DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DO OUTRO CÔNJUGE
COMUNHÃO CONJUGAL
RUPTURA CONJUGAL
Sumário

Os factos que podem fundamentar um pedido de divórcio ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil hão-de revelar a inexistência de uma comunhão de vida própria do casamento e a irreversibilidade da rutura daquela comunhão; devendo a comunhão conjugal pautar-se pelo respeito dos deveres conjugais previstos no artigo 1672.º do Código Civil, a prova da quebra grave daqueles deveres revelará a rutura conjugal prevista na referida alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 2618/23.4T8STB.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: Eduarda Branquinho
Rosa Barroso

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…), ré na ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges que lhe foi movida por (…), interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo de Família e Menores de Setúbal, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o qual julgou a ação procedente e, em consequência, decretou o divórcio entre as partes, com a consequente dissolução do casamento, e determinou que os efeitos do divórcio retroagissem a janeiro de 2023.
Na ação o autor/apelado alegou, em síntese, que as partes casaram em 1997 e que estão separadas de facto desde pelo menos 25/12/2021, não existindo por parte dele-autor qualquer intenção de restabelecimento da vida em comum.
Realizada uma tentativa de conciliação não foi obtido acordo entre os cônjuges, tendo ambas as partes referido que se encontram separados de facto há mais de um ano.
Na sua contestação a ré defendeu-se por impugnação e deduziu pedido reconvencional pedindo que seja declarada a separação judicial de pessoas e bens.
O autor apresentou resposta à reconvenção, dizendo que se encontram verificados os pressupostos do divórcio.
O tribunal dispensou a realização de audiência prévia, invocando o disposto no artigo 593.º/1, do Código de Processo Civil, e proferiu despacho saneador no qual fixou o objeto do litígio e os temas de prova e admitiu os requerimentos probatórios das partes.
No início da audiência final, o tribunal proferiu despacho com o seguinte teor:
«Tendo sido deduzido pedido reconvencional, requer a Ré que não seja decretado o divórcio, uma vez que pretende continuar casada. Ora, este pedido não configura um verdadeiro pedido reconvencional, uma vez que a mesma na realidade vem opor-se ao divórcio porque pretende continuar casada, não podendo o tribunal alterar o pedido deduzido pelo autor para separação judicial de pessoas e bens ou desistência da ação uma vez que a desistência compete ao autor.
Assim sendo, considera-se que o pedido reconvencional não é admitido uma vez que não se verificam os pressupostos da reconvenção».
Após a realização da audiência final, foi proferida a sentença objeto do presente recurso.

I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1. Numa ação de divórcio compete ao Autor provar que há rotura no casamento e que o casal se encontra separado de facto por um ano consecutivo;
Numa ação de divórcio é permitida a reconvenção, a qual tem como pressupostos os mesmos requisitos do pedido de divórcio; 3. no caso dos autos não havia condições para o tribunal ter julgado procedente o pedido de divórcio e no caso dos autos devia ter sido admitida a reconvenção; 4. a sentença é contraditória e obscura, e a matéria de facto está em colisão e em desarmonia com a decisão, existindo assim erro, manifesto e ostensivo, que aponta para o julgamento dos factos em sentido diverso do assumido na sentença recorrida está ferida das nulidades previstas no artigo 615.º do CPC; 5. A sentença violou os artigos 607.º e 615.º do CPCivil e os artigos 1781.º e 1782.º e segs. do CCivil. 6. Consequentemente deve a sentença ser revogada e em seu lugar ser proferido acórdão julgando a ação improcedente e não provada ou quando assim se não entenda deve ser admitido o pedido reconvencional, com as legais consequências. Termos em que deve ser revogada a sentença, dando-se provimento ao presente recurso com o que se fará JUSTIÇA!».

