ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
REQUISITOS CUMULATIVOS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE AVENÇA
Sumário

I - O enriquecimento sem causa justificativa, previsto no artigo 473º do CC, só tem aplicação nos casos em que não há outra tutela juridicamente prevista.
II - São requisitos do instituto (i) uma melhoria da situação patrimonial, que pode consistir num aumento do ativo patrimonial, numa diminuição ou afastamento de um passivo (ii) obtido à custa de quem requer a restituição (iii) a ausência de causa justificativa.
III - Se a obrigação de restituir se situa no domínio da execução contratual (como é o caso de dinheiros recebidos em nome do mandante pelo mandatário constituído nos autos) a sede própria de apreciação jurídica é a do incumprimento de contrato, pelo que, não há que convocar o enriquecimento sem causa.

Texto Integral

Processo: 3278/21.2T8PRT.P2

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

A..., S.A. demandou Dr. AA (Advogado em causa própria) pedindo a:
“Condenação do Réu no pagamento à Autora da quantia de 18.988,56€.
Posteriormente, em sede de alegações finais apresentadas em audiência de julgamento de 17/03/2024 as quais gravadas no sistema habilus requereu expressamente ao tribunal a redução do pedido “para € 11.838,56, relativos a recebimentos de processos em que exerceu o mandato por conta da Autora e que não entregou o montante á Autora”.
O Réu contestou a ação invocando a prescrição.
A final foi proferida sentença que julgou improcedente a exceção de prescrição invocada pelo Réu e improcedente, por não provada, a ação.
Fundamentação de facto constante da sentença:
1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao estudo, comércio, fornecimento e montagem de sistemas de rega e seus componentes para agricultura e espaços verdes, empreiteiro e fornecedor de obras públicas e formação profissional no âmbito da atividade.
2. Provado apenas que neste âmbito e pelo menos desde 1990 que as partes (Autora e Réu) estabeleceram um acordo verbal de avença.
3. Decorrente dessa avença, o Réu intentou diversos processos judiciais com vista à cobrança de créditos devidos por clientes da Autora.
4. Provado apenas que o Réu representou a Autora no âmbito do processo nº 3708/12.4T2OVR, que correu termos no Juízo de Execução de Ovar, contra BB e que, nesse âmbito, o Réu entregou à Autora a quantia de € 1.500, por cheque datado de 2FEV2015, e comunicou à Autora, em 25JUN2018, que “acabei de lhe transferir € 400,00 por conta do ainda devido pelo cliente”.
5. A avença em causa terminou no final do ano de 2018.
6. Provado apenas que foi enviado o e-mail de 8FEV2021, junto aos autos como documento 9 da petição inicial e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
7. A presente ação foi instaurada em 27/2/2021 – facto por nós aditado ao abrigo do disposto nos artigos 5º, nº 2 e 607º, nº 4 do Código de Processo Civil e com base no histórico do processo disponível no sistema Citius.
Factos não provados:
1. Que no âmbito do processo nº 29706/17.3YIPRT, que correu termos no Juízo Local Cível do Porto - Juiz 9, contra a sociedade B..., S.A., o Réu recebeu na sua conta bancária o valor de € 204 relativo à restituição de Pagamento Antecipado de Encargos;
2. Que o processo executivo nº 3708/12.4T2OVR teve como título executivo a aposição de fórmula executória a um procedimento de injunção, que o Réu recebeu € 1.873 em 28JUL2011 e € 1.373 em 1SET2011 e que o Réu não entregou esses valores à Autora;
3. Que, ainda nesse processo, o Réu recebeu diretamente da Dra. CC, agente de execução, da conta do processo, o valor de € 1.706,11;
4. Que no âmbito do processo nº 1058/12.5YIPRT, que correu termos no 1º e 2º Juízos de Execução do Porto (1º Juízo - 3ª Secção), contra a sociedade C..., S.A., o Réu recebeu na sua conta bancária diversos pagamentos efetuados pela Dra. CC, Agente de Execução no processo em causa, no total de € 8.572,54, e que o Réu, até à presente data, não entregou esses valores à Autora e Exequente;
5. Que no âmbito dos autos de processo nº 153/11.2TBALD, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Almeida e em que foi Executado DD, o Réu recebeu, diretamente na sua conta bancária, os seguintes pagamentos efetuados pela Dra. EE, Agente de Execução no processo em causa: € 458,76, no dia 3ABR2017, € 2.000 no dia 24MAR2014, e € 3.500 no dia 21JAN2014 e que o Réu não entregou à Autora estas quantias;
6. Que no âmbito dos autos nº 447/11.7 TBVIS, que correu termos na Secção de Execução - J1 - Instância Central de Viseu e em que foi executado FF, o Réu recebeu, na sua conta bancária, a quantia de € 2.250 e a quantia de € 500, respetivamente, nos dias 27JUN2011 e 24NOV2011, transferências estas realizada pela Dra. EE, agente de execução no processo em causa; recebeu ainda o Réu diretamente na sua conta por pagamento de IUP, no dia 1JUN2021, os valores de € 101,01 e € 600,05; e que destas quantias recebidas o Réu não entregou à Autora o montante de € 1.201,15;
7. Que o Réu sempre recebeu todos os honorários a tempo e horas por parte da Autora. Todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados – discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais) –, resultaram não provados
APELOU A AUTORA TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES (EM SINTESE):
E. O Tribunal a quo não apreciou, principalmente, as Declarações da Testemunha GG, desvalorizando-as por completo, não teve em consideração os
documentos juntos pela Autora/Recorrente, nem os confrontou com os documentos juntos pelo Réu.
