DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
ÓNUS DA PROVA
Sumário

Sendo a situação patrimonial dos recorridos aquela que descrevemos, impõe-se concluir que se verifica o facto-índice previsto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b). Logo, recai sobre os recorridos o ónus de ilidir a presunção daí decorrente, demonstrando, nos termos do artigo 30.º, n.º 3, parte final, e n.º 4, a sua solvência.

Texto Integral

Processo n.º 1096/23.2T8BJA.E1

Requerente/recorrente: - I..., Lda..

Requeridos/recorridos: - AA; - BB.

Pedido: - Declaração da insolvência dos requeridos.

Sentença recorrida: - Julgou a acção improcedente.

Conclusões do recurso:

A) A sentença recorrida refere em síntese que:

“- A Recorrente pediu a declaração de insolvência dos Requeridos, invocando o preenchimento da previsão do artigo 20.º, alínea b), do CIRE;

- Incumbia à Requerente a prova do circunstancialismo integrador da previsão dos referidos factos índice, o que a recorrente fez, não só através da factualidade alegada, mas também o obteve através da confissão dos Recorridos, bem assim como das certidões juntas aos autos;

- Da factualidade assente resulta que a Recorrente entregou aos Recorridos a quantia necessária ao exercício pelo filho menor de idade destes do direito de remissão de frações autónomas em crise;

- Pelas vicissitudes que os autos dão conta em agosto de 2022 a requerente fez inscrever a propriedade daqueles imóveis em seu nome, servindo-se para tanto de uma procuração irrevogável outorgada pelos requeridos (pelo exato valor da remição);

- Quer isto dizer que à data da propositura desta ação a requerente já se encontrava paga de, pelo menos, parte do seu crédito (sendo ainda credora do remanescente do seu crédito);

- Sendo certo que se a requerente não entendesse que os imoveis em causa não fossem suficientes para garantir o seu crédito então não teria aceite a dação para esse efeito. Tendo-o feito, é de presumir que os bens têm valor suficiente para garantir o crédito em apreço;

- Com efeito, quanto a esta dívida, nada foi alegado ou demonstrado quanto ao atual valor em dívida na execução, motivo pelo qual o tribunal não logrou determinar qual o valor da responsabilidade que ainda recairá sobre os requeridos;

- Não se ignora a existência de nova ação entre as partes em que se discute a validade daquele ato da requerente;

- Contudo, ainda que o desfecho de tal ação seja incerto, a verdade é que neste momento a requerente é beneficiária de imóveis cujo valor patrimonial tributário, à data de 2018, excedia largamente o crédito que invoca;

- E ainda que tal ação venha a ser favorável aos requeridos e a propriedade dos imóveis retorne para os mesmos, como, de resto, já se verificou antes, sempre terá nesse momento a requerente a possibilidade de executar no património daqueles o crédito que será então detentora, devidamente apurado e contabilizado.


- Por tudo o exposto, entende o tribunal que não se mostra verificado o facto índice previsto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do CIRE, uma vez que os requeridos possuem rendimentos que lhe podem permitir efectuar algum tipo de pagamentos, não se podendo concluir por uma situação de impossibilidade de os mesmos satisfazeram pontualmente a generalidade das suas obrigações;

- Poderia ponderar-se ainda o preenchimento da previsão das normas gerais do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE;

- Não pode, porém, deixar de se ter em consideração que as únicas dívidas concretamente invocadas em situação de suspensão de pagamento são as relacionadas aos imóveis, como sejam os condomínios e IMI’s que, pelas razões que os autos dão conta os requeridos não assumiram os pagamentos, a que acrescem as demais dívidas à AT e à Segurança Social, sem que do mesmo se possa inferir a impossibilidade de os requeridos acordarem no seu pagamento, mediante um plano prestacional com vista à liquidação das obrigações em causa.”

B) As conclusões da douta sentença são erradas e falsas, encontram-se em manifesta contradição da factualidade alegada pelas partes, pela confissão dos Recorridos e das certidões juntas aos autos;

C) De acordo com o n.º 4 do artigo 30.º do CIRE: “4 - Cabe ao devedor provar a sua solvência, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, devidamente organizada e arrumada, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 3.º”;

D) Temos de concluir pelo preenchimento da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, porque se provou e verificou a suspensão do pagamento da generalidade das obrigações vencidas dos recorridos, os quais deixaram de dar satisfação aos seus compromissos, em termos que projetam a sua incapacidade de pagar, estando também preenchida a alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, porque além do não pagamento generalizado das obrigações, verifica-se também que a falta de cumprimento de uma só ou mais obrigações que, pelas respetivas circunstâncias, revelem a impossibilidade dos devedores prover à satisfação pontual da generalidade das suas obrigações;

E) Veja-se a data de vencimento de cada obrigação e o seu não pagamento, de onde se infere a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas;

F) O incumprimento das obrigações de que são titulares, acompanhados dos demais débitos dos devedores vencidos e não pagos, permitem enquadrar os requeridos numa situação de penúria abrangente, que evidencia a impossibilidade destes de pagar a generalidade das suas obrigações vencidas, pelo que, se considera preenchida a previsão de presunção de insolvência estabelecida na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE;

G) Relembrando que foram dados como assentes os seguintes factos nºs 2; 3; 4; 5; 6; 7; 8; 9; 10; 13; 14; 16; 17; 18; 21; 22; 23; 24 e 25;

H) Ora, tendo sido dado como assente que a Requerente é credora dos Requeridos da quantia de € 186.416,24 e que na referida execução não foi possível recuperar qualquer quantia, errou o Tribunal a quo ao não dar como provado o crédito da Requerente, isto porque, mesmo que tivesse considerado que com a venda das frações “AW” e “AI”, o seu crédito de € 186.416,24, ficou por liquidar os juros de mora vencidos que até 10/11/2021 importam na quantia de € 9.300,00, bem como nos juros vincendos até efetivo e integral pagamento, a quantia de € 662,22 referente ao custo do documento notarial emitido pela não comparência dos Recorridos no cartório, acrescido ainda das custas, honorários de agente de execução, etc., bem como a quantia paga à Autoridade Tributária na quantia de € 2.018,00;

