IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REQUISITOS
REJEIÇÃO DO RECURSO
QUESTÃO NOVA
Sumário

I – Quando se impugna a matéria de facto tem de observar-se os ditames do artigo 640.º, n.º 1, a) a c), e n.º 2, a), do Código de Processo Civil, deve o recorrente especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgado, os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida, quanto ao ponto de facto impugnado; e quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda (sendo facultativa a transcrição de excertos);
II – A omissão desses ónus, impostos no referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto.
III – Tendo os apelantes colocado pela primeira vez nas alegações de recurso questão respeitante ao valor da dívida exequenda quanto aos juros, considerando-os excessivos, e a questão respeitante à conflitualidade de interesses, a propósito da utilização o imóvel penhorado como casa de morada de família, por parte do apelante AA, pretendendo que este tribunal de recurso pondere os alegados interesses conflituantes (direito de crédito e direito à habitação), que não haviam sido colocadas em primeira instância, descurando a regra basilar do sistema recursório vigente, de que os recursos se destinam a impugnar decisões já proferidas com vista ao seu reexame, e não a fazer o julgamento de questões colocadas ex novo perante o tribunal superior, não pode este tribunal conhecer das invocadas questões.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Recurso n.º 1874/20.4T8LLE-A.E1
Tribunal recorrido: Juízo de Execução ... – J...
Apelantes: D..., Unipessoal, Lda. AA
Apelada: Banco 1..., CRL

Sumário (elaborado pela relatora - artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): (…)

Acordam os Juízes que integram a 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

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I – RELATÓRIO
1.1. Por apenso à execução sumária para pagamento de quantia certa que a exequente Banco 1..., CRL move aos executados D..., Unipessoal, Lda. e AA, vieram estes deduzir embargos de executado e oposição à penhora, alegando, em suma, que a primeira embargante aceita o facto de ter entrado em incumprimento no início de 2020, o que ficou a dever-se, fundamentalmente, à situação pandémica, e por deter algumas dívidas ao Estado não lhe foi possível requerer nenhuma das medidas implementadas pelo Governo, nomeadamente dilatação dos prazos para pagamento de impostos e contribuições sociais, moratórias de pagamento de empréstimos e prémios de seguro, garantia pública a empréstimos concedidos pelo sector bancário e seguros de crédito, regime extraordinário de cessação temporária de contratos de trabalho (lay-off), subvenções diretas a determinadas classes de empresa (a fundo perdido), apoio ao rendimento das famílias e injeções de capital em empresas, e do valor em divida.
Mais alegou que pagou alguns montantes que não se encontram refletidos no valor total em dívida e a quantia que surge em dívida exequenda cifra-se em € 713.838,46, à data de 19.08.2020, que é diferente do valor apresentado na conta corrente pelo Agente de Execução (€ 809.468,10), e o auto de penhora enferma do mesmo mal.
Concluíram pedindo a procedência dos embargos de executado e da oposição à penhora, com as legais consequências.
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1.2. A exequente contestou alegando, em síntese, que em 28.08.2020, data de entrada do requerimento executivo, a primeira prestação vencida e não paga pela executada, ora embargante, era a prestação de 28.12.2019 e como é do conhecimento público, em Portugal, o estado de emergência foi declarado em Março de 2020, devido à pandemia de Covid-19, o que significa que bem antes da pandemia, a ora embargante apresentava dificuldades em cumprir as suas responsabilidades, conforme resulta do histórico do registo do prédio hipotecado e penhorado nos autos de execução, onde constam vários registos de penhoras a favor da Fazenda Nacional, pelo menos desde 2017, evidencias irrefutáveis de dificuldades financeiras desde o início da atividade, tendo a embargante conhecimento dos motivos pelos quais não lhe foi possível beneficiar de qualquer das medidas do Governo de ajuda às empresas durante a pandemia, nomeadamente o acesso à moratória legal, sendo a quantia exequenda a que se encontra apurada no requerimento executivo e que tem por base o contrato celebrado entre as partes e ao contrário do alegado, a embargante foi interpelada para pagar, sendo que entre a entrada do requerimento executivo e a petição de embargos, a embargante fez alguns depósitos na conta de depósitos à ordem n.º ...81 de que é titular e que permitiu à ora embargada amortizar o crédito, ascendendo a dívida da embargante a e 724.376,92, limitando-se a embargante a dizer que os valores peticionados são excessivos, e porque não lhe foi dado conhecimento da amortização efetuada, a conta apresentada pela senhora Agente de Execução não tem em consideração os valores amortizados, não existindo qualquer vício a apontar à penhora realizada já que foi penhorado o prédio entregue como garantia do bom e integral pagamento do mutuo de e 708.000,00 e quando se executa dívida com garantia real, como é o caso, a penhora inicia-se pelo bens sobre que incida a garantia.
Termina a exequente pedindo que os embargos de executado sejam julgados improcedentes, prosseguindo a execução os seus normais termos.
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1.3. Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência prévia, tendo o senhor juiz a quo entendido que autos reuniam todos os elementos necessários para o conhecimento do mérito da causa, e proferiu saneador sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
Nos termos expostos, o Tribunal decide:
a) Julgar os embargos de executado totalmente improcedentes por não provados devendo a execução prosseguir os seus trâmites normais, também contra a executada «D..., Unipessoal, Lda.» o que se determina, devendo ser considerados e abatidos ao valor da quantia exequenda os montantes depositados na conta bancária titulada pela embargante / executada, domiciliada na exequente “Banco 1..., C.R.L.” entre a data da entrada do requerimento executivo e a data da apresentação da petição de embargos e constante no extracto junto aos autos;
b) Julgar a oposição à penhora totalmente improcedente, por não provada, mantendo-se a penhora efectuada nos autos de execução, incidente sobre o prédio urbano situado na Avenida ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17 e inscrito na matriz sob o artigo ...44;
c) Condenar a Embargante/executada «D..., Unipessoal, Lda.» no pagamento das custas e demais encargos com o processo.“
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1.4. Não se conformando com esta decisão, dela apelam os embargantes D..., Unipessoal, Lda. e AA, extraindo as seguintes conclusões da respetiva motivação de recurso (transcrição):
I. O presente recurso tem como objecto toda a matéria da Sentença recorrida que indevidamente determinou:
II. Sempre com a devida vénia por entendimento diverso, não pode o recorrente, conformar-se com o facto de o Tribunal a quo, em última ratio, não ter decidido pelo embargos interpostos tal como peticionado.
III. Com o devido respeito, não pode a ora Recorrente concordar com a decisão do Tribunal a quo, daí a interposição do presente recurso.
IV. A improcedência dos embargos e da oposição à penhora consequentemente fez com que se quedasse assim prejudicadas todas as demais questões suscitadas nos autos pelo recorrente, bem como determinou, a falta do integral conhecimento do mérito da ação porquanto decidiu igualmente mal, no nosso entendimento, quando refere confunde que a recorrente não podia beneficiar de moratórias e que a mesma admite com o facto da recorrente ter estado sujeita a um encerramento forçado que motivou a sua capacidade económica e que provou grandemente o referido incumprimento.
V. Ora como é óbvio não se limitou a Recorrente a dizer que os valores peticionados são excessivos, nem tão somente porque não lhe foi dado conhecimento da amortização efectuada;
VI. Porquanto a conta apresentada pela senhora Agente de Execução não teve em consideração os valores amortizados, e como tal contrariamente ao mencionado na sentença recorrida, existe vícios a apontar à penhora porque muito embora se tenha realizada a penhora do prédio entregue como garantia do bom e integral pagamento do mútuo de € 708.000,00 e quando se executa divida com garantia real, como é o caso, a penhora inicia-se pelo bens sobre que incida a garantia, mas não obstante os valores referentes à quantia exequenda como já referido não batiam certos tal como acima exemplificado.
