RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
RELAÇÃO
Sumário

Nos termos do artigo 697.º, n.º 1, do C.P.C., o recurso extraordinário de revisão deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, que é o Tribunal da Relação nos casos em que este confirmou uma sentença do Tribunal de 1.ª instância.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 1859/20.0T8STR-J.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

Foi apensado ao processo principal (apenso I) ação declarativa interposta por Massa Insolvente de H..., Lda., representada pela Sra. administradora judicial, contra AA, e BB, administradores da insolvente e melhor identificados nos autos.

Tendo sido formulado os pedidos de:

“a) Serem os Réus condenados, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de € 13.469,85 (treze mil, quatrocentos e sessenta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos), correspondente ao prejuízo que teve derivado da indevida utilização de verbas pertencentes à massa insolvente e destinada a posterior rateio pelos credores em seu proveito pessoal;

b) Serem os Réus condenados, solidariamente, a pagar à Autora juros vencidos e vincendos sobre a quantia peticionada, desde da citação até efetivo e integral pagamento.

No decurso da ação foi suscitado o incidente de litigância de má fé do Réu.

Foi naqueles autos proferida sentença que absolveu a ré BB dos pedidos formulados e condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 13.469,85 (treze mil e quatrocentos e sessenta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento;

Mais julgou totalmente procedente, por provado, o incidente de litigância de má-fé deduzido pela autora e, em consequência, condenou o réu como litigante de má-fé, em multa processual de 5 (cinco) U.C.s, e em indemnização a fixar em despacho complementar após ser dado cumprimento ao disposto no artigo 543.º, n.º 2, do NCPC.

O réu interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Évora decidido por acórdão proferido em 02/03/2023, julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Acórdão que transitou em julgado em 21/03/2023.

Em 29/10/2023 veio o réu/apelante, invocando os artigos 696.º, alínea c), 697.º, n.º 1, ambos do Código de Processo, Civil interpor na 1ª instância - Juízo de Comércio ... do Tribunal Judicial da Comarca ... recurso de Revisão, contra a Massa Insolvente de H..., Lda., pedindo a revogação da Sentença e Acórdão proferidos.

Tendo o mesmo tribunal de 1ª instância proferido a seguinte Decisão

“Veio o recorrente interpor recurso extraordinário de revisão da decisão proferida no Apenso I.

Nos termos do disposto no artigo 696.º, n.º 1, do NCPC, a decisão transitada em julgado apenas pode ser objeto de revisão quando:

«(…)»

Os recursos ordinários são meios de impugnação de decisões judiciais que visam a sua reforma, através de um novo exame da causa por parte de um órgão jurisdicional hierarquicamente superior, enquanto os recursos extraordinários são julgados pelo próprio tribunal que proferiu a sentença ou acórdão, mas já transitados.

Dispõe o artigo 697.º, n.º 1, do NCPC que o recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 19.10.2017, Proc. n.º 181/09.8TBAVV-A.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, “Tendo a sentença proferida em 1ª instância sido impugnada e tendo a Relação proferido acórdão confirmatório da mesma, apreciando definitivamente a questão de facto e de direito controvertida, é à Relação que cabe conhecer do recurso extraordinário de revisão por ter proferido a decisão a rever (artigo 697.º, n.º 1, do CPC).”

Com efeito, tendo existido recurso, a decisão a rever é um acórdão da Relação ou do STJ, não cabendo na lógica do direito dos recursos que um acórdão da Relação ou do STJ (transitado em julgado) seja revogado por uma decisão da primeira instância.

No caso dos autos, no respetivo apenso I foi proferida decisão por este tribunal que, posteriormente, foi objeto de recurso, tendo sido proferida decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, que transitou em julgado.

Assim, o presente tribunal é incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso por ser competente o Tribunal da Relação de Évora. A incompetência absoluta em razão da hierarquia é de conhecimento oficioso, podendo ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa – cfr. artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1 e 578.º, todos do NCPC.

