RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANOS PATRIMONIAIS
RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO
LIQUIDAÇÃO POSTERIOR DOS PREJUÍZOS
Sumário

I - Sempre que carecerem os autos de elementos para fixar a exacta quantia em que uma das partes deva ser condenada a responder perante a outra, a considerar o Tribunal que há possibilidade de averiguar em momento ulterior o montante dos prejuízos alegadamente sofridos, impõe-se relegar o seu apuramento para liquidação ulterior, funcionando como limite máximo desses prejuízos o valor peticionado.
II - Quando se considere a matéria de facto provada e, decisivamente, a não provada, bem assim a fundamentação da decisão de facto, nesse segmento, tem-se por caracterizada uma situação totalmente distinta da do pagamento de subsídio de refeição em sentido técnico-jurídico, tanto mais que não constante do recibo de remuneração respectivo, como seria mister.
III - O demonstrado pagamento de refeições não tem qualquer similitude ao subsídio de refeição, constituindo-se como duas realidades absolutamente distintas. O subsídio de refeição é pago como retribuição e integrado no recibo de vencimento, posto que fazendo parte daquela para vários efeitos, designadamente em caso de cálculo para efeitos de indemnização por despedimento. Já o pagamento de refeições não tem correspondência a essa realidade. Em causa o pagamento pontual e justificado/documentado de despesas com refeições relacionadas ou conexas com o exercício da actividade profissional, realidade esta, aliás, comum quanto a gerentes de sociedades, mediante a apresentação de recibos/faturas a reflectir na contabilidade, como “despesas”, a deduzir no IRC. Não constitui um subsídio, cujo valor é sempre o mesmo. O pagamento da refeição dependerá sempre do documento da despesa e não é considerado parte integrante da retribuição.
IV - Donde, não se configura como um qualquer dano a indemnizar, posto que não integrando retribuição, mas despesa a compensar se e enquanto justificada/documentada pelo exercício da actividade profissional.

Texto Integral

Processo: 1315/17.4T8PVZ

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 5

Relatora: Isabel Peixoto Pereira

1º Adjunto:  Isoleta Almeida Costa

2º Adjunto: Isabel Silva


*

Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

AA intentou contra A... – Companhia de Seguros, S.A. acção, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe: a) € 5.271, referentes às diferenças salariais;  a) € 5.620, referente às despesas suportadas pelo Autor (v. g. exames de diagnóstico, fisioterapia, farmácia, consultas); c) € 45.600, custo futuro com fisioterapia;  d) € 36.720, custo futuro com cremes; e) € 107.000, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, decorrentes da incapacidade parcial permanente advinda para si;  f) € 125.000, a título compensação pelos danos não patrimoniais sofridos; g) juros de mora sobre as supras referidas quantias, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até integral e efetivo pagamento. Também a suportar todos os custos com tratamentos, consultas, meios de diagnóstico, cirurgias e medicamentos de que venha a carecer no futuro, os quais são previsíveis em função do seu estado de saúde, decorrentes das lesões e consequentes sequelas do acidente dos autos, para além dos peticionados nas alíneas c) e e).

A final foi julgada a ação parcialmente provada e procedente e, consequentemente, condenada a Ré a pagar ao Autor:  a) a quantia de € 7.469,65 relativamente à diferença dos rendimentos do trabalho em relação aos subsídios de doença; b) a quantia de € 20.081,44 alusiva às despesas identificadas nos pontos 19) e 21) da fundamentação de facto; c) a quantia de € 30.000 a título de dano biológico; d) o que vier a ser liquidado em incidente, relativamente: i) ao valor da alimentação identificado no ponto 44) da fundamentação de facto, no período indicado no ponto 49), até ao montante máximo peticionado de € 10;  ii) às despesas medicamentosas, de aquisição de meia elástica, consultas e tratamentos referidos, respetivamente, nos pontos 22), 20) e 37) da fundamentação de facto; e) juros à taxa legal de 4%, desde 26 de Setembro de 2017, sobre as quantias referidas em a), b) e c) até integral e efetivo cumprimento; b) a quantia de € 50.000, a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a presente data, até integral e efetivo cumprimento. No mais, foi a Ré absolvida do pedido.

Desta sentença interpôs o Autor recurso, concluindo as alegações pelo modo seguinte:

1. De acordo com a fundamentação vertida na sentença recorrenda quanto à fixação das sequelas por ambos os relatórios periciais, foi valorada a segunda perícia (que atribuiu ao recorrente um défice funcional permanente de 22 pontos) uma vez que teve em consideração, designadamente, sequelas de cirurgia vascular, confirmada por perícia da especialidade.