VII. Logo sempre teria a recorrente de terminar negando que a exequente não deveria pedir que os embargos de executado fossem julgados improcedentes, sem que devesse prosseguir a execução os seus trâmites normais.
VIII. Ou seja só pelo simples facto de a douta sentença recorrida ter terminado com a alegação na decisão final de que se devia ser considerados e abatidos ao valor da quantia exequenda os montantes depositados na conta bancária titulada pela embargante/executada, domiciliada na exequente “Banco 1..., C. R. L” entre a data da entrada do requerimento executivo e a data da apresentação da petição de embargos e constante no extrato junto aos autos; estando desde logo comprometido o valor da divida exequenda e os seus cálculos formulados nomeadamente pelo juro excessivo ali aplicado.
IX. Logo é verdade o evocado pelo recorrente, quanto às Questões a resolver: suscitadas pelo Tribunal “a quo”:
a) A Embargante/executada aqui Recorrente não foi efetivamente interpelada para pagar a quantia certa.
b) Os montantes reclamados pela aqui Recorrida ali exequente não são pois os devidos.
c) A penhora incidente sobre o imóvel é (inadmissível) e desproporcional, face aos valores que não são certos como ali reclamados.
X. Assiste pois razão à Recorrente quando reclama os valores pagos e não deduzidos na quantia exequenda.
XI. No que concerne aos factos dados como provados nomeadamente no seu ponto 3 da douta sentença recorrida é afirmado que: “A mutuária deixou de cumprir o pagamento das prestações acordadas em 28/12/2019, ficando em divida o capital de € 674.953,23;”.
XII. Não obstante não se salienta o facto evocado pela recorrente de que a partir desse concreto momento se deu a situação pandémica que deu causa ao referido incumprimento, com a problemática que envolveu o encerramento forçado do negócio do recorrente, com os devidos critérios como causa para o incumprimento que lhe eram mais apropriados, pelo que vai tal matéria parcialmente impugnada por não ilustrar a razão pela qual a recorrente incumpriu.
XIII. No que respeita à matéria subjacente aos pontos 4 e 5 da sentença recorrida, apesar de a recorrida ter interpelado a recorrente para o facto de ter incumprido e de se nada fizesse ser executada, é omitido o facto de a recorrente ter no entanto procedido a alguns pagamentos, no sentido de evitar a referida execução, indo essa matéria quanto a esse concreto facto impugnada face à omissão registada e tendo ademais sido dado um prazo demasiado curto para regularizar o pagamento de uma quantia extremamente elevada.
XIV. Prova disso mesmo é o ponto 6 que efetivamente realça que a recorrente entre a entrada do requerimento executivo e a apresentação da petição de embargos de executado a Embargante fez alguns depósitos na conta de depósitos à ordem n.º amortizar parcialmente os créditos emergentes do contrato de mutuo apresentado como titulo executivo, mas que efetivamente não deduziu à quantia exequenda não sendo pois esta a quantia certa que se está a executar;
XV. Logo todos os cálculos realizados e apresentados no ponto 7 dos factos dados como provados e face aos pagamentos ora efetuados para amortizar a dívida pela recorrente não estão ali comtemplados pelo que tem essa concreta matéria que ir igualmente impugnada por não refletir a realidade no que concerne aos valores pagos pela recorrente e não deduzidos.
XVI. E concomitantemente no ponto 8 dos factos dados como provados e apesar de se afirmar ter sido somente os montantes constatados no ponto 6 que foram pagos à exequente aqui recorrida, não obstante nunca em momento algum se faz referência aos concretos valores pagos pela recorrente e não deduzidos omitindo-se assim na sentença recorrida qual a proporção dos valores que foram pagos e que na realidade não figuram como tal, pelo que vai igualmente essa matéria relativa ao ponto 8 impugnada.
XVII. Em momento algum o Tribunal a quo atende ao evocado pela recorrente face à gravidade da situação económica em que a recorrente se viu confrontada por causas que lhe eram alheias e que em boa verdade foram a causa fundamental do seu incumprimento, como é claro e transparente referimo-nos à situação pandémica.
XVIII. Note-se, que é o próprio tribunal a quo que admite que:
XIX. (…) “O Tribunal não ignora que a situação da pandemia que assolou Portugal e o mundo poderá ter contribuído para a degradação da situação financeira da sociedade executada, mas a verdade é que as primeiras medidas tomadas pelo Governo Português para combater os efeitos da pandemia datam de 13 de Março de 2020, quando foi publicado o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março e a mutuária e ora embargante/executada “D...” já não pagou a prestação vencida em 28/12/2019 e a exequente resolveu o contrato de mútuo, com fundamento no incumprimento da mutuária, em 02 de Março de 2020“ (…)
XX. Não obstante, não é pelo facto de a recorrente admitir que, por ter dividas ao Estado, não pode beneficiar das medidas tomadas pelo Governo para mitigar os efeitos da pandemia, nomeadamente da moratória para amortização de empréstimos, e que, como tal, não seja válido tal argumento para o referido incumprimento.
XXI. Ou seja, sempre com a devida vénia por opinião diversa, andou mal o Tribunal a quo quando infere que: (…) “pelo que não se compreende como pode agora a Embargante alegar que a exequente resolveu o contrato sem ter em conta os constrangimentos causados pela situação de pandemia” (…) porquanto o encerramento forçado a que a Recorrente esteve sujeita e que efetivamente causou o incumprimento foi a razão óbvia deste.
XXII. Acresce ainda ao acima mencionado, e, apesar de não se ter feito menção de tal facto, por em boa verdade se ter pensado ser suficiente os factos evocados nos embargos, que o representante legal da recorrente tem vindo a utilizar aquele imóvel como casa de residência de família, e como tal, nos termos do n.º 1 do artigo 784.º do CPC, quanto aos Fundamentos da oposição à penhora, que se constata o previsto:
XXIII. (…) “1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;“.
XXIV. Neste mesmo sentido vem a nossa jurisprudência concretizar pelo vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no Processo: 23739/18.0T8PRT-B.P1
I - O gradus executionis estabelecido no artigo 751.º, n.º 3, do CPC (redacção anterior à introduzida pela Lei anterior à introduzida pela Lei n.º 117/19, de 13/09) traduz limite que o legislador ordinário entendeu estabelecer em vista da penhora de imóvel que constitua a habitação própria e permanente do executado.
II - Trata-se de regra de proporcionalidade que funciona de modo objectivo, em função do valor das dívidas (e em referência ao tempo de pendência da acção executiva), que traduz um ‘esforço de equilíbrio entre ter de se sacrificar o interesse do exequente na satisfação em tempo razoável do seu direito (valor jurídico da adequação) e o interesse do executado em ver a oneração do seu património ser apenas a correspondente à da sua responsabilidade (valor jurídico da proporcionalidade).’
III - A ponderação de interesses conflituantes efectuada pelo legislador ordinário objectivada no n.º 3 do artigo 751.º do CPC, porque conforme à constituição, impõe-se ao julgador, cumprindo a este tão só apreciar do respeito pelas regras objectivas de proporcionalidade aí estabelecidas (no caso, a observância do gradus executionis).
XXV. Torna-se evidente estabelecer limites que possibilitem a realização de uma penhora justa, tendo por base o princípio da proporcionalidade e o princípio da adequação.
