemnização em quantia a liquidar em execução de sentença, sendo todos os valores acrescidos dos juros que se vençam após citação.
Os pedidos, como resulta do exposto, pressupõem a subscrição, pelos réus, do contrato de franchising invocado pela autora.
Sucede, porém, que os mesmos declararam não ter subscrito tal contrato (o segundo réu declara não o ter feito, por si ou em representação da ré sociedade), declarando-o falso e requerendo perícia à letra.
Por esse motivo, nos termos do disposto nos arts. 444º e 445º do Código de Processo Civil, por despacho de 04.02.2022 (após remessa dos autos do Juízo Local para o Juízo Central), foi decidido conhecer-se primeiro do incidente (fls. 157 dos autos), com realização das diligências atinentes à análise da genuinidade do documento (nº 1 do art. 6º do CPC), determinando-se a perícia à letra e solicitando-se vários documentos, designadamente os indicados pela autora, como elementos comparativos, a mais da produção da prova indicada pela autora no requerimento apresentado em 30.09.2021.
No requerimento de 21.02.2022 (ref. ...90), por via do qual juntou o original do contrato de franchising (vd. fls. 159 ss.), o autor declarou o seguinte: «[p]rocurando a Autora o original do contrato junto com a p.i., após apuradas diligências de busca, constatou não ter o mesmo na sua posse. Não obstante, na sequência de tais diligências de busca, a Autora logrou encontrar o Contrato de Franchising que agora junta aos autos como Doc. n.º ...6. [, q]ue é o contrato objecto dos presentes autos, mas devidamente rubricado e assinado, na última página, pelos 4 outorgantes (dois em representação da Autora e dois em representação da 1ª Ré). O que facilmente se explica: Conforme já explanado no requerimento da Autora de 30/09/2021, com a ref.ª ...23, no dia 09/02/2017 a Autora enviou à Ré por e-mail, após esta ter confirmado que iria realizar o negócio, a minuta do Contrato de Franchising EMP01... para o Hospital ... – cfr. arts. 34º e 35º do referido requerimento e documento junto ao mesmo sob o nº 23. Tendo entretanto decorrido a reunião entre o representante legal da Autora e o 2º Réu descrita nos artigos 6º a 10º do referido requerimento da Autora, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Na qual foi assinada/rubricada por este a versão do contrato junta como Doc. nº .... Depois disso, os Réus fizeram chegar à Autora a versão, por estes rubricada e assinada, do contrato que agora se junta. Com a data em que provavelmente, após preencherem os elementos relativos à identificação da Ré, a terão impresso, data essa bastante anterior à do seu envio – cfr. ainda Doc. nº ...3 com Doc. nº ...6, que agora se junta. Versão que os representantes legais da Autora assinaram, quando a receberam, e que só agora a Autora logrou encontrar, na busca resultante da notificação recebida. E que não estava arquivada no local onde deveria estar, o que também facilmente se explica: a mudança de instalações da Autora do ... para ..., e a alteração do Técnico Oficial de Contas da Autora, que levaram ao “extravio”, até à presente data, do documento que agora se junta. Não obstante, [a]mbas as “versões” consubstanciam o mesmo e único contrato de franchising, que titula a relação jurídica objecto dos presentes autos, e cujo incumprimento é a causa de pedir dos mesmos. Pondo definitivamente por terra a versão trazida pelos Réus na contestação de que o 2.º Réu não assinou qualquer contrato de franchising, e que nem sequer há “(como efectivamente não há, nem nunca houve) qualquer contrato de franchising que vinculasse e reciprocamente obrigasse as partes” – cfr. art. 22 da Contestação. Termos em que, reiterando tudo quanto já foi explanado na p.i, bem como no requerimento da Autora de 30/09/2021, com a ref.ª ...23, [v]em juntar aos autos o Contrato de Franchising devidamente rubricado e assinado pelas partes, [r]equerendo a V. Ex.ª, face aos motivos invocados, releve a junção tardia do mesmo».
No dia 02.03.2022 (designado para recolha dos autógrafos ao réu AA e inquirição de várias testemunhas), antes do início da diligência foi instado o ilustre mandatário dos réus para se pronunciar quanto à utilidade da mesma (atento o documento junto com o req. de 21.02.2022, acima referido), tendo o mesmo considerado que, muito embora ainda estivesse em curso o prazo para pronúncia quanto ao original junto, a diligência porventura teria até adquirido uma importância acrescida, não tendo, por conseguinte, perdido utilidade (conforme consta da gravação).
