ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIMENTOS
Sumário


1) As capacidades do obrigado à prestação do cuidado parental, no que concerne à específica obrigação alimentar, não podem ser encontradas, exclusivamente, nos rendimentos auferidos e encargos tidos;
2) A paternidade gera responsabilidade, pelo que se compreende que, relativamente aos alimentos devidos a filho menor, não repugne estimular fortemente a capacidade de trabalho do progenitor, não tendo este o direito de se manter ocioso, por forma a subtrair-se à prestação alimentar, pelo que deverão tomar-se em consideração os recursos que aquele poderia obter com o seu trabalho.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) AA veio requerer contra BB Alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais relativamente aos seus filhos CC e DD, onde conclui pedindo que se ordene a alteração das responsabilidades parentais dos menores CC e DD, no que à pensão de alimentos diz respeito e, tendo em conta a atual situação económica da requerente, proceda à sua redução.
Para tanto alega, em síntese, que por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), de 04/06/2020, nos autos de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais a ali requerida e aqui requerente AA, ficou obrigada a pagar a cada um dos filhos menores CC e DD, a título de pensão alimentícia a quantia de €75,00 mensais.
A requerente tem feito os necessários esforços, dada a situação de reclusão, desde ../../2018, em que se encontra, para auferir rendimentos destinados a providenciar quer pela subsistência dos seu filhos, quer pela sua própria e laboralmente ocupada, auferindo, uma média mensal de €100,00 e, atualmente, face à escassez de trabalho aufere uma remuneração média mensal de €78,86, pelo que é insuficiente para prover às suas próprias necessidades, sendo a requerente ajudada por familiares.
Mais refere que o CC completou 18 anos em ../../2018, desconhecendo a requerente se o mesmo continua a estudar ou se já esta a trabalhar.

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O requerido BB veio pronunciar-se, onde conclui entendendo que deve o pedido de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais ser indeferido.
Alega para tanto, em síntese, que o filho do extinto casal, CC, apesar de já ter atingido a maioridade continua a estudar na Escola Profissional ... e a DD, com 9 anos, frequenta o ensino básico pelo que carecem de alimentos, devendo manter-se tudo como estava aquando da fixação da pensão de alimentos.
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O Mº Pº emitiu parecer onde entende que não existem circunstâncias que fundamentem uma alteração superveniente que implique a redução da prestação alimentícia, considerando o que já existia e que era conhecido à data da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, entendendo que o pedido é infundado e que o processo deve ser arquivado (artigo 42º nº 4 RGPTC).
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A requerente AA, notificada para se pronunciar quanto ao promovido arquivamento, veio alegar entendendo que o pedido - por si formulado - não é infundado.
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B) Foi proferida a decisão de 01/02/2024, nos seguintes termos:

“AA pretende demandar BB, com a finalidade seguinte:
... alteração das responsabilidades ... no que à pensão diz respeito e ... proceda à sua redução.
O réu do progenitor manifestou-se contra.
O MP pronunciou-se a favor do arquivamento, face à ausência de circunstâncias supervenientes que justifiquem a visada alteração.
Foi ouvida a requerente.
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A alegação da requerente:
Por via do acórdão de 4 de junho de 2000 foi condenada a pagar €75,00 (alimentos) para cada um dos 2 filhos.
A requerente é reclusa no EP de ... desde ../../2018. E desde 2020 tem aí ocupação que lhe rendeu €100,00 por mês e que no presente lhe permite auferir €78,86 mensais. (5-7)
O valor não chega para acorrer às necessidades dela própria. (8)
Não tem bens. (9)
Não consegue obter rendimentos que lhe permitam cumprir os deveres para com os filhos. (10)
É-lhe impossível pagar as mensalidades relativas aos alimentos. (12)
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O pensamento da A está claramente exposto (22). Aquando da fixação da pensão não estava a trabalhar e agora trabalha; aufere quantia insuficiente e por isso os €75,00 devem sofrer redução. Neste ponto não chega a quantificar a redução tida por apropriada.
Recorda-se que neste TFM foi decidida a parte do atual regime que não obteve consenso, precisamente a referida pensão. Em dezembro de 2019.

Considerou-se como realidade esclarecida que:
-  AA foi condenada a 19 anos de prisão; (e)
- Está reclusa desde há meses e sem rendimentos. (i)
 Constatando-se a ausência de aptidão para tanto, decidiu-se este TFM pela não condenação a prestação de alimentos.
A decisão veio a ser doutamente corrigida pela RG (ac. de 4 de junho de 2020) que condenou AA ao pagamento de €75,00 para cada um dos dois filhos.
A explicação foi exposta. Só a efetiva e irrefutável demonstração da inexistência de capacidade patrimonial por parte do obrigado, livraria a progenitora da condenação; as suas capacidades não podem ser encontradas exclusivamente nos rendimentos auferidos … o enfoque deverá ser colocado na exigência de que o progenitor envide os necessários esforços para auferir rendimentos … não repugnando estimular fortemente a capacidade de trabalho … não tem o direito de se manter ocioso … a medida das possibilidades é traduzida, não só pelos rendimentos auferidos mas também pela capacidade de exercer atividade geradora de rendimento … não sendo inadmissível que se remeta a uma passividade laboral; a condição de reclusa foi ponderada e a possibilidade de nesta, exercer atividade laboral remunerada (atestando-o agora a requerente) e ponderou-se também que as possibilidades da progenitora são espartanas e que os proventos desta serão baixos (também o confirma a requerente, ao alegar receber €78,86 por mês).