XXVI. Teria o Tribunal a quo, que analisar em concreto, no âmbito do processo, a situação de cada um dos intervenientes e o impacto que a Execução/Penhora de determinado bem vai ter na vida pessoal de cada um, bem como na sua esfera jurídica. Na verdade, será de todo necessário ponderar o confronto de direitos existentes e, no caso concreto, apurar quais os que prevalecem.
XXVII. Nesta esteira sempre teremos que analisar, se um direito de crédito prevalece sobre o direito à habitação, ainda que a mesma seja uma habitação própria, sendo certo que a penhora recai sobre imóvel que é a casa de morada de família, cujo agregado familiar é composto pela Embargante.
XXVIII. Deveria o Tribunal a quo ter julgado improcedente a penhora realizada, por ser susceptível de colocar uma pessoa fragilizada economicamente, em situação de risco real, pela mesma ser já de idade avançada, com muitos problemas de saúde, não podendo, por via do trabalho, garantir habitação e subsistência.
XIX. A presente penhora da casa de morada de família, cujo agregado familiar, por si só, é muito frágil, deveria improceder por se tratar de um bem concretamente impenhorável e por se estender além dos limites do penhorável.
XXX. Em suma e volvendo às questões iniciais, face aos valores apresentados pela recorrida, não se considerarem como admissíveis por igualmente serem excessivos, não podem os mesmos serem aceites pelo recorrente até porque incidem juros que não os devidos por não terem sido abatidos os valores devidos a uma suposta quantia certa da dívida exequenda;
XXXI. Assim sendo não pode a recorrente concordar com quantia exequenda peticionada a final, no valor de € 809.468,10 (oitocentos e nove mil, quatrocentos e sessenta e oito euros e dez cêntimos), sem que deva a penhora prosseguir nesses concretos termos.
XXXII. E, por conseguinte, tão pouco são aceitáveis que se indiquem e que venha a acrescer juros, sobre o referido valor em divida com as percentagens ali aplicadas, por serem igualmente excessivas face ao valor errado da quantia exequenda, ainda que tenha só agora vindo o tribunal a quo ordenar, por admitido a dedução daqueles valores já pagos.
XXXIII. Conclui-se assim, que a execução a realizar para entrega de quantia certa, não pode nem deve proceder, devendo ser sustida, o que se requereu e foi denegado pelo douto Tribunal a quo.
XXXIV. Entende o Recorrente que deveria ter sido ponderado pelo Tribunal a quo, e não foi, era conferir o devido valor aos direitos que estão em confronto. Ou seja, se por um lado temos o direito do devedor satisfazer o seu crédito, por outro lado temos o direito à propriedade e a uma habitação própria condigna.
XXXV. Atento o facto de só agora ter sido alegado este facto (a residência do recorrente ser no referido imóvel) mas não obstante, dúvidas não restam quanto à penhorabilidade ou não da casa de morada de família, atendendo ao elenco de bens previsto nos artigos 821.º e 822.º, ambos do CPC.
XXXVI. Se é certo que o direito à habitação do cidadão e da família, consagrado no artigo 65.º da CRP, não se confunde com o direito a ter casa própria, sendo que o legislador ordinário, não obstante estar ciente da sua importância, não estabeleceu, em homenagem àquele direito, a impenhorabilidade da casa de morada de família, mas apenas algumas defesas (artigo 834.º, n.º 2, do CPC e actual artigo 751.º, n.º 3, alíneas a) e b).
XXXVII. Também é certo que, no caso concreto, a penhora, por si só, priva de habitação quem na casa habita, concluindo-se por isso, que aquela atenta, efectivamente, contra o direito constitucional à habitação.
XXXVIII. A penhora recai sobre um imóvel que é a casa de morada de família, cujo agregado familiar é composto pelo Recorrente, e mais duas pessoas.
XXXIX. Nestes termos, entende a recorrente, que deverá a presente oposição à execução mediante embargos de executado e oposição à penhora, ser julgada provada e procedente, com os devidos e legais efeitos.
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1.5. A exequente/embargada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
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1.6. O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos, de imediato e com efeito meramente devolutivo.
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1.7. Efetuada a apreciação liminar, colhidos os vistos legais e realizado o julgamento, nos termos do artigo 659.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso
O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, Almedina, pág. 109).
No seguimento desta orientação, do que resulta das prolixas e contraditórias conclusões dos apelantes, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1.ª Determinar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto;
2.ª Determinar se existe fundamento para julgar procedente a oposição à penhora deduzida pelos executados por a penhora do prédio urbano situado na Avenida ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17 e inscrito na matriz sob o artigo ...44, ser ilegal na medida em que se trata da casa de morada de família do apelante AA;
3.ª Determinar se existe fundamento para julgar procedente a oposição à execução deduzida pelos executados.
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2.2. O tribunal de primeira instância deu como provados os seguintes factos
1. A exequente «Banco 1..., C.R.L.» intentou em 24/08/2020 contra «D..., Unipessoal, Lda.» e BB a execução indicando como valor da quantia exequenda e 713.838,46, correspondendo e 674.953,23 a capital, € 10.158,88 a juros, e 406,35 a Imposto de Selo e € 28.320,00 a despesas apresentando como título executivo o escrito que faz fls. dos autos de execução, denominado “Escritura Pública de Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca, Finança, Penhor de Estabelecimento e Mandato” e o respetivo documento complementar, outorgado no dia 28/12/2015 no Cartório Notarial ..., do qual, resulta, além do mais, que a “Banco 1..., CRL” emprestou à sociedade «D..., Unipessoal, Lda.» a quantia de € 708.000,00, de que esta se confessou devedora e obrigou a pagar em prestações mensais e sucessivas de capital e juros, e para garantia do pagamento do capital, juros e despesas a sociedade “D..., Unipessoal, Lda.” constituiu a favor da “Banco 1..., CRL” hipoteca sobre o prédio urbano sito em ..., Avenida ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...03... e inscrito na matriz sob o artigo ...44;
2. No escrito apresentado como título executivo, concretamente na cláusula sétima do documento complementar consta, além, do mais “Cláusula Sétima (Incumprimento e exigibilidade) 1. O não cumprimento de quaisquer obrigações da Mutuária para com a Banco 1..., ainda que decorrentes de outros actos e títulos, produz o vencimento antecipado e a exigibilidade imediata de todas as demais obrigações, sem embargo de outros direitos conferidos por lei ou contrato, e especialmente nos casos seguintes: a) Se não for paga alguma das prestações de capital ou de juros, no respectivo prazo, ou os juros moratórios, as comissões, encargos e despesas, ou outras quantias devidas, nas datas estabelecidas ou que forem indicadas pela Banco 1... (...)”;
3. A mutuária deixou de cumprir o pagamento das prestações acordadas em 28/12/2019, ficando em divida o capital de e 674.953,23;