Na resposta apresentada pelos réus, em 07.03.2022 (ref. ...54), pelos mesmos foi alegado, entre o demais, que reiteravam a afirmação de que “não há nem nunca houve qualquer contrato de franchising que vinculasse e reciprocamente obrigasse as partes”.
Cumpre decidir.
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Facto provado:
Com relevância para este incidente, apurou-se que a rúbrica que consta do documento junto a fls. 13 a 24, na parte relativa ao “franchisado”, foi aposta pelo punho do ora réu AA.
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Não há factos por provar, com relevância para o incidente.
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Motivação:
A convicção do tribunal alicerçou-se fundamentalmente no resultado da perícia efectuada ao original junto a fls. 159 ss., com as assinaturas e rúbricas aí apostas, bem como nos anexos, perícia essa que, após comparação das rúbricas e autógrafos de vários documentos (vd. despacho de 08.02.2023), terminou nos seguintes termos: “[c]onclui-se como provável que a escrita suspeita das rúbricas e da assinatura (doc. ... deste relatório) seja da autoria de AA” – vd. ofício de 21.07.2023.
Não obstante, como resulta do requerimento de 21.02.2022 acima mencionado, o escrito analisado pelo Laboratório de Polícia Científica não corresponda ao original do documento de fls. 13, não há dúvida nenhuma de que, no conteúdo, muito pouco muda (vd. despacho de 12.07.2022 e requerimento de 12.09.2022), sendo que não há nada que a autora peticione nesta acção que não pudesse peticionar com base no escrito de fls. 159 ss.
Ora, o réu AA negou, por mais do que uma vez nos autos, ter subscrito qualquer contrato de franchising com a autora: fosse o de fls. 13, o de fls. 159 ss. ou qualquer outro com semelhante teor.
A mais de ser muitíssimo inverosímil que os réus iniciassem aquela actividade de lavagem de veículos no Hospital ... (como admitem tê-lo feito, na contestação – artigos 25º ss.) sem um contrato de franchising previamente assinado, seria também muito estranho que a autora tivesse falsificado uma rubrica (no documento de fls. 13 ss.) para comprovar o contrato quando tinha, afinal, um documento devidamente assinado por ambos os gerentes (e não apenas pelo segundo réu) e rubricado em todas as páginas e anexos (o documento de fls. 159 ss.).
Ou seja, é muito mais plausível a hipótese de ter havido uma negociação inicial (designadamente no apontado Domingo que a autora invoca, no bar do Hospital, aberto todos os dias), da qual resultou o documento de fls. 13 ss., e que, posteriormente, tenham sido introduzidas, nesse documento, as alterações pontuais que resultaram depois no escrito de fls. 159 ss., tendo o ora réu AA assinado dessas duas vezes, do que a hipótese de a autora ter “fabricado” o documento de fls. 13 ss., quando afinal podia apresentar o de fls. 159 ss. (analisado pelo ... e declarado como tendo sido provavelmente assinado pelo ora segundo réu).
Em suma, da perícia efectuada concluo que o réu AA faltou à verdade quando negou ter assinado o contrato de fls. 159 ss.
Consequentemente - e porque não encontro qualquer razão plausível para a junção, pela autora, de um documento falso quando tinha um verdadeiro para juntar -, entendo também que o referido réu faltou igualmente à verdade quando disse que não assinou o documento de fls. 13 ss.
A prova testemunhal e por declarações de parte não infirmou esta convicção, bem pelo contrário.
Concretizando, do depoimento de BB, contabilista certificado que fazia a contabilidade da autora (até 2019) resultou que, sem que existisse um acordo escrito e assinado, não poderia haver qualquer facturação (vd. fls. 24 a 26 e 78 ss.), pelo que não tem qualquer dúvida de que o contrato que permitiu a facturação estava assinado por ambas as partes, (não sabendo, porém, quem, em concreto, representava cada uma delas). Ora, de facto, afigura-se conforme às regras da normalidade e experiência comum que a facturação dos serviços não prescinda da prévia existência de um contrato que fundamente a prestação dos mesmos. E nenhum outro contrato foi junto, designadamente pelos réus, que impugnam o de franchising.
EE, legal representante da sociedade autora, esclareceu que foi sempre com o Sr. AA que falou. Encontraram-se no bar do hospital e o Sr. AA assinou, levando consigo o contrato para o Sr. DD, outro sócio, também assinar. O escrito foi-lhe depois reenviado, com a assinatura do referido Sr. DD e algumas alterações.
Confirmou que não tem original do documento que acompanha a p.i., muito embora tenha o suporte digital.