I.3.
A resposta às alegações de recurso culmina com as seguintes conclusões:
«A) A ré limita-se a sindicar a decisão do Tribunal a quo quanto à não admissão da reconvenção, não indicando as razões com base nas quais a refuta, em violação do n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil e, por conseguinte, impedindo a apreciação das mesmas pelo Tribunal da Relação.
B) Mesmo que assim se não entendesse, tendo o Tribunal a quo julgado verificados os pressupostos do divórcio, a apreciação dos pressupostos da separação de pessoas e bens não teria qualquer utilidade para a alteração da decisão, já que o divórcio seria decretado mesmo que aqueles também se verificassem.
C) Os factos provados demonstram, de forma inequívoca, a destruição definitiva e irreversível do vínculo matrimonial e, consequentemente, “a rotura definitiva do casamento” entre autor e ré nos termos do artigo 1781.º, alínea d), do Código Civil.
D) Qualquer um dos cônjuges pode, sem o consentimento do outro, obter o divórcio desde que demonstre a existência de “quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostre a rutura definitiva do casamento” (artigo 1781.º, alínea d), do Código Civil).
E) A decisão de venda da casa de morada de família após a manifestação da ré em separar-se do autor por “parecerem dois estranhos”, e cessar a coabitação, é revelador de uma rotura definitiva, e não de uma rotura ocasional e remediável.
F) Os factos provados, com especial relevância para a “destruição” do lar conjugal, demonstram que se tornou insustentável a manutenção do vínculo jurídico do casamento, por total ausência de união comum de vida e de projetos de vida e intenção, por parte de um dos membros do casal, de a não retomar.
G) Pelo que, bem decidiu o Tribunal a quo em decretar o divórcio com fundamento na rotura definitiva do casamento, por verificados os respetivos pressupostos.
Termos em que, e nos mais e melhores de Direito que V. Exas. sempre doutamente suprem, não deve o recurso merecer provimento, mantendo-se a douta Sentença, como é de
JUSTIÇA!».
I.4.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
As questões que importa decidir são as seguintes:
1 – (in)Admissibilidade do pedido reconvencional.
2 – Reapreciação do mérito da decisão.

II.3. FACTOS
II.3.1.
Factos provados
O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade:
1. Autor e Ré casaram, catolicamente e sem convenção antenupcial, no dia 28-06-1997.

2. Não têm filhos menores.

3. Autor, Ré e filhos residiam na Urbanização (…), Rua (…), Lote 35-28, 8…), e que constituía o centro da vida familiar.

4. O autor esteve a trabalhar vários anos fora de Portugal.

5. Entre 01-08-2012 e 31-07-2014, o Autor, Ré e filhos viveram na Malásia.

6. Entre setembro de 2017 e maio de 2021, o Autor foi colocado na China.

7. A Ré recusou-se a acompanhar o Autor, tendo dito que preferia ficar em Portugal com os filhos.

8. Entre julho de 2021 e agosto de 2022, o Autor trabalhou na Alemanha.

9. Apesar de vir frequentemente a Portugal, a distância foi afastando o casal, tendo a Ré enviado um email ao Autor a 19.01.2022, no qual comunica que se pretende separar, referindo “Parecemos dois estranhos. (…) Não quero viver uma vida de aparências (…)”.

10. Pelo menos, desde janeiro de 2023, o casal não mais partilha a mesma casa.

11. Decididos a pôr termo à vida comum, Autor e Ré decidiram deixar a casa de morada de família, colocando-a à venda.

12. Vivem em moradas distintas.

13. Na tentativa de conciliação realizada a 01.07.2023, Autor e Ré declararam que já se encontram separados de facto há mais de um ano.