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A modificação da realidade que AA traz como justificação para uma não quantificada redução é a de que então (tempo da condenação) nada auferia e que, entretanto, passou a trabalhar no EP e a ter rendimento, que no presente é de €78,86 mensais. A conclusão que se impõe é a de que a sua vida económica melhorou desde a decisão cuja alteração é visada.
Permanece intocada, todavia, a argumentação justificativa da condenação. A efetiva e inelutável inaptidão para gerar rendimentos não é sequer invocada (perda dos braços, necessidade de estar hospitalizada e ligada a máquina com permanência que a impedisse de encetar esforços e lhe impusesse de forma incontornável a passividade laboral, etc.). A alegação de que ganha pouco não tem relevo para a finalidade visada, a obrigação advém da potência para trabalhar, não do ato nem do real rendimento, mesmo na especial e sufocante condição de reclusa.
A mudança ocorrida na realidade (rendimento de zero para €78,00) não é fundamento para redução (art. 42º nº 4 RGPTC e art. 2012º CC).
Arquive.
Custas pela requerente.
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C) Inconformada com a decisão veio a requerente AA interpor recurso de apelação, que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito devolutivo (ref. ...18).
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Nas alegações de recurso da apelante AA, são formuladas as seguintes conclusões:

1. A sentença com a referência nº ...73 de 01.02.2024 ordenou o arquivamento dos autos, porquanto a mudança ocorrida na realidade, (a requerente apelante não trabalhava e agora trabalha, tinha rendimento de zero e agora tem um rendimento de para 78 euros), não é fundamento para redução (artº 42º nº 4 RGPTC e artº2012º CC).
2. O objeto deste recurso restringe-se a saber se, no caso dos autos existem ou não fundamentos para pedir uma nova regulação das Responsabilidades parentais, e existindo se ela deve ser reduzida.
3. Para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação.
4. Na 1ª Instância foi dado como provado que a requerente estava reclusa, foi condenada, por acórdão transitado em julgado em 31 de outubro de 2018, a uma pena de dezoito anos de prisão, não tem vida profissional e não tem rendimentos, motivo por que não foi fixada a prestação a cargo da progenitora não guardiã.
5. Em sede de recurso, a prestação de alimentos veio a ser fixada em 04.06.2020 pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no valor de €75,00 para cada um dos 2 filhos, no total de €150,00.
6. A prestação de alimentos foi fixada tendo em conta, não propriamente os rendimentos auferidos em concreto pela apelante (que na altura não trabalhava), mas sim com base na capacidade do obrigado para exercer uma atividade profissional geradora de rendimento.
7. Concluiu o Tribunal da Relação de Guimarães que a requerente/apelante, na altura tinha 36 anos de idade e como tal estava em plena posse das suas capacidades laborais , ou seja podia exercer uma atividade profissional geradora de rendimento (pois não fez prova como lhe competia de qualquer incapacidade laboral por invalidez) e portanto nada a inibe de procurar ativa e diligentemente uma atividade profissional, e estar reclusa não seria impeditivo de exercer uma ocupação remunerada normal e de pagar uma prestação, que acabou por fixar, por recurso a um juízo de equidade.
8. Decorridos mais de três anos após a fixação dos alimentos e tendo a sua situação profissional e económica sido alterada, a apelante pretende que os seus rendimentos efetivos sejam considerados na alteração pedida.
9. Efetivamente, após a fixação dos alimentos pelo Tribunal da Relação, a ora apelante comprovou nos autos que se manteve laboralmente ocupada no estabelecimento prisional, auferindo primeiro €100,00 (doc. ... junto com a pi) e na atualidade auferindo uma média mensal de €78,86 (doc. ... junto com a pi e atualizado por requerimento com a refª ...07 de 22.11.2023 com declaração dos rendimentos retificada pelos serviços prisionais).
10. A apelante não se remeteu a uma passividade laboral, não está ociosa no estabelecimento prisional, no entanto, o que ganha na atualidade, uma média diária de €2,62 não chega sequer para satisfazer as suas próprias necessidades.
11. A apelante não tem uma situação económica desvantajosa porque queira e não se colocou na situação de reclusa para não pagar a pensão de alimentos. O certo é que estando presa está impedida de procurar ativamente trabalho dito “normal”, uma vez que está sujeita às ofertas de emprego que tem na prisão. E como é do conhecimento geral o que se ganha numa ocupação laboral num estabelecimento prisional é simbólico, nem se pode chamar de salário.
12. Situação diferente, seria, se pudesse arranjar um emprego no mercado livre da procura e oferta, onde pudesse escolher uma atividade profissional mais lucrativa, mas não é essa a sua realidade. Diferente também seria, se a apelante estivesse voluntariamente sem trabalhar na prisão, o que também não ocorre.
13. A apelante não tem quaisquer outros bens, quer imóveis, quer móveis (veículos) em seu nome (doc. ... da PI), que possa vender para aplicar o produto da venda no pagamento das pensões de alimentos.
14. Houve, pois, uma modificação na condição profissional, económica e financeira da requerente, que não foi configurada na decisão primitiva que fixou os alimentos, porque na altura essas circunstâncias não se colocavam, e que agora se colocam.
15. Não podemos concordar com o argumento simplista de que a situação económica da apelante melhorou desde a decisão que fixou os alimentos (passou do rendimento zero para €78,00 euros). Tanto não melhorou que não consegue pagar as prestações de alimentos, estando em incumprimento.