F. Decorre do disposto no artigo 607º, nº. 4 e 5 do CPC que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; (...).
G. O Tribunal a quo não analisou nem criticou os depoimentos das testemunhas, passando completamente ao lado de todas as suas declarações, e de todos os documentos remetidos aos autos pela Autora/Recorrente.
M. No que respeita ao ponto 2 e 3 dos factos não provados o Tribunal a quo dá como não provado que o Réu recebeu, por conta do processo nº 3708/12.4T2OVR, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Execução de Ovar, 1.873,00€ e 1.373,00€ bem com que recebeu o valor de 1.706,11€, facto 10 não provado.
N. Tais factos não provados não têm qualquer correspondência com os documentos juntos pela Autora/Recorrente nos autos de processo em causa, doc. 4 e 5, juntos com a Petição Inicial, nem tem qualquer correspondência com o depoimento das testemunhas inquiridas em sede de Audiência e Julgamento.
O. Não têm correspondência no depoimento da testemunha Dra. CC Agente de Execução (…) da testemunha GG (…) nos documentos 2 - email dirigido pela Autora/Recorrente ao Réu em 11 de Janeiro de 2021, ao qual não obteve qualquer reposta nem contradição -, doc. 4 -email enviado pela Dra. CC sobre todos os recebimentos e pagamentos efetuados no âmbito do processo nº 3708/12.4T2OVR, (…) nos autos de processo referidos e que foi efetuada transferência para a conta do Réu, juntos pela Autora/Recorrente que o Réu não impugnou, aceitando os mesmos como verdadeiros.
R. O Tribunal a quo não teve qualquer critério na formulação dos factos não provados 2 e 3 uma vez que existem nos autos prova documental e testemunhal de que foi recebido também pelo Réu o valor de 3.5000,00€ no âmbito do processo nº 3708/12.4T2OVR,
(…)
T. Não aceita a Autora/Recorrente como não provado os factos 2 e 3, tendo os mesmos que serem dados como provados que o Réu recebeu o valor de 8.452,11€, apenas entregou á Autora 5.400,00€, encontrando-se em falta o valor de 3.052,11€, valores aqui descritos e alegados na Petição Inicial e que não os entregou á Autora, corroborados pela testemunha GG.
U. No tocante ao ponto 4 dos factos dados como não provados, o Tribunal a quo não teve em consideração qualquer documento junto pela Autora/Recorrente na Petição Inicial como o Doc. 6, vários IUPs criados pela Dra. CC, Agente de Execução no proc. nº 1058/12.5YIPRT.
W. Provando a Autora/Recorrente que o Réu recebeu na sua conta bancária o montante de 8.572,54€.
X. No que respeita ao ponto 5 dos factos não provados, não concorda a Autora/Recorrente com o mesmo, que está provado pelo doc. 7, diversos IUPs criados pela Dra. EE de diversos pagamentos efetuados para o IBAN do Réu.
Y. Valores que o réu não impugnou como não recebidos.
Z. Sendo ainda corroborado a versão da Autora pelo depoimento da Testemunha GG (…) qual é o montante que tem em aberto na conta corrente?
Testemunha: 5.058,76€.
Requereu no ponto 48 da sua motivação que “deveria ser dado como provado que o Réu recebeu na sua conta bancária o montante de 5.958,76€ e que não entregou á Autora/Recorrente”.
AA. Quanto ao ponto 6 dos factos não provados não concorda a Autora com o mesmo, provado que está pelo doc. 8 junto pela Autora com a Petição Inicial diversos IUPs criados pela Dra. EE de diversos pagamentos efetuados para o IBAN do Réu.
BB. Bem como informação prestada pela Dra. EE de todos os pagamento efetuados para o Réu.
CC. Valores que o réu não impugnou como não recebidos e que efetivamente recebeu na sua conta bancária e não entregou á Autora.
DD. Pelo que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o Réu recebeu na sua conta bancária o montante de 2.250,00€ e não entregou na totalidade á Autora, estando em falta o montante de 1.201,15€.
EE. Documentos oficiais emitidos pela Agente de Execução e que não foram impugnados pelo Réu e que constam do processo judicial nº 447/11.7TBVIS, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Inst. Central – Secção de Execução – J1.