Pelo exposto e com os fundamentos que antecedem, por se verificar a incompetência absoluta, em razão da hierarquia, deste tribunal para apreciar o presente pedido de revisão, indefiro liminarmente o requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão, nos termos dos artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1 e 578.º, todos do NCPC.” (sublinhado nosso)

Inconformado com tal decisão veio o réu recorrer, assim concluindo as suas alegações de recurso:

1) O Recorrente apresentou, ao abrigo dos artigos 696.º, alínea c), 697.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC), um Recurso de Revisão contra a Massa Insolvente de H..., Lda., representada pela Sra. Administradora Judicial, Dra. CC, com domicílio profissional na Avenida ..., ... Lisboa, apresentando, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 698.º do CPC, as respetivas ALEGAÇÕES supratranscritas;

2) Tratando-se de um Requerimento de interposição de Recurso extraordinário de Revisão apresentado ao abrigo do artigo 696.º, alínea c), do CPC, ou seja, em virtude de documento que o Recorrente não tinha conhecimento no processo em que foi proferida a Sentença a rever, o Recorrente interpôs tal Recurso no tribunal que proferiu a Sentença a rever, ou seja, no Juízo de Comércio ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., conforme resulta claramente do disposto no artigo 697.º, n.º 1, do CPC;

3) O Recorrente foi agora surpreendido com o Despacho ora recorrido, proferido pelo Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, que determinou o seguinte: “por se verificar a incompetência absoluta, em razão da hierarquia, deste tribunal para apreciar o presente pedido de revisão, indefiro liminarmente o requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão, nos termos dos artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1 e 578.º, todos do NCPC”;

4) Tal decisão é manifestamente contrária ao determinado pelo compasso constitucional e da própria decorrência das leis do processo, tendo o douto Tribunal a quo, salvo o devido respeito, realizado uma incorreta interpretação da lei aplicável ao caso em apreço;

5) O Tribunal a quo emitiu tal decisão, baseando-se, pura e simplesmente, num Acórdão de 2017, e não conforme resulta dos termos legais dispostos no CPC, apoiando-se meramente em um entendimento jurisprudencial, acrescendo ainda o facto de se tratar de um Acórdão cujo circunstancialismo fático e legal não é compatível com os presentes autos, não podendo ser, desde logo, e à partida, subsumível o raciocínio que aí foi realizado, pois não resulta conciliável com o presente caso;

6) O presente Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença foi interposto ao abrigo do artigo 696.º, alínea c), do CPC, tratando-se de um Recurso interposto em virtude de um documento destinado a fazer prova dos fundamentos da defesa, o qual deve ser apresentado em 1.ª instância, nos termos a que obriga o disposto no artigo 523.º do CPC;

7) Existe consolidada doutrina, designadamente, Amâncio Ferreira, que afirma, e bem, que, por interpretação sistemática, o recurso deve ser dirigido ao tribunal onde foi cometida a anomalia ou onde aconteceu a omissão que suporta o fundamento da revisão;

8) A interpretação empreendida no Despacho recorrido gera uma incoerência sistemática, com a qual não se poderá conceder;

9) Nos casos específicos como o presente, dúvidas não existem de que o Requerimento de interposição de Recurso extraordinário de Revisão deve ser dirigido a Tribunal de 1.ª instância, independentemente de a decisão por ele proferida ter subido aos tribunais superiores pela via de qualquer recurso ordinário, assim entendendo consolidada doutrina, designadamente, o Prof. Rui Pinto;

10) O Despacho ora recorrido consubstancia uma decisão surpresa, pois mesmo tendo invocado o Tribunal a quo uma questão de conhecimento oficioso, a verdade é que é bem sabido que o Recorrente deveria ter sido notificado do direito de audição, a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º do CPC, o que foi corroborado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 77/223, proferido no Processo n.º 574/2022, sendo certo que ao tribunal está adstrito o princípio do inquisitório a que se referem os artigos 390.º e 391.º do Código Civil e artigos 195.º, 416.º e 490.º do CPC;

11) Do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, com o n.º de processo 273/14.1TTCBR-A.C1 de 16/10/2014, que defende que: “IV – Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da ação, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente”;