AA, réu e representante legal da sociedade ré, declarou ter a certeza de que não assinou o contrato e de que nunca esteve em lugar nenhum a assinar contrato de franchising algum. Mirando a assinatura, disse que a mesma não era sua. Mesmo depois de olhar para o contrato de arrendamento e ver como são idênticas (o mesmo se aplicando à procuração forense).
Reiterou que não há nenhum contrato de franchising assinado por ele com a autora: esse ou qualquer outro, em representação da EMP02....
Confrontado com a factura de fls. 24 verso ss. (doc. ... da p.i.), não a negou, mas recusou que seja para o franchising (apesar de, num primeiro impulso, ter dado esse nome ao contrato que a justificou).
Quanto à mensagem que lhe foi exibida (doc. ...5 do requerimento junto pela autora em 30.09.2021), enviada pelo Whatsapp, confirmou que é sua, mas desvalorizou a menção à palavra franschisado.
FF, directora técnica do Hospital ..., nada de relevante sabia.
Tudo conjugado, entendi que são muitos os sinais que apontam para a subscrição do contrato de franchising – designadamente o que foi junto a fls. 13 ss. dos autos -, e totalmente inverosímeis as explicações apresentadas pelo réu AA, deste modo concluindo pela total improcedência do incidente de impugnação de genuinidade do documento.
Quanto à litigância de má-fé, não obstante se mostrar manifesto que não está em causa qualquer erro de percepção de alguma das partes - o que sugere uma condenação a este título -, como referi na última sessão relativa ao incidente, entendo que, dado o prosseguimento dos autos para apuramento da factualidade atinente à acção, dever-se-á aguardar o desfecho desta e, tudo considerado, se assim se entender, condenar-se a(s) parte(s) a final.
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Dispositivo:
Pelo exposto, julgo totalmente improcedente o incidente de impugnação da genuinidade do documento.
Custas pelos réus – art. 527º do Código de Processo Civil.”.
Notificados de tal decisão, vieram os réus interpor o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:
“1- No requerimento probatório junto com a contestação, os RR. requereram, além da demais prova, a realização de perícia tendo como objeto a alegada assinatura do 2.º R. constante da última página do documento n.º ... junto com a petição inicial (contrato de franchising).
Formulando-se, para o efeito, o seguinte quesito:
Quesito 1: A assinatura atribuída ao 2.º R. AA e alegadamente constante da última página do documento n.º ... junto com a petição inicial (contrato de franchising) é, efetivamente, feitas pelo 2.º R. AA e pela sua mão?
2- Por douto despacho de 04/02/2022, o Tribunal recorrido deferiu tal requerimento probatório já que iniciou o incidente de determinação de genuinidade de documento (CONTRATO DE FRANCHISING DE FLS. 13 e seguintes – documento n.º ... JUNTO COM A PETIÇÃO INICIAL) e ordenou que se procedesse à perícia à letra solicitada pelos réus;
3- Mais ordenou que a A. apresentasse o original do contrato junto com a p.i.;
4- A A. não juntou qualquer original;
5- A A., em 21/02/2022, a fls. 158 e seguintes dos autos, juntou uma cópia (não o original) de um outro alegado contrato de franchising (com várias e evidentes diferenças do contrato que havia junto como documento n.º ... da petição inicial);
6- Por douto despacho de 12/07/2022, o Tribunal recorrido, violando o despacho de 04/02/2022, ordena que se remeta para perícia o original do “contrato de franchising” junto em 21.02.2022;
7- E altera o quesito antes formulado pelos RR. já que deixa de ter como referência o documento n.º ... junto com a petição inicial, tal como requerido pelos RR. e antes fixado pelo Tribunal e determina que a perícia passe a ter como referência o documento (a que chama original mas que é cópia) junto pela A. em 21/02/2022;
8- Ora, o objeto da perícia não pode ser o alegado “contrato de franchising” que se junta (fls 158 a 174 dos autos) já que, o objeto da perícia tem de ser o ordenado no douto despacho de 04/02/2022 ou seja a perícia à letra solicitada pelos RR. ao documento n.º ... junto com a petição inicial de fls. 13 a 24;
9- Há, depois, fundada dúvida acerca do documento que serviu de base a tal perícia. O contrato de cedência de espaço ou o contrato de franchising?