4. A exequente “Banco 1..., CRL” subscreveu e remeteu à Embargante/executada “D..., Unipessoal, Lda.”, a missiva que faz fls. destes autos, datada de 2 de Março de 2020, no essencial com o seguinte teor “Exmos. Senhores D..., Unipessoal, Lda. Rua .... ... .... Assunto: Resolução por incumprimento. Contrato de Mútuo n.º ...37. Exmos. Senhores, Na sequência dos nossos contactos anteriores, vimos informa-los que, não tendo logrado regularizar os seus débitos referentes ao contrato mencionado em epígrafe, consideramos o mesmo contrato definitivamente resolvido. Consequentemente, torna-se imediatamente exigível todo o valor em divida que compreende prestações vencidas e não pagas, capital vincendo, juros de mora e despesas, tudo num total de € 684.206,60. Comunicamos-lhe ainda que, de acordo com a cláusula 7ª do contrato, não efectuando a sua regularização procederemos à sua execução. Assim, sob pena de recurso à acção judicial, interpelamos-vos para regularização do contrato em apreço, no prazo de 8 (oito) dias, através do envio de cheque visado para: Banco 1... CRL-Departamento Jurídico...”;
5. A exequente “Banco 1..., CRL” subscreveu e remeteu ao Executado BB, a missiva que faz fls. destes autos, datada de 2 de Março de 2020, no essencial com o seguinte teor “Exmo. Senhor BB. Rua .... ... .... Assunto: Resolução por incumprimento. Contrato de Mútuo n.º ...37. Exmo. Senhor, Vimos informá-lo que, na qualidade de fiador, não tendo logrado regularizar os seus débitos referentes ao contrato mencionado em epígrafe, consideramos o mesmo contrato definitivamente resolvido. Consequentemente, torna-se imediatamente exigível todo o valor em divida que compreende prestações vencidas e não pagas, capital vincendo, juros de mora e despesas, tudo num total de € 684.206,60. Comunicamos-lhe ainda que, de acordo com a cláusula 7ª do contrato, não efectuando a sua regularização procederemos à sua execução. Assim, sob pena de recurso à acção judicial, interpelamo-lo para regularização do contrato em apreço, no prazo de 8 (oito) dias, através do envio de cheque visado para: Banco 1... CRL-Departamento Jurídico...”;
6. Entre a entrada do requerimento executivo e a apresentação da petição de embargos de executado a Embargante fez alguns depósitos na conta de depósitos à ordem n.º ...81 de que é titular, que a Embargada utilizou para amortizar parcialmente os créditos emergentes do contrato de mútuo apresentado como titulo executivo;
7. A exequente emitiu o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor “Declaração. Para os devidos efeitos e a pedido do nosso cliente D..., Unipessoal, Lda. (...) declara a Banco 1... C.R.L. que concedeu a esse cliente um empréstimo que adoptou o número ...37 e que tem, à data prevista de liquidação de 17/04/2023, as seguintes referencias: (...) Data de inicio: 28/12/2015. Data de assinatura do contrato: ...15 (...) Tipo de Crédito: Crédito ao Investimento-Empresas Construção, aquisição e beneficiação de imóveis. Capital inicial: € 708.000,00. Capital em dívida: € 628.697,72. Prazo inicial: duzentos e quarenta meses. Prazo decorrido: sete anos, três meses e vinte dias. Prazo remanescente: doze anos oito meses e onze dias. Tipo de prestação: Prestações constantes com carência de capital (...) Capital: € 628.697,72. Juros: e 13.109,63. I selo s/juros (...) € 524,37. Juros mora s/ juros: € 1.302,57. I selo s/juros mora: € 52,10. Juros mora s/capital: € 46.009,57. I selo s/juros mora: € 1.840,37. Com recup val dívida: € 3.037,43. I selo s/c rvdiv: € 121,50. Com recup dívida: € 1.309,29. I selo s/c rvdiv: € 52,37 (..) Montante total a ser reembolsado em 17/04/2023: € 696.056,92 (seiscentos e noventa e seis mil e cinquenta e seis euros e noventa e dois cêntimos). ..., 17 de abril de 2023”;
8. Para além dos montantes referidos em 6), não foram pagos quaisquer outros montantes à exequente;
9. Nos autos de execução foi penhorado o prédio urbano situado na Avenida ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...44, com o valor patrimonial tributário de € 563.204,14, determinado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no ano de 2022.
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2.3. E enquadrou juridicamente os factos pela seguinte forma
Preceitua o n.º 1 do artigo 728.º do Código de Processo Civil que “O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação”, dispondo o artigo 731.º do mesmo diploma legal que “Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.”
Ora, no caso em apreço a presente execução não se baseia em sentença nem em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, pelo que para além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º é lícita a alegação de quaisquer outros fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.
A Embargante admite que entrou em incumprimento no inicio de 2020, mas alega que tal se deve a causas que lhe são alheias, nomeadamente à situação de pandemia, as quais não foram consideradas pela exequente.
O Tribunal não ignora que a situação da pandemia que assolou Portugal e o mundo poderá ter contribuído para a degradação da situação financeira da sociedade executada, mas a verdade é que as primeiras medidas tomadas pelo Governo Português para combater os efeitos da pandemia datam de 13 de Março de 2020, quando foi publicado o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março e a mutuária e ora embargante/executada “D...” já não pagou a prestação vencida em 28/12/2019 e a exequente resolveu o contrato de mútuo, com fundamento no incumprimento da mutuária, em 02 de Março de 2020.
Acresce que é a própria Embargante que admite que, por ter dividas ao Estado, não pode beneficiar das medidas tomadas pelo Governo para mitigar os efeitos da pandemia, nomeadamente da moratória para amortização de empréstimos, pelo que não se compreende como pode agora a Embargante alegar que a exequente resolveu o contrato sem ter em conta os constrangimentos causados pela situação de pandemia.
A escritura pública dada à execução constitui titulo executivo válido, porquanto trata-se de documento exarado por notário, que importa a constituição e o reconhecimento de uma obrigação, no caso, a sociedade “D...” reconheceu que a “Banco 1...” lhe emprestou o montante de € 708.000,00 e confessou-se devedora desse montante e comprometeu-se a pagá-lo no prazo de 240 meses em 240 prestações mensais e o executado BB responsabilizou-se solidariamente com a sociedade pelo pagamento da quantia mutuada, juros e demais encargos, constituindo-se como fiador e principal pagador, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil).
No requerimento executivo a exequente descreveu os factos que fundamentam o pedido, fazendo referencia à celebração do contrato de mútuo em 28/12/2015, no montante de € 798.000,00 e a falta de pagamento da prestação vencida em 28/12/2019 quando estava em divida o capital de € 674.953,23 (cfr. alínea e) do n.º 1 do artigo 724.º do Código de Processo Civil) e no campo destinado à liquidação da obrigação fez constar como valor líquido € 674.953,23, que corresponde ao valor do capital e o valor dependente de simples cálculo aritmético € 38.885,23, correspondendo € 10.158,88 a juros contados desde ../../2019 a 19/08/2020 à taxa de 4,75%, € 406,35 ao Imposto de selo e € 28.320,00 a despesas contempladas no contrato de mutuo apresentado como título executivo (cfr. alínea h) do n.º 1 do artigo 724.º do Código de Processo Civil), pelo que nenhum reparo merece a liquidação da obrigação exequenda efectuada pela exequente.
A Embargante/executada alega que não foi interpelada para pagar, mas não lhe assiste qualquer razão, porquanto a exequente juntou aos presentes autos cópia das missivas por si subscritas, datadas de 2 de Março de 2020 e endereçadas à mutuária e ora Embargante / executada “D...” e também ao fiador BB, comunicando-lhes que com fundamento na falta de pagamento das prestações vencidas considerava o contrato de mútuo resolvido, tornando-se imediatamente exigível todo o valor em divida à data (€ 684.206,60) e solicitando o pagamento no prazo de 8 dias, pelo que não se compreende como pode agora a Embargante/executada alegar que não foi interpelada para pagar e que nunca teve conhecimento directo da informação do valor em dívida.