FF. Sendo ainda corroborado a versão da Autora pelo depoimento da Testemunha GG (…)
GG. Pelo que o ponto 6 dos factos não provados deve ser alterado e considerado provado no sentido em que o Réu recebeu todos os valores descritos no mesmo ponto e provados pelo doc. 8 juntos pela Autora na Petição Inicial, e que não foram entregues pelo Réu á Autora.
HH. Reforçando-se tal facto com as declarações da testemunha que referiu todos os valores recebidos pelo Réu, bem como todos os valores entregues pelo Réu á Autora/Recorrente, referindo com precisão os valores que se encontra em falta, 1.201,15€.
II. Andou mal o Tribunal a quo a não considerar como provados os factos 2 a 6 dos factos não provados descritos na Sentença de que se recorre.
RRRR. Todas as quantias recebidas pelo Réu na sua conta bancária pertenciam á Autora/Recorrente e não ao Réu.
SSSS. Sendo o recurso a este meio previsto no artigo 473.º do Código Civil só possível se não existir outro meio, de entre as normas jurídicas aplicáveis, para se conseguir o ressarcimento do lesado.
TTTT. A Autora/Recorrente não concorda que não resultou demonstrada a não entrega pelo Réu ao longo de vários anos do montante peticionado nos autos.
UUUU. O Réu durante todos os anos que foi Mandatário da Autora/Recorrente dificultou em muito a prova de que a Autora/Recorrente estaria obrigada com a entrega de cheque englobando pagamentos de vários processos.,
MMMMM. Tendo o Tribunal a quo que considerar a atuação do Réu como culposa e ter invertido o ónus da prova visto que este impediu de forma culposa e consciente a produção de prova da Autora/Recorrente quando se recusou a entregar á mesma, após solicitação, as provas de pagamentos dos montantes peticionados nos presentes autos.
QQQQQ. O Tribunal a quo não respeitou as regras na interpretação, valoração e sistematização da prova.
Requereu a condenação do Réu no pagamento do montante de 18.988,56€ (dezoito mil novecentos e oitenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos).
Assim nestes termos e no mais de direito deverá ser o presente Recurso procedente por provado e em consequência revogada a Sentença proferida nos presentes autos, substituindo-se por outra que condena o Réu ao pagamento dos valores peticionados.
O RÉU SUSTENTOU A SENTENÇA.
Nada obsta ao mérito.
OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1.Saber se há erro no julgamento dos pontos impugnados da matéria de facto.
2. Reapreciar o direito aplicado.

O MÉRITO DO RECURSO:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I
A impugnação da matéria de facto.
A autora quer na motivação, quer nas conclusões do recurso, cumpriu o ónus de alegação inserto no artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, pelo que cumpre apreciar a impugnação deduzida ao julgamento de facto.
I.1
A autora pretende ver alterados os pontos 2 e 3 dos factos não provados.
Tais factos têm o seguinte teor:
“2.Que o processo executivo nº 3708/12.4 T2OVR teve como título executivo a aposição de fórmula executória a um procedimento de injunção, que o Réu recebeu € 1.873 em 28JUL2011 e € 1.373 em 1SET2011 e que o Réu não entregou esses valores à Autora;
3.Que, ainda nesse processo, o Réu recebeu diretamente da Dra. CC, agente de execução, da conta do processo, o valor de € 1.706,11”
A sentença motivou a não afirmação destes factos na ausência de prova idónea. explicitando que o depoimento da testemunha GG refere que a Autora recebeu do Réu cerca de € 3.500, em 2011, tratando-se de valores que haviam sido entregues anteriormente pelo cliente (leia-se executado) ao Réu; e refere também que o cliente transferiu para o Réu cerca de € 1.873 e € 1.373, tudo em 2011, e que o Réu, em 2015 transferiu para a Autora cerca de € 1.500, por cheque, e, já em 2018, outros € 400; refere ainda a testemunha que a Solicitadora de Execução transferiu para o Réu cerca de € 1.706,11 e que o Réu, deste valor, nada entregou à Autora, e acrescentando que, (…) inexiste qualquer outro suporte probatório que aponte nesse sentido, de forma objetiva, até porque os documentos nº 4 e nº 5, apresentados com a petição inicial, não o demonstram: aqui, encontramos e-mails trocados entre a Solicitadora de Execução CC (cujo depoimento testemunhal já acima abordamos) e esta testemunha, em JAN2021, onde estão identificados alguns movimentos bancários, encontramos também uma missiva dirigida pelo Réu à Autora, em 2FEV2015, onde aquele refere enviar um cheque no montante de € 1.500 para pagamento de parte do débito, no âmbito do “Processo c/ ... de BB”, (e daí a decisão necessariamente restritiva, nos termos em que o foi, consignada no ponto 4) dos factos provados).