10-Pois que, o doc ... do relatório pericial (tal como dito pela Polícia Judiciária) é identificado como sendo: 1- Contrato de cedência de espaço com respetiva proposta entre EMP03... e EMP02...;
11-Por fim, o erro que se aponta no presente recurso vem a materializar-se, uma vez mais, na douta sentença recorrida quando no elenco dos factos provados se diz o seguinte: “Com relevância para este incidente, apurou-se que a rúbrica que consta do documento junto a fls. 13 a 24, na parte relativa ao “franchisado”, foi aposta pelo punho do ora réu AA.”;
12-E pergunta-se: como se pode dar como provada tal matéria de facto se o documento que foi objeto de perícia não foi aquele junto aos autos a fls. 13 a 24 mas sim aquele junto de fls. 158 a 174???
13-A perícia incidiu sobre documento de fls. 158 a 174 e o facto dado como provado na sentença recorrida (com base em tal perícia) refere o documento de fls. 13 a 14!
14-Ou seja, não foi realizada a perícia requerida e deferida e que era: a realização de perícia tendo como objeto a alegada assinatura do 2.º R. constante da última página do documento n.º ... junto com a petição inicial (contrato de franchising). Formulando-se, para o efeito, o seguinte quesito: Quesito 1: A assinatura atribuída ao 2.º R. AA e alegadamente constante da última página do documento n.º ... junto com a petição inicial (contrato de franchising) é, efetivamente, feitas pelo 2.º R. AA e pela sua mão?
15-E da perícia (nos moldes realizados) só se pode concluir como provável a escrita suspeita das rubricas e da assinatura do documento de fls. 158 a 174 seja da autoria de AA.
16-Assim, nos termos expostos, requer-se que a douta sentença recorrida seja revogada e substituída por, aliás douto, acórdão que determine a realização de perícia tendo como objeto a alegada assinatura do 2.º R. constante da última página do documento n.º ... junto com a petição inicial (contrato de franchising), a fls. 13 e seguintes dos autos. Formulando-se, para o efeito, o seguinte quesito: Quesito 1: A assinatura atribuída ao 2.º R. AA e alegadamente constante da última página do documento n.º ... junto com a petição inicial (contrato de franchising), a fls. 13 e seguintes, é, efetivamente, feitas pelo 2.º R. AA e pela sua mão?
17-A, aliás douta, sentença recorrida violou despacho recorrido violou o disposto nos artigos 444.º, 445.º e 467.º e seguintes, todos do Cód. Proc. Civil.”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
*
No caso vertente, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente importa decidir se a decisão proferida no incidente de impugnação de assinatura deve ser revogada, devendo ser determinada a realização de perícia tendo como objecto a alegada assinatura do 2º réu constante da última página do documento nº ... junto com a petição inicial.
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*
III. Fundamentação

3.1. Fundamentos de facto
Como factualidade relevante interessa aqui ponderar os trâmites processuais consignados no relatório do presente acórdão e o teor da decisão recorrida que supra se transcreveu e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
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3.2. Fundamentos de direito
Como decorre do acima assinalado, os apelantes vieram recorrer da decisão proferida no incidente de impugnação de genuinidade de documento, insurgindo-se, porém, - a montante da decisão apelada, datada de 17.11.2023 – contra o despacho datado de 12.07.2022, aparentemente defendendo que este viola o caso julgado formal formado pelo despacho anteriormente proferido a 4.02.2022, porquanto altera o objecto da perícia anteriormente aí fixado.
Ora, conforme assinala Abrantes Geraldes (in, Recursos no Código de Processo Civil, 6ª edição, p. 239), com o recurso da decisão que ponha termo ao incidente poderão e deverão ser impugnadas eventuais decisões interlocutórias respeitantes a esse incidente, de acordo com o nº 3 do art.º 644º, do NCPC.
Vejamos, então, se o tribunal recorrido ao proferir o despacho datado de 12.07.2022 incorreu em violação do caso julgado formal.
O art.º 620º, nº 1 do NCPC dispõe que: “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força, obrigatória dentro do processo.”, sendo que o art.º 625º, do mesmo compêndio legal, por sua vez, determina que:
“1 – Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou a julgado em primeiro lugar.
2 – É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.”.
Da conjugação destes dois preceitos legais, necessário é concluir que é pressuposto essencial do caso julgado formal a existência de uma pretensão já decidida e transitada em julgado, em contexto meramente processual, e que a mesma seja objecto de repetida decisão.
E, só se assim for, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão, para evitar repetições inúteis e o risco de decisões contraditórias.
No caso, os apelantes dizem que ocorreu violação do despacho anterior, porquanto o despacho proferido em 12.07.2022 alterou o objecto da perícia admitida.