14. O autor não pretende restabelecer a vida em comum.

15. Entre Autor e Ré há rotura definitiva do casamento.
16. A presente ação foi instaurada a 06.04.2023.

II.4.
Apreciação do objeto do recurso
II.4.1.
Do Pedido Reconvencional
O despacho objeto de recurso tem o seguinte teor: «Tendo sido deduzido pedido reconvencional, requer a Ré que não seja decretado o divórcio, uma vez que pretende continuar casada. Ora, este pedido não configura um verdadeiro pedido reconvencional, uma vez que a mesma na realidade vem opor-se ao divórcio porque pretende continuar casada, não podendo o tribunal alterar o pedido deduzido pelo autor para separação judicial de pessoas e bens ou desistência da ação uma vez que a desistência compete ao autor.
Assim sendo, considera-se que o pedido reconvencional não é admitido uma vez que não se verificam os pressupostos da reconvenção».
Defende a apelante que a decisão que não admitiu o pedido reconvencional carece de fundamento e viola a lei, concretamente o disposto no artigo 1795.º/1, do Código Civil «o qual vem esclarecer que o demandado pode em resposta ao pedido de divórcio pedir, em reconvenção, a separação judicial de pessoas e bens.
Vejamos.
O artigo 1795.º, n.º 1, do Código Civil determina que em resposta ao pedido de divórcio o demandado pode pedir, em reconvenção, a separação judicial de pessoas e bens[1]. Com efeito, o pedido unilateral de separação de pessoas e bens (ou de divórcio) pode ser formulado pelo autor contra o réu, por via da ação, na petição inicial com que a ação de separação se inicia ou, então, pelo réu contra o autor, por via da reconvenção (artigo 266.º do CPC), através de um pedido reconvencional expressamente identificado e deduzido separadamente na contestação (artigo 583.º do CPC) em ação proposta pelo autor.
Por conseguinte, o pedido reconvencional em que a ré pede ao tribunal que decrete a separação judicial de pessoas e bens é legalmente admissível, de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 1795.º/1 do CC e do artigo 266.º do CPC.
Questão diferente é saber se se justificaria, in casu, o indeferimento liminar do pedido por manifesta improcedência do mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 590.º, n.º 1, do CPC, mas não é esse o objeto do nosso recurso.
Por conseguinte, impõe-se determinar a revogação do despacho que não admitiu o pedido reconvencional, substituindo-o por outro que o admite por legal admissibilidade do mesmo.