I) O Tribunal a quo errou em toda a linha, porque deu assentes factos que são suficientes para o decretamento da insolvência dos Requeridos e depois julgou errado, decidiu errado e apreciou os factos de forma errada, se não vejamos:

A decisão recorrida desconsiderou:

- O remanescente do crédito da recorrente, o qual deveria ser fixado em, pelo menos, na quantia de € 9.300,00 referente a juros de mora vencidos até 10/11/2021, reclamados no processo n.º 18621/21.... do Juízo Central Cível e Criminal – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., acrescido da quantia de € 662,22 referente ao custo do documento notarial emitido pela não comparência dos Recorridos no cartório, acrescido ainda das custas, honorários de agente de execução, etc., bem como a quantia paga à Autoridade Tributária na quantia de € 2.018,00;

- O facto de os Recorridos terem várias execuções pendentes nas quais não efetuaram quaisquer pagamentos; desconsiderou o facto de algumas dívidas se encontraram vencidas há mais de 4, 5, 7, 8 10 anos e não pagas;

- O facto de os recorridos não possuírem qualquer património para liquidar o seu passivo superior a € 90.000,00;

- O facto de os requeridos não disporem de qualquer rendimento para pagar as despesas correntes da vida familiar e viverem das ajudas de familiares;

- A obrigação dos Recorridos de alegar e provar a não verificação do fator índice e ou apesar da sua verificação, alegar e provar que não estão insolventes;

J) É irrelevante o rendimento que os Recorridos obtiveram e declararam no ano fiscal anterior (2022), o que importa são os rendimentos que dispõem o momento e no momento, foi dado como assente no ponto 25 que “A requerida mulher não aufere rendimentos à data, exercendo o requerido marido a sua profissão a título de profissional liberal como consultor e gestor imobiliário.”, ou seja, nada ou quantia alguma têm para pagar qualquer uma das suas dívidas;

K) Como também é impossível efetuar futurologia como fez a sentença recorrida, ao afirmar que os Recorridos poderiam celebrar acordos de pagamento das dívidas existentes “…como sejam os condomínios e IMI’s que, pelas razões que os autos dão conta os requeridos não assumiram os pagamentos, a que acrescem as demais dívidas à AT e à Segurança Social, sem que do mesmo se possa inferir a impossibilidade de os requeridos acordarem no seu pagamento, mediante um plano prestacional com vista à liquidação das obrigações em causa”;

L) Note-se que apesar de aqueles terem alegado a celebração de acordos de pagamentos com os credores, não fizeram prova de qualquer de prova, razão pela qual foi dado como não provado que os Recorridos se encontram a efetuar pagamentos mensais por conta das suas dívidas à AT e à SS, devendo ser dado como assente que os recorridos não se encontram a efetuar pagamentos a qualquer um dos seus credores, isto porque apesar de notificados para fazer prova de tal facto e juntar documentos, nada ou documento/acordo algum juntaram;

M) A sentença recorrida ao ter dado como assente o vertido nos pontos 16 e 17, pelo que tinha necessariamente que decretar a insolvência dos Requeridos e não o fazendo violou flagrantemente a lei, designadamente o disposto no n.º 1, 2, 3 e 4 do artigo 3.º, artigo 20.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do CIRE;

N) De acordo com Tal como o sumariado no Acórdão proferido pela 2ª Secção do Tribunal da Relação do Porto no dia 30/01/2024, no âmbito do processo n.º 2402/22.2T8PRT, disponível em www.dgsi.pt, compete ao devedor alegar e provar a não verificação do fator índice e ou apesar da sua verificação, alegar e provar que não está insolvente;

O) A Recorrente alegou e demonstrou a existência e o valor do seu crédito, a inexistência de bens penhoráveis, a impossibilidade de até à data, de recuperar qualquer quantia no âmbito da execução em curso e os requeridos confessaram não disporem de qualquer património para solver as suas dívidas;

P) Pelo que, verificou-se erro manifesto de julgamento;

Da natureza e antiguidade das dívidas dos Recorridos:

Q) Vejamos:

- A execução n.º 11556/15...., a correr termos no Juízo de Execução ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi instaurada em 04/05/2015 e ainda se encontra por liquidar pelos Recorridos a quantia de € 9.324,71 – referente a empréstimo bancário contraído para habitação própria e permanente;

- A execução n.º 28033/15...., a correr termos no Juízo de Execução ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em que é exequente a administração do condomínio das frações “AW” e “AI”, foi instaurada em 2015 ainda se encontra por liquidar a quantia de € 3.135,19 – referente a quotas de condomínio e fundo de reserva;

- A execução n.º 9451/23...., no Juízo de Execução ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em que é exequente a administração do condomínio das frações “AW” e “AI” – instaurada em 16/05/2023, ainda de se encontra por liquidar a quantia de € 9.963,57 – referente a quotas de condomínio e fundo de reserva;

- A execução n.º 18621/21...., do Juízo Central Cível e Criminal – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi instaurada em 10/11/2021, e ainda se encontra em dívida, pelo menos, a quantia de € 9.300,00 referente a juros de mora vencidos até 10/11/2021, bem como as custas, os honorários de agente de execução;

- É devido ainda pelos Recorridos a quantia de € 662,22 referente ao custo do documento notarial emitido pela não comparência dos Recorridos no cartório;

- É devido ainda pelos Recorridos a quantia de € 2.018,00 paga à Autoridade Tributária – vide certidão junta aos autos;

- É devido pelos Recorridos à Dr.ª CC da quantia de € 1.500,00;

- É devido pelos Recorridos à Autoridade Tributária das quantias de € 20.802,91 (desde 01/01/2013) e de € 24.129,83 (desde abril de 2019) – cfr. certidões juntas;

- É devido pelos Recorridos ao Instituto da Segurança Social, IP, das quantias de € 4.313,83 (desde maio de 2011) e de € 18.465,33 (desde abril de 2017) – cfr. certidões juntas.