Todavia, a jurisprudência vem entendendo de forma praticamente unânime que “[o] despacho que fixa o objecto da prova pericial (previamente admitida por meio de despacho que não foi objecto de oportuno recurso) não equivale a despacho que admite ou rejeite a perícia, não se integrando na previsão normativa do art. 644º, n.º 2 al. d)- do Código de Processo Civil.” (cfr. ac. desta Relação de Guimarães de 21.04.2016, relatado por Jorge Seabra, acessível in www.dgsi.pt e, no mesmo sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, p. 245).
Ou seja, o despacho que regule a execução/produção do concreto meio de prova admitido não admite recurso imediato. Tal despacho apenas pode ser objecto de recurso nos termos do nºs 3 e 4 do art.º 644º, do NCPC.
De facto, como nota Antunes Varela (in, Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 584-586), ao nível da prova pericial, importa distinguir a fase da sua proposição (pelas partes ou pelo tribunal), a fase da sua admissão, a fase da sua preparação (que corresponde à fixação do objecto da perícia) e a fase da sua produção.
Transpondo estes considerandos para o caso vertente, temos, pois, que concluir que a questão a dirimir não pode ser colocada em termos de violação de caso julgado formal.
Com efeito, com a petição inicial, foi, ao demais, junto como documento nº ..., uma cópia de um contrato de franchising, com data de 12.03.2017, subscrita (ou alegadamente subscrita) pelo 2º réu, enquanto representante da ré sociedade.
Na contestação, o 2º réu, defendeu-se negando a autoria da assinatura aposta no dito documento e nessa mesma peça processual requereu, entre outros meios de prova, a realização de prova pericial à assinatura aposta no mencionado documento nº ..., junto com a petição inicial.
Tendo em consideração que uma parte do objecto do processo se centrava na questão de saber o 2º réu tinha aposto a sua assinatura no contrato junto com a petição inicial, o tribunal a quo decidiu tramitar de forma prévia o incidente de impugnação de genuinidade do aludido documento e admitiu a perícia requerida pelos réus no despacho proferido em 4.02.2022.
Ocorre que entendeu também o tribunal a quo que à perícia interessava o original desse contrato, tendo nesse conspecto a autora sido notificada para proceder à sua junção.
A autora, todavia, veio dizer não ter em seu poder o original do dito contrato, tendo apresentado cópia de outro documento (que, embora igual na maior parte das cláusulas está datado de dia diferente e alegadamente assinado e rubricado pelos dois gerentes da ré - à data a ré era representada por dois gerentes).
O tribunal a quo, entendeu, porém que, no essencial os documentos eram iguais, e que foi junto o original deste segundo documento (quando não foi, como melhor veremos adiante), decidiu alterar o objecto da perícia, passando esta a ter como objecto este outro documento.
Ora, tendo em consideração, como já vimos, que o despacho proferido em 4.02.2022, na parte em que fixou o objecto da perícia não era susceptível de apelação autónoma, o mesmo – nesse mesmo segmento - ainda não havia transitado em julgado quando foi proferido o despacho datado de 12.07.2022.
Por outro lado e como expressivamente se explica no ac. desta Relação de Guimarães de 6.05.2021, relatado por João Ramos Lopes e acessível in www.dgsi.pt:
O caso julgado tem limites temporais – porque incide sobre uma decisão que apreciou uma questão concreta e, assim, porque o seu momento de referência corresponde àquele em que poderão ser apreendidos para a decisão os factos relevantes, verificam-se, respeitantes ao futuro, duas consequências: a caducidade do caso julgado e a susceptibilidade de modificação da decisão transitada se se verificar uma alteração na situação de facto após o momento em que para a decisão poderiam ser apreendidos factos relevantes [Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, p. 583/584].
Efectivamente, porque também submetido ao princípio rebus sic santibus, o caso julgado deixa de valer quando se alteram os condicionalismos de facto em que a decisão proferida assentou – e assim que o caso julgado pode perder a sua eficácia por caducidade (que ocorre quando deixa de subsistir a situação de facto subjacente à decisão) ou por substituição da decisão transitada (que pode ser requerida quando se altera a situação de facto a ela subjacente) [Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, p. 586 e 587].
Dito doutro modo – uma decisão perdurará enquanto não sobrevierem alterações na situação processual objecto de despacho; isto é, produzirá ‘efeitos enquanto não se modificarem as circunstâncias que foram determinantes para o seu teor e sentido’ (asserção válida tanto para as decisões de mérito quanto para as decisões de forma) [Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, revista Julgar Online, Novembro de 2018, pp. 2/3.14].”.