12) À luz dos princípios constitucionais do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva do artigo 20.º e da igualdade do artigo 13.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, assim como da segurança jurídica e da proteção da confiança em relação à atividade judicial, e da igualdade das partes nos termos do artigo 4.º do CPC, deveria o Tribunal a quo ter promovido a notificação do Recorrente para se vir pronunciar sobre esta matéria, o que não sucedeu;

13) Nenhuma decisão (mesmo interlocutória) pode/deve ser proferida pelo Juiz sem que, previamente, tenha sido permitido quanto à mesma e relativamente ao sujeito processual contra quem é ela dirigida, uma ampla e efetiva possibilidade de discussão (de a discutir, de a contestar e de a valorar);

14) Não sendo tal princípio observado/respeitado, maxime não se concedendo a uma das partes a possibilidade de sobre uma determinada questão se poder previamente pronunciar, e incluindo-se a apontada inobservância no âmbito da cláusula geral sobre as nulidades processuais, constante, do artigo 195.º, n.º 1, do NCPC, comete-se uma nulidade;

15) A Meritíssima Juiz a quo, aquando do Seu Despacho, ora recorrido, cometeu uma nulidade porque nela conheceu de questão que não devia conhecer, violando assim o princípio do contraditório e consubstanciando tal decisão, em rigor, uma decisão-surpresa, tanto mais que, nos termos do artigo 3.º do NCPC, só nos casos excecionais previstos na lei, se podem tomar providências contra determinada pessoa, sem que esta seja previamente ouvida, devendo o juiz observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem;

16) Determinando a preterição de tal formalidade a nulidade do processo, nesta parte, face ao disposto no artigo 195.º do NCPC, e na certeza de que a irregularidade cometida influi na decisão da causa, pelo que deverá este Venerando Tribunal declarar nulo o Despacho recorrido, revogando-o, o que se requer;

17) O Despacho recorrido padece de erro de julgamento por erro de facto e de direito, violando, assim, as disposições dos artigos 3.º, n.º 3, 195.º, 416.º, 490.º, 523.º, 696.º, alínea c), 697.º, n.º 1, todos do CPC, assim como os artigos 390.º e 391.º do CC, e nos artigos 13.º e 20.º da CRP, devendo o mesmo ser revogado e substituído por outra decisão que receba a PI, e ordene a citação dos Recorridos;

18) Foi violado o n.º 2 do artigo 266.º da CRP com a prolação do Despacho recorrido, violando os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, e da imparcialidade;

19) Foi violado o n.º 3 do artigo 268.º da CRP, sucedendo que o interesse do Recorrente é legalmente protegido, o que faz com que o Despacho recorrido, seja Inconstitucional;

20) A Decisão que deu causa ao presente Recurso, não se encontra devidamente fundamentada, tal como exigem as normas supra invocadas, tendo, também por esse facto, de ser revogada, tanto mais que o direito do Recorrente, é um direito legal e constitucional;

21) O que dispõem as alíneas b), c), e d) do artigo 615.º do CPC é o que sucede com o Despacho recorrido, daí também este Recurso;

22) O Despacho recorrido viola o disposto no artigo 205.º da CRP, uma vez que segundo esta disposição Constitucional, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei”, pois não sendo o Despacho recorrido de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentado, o que não sucedeu;

23) O Tribunal a quo, com o Despacho recorrido, não assegurou a defesa dos direitos do Recorrente, ao não fundamentar devidamente a sua decisão, e nem se quer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto, limitando-se, apenas a emitir uma decisão “economicista”, cometendo, assim, uma nulidade;

24) Deverá ser REVOGADO o Despacho recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outra decisão que receba o Requerimento de interposição de Recurso Extraordinário de Revisão, e ordene a notificação da Recorrida para apresentar Resposta, ao abrigo do artigo 699.º, n.º 2, do CPC, devendo concluir-se pela total procedência do presente Recurso, e o consequente prosseguimento do processo, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

25) O Despacho sob recurso violou:

a) O disposto nos artigos 390.º e 391.º, ambos do CC;

b) O disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 195.º, 416.º, 490.º, 523.º, 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) e n.º 4, 696.º, alínea c) e 697.º, n.º 1, todos do CPC;

c) O disposto nos artigos 13.º, 20.º, 205.º, 266.º, n.º 2 e 268.º, n.º 3, da CRP;

d) O princípio do contraditório;

e) O princípio da segurança jurídica;

f) O princípio da proteção da confiança em relação à atividade judicial;

g) Os princípios da proporcionalidade, da justiça, igualdade e da imparcialidade;

h) O direito fundamental da Autora, na qualidade de cidadã da UE, que consagrada que a sua causa seja julgada de forma equitativa, previamente estabelecido por lei (artigos 47.º da CDFUE e 6.º, n.º 1, da CEDH).