A Recorrente vem sustentar a sua posição de prova destes factos, nos documentos 4 e 5 juntos à petição. no depoimento prestado pela testemunha Dra. CC, Agente de Execução e testemunha GG, funcionária da autora, e requer que seja em sua substituição dado como provado que:
“O Réu recebeu o valor de 8.452,11€, apenas entregou á Autora 5.400,00€, encontrando-se em falta o valor de 3.052,11€”
DECIDINDO:
No ponto 2 da fundamentação dos factos não provados está em causa o recebimento pelo réu das quantias € 1.873,00 em 28jul 2011 e € 1.373 em 1set 2011 e no ponto 3 o valor de € 1.706,11, no âmbito do processo 3708/12.4T2OVR e a sua não entrega à autora,
Ora, quanto ao recebimento destas quantias pelo Réu, está o mesmo expressamente confessado na contestação, em que o Réu admite ter recebido as quantias em causa (artigo 7º) ao que acresce que não foram impugnados os documentos que os titulam.
Deste modo, e em face do disposto das normas conjugadas dos artigos 574º, nº 2, do Código de Processo Civil e 352º e 356º do Código Civil, tais recebimentos terão de se ter como provados, mesmo na ausência de qualquer outra prova.
Mesmo que assim não fosse, e apenas por razões de dialética, se, acrescenta que a prova destes factos sempre resulta do teor expresso do documento nº 4 junto à petição que é um email da Dra CC referindo, no que respeita, à conta corrente do processo 3708/12.4T2OVR, que foi pago diretamente ao mandatário o valor de 6.746,00 euros esclarecendo que foram efetuadas transferências diretas do cliente para o Dr AA nos valores de 3.500,00; 1.873,00; e 1373,00 euros respetivamente em 08.06.2011, 28.07.2011 e 01.09.2011 e bem assim a transferência de 1706,11 €; (tudo isto, sem prejuízo de que o IUP criado pela solicitadora de execução para provar a transferência de 1706,11€, junto aos autos não sendo comprovativo da realização da transferência servindo apenas como suporte prévio, a efetivação da transferência deste montante não poderá deixar de se ter por provada uma vez que foi reconhecida pelo Réu
Dos pagamento efetuados à Autora por conta deste valor estão confessados na petição inicial 3.500,00€ (artigo 11º) e assentes já no ponto 4 dos factos provados sem qualquer impugnação 1500,00 + 400 euros o que tudo, perfaz o valor global de 5400,00 euros entregues à autora.
Certo é também que o Réu recebeu além dos valores referidos nos pontos 2 e 3 dos factos não provados o montante de 3.500,00, o que, contas feitas dá o valor global de 8.452.11 euros referidos pela Recorrente, ou seja : (3.500+1873,00+1373,00+1706,11).
Procede consequentemente este segmento do recurso e elimina-se os pontos 2 e 3 da matéria de facto não provada.
Adita-se à matéria de facto provada um novo ponto nº 4-A com o seguinte teor:
o Réu recebeu ano âmbito do processo 3708/12.4T2OVR o valor global de 8.452.11: (3.500+1873,00+1373,00+1706,11), tendo transferido para a autora para além do valor de 1900,00 euros, referido em 4; o valor de 3.500,00 euros, em 29.06.2011
I.2
Pretende ainda o Recorrente a alteração do ponto 4 dos factos não provados com o seguinte teor:
“Que no âmbito do processo nº 1058/12.5 YIPRT, que correu termos no 1º e 2º Juízos de Execução do Porto (1º Juízo - 3ª Secção), contra a sociedade C..., S.A., o Réu recebeu na sua conta bancária diversos pagamentos efetuados pela Dra. CC, Agente de Execução no processo em causa, no total de € 8.572,54, e que o Réu, até à presente data, não entregou esses valores à Autora e Exequente;
A sentença motivou a não prova deste facto pela seguinte forma: A testemunha GG refere que a Solicitadora de Execução cobrou € 8.572 e que o Réu entregou à Autora um cheque de € 5.000 e, depois, entregou ainda € 1.250, pelo que estão ainda em falta € 2.322,54. Também aqui se considera insuficiente para convencer o Tribunal a prova produzida, já que, para além deste depoimento, o documento nº 6 da petição inicial não corrobora nem o depoimento nem a alegação contida na petição inicial, o que explica a decisão tomada, de considerar esta factualidade como não provada.
A Recorrente sustenta que o documento nº 6, IUP da solicitadora de execução é suficiente para a prova de que o réu recebeu as aludidas quantias.
DECIDINDO
O Réu na sua contestação aceita expressamente ter recebido esta quantias alegadas no âmbito do processo 1058/12.5YIPRT, pelo que, nos termos já referidos supra terão tais recebimentos que ter-se por assentes (artigo 574º nº 2 do Código de Processo Civil e 352º e 356º ambos do Código Civil).