No caso, a alteração do objecto da perícia foi justificada atenta a alegada impossibilidade de junção do original do documento junto com a petição inicial, não havendo, nessa medida, uma repetição de decisão sobre a mesma questão. Ou seja, ocorreu, pelo menos na perspectiva do tribunal recorrido, uma alteração das circunstâncias que justificaria a alteração do objecto da perícia anteriormente fixado.
Questão diversa e que importa, portanto, agora averiguar é se, no caso, se justificava a alteração do objecto da perícia.
Desde já, podemos adiantar com segurança que não.
O incidente de impugnação de documento ora em questão reporta-se à falsidade da assinatura constante do documento nº ..., junto com a petição inicial, alegadamente da autoria do 2º réu.
Prescrevem os art.ºs 444º e 445ºdo NCPC que a impugnação da assinatura de um documento particular deve ser feita no prazo de 10 dias a contar da apresentação do documento ou da notificação da sua junção, podendo o impugnante requerer a produção de prova e, notificada a impugnação, a parte que produziu o documento pode, por sua vez, requerer a produção de prova destinada a convencer da sua genuinidade.
Conforme resulta dos ensinamentos de Vaz Serra (in, «Provas (Direito Probatório Material)» in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 111, Dezembro 1961, p. 160-161): A «assinatura é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste, o acto, portanto, com que lhe confere a sua autoria e que justifica a força probatória do mesmo documento. (…)»; sendo que «[r]elativamente à força probatória dos documentos particulares» – como o que está em causa no incidente –, «há que assinalar, antes de mais, que, ao contrário dos documentos autênticos (…), os documentos particulares não provam por si mesmos a sua autenticidade ou genuinidade, quer dizer, a pessoa de quem provêm. Não é, pois, suficiente a apresentação deles para se considerar apurado que o seu autor é aquele que neles figura como tal. (…) não pode (…) presumir-se que a assinatura e a letra são efectivamente daquele a quem são atribuídas: há que apurar se tal assinatura é autêntica ou genuína (…).
No nosso direito, esta averiguação faz-se mediante reconhecimento, expresso ou tácito, da parte contrária à que produz o documento ou mediante outra prova (Código de Processo Civil, art.os 538.º e 539.º)» (ob. cit., p. 181 e 191).
Neste mesmo sentido se pronunciava Alberto dos Reis (em anotação aos art.ºs 538º e seguintes do Código de Processo Civil Anotado, então vigente, e no qual a matéria em questão se encontrava regulada, Volume III, 3.ª ed., 1950, reimpressão por Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 401 e seguintes), sublinhando que a autenticidade do documento particular, tomando a palavra “autenticidade” no sentido de genuinidade ou veracidade da sua autoria, não emerge do próprio documento, este não a impõe, tendo, antes, de ser estabelecida por meios estranhos a ele:
«Nos documentos particulares assinados é a assinatura que indica a proveniência, a paternidade ou a autoria do documento. Indica-a, mas não a certifica nem a impõe (…) há que verificar se a indicação corresponde à verdade, se o documento emana realmente da pessoa que figura como autor» (ob. cit., p. 402).
Sendo que a veracidade da autoria do documento – já então, como agora – poderia ser obtida através de três formas:
«a) Por meio de legalização;
b) Pelo reconhecimento, expresso ou tácito, da parte contra quem o documento é produzido;
c) Por meio de exame judicial ou de outros meios de prova» (ob. cit., p. 404).
Estes ensinamentos mantêm inteira actualidade perante o que dispõe o art.º 374º do CC, do qual decorre que, contrariamente ao que sucede com os documentos autênticos, os documentos particulares não provam, por si só, a genuinidade da sua (aparente) proveniência.
«A letra e assinatura, ou a assinatura, só se consideram, neste caso, como verdadeiras, se forem expressas ou tacitamente reconhecidas pela parte contra quem o documento é exibido ou se legal ou judicialmente forem havidas como tais» (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4º edição, p. 331).
Pelo que, havendo impugnação da assinatura, será ao apresentante do documento que incumbe provar a autoria contestada. Para esse efeito, e na falta de disposição legal que o proíba, não está o apresentante do documento impedido de lançar mão de qualquer meio de prova, da mesma forma que, para formar a sua convicção acerca da dita autoria, não está o tribunal impedido de se socorrer de qualquer meio de prova, designadamente a prova testemunhal ou documental. Ou seja, a lei não impõe qualquer espécie de prova – designadamente a pericial – para o mencionado efeito.