Da situação económica dos Recorridos:

R) Vejamos que:

- Os Recorridos não são titulares e qualquer património mobiliário e ou imobiliário;

- A requerida mulher não aufere rendimentos à data, exercendo o requerido marido a sua profissão a título de profissional liberal como consultor e gestor imobiliário;

S) Os Recorridos não são capazes de gerar qualquer receita para pagar os seus débitos, designadamente para com o recorrente, o condomínio, finanças, segurança social e os Recorridos defendem da ajuda de terceiros para sobreviver, conforme declarou o Recorrido marido em julgamento;

T) Os recorridos confessaram que não têm qualquer património, mobiliário e ou imobiliário, confissão que foi aceite integralmente e sem reservas, pelo que é inequívoco a sua situação de insolvência;

U) A decisão recorrida dá como assente a factualidade vertida nos pontos 14, 15, 16, 17, 21 a 25 e depois não retira qualquer ilação da situação de insolvência dos Recorridos, tendo dado como assente a ausência de património para liquidar o passivo que é superior a € 100.000,00;

V) Não tendo os recorridos demonstrado que tais dívidas foram pagas, não se compreende como pode a sentença recorrida concluir que os Recorridos poderiam efetuar acordos de pagamento das mesmas, designadamente ao ISS e à AT; Era aos Recorridos a quem competia a prova do seu pagamento;

W) A factualidade dada como assente nos pontos 14, 15, 16, 17, 21 a 25, por si só, indiciam que os Recorridos estão impossibilitados de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;

X) Esta conclusão é amplamente corroborada pelas demais circunstâncias apuradas, mormente o facto de não serem conhecidos à recorrida quaisquer bens penhoráveis, inclusivamente saldos bancários, suscetíveis de satisfazer aquelas obrigações e revelam estar impossibilitada de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, pelo que aquela possibilidade não afasta o preenchimento do facto índice – alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE;

Y) Está preenchida a previsão do artigo 20.º, n.º 1, alínea b), invocado pela Recorrente e está verificada a previsão da alínea e) porque no âmbito da execução instaurada pela recorrente contra os recorridos, não foi possível penhorar qualquer saldo bancário, bem móvel ou imóvel destes;

Z) A situação de insolvência corresponde a um estado de impotência económica. Mas a requerente da declaração de insolvência não tem de fazer prova direta dessa impotência económica. Provado algum dos factos índice enunciados no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, é ao devedor que cabe provar a sua solvência, isto é, que dispõe se liquidez suficiente, ainda que por via do acesso ao crédito, para pagar as suas dívidas vencidas, na situação prevista no artigo 3.º, n.º 1, do CIRE, ou que o seu passivo não é manifestamente superior ao seu ativo, na situação prevista no n.º 2 do mesmo artigo;

AA) No presente caso, estão provadas as circunstâncias previstas no artigo 20.º, n.º 1, alíneas a), b) e e), não tendo os Recorridos logrado demonstrar a sua inexistência ou a inexistência da situação de insolvência, nos termos do artigo 30.º, n.º 3, do CIRE, impõem-se, nestes termos, julgar procedente a pretensão da Recorrente e, por e conseguinte, revogar a decisão recorrida, declarar a insolvência dos Recorridos e determinar o prosseguimento dos autos, com integral cumprimento do disposto no artigo 36.º do CIRE e da ulterior tramitação processual;

Da incorreta decisão quanto à litigância de má fé dos Recorridos:

BB) Os Recorridos litigam de má fé, porque alegaram fatos que não foram dados como assentes, confabularam uma história horrenda que não veio a ter qualquer sustentabilidade, devendo ser considerados como litigantes de má fé:

- Através de decisão de 16/09/2022 a AE nomeada na execução 11556/15...., notificou a Dra. DD, Mandatária dos recorridos, dando-lhe conta da decisão da extinção da execução nos termos por adjudicação das quantias vincendas nos termos e para os efeitos do nº 3 e 4 do artigo 779.º do CPC, dando conta da penhora das pensões auferidas pelo irmão e cunhada do Sr. EE, FF e GG, pago pela entidade “Centro Nacional de Pensões”, no valor de € 9.324,71;

- Através de dois requerimentos subscritos pela Dra. DD, Mandatária dos recorridos, de 01/03/2023, juntou a sentença (e outros documentos) proferida no processo n.º 15439/20.... e peticionou a notificação da Exequente para efetuar a devolução do montante que lhe foi entregue (preço dos imóveis, saldos bancários, reformas e vencimentos penhorados);

- Na ação de reivindicação de propriedade a correr termos sob o n.º 18343/22...., ... - Juízo Central Cível - Juiz ..., a Dra. DD, Mandatária dos ali réus, referiu que a ajuda pedida ao EE apenas ocorreu depois da venda das duas frações em leilão eletrónico e após o encerramento do mesmo, que ocorreu no dia 17/04/2017, às 10 horas (vide artigos 39 a 41 da douta contestação);

- Nessa mesma ação, a Dra. DD, Mandatária dos ali réus, afirma que os réus, em tempos celebraram um CPCV com terceiros, o qual terá tido por objeto as frações “(…)” e “(…)” e afirmou que as mesmas se encontravam oneradas com um contrato de arrendamento alegadamente de 06/05/2017 e reconhece a impotência dos réus em liquidar as suas obrigações vencidas em 2015;

- Os Recorridos dizem que nada devem à Recorrente, mas no dia 12/07/2018 assinaram uma procuração irrevogável a favor de EE, “…a quem conferiram poderes para qualquer um deles e em representação deles mandantes, prometer vender e, ou, vender, podendo fazer negócio consigo mesmo, os seguintes bens:

- Fração autónoma designada pelas letras “(…)”, correspondente a um aparcamento na cave, com 13,54 m2, designado pelo n.º ..., com entrada pelo n.º ... da Praceta ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito como artigo matricial ...99, descrita na CRP ... sob o n.º ...82;

- Fração autónoma designada pelas letras “(…)”, correspondente a uma habitação (T-2) no ..., designada por 1.0B, no edifício 1, com entrada pelo n.º ..., da Praceta ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito como artigo matricial ...99, descrita na CRP ... sob o n.º ...82; Mais, conferiram poderes para, junto das competentes Repartições de Finanças, Câmara Municipais e Cartórios Notariais, requerer tudo quanto se torne necessário ao mencionado fim e junto das competentes Conservatórias do Registo Predial, requerer quaisquer atos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos, bem assim, assinar contratos-promessa de compra e venda e outorgar e assinar as competentes escrituras e outros documentos que se tornem imprescindíveis à boa execução deste mandato. Disseram ainda os outorgantes que esta procuração é conferida no interesse do mandatário, pelo que é irrevogável nos termos do número três do artigo duzentos e sessenta e cinco e do número dois do artigo mil cento e setenta, ambos do Código Civil, e não caducará por morte, interdição ou inabilitação dos mandantes, nos termos do artigo mil cento e setenta e cinco do mesmo Código”,