II.4.3.
Reapreciação do mérito da decisão
O autor moveu a presente ação de divórcio com fundamento nas alíneas a) e d) do artigo 1781.º do Código Civil, de acordo com as quais constituem fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges a separação de facto por um ano consecutivo [alínea a)] e quaisquer outros factos que, independentemente de culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento [alínea d]. Considerando que o tribunal a quo julgou que não se mostra verificado o lapso temporal previsto na alínea a) do artigo 1781.º do Código Civil, não cumpre apreciar aqui o fundamento de divórcio ali previsto.
Decidiu o tribunal que «resultou demonstrado ter cessado entre os cônjuges qualquer envolvimento de coabitação, sentimental, íntimo ou de outra natureza» e que «o autor manifestou de forma convicta a intenção de pôr fim ao casamento», «factos que tornam evidente a falência do casamento». E, consequentemente, o julgador a quo decretou o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges peticionado pelo autor/apelado com fundamento em rutura definitiva do casamento, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil.
A apelante insurge-se contra tal decisão defendendo que não estão provados factos que integrem a previsão do artigo 1781.º, alínea d), do Código Civil e que nenhum dos factos julgados provados atesta a rutura do casamento.
Vejamos se lhe assiste razão.
O artigo 1781.º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 61/2008, de 31.10, e sob a epígrafe Ruptura do casamento, dispõe que:
«São fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:
a) A separação de facto por um ano consecutivo;
b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuges, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;
c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;
d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento».
O preceito legal acima transcrito tem subjacente o chamado “divórcio constatação de rutura do casamento», ou seja, o divórcio que tem como fundamento apenas causas objetivas que o legislador considerou serem causadoras da falência do casamento, não havendo que apurar da eventual culpa dos cônjuges ou de algum deles para que tal falência tivesse ocorrido. O que é atestado pela Exposição de Motivos que acompanhou o Projeto Lei n.º 509/X apresentado à Assembleia da República, como se passa a expor: «(…)
Elimina-se a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais – a clássica forma de divórcio-sanção – que tem sido sistematicamente abandonada nos países europeus por ser, em si mesma, fonte de agravamento de conflitos anteriores, com prejuízo para os ex-cônjuges e para os filhos; o divórcio não deve ser uma sanção. O cônjuge que quiser divorciar-se e não conseguir atingir um acordo para a dissolução, terá de seguir o caminho do chamado “divórcio rutura”, por “causas objetivas”, designadamente a separação de facto. E nesta modalidade de divórcio, ao contrário do que hoje acontece, o juiz nunca procurará determinar e graduar a culpa, para aplicar sanções patrimoniais; afastam-se agora também estas sanções patrimoniais acessórias. As discussões sobre culpa, e também sobre danos provocados por atos ilícitos, ficam alheias ao processo de divórcio. (…) Se o sistema do “divórcio rutura” pretende reconhecer os casos em que os vínculos matrimoniais se perderam independentemente da causa desse fracasso, não há razão para não admitir a relevância de outros indicadores fidedignos da falência do casamento. Por isso, acrescenta-se uma cláusula geral que atribui relevo a outros factos que mostram claramente a rutura manifesta do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo. O exemplo típico, nos sistemas jurídicos europeus, é o da violência doméstica – que pode mostrar imediatamente a inexistência da comunhão de vida própria de um casamento» (negritos nossos).
No caso das alíneas a), b) e c) do artigo 1781.º do CC, uma vez apurados os factos constitutivos do direito ao divórcio que as integram, nomeadamente os lapsos temporais neles previstos, o divórcio tem de ser decretado pelo tribunal, sem que seja necessário aferir se, no caso concreto, aqueles factos determinaram um estado de vida conjugal intolerável. Ou seja, provando-se os factos ali referidos presume-se irius et de iure que a rutura definitiva do casamento se consumou, não sendo necessário provar quaisquer outros factos. Diferentemente sucede na alínea d) que prevê como fundamento de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, revelem a rutura definitiva do casamento; aqui as causas que sejam concretamente alegadas na ação justificarão o divórcio, independentemente da respetiva duração, se o tribunal se convencer de que elas são suficientes para revelar a irreversibilidade da rutura da comunhão conjugal.
Sobre este fundamento de divórcio [o previsto na alínea d)] escreveram Francisco Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira[2] o seguinte: «no âmbito da alínea d), o tribunal ganha uma margem de apreciação que as anteriores alíneas não lhe conferem. Assim, o tribunal fica com a liberdade indispensável para reconhecer quando é que certos factos (não previstos na lei), mostram a rutura definitiva do casamento; e o juiz não tem um elenco de factos relevantes, nem um prazo mínimo de duração, que o possa guiar no seu juízo. Sendo assim, certos factos muito graves chegam bem para sustentar a conclusão sobre a rutura, sem que tenham que repetir-se ou prolongar-se no tempo; e sem que seja concebível exigir que um dos cônjuges se separa e espere um ano para se divorciar. Outros factos – menos graves mas reiterados – podem fundamentar a mesma conclusão sobre a rutura, desde que forneçam uma prova tão clara como a que resulta da separação de facto por um ano» (itálicos e negritos nossos).
Em anotação ao artigo 1781.º explica Rute Teixeira Pedro[3]: «Considerando as exigências previstas nas alíneas a), b) e c), não será sustentável o entendimento, segundo o qual, para a invocação procedente da alínea d), diversamente do que acontece nas alíneas anteriores, bastará a formulação séria da vontade de não pretender continuar casado, rectius de querer o decretamento do divórcio. A expressão de tal vontade corresponderá, em última análise, à formulação do pedido de divórcio que terá que ocorrer também nos casos das alíneas anteriores que, assim, ficariam esvaziadas de conteúdo útil. Por outro lado, a inclusão das várias alíneas no mesmo artigo, importará que, também na alínea d) se exija a demonstração da rutura do casamento através de factos externamente apreensíveis e que os mesmos apresentem uma gravidade equivalente à das constelações fáticas descritas nas alíneas anteriores». E continua a mesma autora dizendo que «deverá tratar-se de factos diferentes dos que são enunciados nas alíneas anteriores deste preceito. A factualidade nelas previstas só relevará qua tale no particular quadro aí legalmente tipificado. Assim, a separação de facto, a alteração das faculdades mentais e a ausência não poderão, por si, constituir fundamento bastante do divórcio, se não se verificarem os requisitos previstos, respetivamente, nas alíneas a), b) e c). Nesse caso, poderão, ainda assim, ser carreados para o processo para, conjuntamente com outros factos que lhes acrescentem significado, fundar um pedido à luz da alínea d)» (itálicos e negritos nossos).
Podemos, pois, e desde já, assentar no seguinte: na alínea d) encontra-se prevista uma cláusula geral – rutura definita do casamentoque não exige para a sua verificação qualquer duração mínima (como sucede com as situações previstas nas alíneas anteriores).
Os “factos” que podem fundamentar um pedido de divórcio ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil hão-de revelar a inexistência de uma comunhão de vida própria do casamento, comunhão que se deve pautar pelo respeito dos deveres conjugais previstos no artigo 1672.º do Código Civil, a saber, os deveres de respeito, de fidelidade, de coabitação e de cooperação. Donde, a demonstração da “rutura” (que tem de ser definitiva) implicará a prova da quebra grave daqueles deveres e a convicção da sua irreversibilidade (da rutura de comunhão própria da vida conjugal) – neste sentido, entre outros, Ac. STJ de 03-10-2013, processo n.º 2610/10.9TMPRT.P1.S1, Ac. RC de 21.01.2020, processo n.º 215/19.8T8CNT.C1 e Ac. RL de 14.05.2020, processo n.º 24619/17.1T8LSB.L1-8, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
No caso sub judice, e ao contrário do pugnado pela apelante, julgamos que está suficientemente demonstrada a cessação irreversível da comunhão conjugal: para tanto apontam os factos provados n.ºs 10, 11, 12 e 14. Diz a apelante que «a venda do apartamento de ambos não confirma essa rutura pois pode haver (como houve) outro interesse para a venda, nomeadamente financeiro, mudança de residência ou outros fundamentos variados (vizinhança, etc.) e entre um casal há quase sempre desentendimentos (…)». A apelante parece olvidar, porém, que se provou que o imóvel em causa era a casa de morada de família e que a decisão de venda teve subjacente uma intenção de ambos os cônjuges de pôr termo à vida em comum. Tal facto aliado à circunstância de se verificar uma cessação da coabitação desde janeiro de 2023 (que perdurava em 01.07.2023, quando foi realizada uma tentativa de conciliação) e de o autor manter o propósito de não restabelecer a vida em comum com a ré é, para nós, suficiente para implicar a extinção do vínculo matrimonial, ao abrigo do disposto no artigo 1781.º, alínea d), do Código Civil.