De todo o modo, e apesar da prova pericial não ser o único meio disponível para a demonstração da veracidade da assinatura, a verdade é que se trata da prova maisnatural ou preferencialpara tanto, “por esse apuramento pressupor conhecimentos técnicos subtraídos ao indiferenciado julgador” (cfr. ac. RG de 2.02.2017, relatado por Maria João Matos e acessível in www.dgsi.pt).
Note-se que a prova pericial «traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos específicos ou técnicos especiais (…); ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas» (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 262 e 263).
Compreende-se, por isso, que a «prova pericial tanto pode visar a percepção indiciária de factos por inspecção de pessoas ou de coisas, móveis ou imóveis, como a determinação do valor de coisas ou direitos, ou ainda a revelação do conteúdo de documentos [maxime, os livros e documentos de suporte da escrita comercial e os documentos electrónicos] ou o reconhecimento de assinatura, letra (art. 482), data, alteração ou falta de autenticidade de documento» (vide, José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, p. 294).
Assim, “a prova pericial pode ter por objecto factos, máximas da experiência e prova sob prova, sendo que no primeiro caso [factos] visa a afirmação de um juízo de certeza sobre os factos «ou circunstâncias» (v.g. perícia sobre ADN de alguém), no segundo [máximas da experiência] visa «apenas proporcionar ao juiz regras ou princípios técnicos para que este, recorrendo aos mesmos, possa conhecer e apreciar os factos» (v.g. actuando o perito nos «mesmos moldes» que «o técnico que o juiz pode nomear para o elucidar sobre a averiguação e interpretação de factos que o juiz se propõe observar - cfr. Artigo 492º, nº 1 do Código de Processo Civil»), e no terceiro [prova sob prova] visa «conhecer o conteúdo e sentido de outra prova» (v.g. «exame grafológico» ou «tentativa de recuperar o que consta duma gravação sonora imperfeita»)” (cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2014, p. 175, apud ac. da RG de 5.12.2019 e relatado por Maria João Matos e acessível in www.dgsi.pt e que acompanhamos de perto).
Por outro lado, nos termos do art.º 475º do NCPC, ao «requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões que pretende ver esclarecidas através da diligência» (nº 1), podendo a perícia «reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária» (nº 2).
Entende-se, assim, que o «objeto da perícia é constituído por questões de facto que sejam condicionantes (porque infirmadoras ou corroboradoras dos factos que sustentam a pretensão e/ou exeção) da decisão final de mérito segundo as várias soluções plausíveis de direito»; e, por isso, «a prova pericial tanto pode incidir sobre factos essenciais como sobre factos instrumentais, desde que estes últimos sejam idóneos a conduzir à prova daqueles» (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, p. 539).
Importa, pois, que o objecto da perícia se reporte a matéria «com interesse para a solução jurídica da causa» (cfr. ac. da RG, de 19.02.2013, subscrito pela aqui adjunta Ana Cristina Duarte, e acessível in www.dgsi.pt), cabendo ao juiz fixá-lo conforme preceitua o art.º 476º, do NCPC.
Isto posto, no caso, como vimos, entendeu o tribunal recorrido que, interessando à realização da perícia a junção do original do documento impugnado, não tendo tal original sido junto, ser de admitir a realização da perícia sobre um outro documento que não o visado no incidente com vista a aferir da genuinidade do impugnado.
Ora, embora se nos afigure que a junção deste “novo” documento possa revestir algum interesse para a decisão da causa, a verdade é que não podemos esquecer que no presente incidente de impugnação de genuinidade de documento não está em causa averiguar se foi ou não estabelecida uma relação contratual entre as partes e quais os seus termos (questão que faz antes parte do objecto da acção), mas apenas e tão só aferir se determinado documento em concreto foi ou não subscrito pelo 2º réu. O objecto da acção não deve, nem pode ser confundido com o objecto do incidente ora em questão. 
Por outro lado, e mais importante e incontornável é que, como bem apontam os recorrentes, o tribunal recorrido ao alterar o objecto da perícia fê-lo no pressuposto que a autora tinha junto aos autos o original do documento oferecido com o requerimento de 21.02.2022, e que pretendia assim que a perícia tivesse por objecto tal documento, quando manifestamente assim não é.
O documento junto com o aludido requerimento trata-se também de uma mera cópia. Analisado o histórico dos autos principais, constata-se que o documento em causa foi apresentado em juízo apenas por via electrónica, nos termos previstos no art.º 144º, nºs 1 e 2, do NCPC, e o tribunal recorrido não ordenou o cumprimento do disposto no nº 5, al. b), do mesmo preceito, nem a autora, por sua vez, tomou a iniciativa de carrear para os autos o dito original.