Resulta dos elementos carreados para os autos, nomeadamente do extracto da conta de depósitos à ordem n.º ...81, domiciliada na exequente “Banco 1...”, de que é titular a mutuária e ora Embargante/executada “D...” que entre a data da apresentação do requerimento executivo (24/08/2020) e a data da apresentação da petição de embargos (27/02/2023), foram efectuados depósitos de vários montantes na referida conta bancária que a exequente utilizou para amortização parcial dos créditos emergentes do contrato de mútuo apresentado como título executivo, pelo que esses montantes deverão ser abatidos ao valor da quantia exequenda indicada/liquidada no requerimento executivo e que estava em divida à data da instauração da execução.
Por tudo o exposto, a final, improcederão “in totum” os presentes embargos de executado, devendo a execução prosseguir os seus termos também contra a Embargante / executada “D...” para que a exequente seja ressarcida dos montantes ainda em dívida.
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5. Da oposição à penhora:
A executada “D...” deduziu também oposição à penhora, alegando que o valor de € 809.468,10 constante no auto de penhora é excessivo.
Preceitua o n.º 1 do artigo 735.º do Código de Processo Civil que “Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela divida exequenda”, dispondo o n.º 1 do artigo 752.º do mesmo diploma legal que “Executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução”.
Por sua vez, o artigo 784.º do Código de Processo Civil preceitua, na parte que ora interessa, que “1- Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligencia...”
Feito o enquadramento legal, revertendo agora ao caso dos autos, temos que se se executa divida com garantia real, concretamente a hipoteca constituída a favor da exequente “Banco 1..., C. R. L” aquando da celebração do contrato de mútuo datado de 28/12/2015, hipoteca essa, incidente sobre o prédio urbano situado na Avenida ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17 e inscrito na matriz sob o artigo ...44, pelo que a penhora teria, necessariamente, que se iniciar por esse bem (cfr. n.º 1 do artigo 752.º do Código de Processo Civil), pelo que não há que falar em inadmissibilidade e/ou desproporcionalidade da penhora.
Porque é assim, necessariamente improcederá in totum a oposição à penhora, inexistindo qualquer fundamento legal para que seja cancelada/levantada a penhora incidente sobre o imóvel, propriedade da executada “D...”, a qual deverá manter-se.
Respondendo agora às questões suscitadas, diremos que não assiste qualquer razão à Embargante quando alega que nunca foi interpelada ou intimada para pagamento do valor reclamado pela exequente e que nunca teve conhecimento directo da informação do valor em divida, porquanto a exequente juntou aos autos cópia das missivas por si subscritas, datada de 2 de Março de 2020 e endereçadas à mutuária e ora Embargante/executada “D...” e também ao fiador e ora executado BB, comunicando-lhes que por falta de pagamento das prestações vencidas considerava o contrato resolvido, tornando-se imediatamente exigível todo o valor ainda em divida à data (€ 684.206,60) cujo pagamento solicitava no prazo de 8 dias, pelo que inexistem quaisquer duvidas de que mutuária e ora Embargante/executada foi informada da resolução do contrato e interpelada para pagar todos os montantes ainda em divida emergentes do mesmo e o mesmo se diga relativamente ao fiador e também executado BB (primeira questão), sendo devidos os montantes reclamados pela exequente no requerimento executivo, no qual a exequente expôs os factos que fundamentam o pedido, no caso a celebração do contrato de mútuo com hipoteca e fiança e alegou o não pagamento da prestação vencida em 28/12/2019 quando estava em divida o capital de € 674.953,23 e foi esse valor que indicou no campo do requerimento executivo destinado à liquidação da obrigação como valor líquido, e nesse campo indicou também como valor dependente de simples cálculo aritmético € 38.885,23 correspondendo € 10.158,88 a juros desde ../../2019 a 19/08/2020, € 406,35 a imposto de selo e € 28.320,00 a despesas contempladas no contrato de mútuo, pelo que inexistem quaisquer dúvidas que a quantia indicada (€ 713.838,46) correspondia, naquela data da instauração da execução (20/08/2020) aos montantes emergentes do contrato de mútuo, sendo certo que está assente que após a instauração da execução foram efetuados depósitos de vários montantes na conta de depósitos à ordem domiciliada junto da exequente, de que é titular a Embargante / executada, montantes esses que a exequente utilizou para amortizar parcialmente os seus créditos, pelo que esses montantes deverão ser abatidos ao valor da quantia exequenda (segunda questão), e executando-se divida com garantia real, no caso a hipoteca, a penhora inicia-se, necessariamente sobre os bens sobre que incida a hipoteca, no caso o prédio urbano situado na Avenida ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17 e inscrito na matriz sob o artigo ...44, pelo que não faz qualquer sentido falar em inadmissibilidade e/ou desproporcionalidade da penhora, inexistindo qualquer fundamento legal para seja cancelada / levantada a penhora incidente sobre o referido prédio urbano, razão pela qual a mesma deverá manter-se (terceira questão).
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2.4. Apreciação do recurso
1.ª Questão
Determinar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada
Entendem os apelantes que a improcedência dos embargos e da oposição à penhora fez com que se quedasse prejudicadas todas as demais questões por si suscitadas nos autos, bem como determinou a falta do integral conhecimento do mérito da ação porquanto decidiu igualmente mal quando refere que não podia beneficiar de moratórias e que admitindo ter estado sujeita a um encerramento forçado motivou a sua capacidade económica o que provocou grandemente o referido incumprimento.
Refere que a decisão recorrida deu como provado no seu ponto 3 que: “A mutuária deixou de cumprir o pagamento das prestações acordadas em 28/12/2019, ficando em divida o capital de € 674.953,23”; não obstante não se salienta o facto por si invocado de que a partir desse concreto momento se deu a situação pandémica que deu causa ao referido incumprimento, com a problemática que envolveu o encerramento forçado do negócio, com os devidos critérios como causa para o incumprimento que lhe eram mais apropriados.
Aduz, ainda, que não foi efetivamente interpelada para pagar a quantia certa, já que os montantes reclamados pela exequente não são os devidos; que a sentença recorrida não deu como provada a efetiva quantia por si devida e que no que respeita à matéria subjacente aos pontos 4 e 5 da sentença recorrida, apesar de a apelada a ter interpelado para o facto de ter incumprido e de se nada fizesse ser executada, é omitido o facto de no entretanto ter procedido a alguns pagamentos, no sentido de evitar a referida execução, indo aquela matéria quanto a esse concreto facto impugnada face à omissão registada e tendo ademais sido dado um prazo demasiado curto para regularizar o pagamento de uma quantia extremamente elevada.
Impugna, ainda, a matéria constante do ponto 7 dos factos provados alegando que todos os cálculos ali apresentados, e face aos pagamentos efetuados para amortizar a dívida, não estão ali contemplados, não refletindo a realidade no que concerne aos valores pagos e não deduzidos, até porque incidem juros que não são os devidos por não terem sido abatidos os valores devidos a uma suposta quantia certa da dívida exequenda.
Quanto ao ponto 8 dos factos provados entendem os apelantes que apesar de se afirmar ter sido somente os montantes constatados no ponto 6 que foram pagos à exequente, em momento algum se faz referência aos concretos valores pagos por si e não deduzidos omitindo-se assim na sentença recorrida qual a proporção dos valores que foram pagos e que na realidade não figuram como tal.
Por fim, alegam os apelantes que, pese embora não terem alegado que o apelante AA utiliza o imóvel penhorado como casa de morada de família, como fundamento da oposição à penhora, deve agora ser considerado, já que a ponderação de interesses conflituantes (direito de crédito e direito à habitação) efetuada pelo legislador ordinário, porque conforme à constituição, impõe-se ao julgador, cumprindo a este tão só apreciar do respeito pelas regras objetivas de proporcionalidade, devendo a decisão recorrida ter julgado improcedente a penhora realizada.