Ainda que assim não fosse como já supra elencado estes recebimentos resultam ainda provados a partir da valoração dos documentos IUP juntos com a petição e emitidos pela Solicitadora de execução CC nos valores de € (1.500,00; 4.000,00, 2.572,00 e 500,00) relativos ao processo em causa, (não sendo comprovativo da realização da transferência servindo apenas como suporte prévio, a efetivação da transferência deste montante não poderá deixar de se ter por provada uma vez que foi reconhecida pelo Réu nos termos já referidos, não tendo sido deduzida qualquer impugnação ao documento)
Por outro lado a testemunha GG funcionária da autora esclareceu o tribunal na audiência de julgamento que destes montantes foram entregues à autora 5000,00 euros e 1250,00 euros, pagamento este que ter-se-á, que se ter por provado, atenta a credibilidade da testemunha que é funcionária da autora e bem assim até própria redução do pedido que a autora veio a efetuar em sede de alegações finais na audiência de julgamento, contemplando na mesma este montante.
Procede por consequência parcialmente este ponto da impugnação da matéria de facto razão pela qual, se elimina dos factos não provados o facto nº 4.
Adita-se o mesmo aos pontos dos factos provados passando a constituir o facto 4-B da fundamentação de facto com o seguinte teor: «no âmbito do processo nº 1058/12.5 YIPRT, que correu termos no 1º e 2º Juízos de Execução do Porto (1º Juízo - 3ª Secção), contra a sociedade C..., S.A., o Réu recebeu na sua conta bancária diversos pagamentos efetuados pela Dra. CC, Agente de Execução no processo em causa, no total de € 8.572,54 dos quais entregou à autora o valor de 6.250,00 euros»
I.3
O Recorrente impugna ainda ponto 5 dos factos não provados com o seguinte teor: «Que no âmbito dos autos de processo nº 153/11.2 TBALD, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Almeida e em que foi Executado DD, o Réu recebeu, diretamente na sua conta bancária, os seguintes pagamentos efetuados pela Dra. EE, Agente de Execução no processo em causa: € 458,76, no dia 3 abr 2017, € 2.000 no dia 24 mar 2014, e € 3.500 no dia 21 jan 2014 e que o Réu não entregou à Autora estas quantias»;
A sentença motiva esta não prova dos factos pela seguinte forma: «(…) disse esta testemunha que foram cobrados, nestes autos, em várias tranches, as quantias de € 3.500, em jan 2014, de € 2.000, em mar 2014 e, em 2017, € 458. De seguida, refere que o Réu fez três transferências, de € 300 cada em 2018, pelo que se mantém em dívida o valor de € 5.058. Compulsada a documentação apresentada pela Autora (vide documento nº 7), a mesma não comprova esta factualidade nem comprova este relato, o que ditou, também aqui, o naufrágio da alegação contida na petição inicial a este respeito.
A Recorrente vem sustentar que foram juntos como documento nº 7 os IUP da Drª EE em relação a este processo, os quais nos valores de € 458,70, 2.000,00; 3500,00 e bem assim na confissão do Réu efetuada nos articulados.
Requer a alteração deste ponto de facto no sentido de ser dado como provado que o Réu recebeu na sua conta bancária o montante de 5.958,76€ e que não entregou á Autora/Recorrente.
DECIDINDO.
O Réu na contestação & 9 aceita expressamente ter recebido os valores em causa pelo que nos termos já referidos supra e que aqui se dão por reproduzidos trata-se de matéria assente por confissão da parte, ao que sempre acresce o teor dos IUP juntos e não impugnados pelo que dando também aqui por reproduzida fundamentação constante dos pontos I e II.
Sucede que a testemunha GG funcionária da autora depôs em tribunal sobre esta matéria, afirmando que o réu entregou a quantia de 900 euros, referida a este processo encontrando-se em aberto o montante de 5.058,76 euros
É de reconhecer razão parcial à recorrente, uma vez que as declarações da testemunha são idóneas à prova do recebimento desta quantia pela autora.