Aliás, o único documento original junto aos autos, para além da procuração forense, trata-se do “contrato de cedência de espaço comercial” celebrado entre a ré e a EMP03... – Sociedade Gestora do Edifício, SA (cfr. requerimento de 18.02.2022), cuja genuinidade não foi colocada em causa.
Mas mais. Tal equívoco originou ainda que o exame pericial tenha incidido sobre a assinatura e rúbricas apostas em tal “contrato de cedência de espaço comercial” e não sobre as apostas no “contrato de franchising” apresentado em 21.02.2022, como se depreende da análise do respectivo relatório pericial, o que inquina inexoravelmente a força probatória da resposta dada pelos peritos naquele relatório e, por inerência, a fundamentação da decisão da matéria de facto do tribunal recorrido que o acolheu (como resulta do acima exposto, o tribunal a quo baseou a sua convicção de forma substancial no resultado da predita prova pericial).
Ante o exposto, dúvidas não restam que, assim sendo, deverá a decisão recorrida ser revogada e ordenada a realização de nova perícia, por ser este, como vimos, o meio probatório mais adequado a aferir da veracidade da assinatura posta em causa, tudo ao abrigo do disposto no art.º 662º, nº 2, als. b) e c), do NCPC [cfr. ac. da RG de 12.05.2016, relatado por Maria Cristina Cerdeira e ac. RP de 22.06.2020, relatado por Rita Romeira e disponíveis in www.dgsi.pt].
Com efeito, atenta a apontada deficiência do exame pericial, e na medida em que a mesma se reflecte na decisão proferida pelo tribunal a quo, e não dispondo esta Relação de elementos que possibilitem a reapreciação dos factos, impõe-se anular a decisão recorrida e ordenar a realização de nova perícia.
Resta decidir se a nova perícia a realizar deverá ter por objecto o documento nº ..., junto com a petição inicial, como pretendem os recorrentes.
Ora, não obstante, apenas constar dos autos uma cópia de tal documento, afigura-se-nos que tal não constitui um óbice intransponível à realização da perícia com tal objecto.
Veja-se que, como muito bem se salienta no ac. da RL de 10.03.2022, relatado por Maria Amélia Ameixoeira e acessível in www.dsgi.pt «é possível a realização do exame em fotocópias», ainda que «com as limitações inerentes.».
«Ou seja, o exame é possível, existindo limitações que podem afectar a resposta pericial, o que não sucederia se a perícia fosse feita com base no original.
O Ac. da RP de 11-04-2013, proferido no Proc. nº 8027/09.0TBVNG-A.P1, Relator Araújo Barros, entendeu que: “É admissível a prova pericial, relativa à autoria da letra e assinatura aposta num documento, com base na análise de uma fotocópia”.
Também no Ac. da RG de 6-3-2014, Proc. nº 241/10.2TBAMR-A.G1, entendeu-se que I-A validade de realização de Exame Pericial da Escrita através de simples cópia, e não do original do documento, é decisão da exclusiva competência dos peritos. II- Com a reforma da acção executiva de 2008, quando o requerimento inicial é entregue por via electrónica, passou a ser exigível, tão só, a cópia do título executivo (art. 810.º, n.º 6, al. a), do CPC, na redacção introduzida pelo DL n.º 226/2008, de 20-11).; II - Caberá ao executado, em sede de oposição, exigir a apresentação do original do documento” - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/3/2012, P. 227/10.7TBBGC-A. P1. S1.».
Por conseguinte, impõe-se que o tribunal a quo ordene a realização de novo exame pericial, por entidade apropriada, que terá por objecto a alegada assinatura do 2º réu constante do documento nº ... junto com a petição inicial e aposta após a expressão: “FRANCHISADO” (cfr. art.ºs 467º, nº 1 e 476º, do NCPC).
Pelo exposto, procede integralmente o recurso interposto pelos réus, devendo as custas ser fixadas a final (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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V. Decisão

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelos réus e, em consequência, em anular a decisão recorrida, devendo o tribunal a quo ordenar a realização de perícia, por entidade apropriada, tendo por objecto a alegada assinatura do 2º réu constante do documento nº ... junto com a petição inicial e aposta após a expressão: “FRANCHISADO”.
Custas a fixar a final.
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Guimarães, 11.04.2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. António Figueiredo de Almeida