- Os Réus dizem que nada devem à Autora, mas no dia 11/05/2020 assinaram um reconhecimento de dívida e promessa de dação em cumprimento, através do qual se reconheceram devedores da Autora da quantia global de € 186.416,24;

- Os Réus dizem que nada devem à Autora, mas não juntam qualquer comprovativo de pagamento dos créditos da Autora;

- Os Réus dizem que o seu ativo é superior ao passivo mais não juntam qualquer documento que ateste a propriedade de bens móveis ou imóveis capazes de satisfazer os créditos da Autora e dos demais credores;

- Os Réus nos dois pedidos de proteção jurídica apresentados pela Dra. DD, Ilustre Mandatária dos Réus junto do ISS, IP, escreveram que eles não têm qualquer rendimento, não tem qualquer bem móvel ou imóvel e que o único bem móvel é uma viatura do ano de 2010;

- Os Réus na vasta documentação, emails e cartas que juntaram ao processo, em momento algum alegaram que desconheciam que tinha sido a Autora a emprestar as quantias necessárias para o pagamento: do preço dos 2 imóveis, impostos, custo dos respetivos registos e outras despesas;

- Os Réus confessam o seu incumprimento e aceitam que não compareceram no cartório notarial para outorga da escritura de transmissão dos bens imóveis;

- Os Réus nas duas ações que instauram junto do Ministério Público e Tribunal de Família e Menores, nunca alegaram desconhecer que tinha sido a Autora a emprestar as quantias elencadas na p.i. e que haviam sido enganados pelo gerente da Autora e por esta;

- No requerimento de 13/12/2023 – afirmam que a BB e o HH habitam o imóvel e que além do valor da Renda, os Requeridos ainda pagam a água, eletricidade e despesas de manutenção e conservação do imóvel;

- O AA afirmou que incumpriu o CPCV e para não pagar o triplo do sinal, deu de arrendamento o imóvel e a sua Advogada escreveu ... o dobro do sinal;

- Em 2012 prometeram vender o imóvel por € 120.000,00;

- No âmbito da execução promovida pelo Banco 1..., em leilão eletrónico, o apartamento foi vendido por € 166.650,00 e o lugar de garagem foi vendido por € 5.353,00, conforme licitações de 17/04/2018;

- No anúncio que levou à venda das frações “(…)” e “(…)” não foi referida a existência de qualquer contrato de arrendamento;

- Na execução do Banco 1... os supostos arrendatários jamais alegaram deter qualquer direito sobre as aludidas frações, seja direito de retenção, seja o direito ao arrendamento;

- Em sede de oposição (setembro de 2023) e de declarações de parte (dezembro 2023) os Requeridos afirmam que o imóvel vale cerca de € 280.000,00;

- Não se encontra nos autos nem foi requerida qualquer avaliação;

- As aludidas frações foram vendidas à Requerente pelo exato valor que esta pagou no âmbito da execução movida pelo Banco 1... contra os requeridos;

- As aludidas frações foram vendidas à Requerente tudo conforme melhor resulta do mandato conferido pelos Requeridos ao EE no dia 12/07/2018 e na execução do contrato promessa de dação em cumprimento datado de 11/05/2020;

- No âmbito de uma tentativa de penhora de créditos efetuada no âmbito da execução n.º 18621/21...., do Juízo Central Cível e Criminal – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., no dia 29/01/2024, a Ilustre Mandatária dos aqui Recorridos, informou remeteu documentos à Agente de Execução e esclareceu que a “… compensação de créditos celebrada foi verbal, atenta a confiança existente entre as partes, nunca tendo sido formalizada por escrito.”, Com o referido email que se junta, foi junto um Contrato Promessa de Compra e Venda datado de 24/02/2011, alegadamente celebrado entre o Recorrido AA e HH, para a venda da fração “(…)” pelo preço de € 35.000,00, preço já recebido;

- No requerimento de 13/12/2023 a BB e o HH afirmaram que habitam o imóvel e que além do valor da Renda, os Recorridos ainda pagam a água, eletricidade e despesas de manutenção e conservação do imóvel;

- Em sede de declarações de parte o Recorrido AA afirmou que incumpriu o CPCV e para não pagar o triplo do sinal, deu de arrendamento o imóvel à BB e a sua Advogada escreveu ... o dobro do sinal, e de acordo com o CPCV ora junto o imóvel não foi prometido vender por e 120.000,00, mas por € 35.000,00 – preço já recebido.

CC) Estes factos, confirmam inteiramente a versão da Recorrente, pelo que é inequívoco que os Recorridos litigam de má fé e devem ser condenados em multa e numa indemnização à parte contrária, a fixar entre as duas e as cem UC`s, tal como determina o artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais;

DD) A sentença recorrida violou o disposto no artigo 3.º, n.º 1 e 2; artigo 20.º, n.º 1, alíneas a), b), e), g), i) ii); artigo 30.º, n.º 4, artigo 81.º e artigo 120.º do CIRE; é nula por os fundamentos de facto estarem em oposição com a decisão – artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC; violou o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, na medida em que não analisou criticamente as provas existentes; errou claramente na apreciação dos factos e na análise crítica da prova junta aos autos; padece de Contradição entre a matéria dada como assente e a fundamentação da sentença recorrida; padece de nulidade de omissão de pronuncia e erra na interpretação e aplicação do direito.

Termos em que,

Requer que o presente recurso seja julgado totalmente procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que decrete a insolvência dos Requeridos por se encontrarem verificados os requisitos legais para o efeito, com as legais consequências;

Requer que sejam dados como provados os seguintes factos:

- Na execução a correr termos sob o n.º 18621/21...., do Juízo Central Cível e Criminal – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., os Recorridos ainda devem à Recorrente, a quantia de € 9.300,00 referente a juros de mora vencidos até 10/11/2021, bem como nos juros de mora vencidos deste então até efetivo e integral pagamento, bem como os honorários de agente de execução;

- Os Recorridos devem à Recorrente a quantia de € 662,22 referente ao custo do documento notarial emitido pela não comparência dos Recorridos no cartório notarial;

- Os Recorridos devem à Recorrente a quantia de e 2.018,00 paga pela Recorrente à Autoridade Tributária;

- Os Recorridos litigam com manifesta má fé e em consequência, sejam condenados em multa e numa indemnização à parte contrária, a fixar entre as duas e as cem UC`s, tal como determina o artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.