Vejamos, então, se a impugnação da matéria de facto realizada pelos recorrentes obedece às regras legais e processuais.
A norma que regula a impugnação da matéria de facto (artigo 640.º do Código de Processo Civil) dita que tem de observar-se os ditames fixados no seu n.º 1, alíneas a) a c), e n.º 2, alínea a), sob pena de rejeição.
Dispõe o citado preceito, no que para o caso interessa, que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
A disposição legal citada impõe ao recorrente o dever de “circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento”, bem como a exigência de “fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”, não bastando “meras generalidades, não alicerçadas em factos concretos ou descritas de forma imprecisa ou vaga” [Ana Luísa da Silva Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, págs. 589/612, a págs. 593/594].
No que se refere ao sentido e alcance dos requisitos formais de cumprimento dos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecidos no preceito citado, veja-se a síntese de Abrantes Geraldes [Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, pág. 199 e seguintes]: “[a] rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta da indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.” – sublinhados e bold nossos.
De acordo com o entendimento consignado no acórdão do TC n.º 259/2002, de 18.07.2002, publicado no DR, II Série, de 13.12.2002, quando o recorrente se limita a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre a matéria de facto, não cumpre minimamente o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto.
Considera-se no referido aresto, que o ónus imposto ao recorrente não é desprovido de qualquer utilidade, na medida em que está funcionalmente dirigido à delimitação da matéria sobre a qual o tribunal ad quem se há de pronunciar.
Deste modo, em face do entendimento que acima enunciámos, conclui-se que os apelantes não deram cumprimento ao ónus de especificação a que estavam adstritos na impugnação da matéria de facto, previsto nas alíneas b) e c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil (omitem a decisão a proferir sobre cada um deles, assim como não especificam, na motivação, os meios de prova, constantes do processo que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos), devendo a mesma ser rejeitada.
Não se ignora o teor do Acórdão para Fixação de Jurisprudência n.º 12/2023 (acórdão do STJ, de 17.12.2023, proferido no processo 8344/17.6T8STB.E1-A.S1) que fixou jurisprudência:
“Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Sucede que, analisada com pormenor a motivação do recurso, verifica-se que mesmo nesta os apelantes não indicam a decisão a tomar pelo tribunal relativamente aos pontos da matéria de facto que impugnam e, muito menos os meios de prova, constantes do processo que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
Também não ignoramos que a jurisprudência do STJ, na aferição do cumprimento dos ónus consagrados no artigo 640.º do Código de Processo Civil, tem adotado um critério de proporcionalidade e de razoabilidade, propugnando que aqueles ónus pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objeto do recurso.
Esta afirmação é comprovada através da leitura dos seguintes acórdãos, que se indicam a título exemplificativo e cujos sumários se transcrevem na parte relevante:
- Acórdão de 04.06.2020 (proc. n.º 1519/18.2T8FAR.E1.S1), disponível em www.jurisprudencia.csm.org
III - O artigo 640.º do CPC estabelece que o recorrente no caso de impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve proceder à especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa e da decisão que deve ser proferida, sem contudo fazer qualquer referência ao modo e ao local de proceder a essa especificação.
IV - Nesse conspecto tem-se gerado o consenso de que as conclusões devem conter uma clara referência à impugnação da decisão da matéria de facto em termos que permitam uma clara delimitação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e que as demais especificações exigidas pelo artigo 640.º do CPC devem constar do corpo das alegações.
V - Vem-se, também, defendendo que a apreciação das exigências estabelecidas no artigo 640.º do CPC se efectue segundo um critério de rigor que vise impedir que a impugnação da decisão da matéria de facto se banalize numa mera manifestação de inconsequente inconformismo sem, porém, se transmutar num excesso de formalismo que redunde a denegação da reapreciação da decisão da matéria de facto.
VI - A apreciação da satisfação das exigências estabelecidas no artigo 640.º do CPC deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco.
VII - Tendo o recurso por objecto a impugnação da matéria de facto, não está o recorrente obrigado a proceder, nas conclusões, à reprodução textual do que se impugna, mostrando-se suficiente a mera indicação dos números sob os quais se encontram vertidos os factos impugnados”.
- Acórdão de 10.12.2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt:
I - Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640.º do CPC, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal.
II - Tendo a recorrente identificado, no corpo das alegações e nas conclusões, os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, identificando e transcrevendo parcialmente os depoimentos das testemunhas, em conjugação com a prova documental, que, no seu entender, impõem decisão diversa e retirando-se da leitura das alegações e conclusões, qual a decisão que deve ser proferida a esse propósito, mostra-se cumprido, à luz da orientação atrás referida, o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do CPC.”.
- Acórdão de 16.12.2020 (Processo n.º 8640/18.5YIPRT.C1.S1), disponível em www.dgsi.pt:
«I - No âmbito do recurso de apelação visando a impugnação da matéria de facto podem distinguir-se dois ónus que incidem sobre o recorrente:
- um ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – artigo 640.º, n.º 1, do CPC; e - um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
II - Este ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes.
III - O controlo do cumprimento deste ónus secundário deve ser feito pela Relação em termos funcionalmente adequados e em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
IV - Não respeita este princípio a decisão da Relação que rejeita a apreciação do recurso sobre a matéria de facto quando – apesar da indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevantes na localização pelo tribunal dos excertos de gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é complementada com a indicação do início e termo dos depoimentos, com a indicação do início das passagens dos depoimentos com a referência ao tempo de gravação e ainda com a transcrição de excertos desses depoimentos.”.
Resumindo o que acima se deixou transcrito dos sumários dos acórdãos citados, será de admitir (e não rejeitar) a impugnação da matéria de facto em relação à qual seja objetivamente possível destrinçar e localizar suficientemente os pontos de facto impugnados, os meios de prova com eles conectados e que justificam a alteração pretendida, bem como, por fim, a resposta alternativa proposta pelo recorrente, em termos da sua segura compreensibilidade pelo julgador quanto ao seu conteúdo e sentido.
A indicação dos concretos meios probatórios deve ser feita a cada facto impugnado, o que não se verifica no caso vertente.
Os apelantes não indicam um único meio de prova que imponha decisão de facto diversa da tomada pelo tribunal de 1.ª instância, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões.
“O labor do tribunal superior, num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a reexaminar toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reapreciação da prova quanto aos pontos incorretamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem, a propósito de cada um deles, decisão diversa da recorrida. (acórdão do STJ, de 16.01.2024, proferido no processo n.º 3674/21.5T8VIS.C1.S1, em que foi relatora a Exa. Cons. Ana Resende).
Temos para nós que não se mostra realizada qualquer correspondência entre os factos impugnados e os meios de prova (porque nenhum meio de prova é invocado pelos apelantes), expressamente consignado no n.º 1, alíneas a) e b) do artigo 640.º, antes se perceciona um excurso genérico, e viabilidade de produção de prova que, sendo relevante não esgota a matéria dada como provada, e que se pede seja considerada como não provada, pelo que não pode deixar de entender que não foi observado o formalismo previsto no apontado artigo 640.º, n.º 1, alínea b).
Como se lê, ainda, no último acórdão do STJ citado “(…) embora se tenha afirmado a prevalência da matéria sob a forma, é certo que não é qualquer formalidade que pode ser dispensada, no caso o cumprimento dos ónus previsto no artigo 640.º, de modo a que o Tribunal da Relação possa exercer o exercício de reapreciação do decidido em termos de matéria de facto, antes se impõe relativamente ao constante em tal disposição legal, a imposição de rigor, porquanto a pretensão feita assenta no princípio da autorresponsabilização das partes, o que não contraria, repise-se, a ponderação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no que concerne à conduta processual do recorrente, tendo em conta a desconformidade verificada, maxime, quando se reporta ao objeto do recurso (…).