Deve, pois, proceder o pedido de divórcio e, assim, improcede este segmento da apelação.


*

Do pedido reconvencional

Liminarmente se dirá que na hipótese de existirem pedidos unilaterais de divórcio por um dos cônjuges e de separação de facto pelo outro, e de ambos os pedidos procederem, o tribunal deve decretar o divórcio (e não a separação judicial de pessoas e bens), como resulta do disposto no artigo 1795.º/2, do Código Civil. Consequentemente, in casu, em face da verificação do fundamento de divórcio previsto na alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil sempre haveria que decretar a dissolução do casamento em detrimento da separação judicial de pessoas e bens, dada a preferência legal pela dissolução do matrimónio. De todo o modo sempre se acrescentará que a separação judicial de pessoas e bens tem de se fundar numa das causas previstas no artigo 1781.º do Código Civil as quais têm, por isso, de ser expressamente invocadas pelo cônjuge que a pede, ainda que o seja em reconvenção. Sucede que, no caso, e no que ao pedido reconvencional respeita, a reconvinte limita-se a alegar que «não deseja o divórcio do casal pelas razões apontadas. Têm filhos que ainda se encontram a estudar e precisam do seu apoio e de todas as hipóteses de reconciliação do casal. Deste modo, entende a ré que a melhor solução para ambos - e para a família – atenta a situação do casal e a sua personalidade e cultura, seja a separação judicial de pessoas e bens ou a desistência da presente ação e o reinício do diálogo entre ambos» (sic). Ou seja, a reconvinte exprime a sua vontade de não se divorciar do autor mas não invoca qualquer fundamento para a separação judicial de pessoas e bens o que sempre conduziria à improcedência do pedido reconvencional.

Sumário: (…)


III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar improcedente a apelação e, em conformidade, mantêm a sentença recorrida.
As custas na presente instância são da responsabilidade da apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia, sendo que a esse título só serão devidas custas de parte pois que a apelante procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual.

Notifique.
DN.
Évora, 11 de abril de 2024,
Cristina Dá Mesquita
Eduarda Branquinho
Rosa Barroso

__________________________________________________
[1] A separação judicial de pessoas e bens implica a modificação do vínculo conjugal, ao passo que o divórcio implica a extinção daquele.
[2] Curso de Direito da Família, Volume I, 5.ª Edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, pág. 736.
[3] Código Civil Anotado, Coordenação Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2020, págs. 691-692.