16. Existem circunstâncias que se modificaram e que fundamentam uma alteração superveniente. Tal mudança reflete-se na ponderação que foi feita do critério da proporcionalidade (artigo 2004º nº 1 do CC), aquando da fixação dos alimentos e que o Tribunal da Relação justificou, pela capacidade da progenitora de exercer atividade geradora de rendimentos (uma vez que esta na altura estava desempregada e sem rendimentos), e, na ponderação que terá de ser feita daquele critério da proporcionalidade, na atualidade, ou seja após a apelante estar a trabalhar no estabelecimento prisional, e ter comprovado que aufere mensalmente de €78,86, não tendo assim possibilidades para pagar a prestação.
17. Uma coisa é dizer-se que a apelante poderia obter rendimentos enquanto presa (possibilidade em abstrato), outra, são os rendimentos existentes de facto, na atualidade, em concreto, para serem tidos em conta pelo Tribunal.
18. E perante esta factualidade em concreto, na atualidade, temos que colocar a questão, cuja resposta se requer: como pode a apelante pagar €150,00 de prestação, se só ganha €78,86? Onde fica o critério da proporcionalidade mantendo-se a prestação alimentar no valor de €150,00, quando a obrigada a prestá-los apenas aufere €78,86?
19. O valor que a obrigada a alimentos aufere em média mensal, nem para as suas necessidades de auto- sobrevivência dá. Diremos até que está em causa o limiar da dignidade de uma pessoa, que é necessário salvaguardar o seu direito fundamental a uma sobrevivência com um mínimo de dignidade, direito este constitucionalmente garantido também (artº 1º, 13º, 18º e 63º nº 3 CRP).
20. O direito a alimentos é um direito atual, e nessa atualidade está em causa, apreciar as necessidades dos menores, mas também as possibilidades do obrigado a alimentos, o que não foi feito.
21. E, não se diga que está aqui em causa a desconsideração pelos superiores interesses das crianças, pois elas não ficariam sem alimentos. Neste caso muito peculiar, o auxílio ao pai para o sustento das crianças terá de partir da Segurança Social (artº 63º nº 3 CRP).
22. Encontrando-se alterado o circunstancialismo que determinou a fixação da prestação de alimentos, deve esta ser substituída por outra que assegure o princípio da proporcionalidade plasmado no artigo 2004º/1 CC, o que não foi feito.
23. Sem prescindir, o Tribunal “a quo” não fundamentou o arquivamento do processo, não tendo evidenciado o juízo valorativo em relação aos factos alegados no caso concreto, que permitam concluir que o pedido de alteração se revela infundado ou desnecessário, como refere a lei.
24. Ao contrário do arquivamento, deveriam os autos prosseguir, observando-se na parte aplicável o disposto nos artigos 35º a 40º do RGPTC, refletindo assim o direito a um julgamento justo e o direito de acesso dos cidadãos aos tribunais.
25. A decisão recorrida violou, as normas jurídicas que constam no nº 1 e 4 do artigo 42º do RGPTC, artigo 2004º nº 1 e 2012º do CC, 988º do CPC e 63º nº 3 da CRP.
Termina entendendo que deverá ser considerado procedente o presente recurso e ser revogada a decisão proferida e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.
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Pelo apelado BB foi apresentada resposta onde entende que deve o recurso interposto pela recorrente/apelante ser:

a) Rejeitado por inobservância de formas legais; no caso de assim não se entender,
b) Considerado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida.
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Pelo Mº Pº foi apresentada resposta onde entende que deve manter-se a decisão recorrida.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir na apelação é a de saber se deverá ser alterado o montante da prestação alimentícia, fixado em €75,00, para cada um dos dois filhos da requerente e do requerido, reduzindo-o.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Resulta provada a seguinte matéria de facto:
1. BB casou com AA em ../../2001.
2. Desse casamento nasceram CC, a ../../2005 e DD, a 24 de maio de 2014.
3. A requerente AA foi condenada, por acórdão de 31 de outubro de 2018, na pena de dezanove anos de prisão por homicídio de uma tia do requerido BB.
4. O requerido BB é serralheiro e é com ele que vivem os menores, prestando-lhes os cuidados adequados e mantendo ligação de afeto entre eles
5. Por acórdão de 04/06/2020, proferido no processo apenso nº 3928/18.8T8VCT-A.G1 foi decidido fixar a prestação alimentar a cargo da ali apelada AA, no montante de €75,00 mensais para cada um dos seus filhos, ocasião em que esta estava sem atividade profissional e sem rendimentos.
6. A apelante AA encontra-se no Estabelecimento Prisional (EP) de ... e encontra-se laboralmente ocupada auferindo, uma média mensal de €100,00 e, atualmente, na EMP01...”, usufrui de um rendimento mensal médio de €78,86.
7. O CC frequenta, no ano letivo 2023/2024, o 3º ano do Curso Técnico de Desenho Digital 3D, na Escola Profissional ....
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B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) O recurso visa unicamente a reapreciação da decisão da matéria de direito.
Nos processos de regulação das responsabilidades parentais quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles, ou o Ministério Público, podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais, pelo que, verificado este circunstancialismo, a decisão anterior, transitada em julgado, pode ser modificada (artigo 42º nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível – RGPTC).