É verdade que o que os apelantes colocam em evidência na impugnação que fazem é o facto de a quantia exequenda já não corresponder à que à data de entrada da execução era devida porque, tal como se provou, que “Entre a entrada do requerimento executivo e a apresentação da petição de embargos de executado a Embargante fez alguns depósitos na conta de depósitos à ordem n.º ...81 de que é titular, que a Embargada utilizou para amortizar parcialmente os créditos emergentes do contrato de mútuo apresentado como titulo executivo;”. Mas isso não deixa de ser tido em conta na sentença sob recurso. Veja-se que na parte decisória, julgando os embargos improcedentes, se determina “(…) devendo a execução prosseguir os seus trâmites normais, também contra a executada «D..., Unipessoal, Lda.» o que se determina, devendo ser considerados e abatidos ao valor da quantia exequenda os montantes depositados na conta bancária titulada pela embargante/executada, domiciliada na exequente “Banco 1..., C. R. L” entre a data da entrada do requerimento executivo e a data da apresentação da petição de embargos e constante no extracto junto aos autos“.
Sabemos que no âmbito de um processo executivo o valor vai diariamente modificando por força do vencimento dos juros de mora e que para se proceder, por exemplo, à penhora de uma bem faz-se uma previsão das despesas prováveis.
Em suma, torna-se manifesto que a impugnação dos apelantes mais não representa que a afirmada “mera manifestação de inconsequente inconformismo”, desde logo por falta de especificação dos meios probatórios que justificam qualquer alteração à decisão de facto e pela omissão da decisão a proferir sobre ela.
Os recorrentes discordam da convicção do tribunal de primeira instância acerca da matéria de facto. Mas tal não é fundamento para a impugnarem.
Assim, e no que respeita à impugnação da decisão de facto suscitada pelos apelantes/executados, a mesma é integralmente rejeitada.
Improcede, nesta parte, o recurso.
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2.ª Questão
Determinar se existe fundamento para julgar procedente a oposição à execução deduzida pelos executados
Na oposição deduzida à execução, os apelantes alegam que aceitam o facto de a embargante D..., Unipessoal, Lda. ter entrado em incumprimento no início de 2020, o que ficou a dever-se, fundamentalmente, à situação pandémica, e, por deter algumas dívidas ao Estado, não lhe foi possível requerer nenhuma das medidas implementadas pelo Governo, nomeadamente dilatação dos prazos para pagamento de impostos e contribuições sociais, moratórias de pagamento de empréstimos e prémios de seguro, garantia pública a empréstimos concedidos pelo sector bancário e seguros de crédito, regime extraordinário de cessação temporária de contratos de trabalho (lay-off), subvenções diretas a determinadas classes de empresa (a fundo perdido), apoio ao rendimento das famílias e injeções de capital em empresas, e do valor em divida.
Mais alegaram que pagaram alguns montantes que não se encontram refletidos no valor total em dívida e a quantia que surge em dívida exequenda cifra-se em € 713.838,46, à data de 19.08.2020, que é diferente do valor apresentado na conta corrente apresentado na conta corrente apresentada pelo Agente de Execução (€ 809.468,10), e o auto de penhora enferma do mesmo mal.
Em sede de recurso, vem novamente colocar em crise o valor da execução, alegando que entre a entrada do requerimento executivo e a apresentação da petição de embargos de executado, a embargante fez alguns depósitos na conta de depósitos à ordem n.º ...81 de que é titular, que a embargada utilizou para amortizar parcialmente os créditos emergentes do contrato de mútuo apresentado como titulo executivo, mas que efetivamente não deduziu à quantia exequenda.
Na conclusão VIII escrevem os apelantes:
Ou seja, só pelo simples facto de a douta sentença recorrida ter terminado com a alegação na decisão final de que se devia ser considerados e abatidos ao valor da quantia exequenda os montantes depositados na conta bancária titulada pela embargante/executada, domiciliada na exequente “Banco 1..., CRL” entre a data da entrada do requerimento executivo e a data da apresentação da petição de embargos e constante no extrato junto aos autos; estando desde logo comprometido o valor da divida exequenda e os seus cálculos formulados nomeadamente pelo juro excessivo ali aplicado.
Mal se entende esta alegação dos apelantes.
Vejamos.
Resulta da matéria de facto dada como provada (que não foi validamente impugnada pelos apelantes e, por isso, se mantém imodificada) que entre as partes (diga-se entre os executados D..., Unipessoal, Lda. e AA e a exequente Caixa de Crédito Agrícola do …) foi celebrado um contrato de mútuo, através do qual a exequente / embargada emprestou aos executados/embargantes a quantia de € 708.000,00, sendo aquele definido, no artigo 1142.º do Código Civil, como aquele em que “uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
Por força do contrato celebrado entre as partes, era obrigação dos executados / embargantes pagar o valor das prestações mensais referente ao contrato nas datas dos seus vencimentos, enquanto a exequente assumiu a obrigação de emprestar a quantia mutuada.
Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o respetivo cumprimento nos termos preceituados no artigo 817.º e ss. do Código Civil.
A executada D..., Unipessoal, Lda. não cumpriu a sua obrigação de pagamento do capital mutuado nas datas dos vencimentos das prestações, o que implicou o vencimento de todas as prestações nos termos do artigo 781.º do Código Civil, deixando de cumprir o contrato em 28 de dezembro de 2019.
Mais se provou que a exequente, apelada, interpelou a executada e o fiador para cumprirem sob pena de se considerar definitivamente incumprida a obrigação e resolvido o contrato de mútuo.
Ficou provado, ainda, que entre a entrada do requerimento executivo e a apresentação da petição de embargos de executado a embargante fez alguns depósitos na conta de depósitos à ordem n.º ...81 de que é titular, que a embargada utilizou para amortizar parcialmente os créditos emergentes do contrato de mútuo apresentado como título executivo.
Inalterada a matéria de facto julgada provada, não restam dúvidas, à luz do clausulado no contrato de mútuo bancário estabelecido (“escritura pública de compra e venda, fiança, penhor de estabelecimento e mandato”, datada de 28/12/2015, e respetivo “documento complementar”) de ter sido mutuada à embargante D..., Unipessoal, Lda. a quantia de € 708.000,00, de que se confessou devedora e que declararam ter recebido a título de empréstimo, tendo o apelante AA prestado fiança.
Dos factos provados também resulta a modalidade prestacional de pagamento do mútuo de que os Embargantes se constituíram devedores – número de prestações, respetivos montantes e datas de vencimento.
Apurada se mantém ainda a data em que os devedores deixaram de proceder ao pagamento prestacional, como havia sido alegado no requerimento executivo, e, outrossim, a interpelação para o pagamento, mormente no que respeita à quantia total então considerada em dívida, instando a mutuária e o fiador ao pagamento sob cominação de ser considerado resolvido o referido contrato e vencida e imediatamente exigível toda a dívida, nos termos previstos nos artigos 781.º e 1150.º do Código Civil.
Neste quadro, a exequente procedeu, no requerimento executivo, à liquidação da obrigação, onde alude ao “capital em dívida” de € 674.953,23 e o valor dependente de simples cálculo aritmético € 38.885,23, correspondendo e 10.158,88 a juros contados desde ../../2019 a 19/08/2020, à taxa de 4,75%, € 406,35 ao Imposto de selo e € 28.320,00 a despesas contempladas no contrato de mútuo apresentado como título executivo (cfr. alínea h) do n.º 1 do artigo 724.º do Código de Processo Civil).