Questões a decidir:

- Aditamento à matéria de facto;

- Nulidade da sentença;

- Verificação dos pressupostos da declaração de insolvência;

- Litigância de má-fé.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1. Os requeridos são casados entre si, sob o regime da comunhão de adquiridos.

2. No dia 04/05/2015 a Banco 1... instaurou ação executiva, que corre seus termos no Juízo de Execução ..., Juiz ..., sob o n.º 11556/15...., também contra os aqui requeridos, destinada a obter o pagamento da quantia de € 160.094,18.

3. Juntamente com o requerimento executivo, a exequente indicou à penhora duas frações autónomas designadas pelas letras "(…)" e "(…), ambas inscritas na matriz urbana sob o artigo ...99... (destinada a habitação) e … (destinada a aparcamento de viaturas), descritas na CRP ... sob o no ...82... e (…), ambas da freguesia ..., concelho ..., correspondente a habitação e lugar de garagem, que se encontravam oneradas com duas hipotecas a seu favor, e cuja propriedade se encontrava então registada a favor dos requeridos.

4. Nessa execução a Agente de Execução decidiu vender, através de leilão eletrónico, as aludidas frações autónomas, pelos valores base de € 5.200,00, e de € 194.100,00.

5. De forma a obstar à aludida venda executiva, a pedido dos requeridos, a requerente entregou-lhes as quantias necessárias ao exercício do direito de remissão pelo filho menor de idade de ambos, II, e pelos valores oferecidos na venda executiva, respetivamente, de € 166.650,00, e de € 5.353,00.

6. Assim, o preço global da remição dos dois bens imóveis foi pago pela requerente e depositado na conta da Agente de Execução, através do cheque bancário n.º ...32, emitido em ../../2018, na quantia de € 100.000,00 e através do cheque bancário no ...41, emitido em ../../2028, na quantia de € 72.003,00.

7. A requerente procedeu ainda ao pagamento dos impostos (IMT e Imposto de Selo) referentes à fração autónoma designada "(…)", nos valores de € 2.692,27 e de € 1.333,20, respetivamente.

8. E ao pagamento dos impostos (IMT e Imposto de Selo) referentes à fração autónoma designada "(…)", nos valores de € 347,95 e de € 42,82.

9. Para pagamento dos registos de aquisição da fração “(…)” e "(…)" a favor do menor a requerente despendeu ainda a quantia de € 225,00 mais € 225,00.

10. Na sequência do acordado entre requerente e requeridos, a então advogada destes, no dia 12/07/2018, redigiu uma procuração irrevogável em nome dos requeridos os quais, na qualidade de pais e em legal representação do seu filho menor, II, constituíram seu bastante procurador o sócio-gerente da requerente, "...a quem conferiram poderes para qualquer um deles e em representação deles mandantes, prometer vender e, ou, vender, podendo fazer negócio consigo mesmo, os seguintes bens:

- Fração autónoma designada pelas letras "(…)", correspondente a um aparcamento na cave, com 13,54 m2, designado pelo no 47, com entrada pelo no ...4 da Praceta ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito como artigo matricial ...99, descrita na CRP ... sob o n.º ...82;

- Fração autónoma designada pelas letras "(…)", correspondente a uma habitação (T-2) no ..., designada por 1.0B, no edifício 1, com entrada pelo n.º ...04, da Praceta ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito como artigo matricial ...99, descrita na CRP ... sob o n.º ...82;

Mais, conferiram poderes para, junto das competentes Repartições de Finanças, Câmara Municipais e Cartórios Notariais, requerer tudo quanto se torne necessário ao mencionado fim e junto das competentes Conservatórias do Registo Predial, requerer quaisquer atos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos, bem assim, assinar contratos-promessa de compra e venda e outorgar e assinar as competentes escrituras e outros documentos que se tornem imprescindíveis à boa execução deste mandato.

Disseram ainda os outorgantes que esta procuração é conferida no interesse do mandatário, pelo que é irrevogável nos termos do número três do artigo duzentos e sessenta e cinco e do número dois do artigo mil cento e setenta, ambos do Código Civil, e não caducará por morte, interdição ou inabilitação dos mandantes, nos termos do artigo mil cento e setenta e cinco do mesmo Código.

Assim, o disseram e outorgaram.

Fez-se a leitura deste instrumento e explicação do seu conteúdo em voz alta aos outorgantes e na presença simultânea deles.»

11. Por decisão de 12/11/2019, proferida no processo que correu termos no MP - Procuradoria da República da Comarca ... - Procuradoria do Juízo de Família e Menores ..., sob o n.º 747/19...., foi indeferido o pedido dos requeridos para autorização judicial para a prática do ato de venda dos 2 bens imóveis acima identificados, a favor da requerente.

12. Tal pedido foi igualmente indeferido por sentença proferida no dia 18/02/2020, transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 747/19.....

13. No dia 11/05/2020 requerente e requeridos outorgaram um instrumento denominado de «reconhecimento de dívida e promessa de dação em cumprimento», o qual tinha por objeto as frações acima referidas e que se rege pelas cláusulas seguintes:

«CLÁUSULA PRIMEIRA

(Confissão de Dívida)

Pelo presente instrumento, e ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil, os Primeiros Outorgantes expressamente reconhecem e confessam-se devedores perante a Segunda, da quantia global de € 186.416,24 (cento e oitenta e seis mil, quatrocentos e dezasseis euros e vinte e quatro cêntimos), proveniente das obrigações indicadas no preâmbulo que antecede.