Consequentemente e ponderando também a prova do recebimento pela autora de parte da quantia em causa altera-se esta resposta de não provado para provado aditando-se um novo ponto à matéria de facto o ponto 4-C com o seguinte teor:
“no âmbito dos autos de processo nº 153/11.2TBALD, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Almeida e em que foi Executado DD, o Réu recebeu, diretamente na sua conta bancária, os seguintes pagamentos efetuados pela Dra. EE, Agente de Execução no processo em causa: € 458,76, no dia 3ABR2017, € 2.000 no dia 24MAR2014, e € 3.500 no dia 21JAN2014, valor global de 5958,76€, de que o Réu entregou à Autora 900,00 euros»;
I.4
Vem a Recorrente impugnar o ponto 6 dos factos não provados, com o seguinte teor:
« no âmbito dos autos nº 447/11.7TBVIS, que correu termos na Secção de Execução - J1 - Instância Central de Viseu e em que foi executado FF, o Réu recebeu, na sua conta bancária, a quantia de € 2.250 e a quantia de € 500, respetivamente, nos dias 27JUN2011 e 24NOV2011, transferências estas realizada pela Dra. EE, agente de execução no processo em causa; recebeu ainda o Réu diretamente na sua conta por pagamento de IUP, no dia 1JUN2021, os valores de € 101,01 e € 600,05; e que destas quantias recebidas o Réu não entregou à Autora o montante de € 1.201,15»
A sentença motivou pela seguinte forma; a testemunha GG utilizou novamente a fórmula, “temos informação de que o Réu, na sua conta bancária, recebeu € 2.250 (em JUN2011), € 500 (em NOV2011) e, depois, mais € 101,10 e € 600,05 (em JUN2015), que lhe foram entregues pela Solicitadora de Execução. O Réu entregou-nos € 2.250, pelo que faltam € 1.201,15” e a documentação apresentada pela Autora (documento nº 8) não corrobora este relato nem esta factualidade, o que explica a decisão de “não provada”. HH referiu ser empresário e que no âmbito de um processo judicial que lhe foi movido pela Autora procedeu ao pagamento do valor reclamado, que quantificou em “€ 1.800 mais ou menos”, sendo que, há um ano e meio, foi contactado por advogados, atuando em nome da Autora, que lhe disseram que o dinheiro não tinha chegado à Autora, pelo que decidiu pagar, de novo, a quantia em dívida. Depoimento testemunhal genérico e com algumas hesitações, pouco convincente.
A Recorrente vem sustentar a alteração a este ponto de facto nso IUP juntos pela Solicitadora de execução e prova testemunhal produzida mormente a testemunha GG
DECIDINDO:
Também aqui, o Réu não impugna o recebimento das quantias mencionadas (embora aqui sem confissão expressa) que estão inscritas no IUP da solicitadora de execução, junto como documento nº 8, pelo que sendo para aqui válida mutatis mutandis a fundamentação supra terá de se dar como assente o recebimento de tais valores (artigo 574º nº 2 do Código de Processo Civil).
Sucede ainda que a autora logo na petição inicial refere que do valor recebido à ordem deste processo o Réu entregou a quantia de 2.250,00 euros, o que se tem por confessado, pois aliás é reconhecido no depoimento da testemunha GG confirma que o Réu entregou o montante 2.250, 00 euros o qual deve ter-se como provado.
Consequentemente declara-se procedente também este segmento da impugnação de facto eliminando o ponto 6 dos factos não provados.
Adita-se à matéria de facto provada novo ponto 4-D com o seguinte teor: no âmbito dos autos nº 447/11.7TBVIS, - J1 – ICV, o Réu recebeu,na sua conta bancária, a quantia de € 2.250 e a quantia de € 500, respetivamente, nos dias 27JUN2011 e 24NOV2011, transferências estas realizada pela Dra. EE, agente de execução no processo em causa; recebeu ainda o Réu diretamente na sua conta por pagamento de IUP, no dia 1JUN2021, os valores de € 101,01 e € 600,05 valor global de 3461,60 euros; destas quantias recebidas o Réu entregou à Autora o montante de € 2.250,00 €.

II
FUNDAMENTAÇÃO JURIDICA
POR COMODIDADE DE LEITURA REALINHAMOS OS FACTOS PROVADOS, DE ACORDO, COM O AGORA DECIDIDO:
Está provado que:
1.
A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao estudo, comércio, fornecimento e montagem de sistemas de rega e seus componentes para agricultura e espaços verdes, empreiteiro e fornecedor de obras públicas e formação profissional no âmbito da atividade.
2.
Neste âmbito e pelo menos desde 1990 que as partes (Autora e Réu) estabeleceram um acordo verbal de avença.
3.
Decorrente dessa avença, o Réu que é advogado, intentou diversos processos judiciais com vista à cobrança de créditos devidos por clientes da Autora.
4.
o Réu representou a Autora no âmbito do processo nº 3708/12.4T2OVR, que correu termos no Juízo de Execução de Ovar, contra BB e que, nesse âmbito, o Réu entregou à Autora a quantia de € 1.500, por cheque datado de 2FEV2015, e comunicou à Autora, em 25JUN2018, que “acabei de lhe transferir € 400,00 por conta do ainda devido pelo cliente”.
4-A
O Réu recebeu ano âmbito do processo 3708/12.4T2OVR o valor global de 8.452.11: (3.500+1873,00+1373,00+1706,11), tendo entregue à autora para além do referido em 4 ainda 3.500,00 euros.