Como se refere lapidarmente no Acórdão da Relação de Lisboa de 07/06/2018, no processo 9217/15.2T8LRS-A.L1, “a prestação alimentar a favor de filho menor fixada por acordo dos pais na ação de regulação das responsabilidades parentais, pode, em qualquer altura, sofrer alteração, para mais ou para menos, quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, atendendo aos interesses da criança (artigos 40º, nº 1 e 42º, nº 1, do RGPTC).
Para o efeito, consideram-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, como as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (cf. art. 988º, nº 1, 2ª parte, do CPC).
A determinação da medida dos alimentos devidos a menor deve obedecer aos seguintes critérios: necessidade do alimentando menor, possibilidades do progenitor alimentante, possibilidades do menor alimentando prover à sua subsistência.”
Os alimentos abrangem tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, abrangendo a instrução e educação do alimentando no caso de este ser menor (artigo 2003º Código Civil) e devem ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, atendendo à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência (artigo 2004º).
Como refere a Conselheira Clara Sottomayor in Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, a páginas 449-450, “o que está em causa é a satisfação das necessidades do alimentando, não apenas das necessidades básicas, cuja satisfação é imprescindível para a sobrevivência deste, mas de tudo o que a criança precisa para ter uma vida conforme à sua condição social, às suas aptidões, ao seu estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral.”
Conforme se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 13/03/2014, no Processo nº 714-C/2002.G1, “No que concerne especificamente à questão central dos alimentos, isto é, a tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação (artigo 2003º do Código Civil), terão de ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los (artigo 2004º).
Já em 2002, neste mesmo Tribunal da Relação de Guimarães se escrevia, no acórdão de 25/09/2002, relatado pelo Desembargador Leonel Serôdio, disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça em www.dgsi.pt que “a condição de pai implica o dever de ter uma situação económica estável para prover ao sustento dos filhos” e que “a situação de desemprego não dispensa o progenitor de cumprir a obrigação de alimentos, que será calculada atenta a sua capacidade de trabalhar e de auferir rendimentos.”
Por outro lado e neste mesmo sentido, como muito bem se refere no Acórdão do STJ de 12/11/2009, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça, “configurando-se o dever de alimentos aos filhos menores como um verdadeiro dever fundamental dos respetivos progenitores, diretamente fundado no artigo 36º nº 5, da Constituição, ao fixar-se judicialmente, em processo declaratório, a medida dos alimentos devidos ao menor, adequando-os aos meios de quem houver de prestá-los, não pode o tribunal limitar-se a atender ao valor atual dos rendimentos atualmente auferidos pelo devedor, devendo valorar, de forma global e abrangente, a sua condição social, a sua capacidade laboral - e o dever de diligenciar ativamente pelo exercício de uma atividade profissional que lhe permita satisfazer minimamente tal dever fundamental no confronto do menor – bem como todo o acervo de bens patrimoniais de que seja detentor.”
Não pode deixar de se reconhecer, na sequência da doutrina do Acórdão, a especificidade da prestação alimentar devida a menores, por envolver a satisfação de necessidades básicas do menor e a natureza dos direitos fundamentais envolvidos.
Com efeito, no nº 5 do artigo 36º da Constituição estabelece-se que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
Como se refere no aresto citado “estamos, como diz Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª ed., pág. 169), perante um caso nítido de deveres reversos dos direitos correspondentes, de direitos deveres ou poderes-deveres com dupla natureza [a elevação deste dever elementar de ordem social e jurídica (que se exprime no brocardo qui fait l’enfant doit le nourrir) a dever fundamental no plano constitucional encontra-se também noutros textos constitucionais de países da mesma família civilizacional, designadamente, no artigo 39º nº 3, da Constituição Espanhola (“os pais devem prestar assistência de toda a ordem aos filhos nascidos dentro ou fora do matrimónio, durante a sua menoridade e nos demais casos previstos na lei”), no artigo 30º, I, da Constituição Italiana (“os pais têm o direito e o dever de manter, instruir e educar os filhos, mesmo nascidos fora do casamento”) e no artigo 6º, II, da Lei Fundamental da Alemanha (“a assistência e a educação dos filhos são um direito natural dos pais e a sua primordial obrigação).
Também no âmbito internacional se afirmam tais deveres (para os pais) e direitos (para os filhos), designadamente no artigo 27º da Convenção sobre os Direitos da Criança (aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12 de setembro, publicados no Diário da República, I Série, de 12 de setembro de 1990) que estabelece caber “primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança” (nº 2 ).
Esta específica natureza do «dever fundamental» da prestação de alimentos tem, aliás, relevantes consequências ao nível do direito infraconstitucional:
- desde logo, é ela que legitima a tutela penal, relativamente à violação da obrigação de alimentos, erigindo em bem jurídico protegido a satisfação das necessidades fundamentais do credor de alimentos, decorrente do tipo penal contido no art. 250º do CP;
- é ela que explica a particular compressão, na fase executiva, do próprio direito à sobrevivência condigna do progenitor vinculado ao dever de prestar alimentos, expressa na circunstância de o TC não tomar aqui como referencial básico de tais necessidades fundamentais o valor do salário mínimo nacional;
- é ela que permite compreender por que razão o Estado tem o dever de instituir uma prestação social substitutiva, com vista ao reforço da proteção social dos menores carenciados, expressa no regime do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores, constante da Lei nº 75/98; note-se que, face ao estipulado no art. 1º de tal diploma legal, o dever de o Estado assegurar tal prestação social aparece condicionado ao facto de a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos ao menor não satisfazer as quantias em dívida, através dos descontos previstos no art. 189º da OTM…
- finalmente, é essa específica natureza de dever fundamental que permite compreender que, na fixação judicial dos alimentos devidos, o tribunal deva ter em causa, não apenas, de forma redutora, o estrito montante pecuniário auferido pelo devedor dos alimentos em certo momento temporal, mas, de forma ampla e abrangente, toda a situação patrimonial e padrão de vida deste, incluindo a sua capacidade laboral futura, estando obviamente compreendido no dever de educação e sustento dos filhos a obrigação de ativamente procurar exercitar uma atividade profissional, geradora de rendimentos, que permita o cumprimento mínimo daquele dever fundamental.