CLÁUSULA SEGUNDA

(Pagamentos)

1) Os Primeiros Outorgantes obrigam-se que pelo presente documento e para pagamento integral daquela importância, prometem dar, livre de ónus ou encargos, à segunda outorgante seguintes prédios a) Fração autónoma designada pelas letras "(…)", correspondente a um aparcamento na cave, com 13,54 m2, designado pelo n.º ...7, com entrada pelo n.º ...4 da Praceta ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito com artigo matricial ...99 e descrito sob o número quatro mil quinhentos e oitenta e dois; b) Fração autónoma designada pelas letras "(…)", correspondente a uma habitação (T-2) no ..., designada por 1.0.B, no edifício 1, com entrada pelo n.º ...04 da Praceta ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito com artigo matricial ...99, descrito sob o número quatro mil quinhentos e oitenta e dois, a que atribuem valor ao da dívida.

2) No pressuposto do cumprimento do presente Contrato a Segunda Outorgante renuncia a quaisquer quantias devidas a título de juros de mora vencidos e vincendos, podendo exigi-los em caso de incumprimento do presente acordo.

3) A escritura de dação em cumprimento será feita no prazo máximo de 60 (sessenta dias), cuja data / hora e local será comunicada com antecedência de dez dias por carta registada com aviso de receção ou por correio eletrónico com respetivo recibo de leitura para os seguintes emails:

...;

4) A presente promessa fica sujeita a execução específica nos termos do artigo 830..º do Código Civil.

CLÁUSULA TERCEIRA

(Cessão da posição contratual)

Os Outorgantes não poderão transmitir ou ceder, onerosa ou gratuitamente, respectivamente, parte ou a totalidade dos direitos e deveres decorrentes deste acordo sem prévia concordância de ambos os outorgantes.

CLÁUSULA QUARTA

(Domicílio das partes)

As Partes consideram-se domiciliadas, para efeitos de interpelações, citações e notificações judiciais, nas moradas constantes das respetivas identificações supra identificadas.»

14. Apesar de interpelados para comparecerem no Cartório Notarial ou procederem à marcação da aludida escritura, os requeridos não o fizeram, o que importou o pagamento pela requerente das quantias de € 662,22 e de € 662,22.

15. Por sentença de 22/10/2021, transitada em 29/11/2022, no processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível – J..., com o n.º 15439/20...., em que são partes também os aqui requerido e requerente, foi declarado nulo o acto de remição efetuada pelo filho menor dos Requeridos, quanto às 2 frações identificadas, e, consequentemente ordenado o cancelamento dos registos de aquisição efetuado a favor do menor.

16. No dia 10/11/2021, a requerente instaurou ação executiva contra os requeridos para cobrança da quantia de € 196.020,34, sendo a quantia de € 186.416,24 a título de capital e a quantia de € 9.300,00 referente a juros de mora vencidos até àquela data, que corre termos no Juízo Central Cível e Criminal – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 18621/21.....

17. No âmbito deste processo, até à data, não foi possível recuperar qualquer quantia.

18. Em 26 de agosto de 2022, no C..., sito na Praça ..., ..., EE, na qualidade de procurador dos requeridos e único socio e gerente da requerente, declarou em nome dos representados:

“Que pelo valor global de € 172.003,00 (cento e setenta e dois mil e três euros), vende, em nome dos seus representados, à sociedade por si representada, as seguintes frações:

a) Fração autónoma designada pelas letras “(…)”, composto por aparcamento na cave, designado pelo n.º ..., com entrada pelo n.º ... da ... sem designação, atualmente denominada de Praceta ..., com o valor patrimonial de € 5.277,04 e atribuído para efeitos desta ato, de € 5.353,00:

b) Fração autónoma designada pelas letras “(…)”, composta por habitação (T-2) no ..., designada por 1.0.B, no edifício 1, com entrada pelo n.º ... da ... sem designação, atualmente denominada Praceta ..., com o valor patrimonial de € 196.932,56 e atribuído para efeitos deste ato, de € 166.650,00.”

(…) “ Que, o valor de € 172.003,00 (cento e setenta e dois mil e três euros) foi pago da seguinte forma: a) O montante de € 100.000,00, pago em 30/05/2018, através de cheque bancário com o n.º ...32, emitido na mesma data, pelo banco “Banco 2...”; b) O remanescente no valor de € 72.003,00, pago em 06/06/2018 através de cheque bancário, emitido no mesmo dia, pelo mesmo banco com o n.º ...21 ...41 – pelo que em nome dois seus representados vendedores dá a respectiva quitação.”

19. Pela Ap. ...74, de 26.08.2022, mostra-se registada a favor da requerente a propriedade da fração … (abrange as duas frações).

20. Corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Central Cível ... – Juiz ..., sob o n.º 22726/22...., ação de anulação da escritura de compra e venda referida em 18, intentada pelos aqui requeridos contra a requerente e contra EE, com o seguinte pedido:

«a) Que seja declarada e reconhecida que a procuração e seus termos de autenticação a favor de EE, realizadas perante a Dra. CC, Advogada, com a cédula profissional n.º ..., no escritório sito à Rua ..., em ..., ..., no dia 12.07.2018, é um documento nulos ou anulado;

b) Que seja declarada a nulidade da escritura pública de compra e venda das frações autónomas designadas pelas letras “(…)” e “(…)”, realizada no dia 26.08.2022, no Cartório Notarial ..., entre o Segundo Réu, na alegada qualidade de procurador dos Autores AA e BB, por estar outorgada por interveniente carecido de poderes para o efeito, por falta de poderes de representação (decorrente da nulidade ou anulação da procuração);

c) Que seja declarado nulo o registo efetuado, em 26.08.2022, a favor da aqui Requerente, pela apresentação n.° ...74, na Conservatória do Registo Predial ... e ordenado o seu cancelamento (…)»

21. Correm termos contra os requeridos as seguintes ações executivas:

i. processo n.º 11556/15...., no Juízo de Execução ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em que é exequente a L... SARL, para pagamento da quantia de € 9.324,71;

ii. processo n.º 28033/15...., a correr termos no Juízo de Execução ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em que é exequente a A..., Gestão e Administração de Condomínios, Lda., para pagamento da quantia € 3.135,19;

iii. processo executivo n.º ...3..., no Juízo de Execução ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em que é exequente a administração de Condomínio ... para pagamento da quantia de € 9.963,57;

22. Os requeridos são devedores à Dra. CC da quantia de € 1.500,00;

23. Os requeridos são devedores à Autoridade Tributária das quantias de € 20.802,91 e de € 24.129,83;

24. Os requeridos são devedores ao Instituto da Segurança Social, IP, das quantias de € 4.313,83, e de € 18.465,33;

25. A requerida mulher não aufere rendimentos à data, exercendo o requerido marido a sua profissão a título de profissional liberal como consultor e gestor imobiliário;

26. De acordo com a Segurança Social o rendimento anual do agregado familiar composto pelos requeridos e um filho menor de idade é de € 13.673,00.