A final requer a revogação do Despacho recorrido, determinando-se o prosseguimento do presente processo, com todas as consequências legais daí resultantes.

A Autora Massa Insolvente de H..., Lda., veio apresentar as suas contra-alegações, assim concluindo:

A) Bem andou o Tribunal a quo em decidir pela incompetência absoluta, em razão da hierarquia;

B) Não estando em causa se o documento que o Recorrente junta é suficiente ou não para modificar a decisão em sentido mais favorável à sua pretensão, tudo nos termos e para os efeitos do exposto no artigo 696.º, alínea c), ou se o mesmo preenche, cumulativamente, o requisito da novidade e o requisito da suficiência constante do artigo 696.º, todos do CPC;

C) A única questão em crise no despacho recorrido é a competência hierárquica dos tribunais (artigo 96.º, alínea a), do C.P.C.);

D) Ora, os recursos extraordinários de revisão visam a reparação da decisão judicial já transitada em julgado que não se renova a discussão em causa, mas que se pretende reparar os vícios de uma decisão;

E) Transitada em julgado, só pode ser objeto de revisão desde que se verifiquem os fundamentos contidos no artigo 696.º, n.º 1, do CPC;

F) Tendo o recorrente recorrido nos termos no artigo 696.º, n.º 1, alínea c), do CPC com fundamento de documento superveniente, tal meio processual admissível é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever (artigo 697.º, n.º 1, do CPC);

G) A sentença em crise foi objeto de oportuno recurso de apelação, o qual foi julgado improcedente por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a decisão da 1.ª instância;

H) Assim sendo, a decisão judicial transitada em julgado pretendida rever pela via recursiva extraordinária, prevista nos artigos 696.º e ss. do CPC, é o do último tribunal que pronunciou a decisão – Tribunal da Relação de Évora, que proferiu a decisão final e não a sentença proferida pela 1.ª instância;

I) A decisão que fez caso julgado, foi o acórdão do Tribunal da Relação de Évora – é, por isto, deste Tribunal que emana a decisão a rever, ou seja, “a decisão transitada em julgado” que iria ser “objeto de revisão” e a que alude o artigo 696.º do Cód. Proc. Civil;

J) Face ao exposto e estando em causa a competência hierárquica dos tribunais (artigo 96.º, alínea a), do C.P.C.), e sendo o despacho recorrido a questão da incompetência absoluta de conhecimento oficioso o tribunal a quo não poderia conhecer do mérito do presente recurso;

K) Relativamente ao demais suscitado o despacho recorrido não enferma de erro de julgamento quer de facto ou de direito como pretende fazer valer o Recorrente, pois teria de resultar a distorção da realidade factual (error facti) e na aplicação do direito (error júris), um erro de interpretação ou de determinação da norma aplicável ou de aplicação do direito, o que não se verifica;

L) Não enferma de qualquer falta de fundamentação nos termos do artigo 615.º, alíneas b), c) e d), do CPC nem o recorrente justifica e fundamenta em que medida se aplica tal preceito ao caso em concreto;

M) Nem podia, pois só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil o que não se verifica;

N) Mais, as nulidades invocadas e previstas nas alíneas c) e d) do artigo 615.º do CPC, mais uma vez não têm correspondência legal ao despacho recorrido na medida em que este não enferma de qualquer contradição entre a decisão recorrida e a sua fundamentação;

O) Nem a mesma reveste-se de ambiguidade ou obscuridade que o Recorrendo se pretende fazer valer;

P) Já quanto à nulidade arguida nos termos da alínea d) do artigo 615.º do CPC, e decorrendo do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, não se aplica in casu, pois que não podia apreciar o que quer que fosse em virtude de não ter o Tribunal a quo o competente para tal;

Q) Pugnando-se pela improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido.