Note-se que o TC já foi chamado a pronunciar-se especificamente sobre este tema, tendo, no Ac. 525/01, considerado manifestamente infundada a questão da invocada inconstitucionalidade da norma constante do art. 180º nº 1, da OTM, conjugada com o artigo 2004º do Código Civil, na interpretação segundo a qual o interesse do menor poderia legitimar a condenação do respetivo progenitor ao pagamento de uma pensão alimentar, apesar de este não dispor de rendimentos, tendo, porém, o dever de trabalhar, ainda que como trabalhador - estudante, com vista a auferir a quantia suficiente para cumprir minimamente os seus deveres, no confronto do filho menor.”
De resto, como refere a Conselheira Clara Sottomayor in Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, a páginas 461, “Os tribunais têm admitido que a capacidade económica dos pais não se avalia só pelos rendimentos declarados, mas também pela capacidade de gerar proventos, pelo nível de vida ou padrões de consumo que efetivamente têm e pelos rendimentos de atividades profissionais por conta própria mesmo que não sejam declarados.”
No acórdão proferido no processo nº 3928/18.8T8VCT-A.G1, refere-se que “O direito e o dever dos pais de educação e manutenção dos filhos (art. 36º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa) são um verdadeiro direito-dever subjetivo e não uma simples garantia institucional ou uma simples norma programática, integrando o chamado poder paternal (que é uma constelação de direitos e deveres, dos pais e dos filhos, e não um simples direito subjetivo dos pais perante o Estado e os filhos) [Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista (2007), p. 565 (anotação VII)].
Como se faz ressaltar no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 306/2005 (No sítio www.tribunalconstitucional.pt), de 8/06/2005, o dever de ‘alimentos a cargo dos progenitores, um dos componentes em que se desdobra o dever de assistência dos pais para com os filhos menores, não pode reduzir-se a uma mera obrigação pecuniária’, sendo que mesmo que se ‘conceba o vínculo de alimentos como estruturalmente obrigacional, a natureza familiar (a sua génese e a sua função no âmbito da relação de família) marca o seu regime em múltiplos aspetos (v. gr. tornando o direito correspondente indisponível, intransmissível, impenhorável e imprescritível – cf. maxime o artigo 2008º do Código Civil)’ – não está ‘somente em causa satisfazer uma dívida, mas cumprir um dever que surge constitucionalmente autonomizado como dever fundamental e de cujo feixe de relações a prestação de alimentos é o elemento primordial’, como resulta do art. 36º, nº 5 da CRP, sendo beneficiários imediatos de tal dever fundamental privilegiado os filhos, ‘tratando-se dum daqueles raros casos em que a Constituição impõe aos cidadãos uma vinculação qualificável como dever fundamental cujo beneficiário imediato é outro indivíduo (e não imediatamente a comunidade)’. Integra-se – ainda seguindo o mesmo Acórdão do T. C. nº 306/2005 – a prestação de alimentos num dever privilegiado, que sendo dedutível de muitos outros preceitos da Constituição – v. g., dos artigos 67º, ao reconhecer a família como elemento fundamental da sociedade e 69º, ao proteger a infância contra todas as formas de abandono –, se mostra expressamente ‘consagrado, como correlativo do direito fundamental dos filhos à manutenção por parte dos pais.”
Acrescenta o citado aresto que “As necessidades do alimentando são a primeira medida da obrigação – os alimentos terão, como primeira medida, as necessidades deste. Estas necessidades, como resulta do nº 1 do art. 2004 do CC, traçam o limite máximo da obrigação alimentar – esta não existe para lá das referidas necessidades (mesmo que as possibilidades do devedor sejam mais que suficientes para ir além de uma tal medida).
Tais necessidades devem ser conjugadas com a medida das possibilidades do obrigado.
A medida das possibilidades do progenitor obrigado deve ser encontrada na sua capacidade de prover às necessidades do seu filho, sendo certo que as necessidades deste sobrelevam a disponibilidade do progenitor, no sentido de que o conteúdo da obrigação de alimentos que lhe compete cumprir não se restringe à prestação mínima e residual de dar ao filho um pouco do que lhe sobra, mas antes no de que se lhe exige que assegure as necessidades do filho menor com prioridade sobre as próprias e se esforce em obter meios de propiciar ao filho menor as condições económicas adequadas ao seu sadio, harmonioso e equilibrado crescimento (Acórdão R. Porto de 14/06/2010 (Guerra Banha), no sítio www.dgsi.pt) – ideia base e fundamental para apurar das possibilidades do progenitor (mormente para as afirmar ou excluir) é a de que ‘até que as necessidades básicas das crianças estejam satisfeitas, os pais não devem reter mais rendimento do que o requerido para providenciar às suas necessidades de autossobrevivência’ (Citado acórdão do T. C. nº 306/05).