Factos julgados não provados pelo tribunal a quo:

a) Os requeridos não pagaram à requerente o valor reclamado por esta na instância executiva identificada em 16, de € 190.020,34.

b) As frações identificadas em 3 foram objeto de contrato promessa de compra e venda pelos requeridos a favor de terceiros, o que era do conhecimento do sócio gerente da requerente à data da entrega das quantias referidas em x.

c) Frações que têm um valor comercial de, pelo menos, 280 mil Euros.

d) Os requeridos acordaram no pagamento em prestações das dividas referidas em 21., nos processos 28033/15.... e 9451/23.....

e) E encontram-se a efetuar pagamentos mensais por conta das suas dividas à AT e à SS, descritas em 23 e 24.


*


Aditamento à matéria de facto:

No final das conclusões, a recorrente escreveu o seguinte:

«Requer que sejam dados como provados os seguintes factos:

- Na execução a correr termos sob o n.º 18621/21...., do Juízo Central Cível e Criminal – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., os Recorridos ainda devem à Recorrente, a quantia de e 9.300,00 referente a juros de mora vencidos até 10/11/2021, bem como nos juros de mora vencidos deste então até efetivo e integral pagamento, bem como os honorários de agente de execução;

- Os Recorridos devem à Recorrente a quantia de € 662,22 referente ao custo do documento notarial emitido pela não comparência dos Recorridos no cartório notarial;

- Os Recorridos devem à Recorrente a quantia de e 2.018,00 paga pela Recorrente à Autoridade Tributária;

- Os Recorridos litigam com manifesta má fé e em consequência, sejam condenados em multa e numa indemnização à parte contrária, a fixar entre as duas e as cem UC`s, tal como determina o artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.»

Estamos perante um «requerimento» atípico e manifestamente improcedente.

Não se trata de uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Desde logo, o recorrente não cumpre os ónus estabelecidos no artigo 640.º do CPC. Mais, a forma como o recorrente configura este requerimento não tem a menor semelhança com aquela impugnação. O recorrente limita-se a requerer que o tribunal ad quem julgue «provados» determinados «factos», sem mais. Esta pretensão carece, pois, de cobertura legal.

Acresce que os «factos» que o recorrente pretende que o tribunal ad quem julgue provados não são, na realidade, factos, mas meras conclusões: «os recorridos devem», «os recorridos litigam com manifesta má fé».

Pelo que nada há a aditar ao enunciado da matéria de facto provada.

Nulidade da sentença:

A recorrente afirma que a sentença recorrida é nula pelas seguintes razões:

- Oposição entre os fundamentos de facto e a decisão;

- Ausência de análise crítica das provas existentes;

- Erro na apreciação dos factos e na análise crítica da prova junta aos autos;

- Contradição entre a matéria dada como assente e a fundamentação;

- Omissão de pronúncia;

- Erro na interpretação e aplicação do direito.

Os fundamentos de nulidade da sentença estão previstos no artigo 615.º, n.º 1, do CPC. Entre eles, não se contam a «ausência de análise crítica das provas existentes», o «erro na apreciação dos factos e na análise crítica da prova junta aos autos» e o «erro na interpretação e aplicação do direito».

No que concerne às invocadas contradições e omissão de pronúncia, que a recorrente não especifica, não as detectamos na sentença recorrida.

Verificação dos pressupostos da declaração de insolvência:

Na petição inicial, a recorrente requereu que os recorridos sejam declarados insolventes com fundamento nos artigos 3.º, n.º 1, e 20.º, n.º 1, alínea b), do CIRE (diploma ao qual pertencem todas as disposições legais doravante referenciadas).

Na sentença recorrida, considerou-se que esse fundamento não se verifica, porquanto:

- Posteriormente à entrega, aos recorridos, da quantia referida nos n.ºs 5 e 6, a recorrente fez inscrever a propriedade dos imóveis em seu nome, servindo-se, para tanto, de uma procuração irrevogável por aqueles outorgada;

- Pelo que, à data da propositura desta acção, pelo menos uma parte do crédito da recorrente sobre os recorridos já se encontrava paga, não tendo a primeira logrado demonstrar a existência de eventuais valores ainda em dívida por parte dos segundos;

- Se a recorrente considerasse os imóveis insuficientes para garantir o seu crédito, não teria aceite a dação em cumprimento referida no n.º 13, pelo que é de presumir que o valor daqueles é suficiente para aquele efeito;

- Nada foi alegado, nem provado, relativamente ao actual valor em dívida na execução referida no n.º 16;

- Ainda que, por efeito da eventual procedência da acção referida no n.º 20, os recorridos venham a recuperar a propriedade sobre os imóveis, a recorrente poderá obter a satisfação do seu crédito, devidamente apurado e contabilizado, à custa do património daqueles, tanto mais que o valor do imobiliário tem sofrido um aumento generalizado em Portugal;

- Os recorridos auferem rendimentos que lhes podem permitir efectuar algum tipo de pagamentos;

- As únicas dívidas concretamente invocadas em situação de suspensão de pagamento são as relacionadas aos imóveis, como sejam os condomínios e IMI, que, pelas razões que os autos dão conta, os requeridos não assumiram;

- Não ficou demonstrada a impossibilidade de os recorridos acordarem no pagamento das demais dívidas à AT e à Segurança Social em prestações.

O artigo 3.º, n.º 1, estabelece que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.

O artigo 20.º, n.º 1, alínea b), estabelece, na parte que nos interessa, que a declaração de insolvência pode ser requerida por qualquer credor se se verificar a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. Como acertadamente se refere na sentença recorrida, é sobre a recorrente que recai o ónus da prova da verificação deste facto indiciador de uma situação de insolvência.

A recorrente pagou a contrapartida da remição dos dois imóveis, no montante global de € 172.003,00 (n.º 6). Pagou ainda despesas inerentes à aquisição do imóvel pelo filho dos recorridos no montante global de € 4.866,24 (n.ºs 7 a 9). Fê-lo a pedido dos recorridos, tendo ficado credor destes nos referidos montantes.