Requerendo a final que a apelação seja julgada improcedente e confirmada a decisão proferida de não admissão do recuso de revisão.

Em decisão singular proferida pela ora relatora foi reconhecida a nulidade por falta de exercício do contraditório da decisão em recurso e, concedido às partes o prazo de 10 dias para se pronunciarem.

O que o réu e recorrente fez, reproduzindo os fundamentos das suas alegações de recurso de apelação.


II

O objeto de recurso consiste em apurar se ocorre erro de direito na decisão que considerou a 1ª instância incompetente em razão da hierarquia, para conhecer de um recurso de revisão que incide sobre decisão proferida pela 2ª instância, em recurso de apelação.


III

A factualidade a considerar extrai-se do relatório que antecede.


Cumpre apreciar e decidir.


IV

Fundamentação

Nos termos do artigo 627.º, n.º 2, do CPC, o recurso de revisão integra a categoria dos recursos extraordinários, encontrando-se regulado nos artigos 696.º a 702.º do mesmo corpo de normas.

De acordo com o artigo 696.º do CPC:

«A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:

a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;

b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;

c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;

d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;

e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:

i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;

ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;

iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;

f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;

g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.

h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.»

Prescrevendo o artigo 697.º, n.º 1, que:

«1 - O recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever.»

A decisão a rever é a que conhece material e definitivamente do mérito da causa.

Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se afirmado no sentido propugnado na decisão ora em recurso.

Assim:

“No recurso extraordinário de revisão, o poder decisório cabe ao Tribunal que proferiu a decisão. Esse recurso é interposto para o mesmo – e no – Tribunal que proferiu a decisão cuja revisão é pedida.

Verifica-se a incompetência absoluta, em razão da hierarquia, do Tribunal de 1ª Instância para apreciar o pedido de revisão quando da decisão a rever houve recurso para o TR.”

– Ac. do STJ de 16-11-2023, P. 11293/19.0T8SNT-B.L1.S1 (Maria João Vaz Tomé), in www.dgsi.t.

“1. Nos termos do art.º 697.º n.º 1 do C.P.C., o recurso extraordinário de revisão deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, que é o Tribunal da Relação nos casos em que este confirmou uma sentença do Tribunal de 1.ª instância.”

- Ac. do STJ de 05-09-2023, P. 45/16.9T8VLC.P1-A.S1 (Jorge Leal), no mesmo site.

“I - Por princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, não se permita nova discussão do litígio; situações existem, contudo, em que a necessidade de segurança ou de certeza e as exigências da justiça conflituam de tal forma que o princípio da intangibilidade do caso julgado tem de ceder.

II - O meio processual adequado para esse efeito é o recurso extraordinário de revisão, o qual se comporta estruturalmente como uma ação destinada a fazer ressurgir a instância que o caso julgado extinguiu (fase rescindente) e a reabrir a instância anterior (fase rescisória).

III - Tendo a sentença proferida em 1.ª instância sido impugnada e tendo a Relação proferido acórdão confirmatório da mesma, apreciando definitivamente a questão de facto e de direito controvertida, é à Relação que cabe conhecer do recurso extraordinário de revisão por ter proferido a decisão a rever (artigo 697.º, n.º 1, do CPC).

- Ac. do STJ de 19-10-2017, Proc. n.º 181/09.8TBAVV-A.G1.S1 (Fernanda Isabel Pereira), no mesmo sítio.

Em interessante acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24-09-2020, Proc. 2859/15.8T8VCT.G2-A (Maria João Matos) pode ler-se na fundamentação, que pela sua completude nos permitimos reproduzir:

“O recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever (artigo 697.º, n.º 1, do CPC).

Logo, a regra é a de que a competência se defere ao tribunal onde se verificou a anomalia da decisão a rever.