A obrigação alimentar dos progenitores (inserida na obrigação de cuidado parental) assenta no ‘postulado social comum de que a cada um cabe não só cuidar da sua própria subsistência pessoal, mas ainda velar pelo amparo das crianças a que deu vida e que, pela natureza das coisas, se encontram numa situação de indefesa carência, sendo certo que tal comparticipação deverá ser fixada, equilibradamente, consoante a situação económica que em dado momento usufrui’, donde resulta que ‘todos os progenitores se encontram à partida adstritos ao cumprimento desse dever jurídico, sendo absolutamente excecional qualquer situação (anómala) de exoneração’, ou seja, só ‘a efetiva e irrefutável demonstração da inexistência de capacidade patrimonial por parte do obrigado justifica que a titularidade do direito a alimentos se torne, por esse motivo, materialmente inconsequente, nenhuma importância pecuniária sendo afinal, a esse título, atribuída ao sujeito carenciado’ (Cfr. o citado acórdão R. Lisboa de 10/05/2011).
Deve por isso entender-se que as capacidades do obrigado à prestação do cuidado parental, no que concerne à específica obrigação alimentar, não podem ser encontradas, exclusivamente, nos rendimentos auferidos e encargos tidos.
Sobre o progenitor impende um dever jurídico de contribuir para o sustento do filho, de acordo com as suas possibilidades; não se trata de um simples dever jurídico de cariz estritamente pecuniário, mas dum dever de observar comportamentos para dar satisfação àquelas necessidades do seu descendente. Trata-se duma obrigação que assenta e emerge da responsabilidade parental, e nesta encontra o seu fundamento – atente-se que a obrigação alimentícia é uma obrigação não autónoma, ligada a uma relação jurídica especial onde tem a sua fonte [Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume V, 1995, p. 585 (nota 2 ao art. 2006º)], pressupondo a existência prévia de um vínculo especial de filiação (e, por isso, também de parentesco), que é o facto jurídico matriz [Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos (Devidos A Menores) «Versus» o Dever de Assistência dos Pais Para Com os Filhos (Em Especial Filhos Menores); Coimbra Editora, p. 55 (nota 73)] (ainda que se deva notar que tal obrigação transcende o puro plano da responsabilidade parental, mantendo-se mesmo que o obrigado esteja inibido das responsabilidades parentais, como resulta do art. 1917º do CC, caracterizando-se, a mais do que pela autonomia, por ser uma especial ou qualificada obrigação alimentar, diferindo substancialmente da comum e estrita obrigação de alimentos, que se dilui na mais densa obrigação de sustento e manutenção [Remédio Marques, obra citada, pp. 128, 56 e 65]).
O enfoque, neste particular aspeto, deverá ser colocado na exigência legal de que o progenitor envide os necessários esforços (considerando as suas capacidades, atributos, competências e habilitações) para auferir rendimentos destinados a providenciar pela subsistência seu filho (a par de providenciar pela sua).
Porque a paternidade gera responsabilidade, compreende-se que, relativamente aos alimentos devidos a filho menor, o critério legal seja muito apertado, não repugnando estimular fortemente a capacidade de trabalho do progenitor (Antunes Varela, Direito da Família, 1º Volume, 1999, p. 355), sendo certo que este não tem o direito de se manter ocioso, por forma a subtrair-se à prestação alimentar, pelo que deverão tomar-se em consideração os recursos que aquele poderia obter com o seu trabalho (Maria Clara Sottomayor, Regulação de Exercício do Poder Paternal Nos Casos de Divórcio, 4ª edição, p. 203 (citando Vaz Serra)).
A medida das possibilidades do obrigado é traduzida, por isso, não só pelos rendimentos efetivamente auferidos (integrada pelos encargos suportados com a própria subsistência), no caso de exercer atividade profissional, mas também pela capacidade do obrigado exercer uma atividade profissional geradora de rendimento.
A obrigação a que o progenitor está adstrito tem ínsita uma obrigação de facere, de desenvolver ativo e proficiente esforço na angariação de meios para prover ao sustento dos filhos, não sendo admissível que se remeta a uma passividade laboral incompatível com os seus deveres parentais.
Havendo que ter primacialmente com conta em decisões como a presente o superior interesse do menor (art. 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança e também o art. 40º, nº 1 da Lei 141/2015, de 8/09), tem de ponderar-se que o direito constitucionalmente reconhecido ao progenitor de escolher a sua forma de vida deve ser conciliado com as suas irrenunciáveis responsabilidades parentais, designadamente com o seu dever de prover ao sustento do filho.
Por isso, no apuramento da existência – e medida – da obrigação de alimentos, não pode o tribunal deixar de considerar que o progenitor só fica exonerado da obrigação desde que demonstre estar impossibilitado de prestar, designadamente por estar incapacitado de obter rendimentos pelo exercício de uma atividade profissional.
Na verdade, a ‘específica natureza da obrigação fundamental da prestação de alimentos permite compreender que, na fixação judicial dos alimentos devidos, o tribunal deva ter em causa, não apenas, de forma redutora, o estrito montante pecuniário auferido pelo devedor de alimentos, em certo momento temporal, mas de forma ampla e abrangente, toda a situação patrimonial e padrão de vida deste, incluindo a sua capacidade laboral futura, estando, obviamente, compreendido no dever de educação e sustento dos filhos a obrigação do progenitor procurar, ativamente, exercitar uma atividade profissional geradora de rendimentos, que permita o cumprimento mínimo daquele dever fundamental’ (Acórdão do STJ de 12/07/2011 (Hélder Roque), no sítio www.dgsi.pt).