Em representação dos recorridos, o legal representante da recorrente vendeu os imóveis a esta última, pelo preço global de € 172.003,00, que considerou pago através da entrega dos cheques referidos no n.º 6, como resulta do n.º 18. Os efeitos deste contrato de compra e venda subsistem, não obstante a propositura da acção referida no n.º 20. Sendo assim, do crédito que a recorrente tinha sobre os recorridos, encontra-se por pagar um capital de € 4.866,24, bem como juros de mora de montante não apurado.

Perante a objectividade destes factos, não pode dar-se relevância ao argumento de que a recorrente não teria aceite o negócio referido no n.º 13 se considerasse o valor dos imóveis insuficiente para garantir o seu crédito, que sustentaria a presunção de que aquele valor não é inferior ao da dívida dos recorridos à recorrente. De acordo com os negócios celebrados entre a recorrente e os recorridos, o saldo devedor destes para com aquela é, como referimos, de € 4.866,24, acrescido de juros de mora de montante não apurado.

Encontram-se pendentes, contra os recorridos, três acções executivas, com vista à cobrança das quantias de € 9.324,71, € 3.135,19 e € 9.963,57 (n.º 21). Os respectivos juros de mora não se encontram especificados no enunciado da matéria de facto provada. Duas dessas execuções foram instauradas em 2015, como resulta dos respectivos números. Na sentença recorrida, afirma-se que estas dívidas, relacionadas com os imóveis, não foram assumidas pelos recorridos «pelas razões que os autos dão conta». Porém nada consta, a esse respeito, do enunciado dos factos provados. Aquilo que deste enunciado objectivamente resulta é que cada um dos exequentes se encontra munido de título executivo, pelo que, até que a oposição eventualmente deduzida pelos aqui recorridos naquelas execuções seja julgada procedente, devemos partir do princípio de que estes são devedores das referidas quantias.

Finalmente, os recorrentes são devedores das seguintes quantias: a uma advogada, € 1.500,00; à Autoridade Tributária, € 20.802,91 e € 24.129,83; à Segurança Social, € 4.313,83, e € 18.465,33 (n.ºs 22 a 24). Atentos os elevadíssimos montantes das dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social, é lícito concluir que as mesmas resultam da falta de pagamento de quantias devidas ao longo de vários anos, que se foram acumulando até atingirem aqueles montantes.

As quantias em dívida pelos recorridos totalizam € 96.501,61, não contando com juros de mora.

A recorrida mulher não aufere qualquer rendimento. O recorrido marido exerce a actividade de consultor e gestor imobiliário no regime de profissional liberal. O rendimento anual deste agregado familiar, constituído pelos recorridos e um filho menor, é de € 13.673,00.

Perante este quadro, não vemos como deixar de concluir que os recorridos se encontram numa situação de incumprimento de um conjunto de obrigações que, pelo seu elevadíssimo montante, revela muito nitidamente a impossibilidade de eles satisfazerem pontualmente a generalidade das suas obrigações. Com um rendimento mensal de pouco mais de € 1.000,00, com o qual tem de ser assegurado o sustento de três pessoas, é manifestamente impossível os recorridos pagarem as suas dívidas.

A sentença recorrida faz referência à eventualidade de os recorridos pagarem as suas dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social através de acordo de pagamento em prestações. Considerou o tribunal a quo que não ficou demonstrada a impossibilidade de isso acontecer.

Salvo o devido respeito, este argumento parece-nos algo forçado.

Sendo a situação patrimonial dos recorridos aquela que descrevemos, impõe-se concluir que se verifica o facto-índice previsto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b). Logo, recai sobre os recorridos o ónus de ilidir a presunção daí decorrente, demonstrando, nos termos do artigo 30.º, n.º 3, parte final, e n.º 4, a sua solvência.

Uma forma de os recorridos o fazerem seria a prova da existência de acordos de pagamento fraccionado das suas dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social. Ora, os recorridos não lograram fazer tal prova [alínea e)]. Logo, a falta de prova da existência de tais acordos não pode beneficiar os recorridos. Era a estes que cabia o ónus de provar essa existência. Não era a recorrente que tinha o ónus de provar a impossibilidade de as dívidas dos recorridos à Autoridade Tributária e à Segurança Social.

Estando provado o facto-índice previsto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), e não tendo os recorridos conseguido provar a sua solvência, deverá ser declarada a insolvência destes, procedendo, assim, o recurso nesta parte.

Atento o conjunto de providências que o artigo 36.º associa à declaração de insolvência, esta deverá ser levada a cabo pelo tribunal a quo e não pelo tribunal ad quem.

Litigância de má-fé:

A recorrente sustenta que os recorridos deviam ter sido condenados por litigância de má-fé, alegando diversos factos que, no seu entendimento, justificavam tal condenação.

Não tem razão.

Parte dos factos que a recorrente alega, a serem verídicos, terão ocorrido noutros processos. Ora, resulta do artigo 542.º, n.º 2, do CPC, que a condenação em multa e indemnização à parte contrária por litigância de má-fé em determinado processo pressupõe que a conduta processual merecedora daquela qualificação ocorra nesse mesmo processo. Não é admissível a condenação por litigância de má-fé com fundamento numa actuação levada a cabo noutro processo.

Os restantes factos que a recorrente alega não configuram uma litigância de má-fé por parte dos recorridos. Nomeadamente, a falta de prova de alguns dos factos por estes alegados não constitui, por si só, litigância de má-fé.


*


Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso parcialmente procedente:

- Revogando-se a sentença recorrida na parte em que julgou a acção improcedente e determinando-se que o tribunal a quo profira sentença que, nos termos do artigo 36.º do CIRE, declare a insolvência dos recorridos, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos;

- Confirmando-se a sentença recorrida na parte em que não condenou os recorridos por litigância de má-fé.

Custas a cargo da recorrente e dos recorridos na proporção do seu decaimento, que se fixa em 1/5 para a primeira e 4/5 para a segunda, sem prejuízo do decidido em matéria de apoio judiciário.

Notifique.


*

Évora, 11.04.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Cristina Dá Mesquita (1.ª adjunta)

Anabela Luna de Carvalho (2.ª adjunta)