4-B
No âmbito do processo nº 1058/12.5 YIPRT, que correu termos no 1º e 2º Juízos de Execução do Porto (1º Juízo - 3ª Secção), contra a sociedade C..., S.A., o Réu recebeu na sua conta bancária diversos pagamentos efetuados pela Dra. CC, Agente de Execução no processo em causa, no total de € 8.572,54 dos quais entregou à autora o valor de 6.250,00 euros»
4-C
No âmbito dos autos de processo nº 153/11.2TBALD, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Almeida e em que foi Executado DD, o Réu recebeu, diretamente na sua conta bancária, os seguintes pagamentos efetuados pela Dra. EE, Agente de Execução no processo em causa: € 458,76, no dia 3ABR2017, € 2.000 no dia 24MAR2014, e € 3.500 no dia 21JAN2014 e de que o Réu entregou à Autora 900,00 euros
4-D
No âmbito dos autos nº 447/11.7TBVIS, - J1 – ICV, o Réu recebeu, na sua conta bancária, a quantia de € 2.250 e a quantia de € 500, respetivamente, nos dias 27JUN2011 e 24NOV2011, transferências estas realizada pela Dra. EE, agente de execução no processo em causa; recebeu ainda o Réu diretamente na sua conta por pagamento de IUP, no dia 1JUN2021, os valores de € 101,01 e € 600,05 valor global de 3461,60 euros; destas quantias recebidas o Réu entregou à Autora o montante de € 2.250,00 €.
5.
A avença em causa terminou no final do ano de 2018.
6.
Provado apenas que foi enviado o e-mail de 8FEV2021, junto aos autos como documento 9 da petição inicial e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
7.
A presente ação foi instaurada em 27/2/2021.
II.1
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A presente ação é de incumprimento de contrato, (não vincula este tribunal o enquadramento jurídico dado à causa quer pela autora quer na sentença recorrida, sustentando a pretensão formulada no enriquecimento sem causa (artigo 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Na verdade, resulta dos factos provados que o direito de crédito da autora reclamado sobre o réu, tem como fundamento o recebimento, por este, de quantias que lhe eram destinadas, ao abrigo de avença em vigor entre as partes e no exercício da mesma, na qualidade de advogado representando a autora em execuções para cobrança de divida.
Esta mesma relação contratual de avença foi assim trazida à fundamentação de facto tendo na sentença proferida sido afirmado com o que concordamos que “ Não há dissenso entre as partes no que diz respeito ao contrato (de avença) que celebraram e que se pode definir, de forma sintética, como o “contrato de prestação de serviços que se carateriza por ter como objeto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal mediante remuneração mensal”, o que como tal vem de resto definido na sentença por referência ao sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-04-2016, (MARIA DE DEUS CORREIA) nº 4148/13.3 TBOER.L1-6. in ITIJ
Em reforço desta noção do contrato de avença aditamos o acórdão da mesma Relação de 15-06-2023 (ADEODATO BROTAS) 94896/21.5YIPRT.L1-6, in ITIJ, o qual define este contrato como: «- O contrato que tem por objeto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com remuneração certa mensal. E destinando-se, no caso dos autos, à prática de atos próprios de advogado, trata-se de contrato de avença de serviços de advocacia»
Esclarece ainda esta aresto que «O contrato de avença de serviços de advocacia é legalmente atípico mas socialmente típico e, como tal, no que toca à hierarquia das suas fontes, deve ser regido, sucessivamente, pelas estipulações das partes, pelas disposições gerais análogas relativas a negócios afins, pelas disposições gerais das obrigações e pelas que o juiz criar de acordo com a boa fé e demais regras que o autorizam a complementar o direito».
II.2
No caso dos autos, a avença é de prestação de serviços de advogado como se constata da intervenção do Réu nos processos judiciais instaurados para cobrança de dividas de que a autora era credora.
Portanto estamos numa avença cujos serviços são de mandato forense que integra a categoria dos contratos de prestação de serviços (art. 1155.º do CC) e se define como um contrato de mandato pelo qual uma das partes (o mandatário) se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra (mandante) (art. 1157.º do Código Civil do CC).
O mandatário (Advogado) tem o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada (art. 1178.º, n.º 2 do CC).
II.3
A sentença definiu que o «litígio entre as partes, no caso dos autos, cinge-se a uma das obrigações secundárias ou laterais do aludido contrato, ou seja, a entrega à Autora dos valores recebidos pelo Réu no âmbito dos processos judiciais em que interveio».
Certo é que depois deste enquadramento derivou para o enquadramento dos factos no «enriquecimento sem causa», tendo avançado depois na sua fundamentação e decidiu a causa a partir de tal instituto.
Não secundamos este entendimento uma vez que situando-se o pedido da autora no âmbito da prestação contratual devida pelo réu, a sua não realização situa-se no campo do incumprimento do contrato.
É que como ficou expresso, supra, o réu recebeu os montantes em dinheiro reclamados na ação e destinados à autora na qualidade de seu mandatário no processo, sendo por consequência obrigação decorrente do mesmo, a transferência/pagamento destes valores à mesma (artigo 1161º alínea e) do Código Civil).