O estabelecimento de pensão de alimentos a favor de filho menor só poderá ser inviabilizado com a efetiva demonstração, por parte do progenitor, de que padece de uma ‘qualquer incapacidade laboral, permanente ou definitiva, que o iniba de procurar ativa e diligentemente uma atividade profissional que lhe permita cumprir os seus deveres com o menor’ [(Acórdão do STJ de 12/11/2009 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt (também, citando-o, o acórdão STJ de 27/09/2011 – Gregório Silva Jesus –, no mesmo sítio)].
Incumbe ao progenitor, para ficar exonerado da obrigação de alimentos, o ónus de prova dos factos demonstrativos da impossibilidade de a prestar (Acórdão R. Porto de 21/06/2011 (Pinto dos Santos), no sítio www.dgsi.pt; também, v. g., os acórdãos da Relação Lisboa de 10/05/2011, acima citado e o Acórdão da Relação de Coimbra de 5/11/2013 (Carvalho Martins), no sítio www.dgsi.pt).”
E acrescenta aquele Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 04/06/2020, “Apurou-se que a progenitora (que conta atualmente 36 anos de idade) foi condenada, por acórdão transitado em julgado em 31 de outubro de 2018, a uma pena de dezoito anos de prisão, que vem cumprindo, estando sem vida profissional e sem rendimentos.
Nada mais se provou.
Conclui-se, assim, não estar provada uma qualquer incapacidade laboral (v. g., em função de invalidez) – e como vimos, sobre a progenitora recaía o ónus de prova da matéria destinada a demonstrá-lo.
Não provada a exceção, vale a regra geral, a normalidade – como regra, os pais podem providenciar pelo sustento dos filhos e estão na plena posse das suas capacidades laborais (como é normal em qualquer pessoa com 36 anos de idade - art. 351º do CC).
Por outro lado, a reclusão a que se mostra coercivamente submetida, não permite afirmar, como de forma tão ligeira se faz na decisão recorrida, que a progenitora se veja impedida de exercer ocupação remunerada normal.
Na verdade, não estando demonstrado (positivamente) que a progenitora padece de qualquer incapacidade laboral que a iniba de procurar ativa e diligentemente atividade profissional, também isso não é impedido pelo cumprimento da pena de prisão – pelo contrário, o ordenamento jurídico expressamente estabelece a possibilidade dos reclusos exercerem atividade laboral, remunerada (equitativamente), sendo destino da remuneração (também) o cumprimento das obrigações de alimentos.
Como resulta do artigo 30º, nº 5 da CRP, os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança mantêm a titularidade dos direitos fundamentais (salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução), um deles o direito ao trabalho (art. 58º, nº 1 da CRP).
À economia da apelação interessa focar e realçar este aspeto do nosso ordenamento jurídico (quer na arquitetura constitucional24, quer na engenharia da legislação ordinária) – o direito fundamental ao trabalho não sofre qualquer limitação (salvo as decorrentes da ressalva estatuída na parte final do nº 5 do art. 30º da CRP) por o cidadão estar em cumprimento de pena, reconhecendo a lei ordinária (art. 7º, nº 1, h) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009, de12/10) o direito do recluso participar nas atividades laborais, impendendo sobre o Estado (sobre o estabelecimento prisional) o dever legal de lhe assegurar as condições necessárias para que o direito ao trabalho venha a ser exercido, dentro das possibilidades disponíveis (arts. 7º, nº 3 e 41º, nº 2 do CEPMPL).”
E importa notar que, embora na data apreciada pelo referido acórdão a ora apelante não tivesse rendimentos, tendo sido fixado, a título de alimentos a suportar pela apelante a favor de cada um dos seus dois filhos, o montante de €75,00, neste momento, a mesma aufere um rendimento mensal médio de €78,86, portanto, superior àquele, pelo que o seu rendimento declarado não justifica uma diminuição do montante fixado.
E embora haja óbvias limitações na procura de trabalho, estando reclusa, a verdade é que os factos provados não nos permitem extrapolar para considerar outros que não se apuraram, por forma a permitir concluir que deva ser atendida a pretensão da apelante.
Não se diga que que não está em causa a desconsideração dos superiores interesses das crianças, com o argumento de que o auxílio ao pai terá de partir da Segurança Social, dado que tal apoio para ser efetivo, pressupõe que a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfaça as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, caso em que o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação (artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19/11).
Conforme refere Tomé d’Almeida Ramião in Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado, a páginas 177, em anotação ao artigo 48º, “o presente normativo visa a cobrança coerciva da prestação de alimentos, através de um procedimento específico pré-executivo, ou seja, à margem de uma ação executiva e independente dela, no sentido que a não precede, e aplica-se a qualquer processo tutelar cível em que se tenha fixado uma prestação de alimentos à criança.
Assim, admite-se o pagamento das prestações de alimentos vencidos e vincendos, através do desconto no vencimento, ordenado, salário do devedor, ou de rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos e comparticipações que sejam processadas com regularidade.
A utilização deste meio pressupõe que tenha sido fixada judicialmente prestação de alimentos e que essa prestação não seja paga dentro de dez dias após o seu vencimento.