Contudo, nos casos em que a sentença proferida em 1.ª instância tenha sido alvo de recurso (o que é, precisamente, o caso dos autos) discute-se qual o tribunal competente para a rever, se aquele que primeiro a proferiu, se o Tribunal superior que sobre ela se pronunciou depois.

Precisa-se, porém, que a situação só suscita dúvidas no caso de decisões confirmativas da original, uma vez que, «se o autor perdeu em 1.ª instância, mas triunfou na Relação, a decisão a rever é a decisão revogatória e, por isso, a Relação é competente para a revisão. O mesmo acontece, mutatis mutandis, no caso do Supremo ter reconhecido razão ao autor que perdera n.º 1 e 2.º graus. Neste caso, é claro que o tribunal competente para a revisão é o Supremo» (Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos (Regime do Decreto-Lei n.º 303/2007), Quid Juris, pág. 361).

Assim, nas situações em que a decisão do tribunal superior haja confirmado o prévio juízo da 1.ª instância, a resposta àquela questão dependerá do entendimento que se professe relativamente à natureza da decisão de recurso confirmatória, isto é, se se considera a mesma como sobrepondo-se e absorvendo a sentença prévia (nesta radicando a fonte de caso julgado e de exequibilidade), ou apenas como um seu aditamento, confirmativo.

Para além deste juízo, há quem defenda que o recurso de revisão só deverá ser conhecido no tribunal superior se a anomalia respeitar a vício ocorrido nesse contexto. E invoca-se a identidade do juiz nas fases rescindente e rescisória. Logo, situações de erro de facto ou de procedimento processual ocorridos na 1.ª instância implicarão que seja aí que tenha lugar a revisão, compreendendo-se por isso que, quando se trate de recurso de revisão fundado em documento superveniente essencial, seja quase sempre aí requerida.

Veio, porém, a jurisprudência do STJ defender, progressiva e maioritariamente, que, «muito embora se possa sustentar a alusão ao trânsito em julgado como um pressuposto da revisão (só são suscetíveis de revisão as decisões transitadas em julgado…) e não a atribuição de competência, não pode negar-se que, pelo menos indiretamente e tendo em conta o disposto no artigo 772.º, n.º 1, CPC [artigo 697.º, n.º 1, do atual CPC] – que prescreve que o recurso de revisão “é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever” –, dela resulta que, em regra, a instância competente para apreciar o recurso de revisão é a que proferiu, em último grau, a decisão a rever.

(…) O recurso de revisão, quando estiverem em causa decisões (ou acórdãos) confirmatórios de decisões (ou acórdãos) de tribunais inferiores, deve, portanto, ser apreciado pelo tribunal (superior) que proferiu aquelas e não pelo tribunal (inferior) que proferiu estas; neste sentido, os Acórdãos do STJ de 01-07-1969, BMJ 189, pág. 214 e de 17-12-1992, BMJ 422, pág. 330)».

Compreende-se que assim seja, já «que, em caso de recurso, as decisões ou acórdãos transitados em julgado são sempre os proferidos pelos tribunais superiores (Relação ou STJ) que apreciaram decisões de instâncias inferiores; estas, bem como as da Relação que foram impugnadas em recurso perante o STJ, não transitaram em julgado»; e, assim, «não tem sentido, deferir à 1ª instância a competência para a revisão de acórdão proferido pela Relação ou pelo STJ».

Logo, os «tribunais superiores têm (…) competência para conhecer do recurso de revisão quando for sua a decisão a rever» (Ac. do STJ, de 19.09.2013, Fernando Bento, Processo n.º 663/09.1TVLSB).

A doutrina atual inclina-se no mesmo sentido, nomeadamente quando afirma que do artigo 697.º, n.º 1, do CPC «decorre que a competência para a apreciação do recurso de revisão pode pertencer ao tribunal de 1ª instância, à Relação ou ao Supremo Tribunal de Justiça. Tudo depende do órgão jurisdicional que proferiu a decisão transitada em julgado» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 408).»

Sendo também este o nosso entendimento.

Em suma: (…)


V

Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Évora, 11 de abril de 2024

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Isabel Imaginário (1ª Adjunta)

Cristina Dá Mesquita (2ª Adjunta)