II.4
O enriquecimento sem causa fixado no artigo 473º do CC, e que constitui o enriquecido na obrigação de restituir, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou. Pressupõe haver um enriquecimento, que para além de carecer de causa justificativa tenha sido obtido à custa de quem requer a sua restituição (o que é diferente de se exigir que haja empobrecimento - pode não haver diminuição do património do dono da coisa e nem sequer privação dum aumento dele, e haver lugar a se afirmar que o enriquecimento foi obtido à custa de outrem - «tudo quanto os bens sejam capazes de render ou produzir, pertence, em princípio, ao respetivo titular» - vd., P. Lima-A. Varela in CCAnot I/456-457).
Como referem aqueles Mestres, a diretriz a seguir é que o enriquecimento carece de causa justificativa quando, segundo a lei, deve pertencer a outra pessoa sendo que o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial (p. 454 e ss).
São requisitos do instituto (i) uma melhoria da situação patrimonial, que pode consistir num aumento do ativo patrimonial, numa diminuição ou afastamento de um passivo (ii) obtido à custa de quem requer a restituição; (iii) a ausência de causa justificativa.
Para que o instituto tenha aplicação o enriquecimento tem que carecer de causa jurídica justificativa tutelada pelo direito, não sendo aplicável à situação qualquer outra tutela juridicamente prevista.
Trata-se de um instituto jurídico subsidiário aplicável, na ausência de toda e qualquer tutela do direito para corrigir uma deslocação patrimonial injusta por carecer de causa norma ou princípio que a consinta.
É para nós evidente que se encontrando a obrigação de restituir no domínio da execução contratual a sede própria de apreciação jurídica é a do incumprimento de contrato pelo que, não há que convocar o enriquecimento sem causa.
II.5
Isto posto,
No domínio do contrato de avença de mandato a prestação debitória do mandatário consiste para além de outras obrigações, no dever de entrega dos recebimentos que em representação do mandatário lhe foram prestados como resulta expressamente do artigo 1161º alínea e) do Código Civil, já referido
Donde que, se pode dizer que não há cumprimento de mandato se o mandatário não proceder à entrega da coisa dinheiro ou documentos que em nome do mandate tenha recebido.
Com efeito, o cumprimento do objeto sobre que versa a obrigação deve ser efetuado pois, integralmente, em termos exatos, como resulta dos artigos 762º e 763º nº1 do C.C: “aliud pro alio invito creditore solvi non potest “.
Assim é que, o devedor cumpre a obrigação quando realiza, pontualmente, a prestação a que está vinculado (art. 406.º, n.º 1 do Código Civil), o que significa, que «o cumprimento deve coincidir, ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito». Cfr. Antunes Varela, João, in “Das Obrigações em Geral”, II Vol., Almedina, 5.ª edição, 1992, pág. 14-15.
O princípio da pontualidade desdobra-se em variáveis tais como o modo distinto do estabelecido no acordo; tempo distinto do acordado - inexatidão; ser de quantidade distinta da devida; não ser realizada no local devido; entrega de coisa diferente da acordada; a prestação seja de qualidade diversa da devida; quando, para realização da prestação principal, foram violados deveres acessórios, ou simples não efetivação da prestação. A sua violação conduz ao incumprimento num dos quatro segmentos porque se reparte: artigos 790.º a 797.º e 813.º a 816.º - impossibilidade de cumprimento e mora não imputáveis ao devedor - artigos 798.º a 808.º - falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor - artigos 809.º a 812.º - fixação contratual dos direitos do credor - e 817.º a 836.º - realização coativa da prestação.
Assume para aqui relevância o artigo 798º, do CC, segundo qual o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Sendo certo que no âmbito da responsabilidade contratual o credor está dispensado de provar a culpa do devedor que se presume, artigo 799º, nº 1, do CC , por outro lado o cumprimento é uma exceção perentória cuja alegação e prova incumbe ao devedor (artigo 342º, nº2 do CC), estando a cargo do autor tão só e apenas a alegação e prova do contrato e de que efetuou a sua prestação (artigo 342º nº1 do CC).
Em conformidade com o exposto, se, conclui sem dificuldade, que tendo a autora provado o recebimento de quantias pelo réu no âmbito do exercício do mandato que lhe conferiu através de avença e que lhe eram devidas e não tendo o réu provado a entrega de tais quantias à autora, como lhe competia, procede a ação por se verificar o incumprimento.
Tais quantias como resulta da soma aritmética dos valores recebidos e dos valores não entregues ascendem a euros: (3052,11+2322,54+5058,76+1201,15) = 11.644,56.
SEGUE DELIBERAÇÃO:
PROVIDO O RECURSO EM PARTE. REVOGADA A SENTENÇA CONDENANDO-SE O RÉU A PAGAR AO AUTOR O MONTANTE DE 11.644,56 EUROS.
As custas são por ambas as partes na proporção do decaimento (art 527º nº 2 do Código de Processo Civil) tendo consequentemente decaído nessa parte.

Porto, 7 de março de 2024
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
Carlos Portela