Vêm, agora, as embargantes/apelantes alegar, em sede de recurso, e de forma absolutamente conclusiva, que o valor da dívida exequenda e os cálculos formulados estão “comprometidos”, nomeadamente pelo juro excessivo aplicado na liquidação.
Ora, trata-se de uma questão inovadora que a decisão sob recurso não analisou. Não estamos, também, perante questão de conhecimento oficioso.
Isto dito, in casu, é evidente que a invocação está votada ao insucesso, desde logo por uma razão de ordem formal.
Com efeito, é pacífico e unânime o entendimento expresso no acórdão do STJ, de 25.03.2010, disponível em www.dgsi.pt que “Os recursos, como é sabido, são meios de apreciação de decisões proferidas pelos tribunais inferiores e já não instrumentos com vista à apreciação de questões colocadas ex novo.
Através deles colocam as Partes, aos tribunais superiores, as críticas tidas por pertinentes, com vista a obterem a alteração do por aqueles julgado, em função das questões vertidas nas respectivas peças processuais. Só perante questões de conhecimento oficioso podem e devem os tribunais de recurso intervir (facto que, como é evidente, não inibe as Partes de as colocarem)”.
Foi o que aconteceu no caso concreto, porque os apelantes colocaram pela primeira vez nas alegações de recurso, questão que devia ter sido colocada em primeira instância, e não foi, não cumprido a regra do sistema de recursos vigente, de que estes destinam a impugnar decisões já proferidas com vista ao seu reexame, e não a fazer o julgamento de questões colocadas ex novo perante o tribunal superior.
De facto, pretendendo os apelantes suscitar a questão dos juros (que tipo de juros?), teria que o ter feito perante a primeira instância, recorrendo depois, caso a questão não fosse atendida, para que a Relação reapreciasse essa decisão.
Não o tendo feito, e invocando pela primeira vez nesta instância, não pode este tribunal conhecer da referida questão.
Improcede, pois, sem necessidade de maiores considerações, a segunda questão suscitada.
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3.ª Questão
Determinar se existe fundamento para julgar procedente a oposição à penhora deduzida pelos executados por a penhora do prédio urbano situado na Avenida ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17 e inscrito na matriz sob o artigo ...44, ser ilegal, na medida em que se trata da casa de morada de família do apelante AA
A oposição à penhora consiste num incidente declarativo enxertado na execução (artigo 732.º, n.º 1, ex vi do artigo 785.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, constituindo um meio processual próprio para o executado reagir contra penhoras objetivamente ilegais, através do qual visa obter a declaração da ilegalidade da penhora e alcançar o seu levantamento (total ou parcial) – cfr. artigo 785.º, n.º 6, do citado Código – baseando-se sempre num fundamento que releva da violação dos limites objetivos desse ato, entre os quais figuram os casos da penhora de bens que, sendo embora do executado, não deveriam ter sido apreendidos por inadmissibilidade ou por força da extensão com que ela tenha sido realizada (alínea a) do n.º 1 do artigo 784.º do Código de Processo Civil) – Paulo Pimenta, In Acções e Incidentes Declarativos na Pendência da Execução, Revista Themis, Ano V, n.º 9.
Os apelantes, invocam, em sede de oposição à penhora, a inadmissibilidade da penhora do prédio supra descrito, com base no disposto no artigo 784.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “[s]endo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
(…)”.
Para o efeito esgrimem os seguintes argumentos:
- O opoente não pode nunca concordar com os contornos e valores aplicados que servem de base à incidência da penhora sobre aquele bem;
- Ora, face aos valores apresentados pelo oponido, não se considerarem como admissíveis por igualmente serem excessivos, não podem os mesmos serem aceites pelo opoente;
- Assim sendo não pode a opoente concordar com quantia exequenda peticionada a final, no valor de € 809.468,10 (oitocentos e nove mil e quatrocentos e sessenta e oito euros e dez cêntimos), sem que deva a penhora prosseguir nesses concretos termos;
- E, por conseguinte, tão pouco são aceitáveis que se indiquem e que venha a acrescer juros, sobre o referido valor em divida com as percentagens ali aplicadas, por serem igualmente excessivas.
Concluindo que a execução não pode nem deve proceder, devendo ser sustada.
A decisão recorrida decidiu assim, julgando improcedente o incidente de oposição à penhora:
A executada “D...” deduziu também oposição à penhora, alegando que o valor de € 809.468,10 constante no auto de penhora é excessivo.
Preceitua o n.º 1 do artigo 735.º do Código de Processo Civil que “Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela divida exequenda”, dispondo o n.º 1 do artigo 752.º do mesmo diploma legal que “Executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução”.
Por sua vez, o artigo 784.º do Código de Processo Civil, preceitua, na parte que ora interessa, que “1- Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligencia...”
Feito o enquadramento legal, revertendo agora ao caso dos autos, temos que se se executa divida com garantia real, concretamente a hipoteca constituída a favor da exequente “Banco 1..., CRL” aquando da celebração do contrato de mútuo datado de 28/12/2015, hipoteca essa, incidente sobre o prédio urbano situado na Avenida ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17 e inscrito na matriz sob o artigo ...44, pelo que a penhora teria, necessariamente, que se iniciar por esse bem (cfr. n.º 1 do artigo 752.º do Código de Processo Civil), pelo que não há que falar em inadmissibilidade e/ou desproporcionalidade da penhora.
Temos que concordar com a decisão recorrida.
Acrescentaremos que, no enquadramento normativo agora realizado pelos apelantes na motivação e conclusões de recurso, fazendo apelo e fundamentando o recurso à conflitualidade de interesses, resultam manifestamente inconcludentes e inócuas as referências feitas pelos mesmos, a propósito da utilização do imóvel penhorado como casa de morada de família, por parte do apelante AA, como fundamento da oposição à penhora, pretendendo que este tribunal de recurso pondere os alegados interesses conflituantes (direito de crédito e direito à habitação) apreciando o respeito pelas regras objetivas de proporcionalidade, devendo julgar a penhora realizada sobre o imóvel ilegal por violadora do direito à habitação.
Ora, os embargantes, ora apelantes, tinham o ónus de invocação dos meios de defesa contra a execução, aliás, de forma concentrada na petição de embargos – sob pena de preclusão –, cabendo-lhes o ónus da prova dos factos integrantes da matéria de exceção que deduzissem, podendo, assim, dizer-se que era seu ónus provar os factos integradores da matéria de exceção.
Na verdade, também em sede de embargos de executado há regras sobre a distribuição do ónus probatório, cabendo aos embargantes, logicamente, o ónus de alegar e provar os fundamentos de defesa/exceção que invoquem, in casu, que o imóvel penhorado era casa de morada de família do embargante AA.
Valem nesta sede os argumentos invocados na questão anterior, ou seja, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes em 1.ª instância e ali apreciadas, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no sistema de recursos vigente na nossa lei adjetiva, não se destina à prolação de novas decisões judiciais, mas ao reexame ou à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias [Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de processo Civil, págs. 92-93].
Improcede, igualmente, nesta parte o recurso.
A apelação improcede totalmente e as custas serão suportadas pelos apelantes que ficaram vencidos (n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos apelantes, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Évora, 11 de Abril de 2024
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários)
Maria José Cortes (Relatora)
Francisco Xavier (1.º Adjunto)
Maria Adelaide Domingos (2.ª Adjunta)