Este procedimento coercivo, na ausência de norma expressa em sentido contrário, deve ser suscitado em incidente, por apenso ao processo que fixou a prestação de alimentos, competindo ao tribunal que decretou os alimentos conhecer o incidente, não tendo aplicação a regra geral prevista no art.º 9º — art.º 16º, segunda parte.
O procedimento previsto neste preceito impede o uso, desde logo, da respetiva ação nos termos do C.Proc.Civ.
Na verdade, tratando-se de um procedimento especial, e desde que seja possível a cobrança dos alimentos através do desconto no vencimento ou dos rendimentos referidos nas suas alíneas, deve utilizar-se este meio, por ser mais célere e garantir de forma mais eficaz os interesses da criança, no caso, garantir e assegurar a satisfação das suas necessidades básicas, em particular os necessários meios de subsistência. Na impossibilidade de obtenção dos alimentos por esta via, poderá então efetuar-se a cobrança coerciva através da referida ação executiva, podendo, ainda, se for o caso, acionar o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, no âmbito da Lei nº 75/98, de 19 de novembro.”
A Lei nº 75/98, de 19/11 veio a ser regulamentada pelo Decreto-Lei nº 164/99, de 13/05 e, no seu artigo 2º estabeleceu que:
“1. É constituído, no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.).
2. Compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1º e 2º da Lei nº 75/98, de 19 de novembro.
3. O pagamento das prestações referidas no número anterior é efetuado pelo IGFSS, I. P., na qualidade de gestor do Fundo, por ordem do tribunal competente.”
Por outro lado, conforme se estabelece no artigo 3º, “o Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efetivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de outubro; e
b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2. Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respetivo agregado familiar não seja superior àquele valor.
3. O agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, alterado pela Lei nº 15/2011, de 3 de maio, e pelos Decretos-Leis nºs 113/2011, de 29 de novembro, e 133/2012, de 27 de junho.
4. Para efeitos da capitação do rendimento do agregado familiar do menor, considera-se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre.
5. As prestações a que se refere o nº 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
6. Os menores que estejam em situação de internamento em estabelecimentos de apoio social, públicos ou privados sem fins lucrativos, cujo funcionamento seja financiado pelo Estado ou por pessoas coletivas de direito público ou de direito privado e utilidade pública, bem como os internados em centros de acolhimento, centro centros tutelares educativos ou de detenção, não têm direito à prestação de alimentos atribuída pelo Fundo.”
Refere ainda a apelante que os autos deveriam prosseguir, observando-se na parte aplicável o disposto nos artigos 35º a 40º do RGPTC, refletindo um julgamento justo e o direito de acesso aos tribunais.
A este propósito importa referir que o direito de acesso aos tribunais está a ser exercido pela apelante e o facto de não ter sido acolhida a posição que a apelante sustentava, não põe em causa tal direito de acesso, uma vez que este não se confunde com o deferimento da pretensão suscitada.
Por outro lado, o julgamento justo da questão significa a decisão correta de acordo com as normas e princípios jurídicos aplicáveis, através do cumprimento adequado das regras jurídico-processuais, decisão esta que pode ou não coincidir com pretensão de cada uma das partes.
O tribunal a quo entendeu que dispunha já de todos os elementos necessários para proferir uma decisão, arquivando os autos e tal decisão mostra-se acertada.
Com efeito, conforme estabelece o artigo 42º nº 4 RGPTC, junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente.
Conforme se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 29/10/2020, no processo 4797/15.5T8BRG-E.G1, relatado pelo Desembargador Paulo Reis e disponível em www.dgsi.pt, “Deve considerar-se infundado o pedido de alteração quando não se mostra concretamente alegada qualquer factualidade que seja por si só suscetível de fundamentar a pretendida alteração nem as circunstâncias alegadas pela requerente permitem consubstanciar uma modificação que além de sobrevinda seja relevante e idónea para produzir uma mudança substancial das circunstâncias que determinaram a fixação do regime da regulação das responsabilidades em vigor, o que implica estabelecer uma comparação com os dados existentes ou conhecidos na data do regime a alterar.”
Ora, não só não foi alegada factualidade idónea que, por si só, fundamentasse a pretendida alteração, basta atentar que no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/06/2020, foi referido que a ora apelante não tinha rendimentos, tendo sido fixado, a título de alimentos a suportar pela apelante a favor de cada um dos seus dois filhos, o montante de €75,00 e, neste momento, a mesma aufere um rendimento mensal médio de €78,86, portanto, superior àquele, pelo que o seu rendimento declarado não justifica uma diminuição do montante fixado, conforme acima se referiu.
Isto é, as circunstâncias alegadas não permitem considerar a existência de uma modificação da situação anteriormente existente que seja relevante e adequada a justificar uma alteração do regime estabelecido relativamente aos montante dos alimentos fixados, pelo que terá de se manter.
Por todo o exposto e por não se verificar qualquer violação das normas legais indicadas pela apelante, resulta que a douta decisão recorrida terá de se manter e, em consequência, a apelação ser julgada improcedente.
Face ao total decaimento do recurso, a responsabilidade pelas custas recai sobre a apelante (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC), sem prejuízo do apoio judiciário.
***
III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.
Notifique.
*
Guimarães, 11/04/2024

Relator: António Figueiredo de Almeida
1º Adjunto: Desembargador Joaquim Boavida
2º Adjunto: Desembargador José Cravo