2. Sucede que, de forma contraditória com a fundamentação da matéria de facto, foi fixado no ponto 27 do elenco da matéria de facto dada como provada um défice funcional permanente de 20 pontos, gerando uma manifesta contradição (oposição) entre a fundamentação e o decidido quanto àquele ponto da matéria de facto dada como provada.

3. Atenta a contradição entre a fundamentação da matéria de facto e a matéria de facto dada como provada, a sentença encontra-se ferida de nulidade nos termos do vertido no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, razão pela qual a decisão proferida é nula, o que se invoca para todos os efeitos legais.

4. Dado que o Tribunal a quo optou, expressamente, pela valoração da segunda perícia - por ser confirmada por perícia da especialidade de cirurgia vascular e por ser mais atual, conforme página 30 da sentença -, não havendo um qualquer outro fundamento para se afastar do resultado da mesma (dever de fundamentação que quanto à prova pericial vê-se reforçado) e, considerando a demais matéria de facto dada como provada nos pontos 17, 18, 20 e 24, é forçoso concluir que a matéria de facto constante no ponto 27 do elenco da matéria de facto julgada como provada deve ser alterada nos termos seguintes:

27. As sequelas identificadas em 24) j) a o) correspondem a défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 22 pontos, compatível com a atividade habitual mas a exigir esforços suplementares [resposta aos artigos 51º, 52º da petição inicial].

5. Quanto às meias elásticas, atentas as indicações da marca que remetem para uma duração, em termos normais, de 4 a 6 meses, a matéria de facto dada como provada nos pontos 20, 21, 23 e 31 que remetem para condições extraordinárias que levam a um desgaste superior, e as regras de experiência comum, sempre se dirá que devem ser dados como provados os pontos l) m), o) e p) do elenco da matéria julgada como não provada.

6. Em relação aos medicamentos que o Recorrente necessita de tomar, da conjugação do ponto 22 do elenco da matéria de facto dada como provada, com a prova pericial produzida, os documentos n.º 149, 150, 151, 152, 163 e 164 juntos com a petição inicial e do depoimento da testemunha BB ao minuto 21:21 (supra transcrito) é forçoso alterar o ponto 23 do elenco dos factos dados como provados, nos termos seguintes:

23. A aquisição dos medicamentos identificados em 22) importa para o Autor despesas no montante mínimo mensal de 100,47 €.

7. O ponto 38 do elenco da matéria de facto dada como provada é passível de liquidação, conforme resulta da conjugação do depoimento da Dra. CC ao minuto 02:32 e 06:07 (supra transcrito), médica da especialidade de Medicina Clínica e Reabilitação que acompanha o recorrente desde 2015, razão pela qual deve o aludido ponto 38 ser alterado nos termos seguintes:

38. O acompanhamento clínico referido em 37) implica despesas de montante não concretamente apurado atendendo ao previsível agravamento dos sintomas do A., porém tal acompanhamento não será inferior a duas sessões de fisioterapia por semana (aumentando para três sessões por semana em caso de agravamento) e a uma necessidade de consulta de fisiatria de 15 em 15 ou 20 em 20 sessões.

8. E deve ser aditado ao elenco da matéria de facto dada como provada, atento o depoimento da Dra. CC ao minuto 02:32 e 06:07 e documentos juntos aos autos, o seguinte: “As sessões de fisioterapia têm um custo por sessão de 12,00 € ou 12,50 €, dependendo do tratamento, e as consultas de fisiatria têm um custo unitário de 30,00 €.”

9. Considerando a alteração à matéria de facto que se defende, é manifesto que é possível determinar relativamente aos medicamentos, meias elásticas, necessidade de fisioterapia e consulta de fisiatria um valor mínimo e seguro do quantum do dano, nos termos seguintes:

a) meias elásticas: Tendo em consideração que por ano despende – e despenderá ao longo da sua vida – o montante de 255,80 € (duzentos e cinquenta e cinco euros e oitenta cêntimos), e, ainda, que a esperança média de vida dos homens em Portugal é de 78 anos e que o autor nasceu em ../../1973, despendeu contados da data da propositura da ação (setembro de 2017) e irá despender ao longo da sua vida, a quantia de 8.697,20 € (oito mil seiscentos e noventa se sete euros e 20 cêntimos) [4 x 63,95 € x 34 anos];

b) medicamentos: Tendo em consideração que o Recorrente despende - e despenderá ao longo da sua vida - o montante anual de 1.205,64 € (mil duzentos e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos), e considerando os dados supra enunciados o mesmo suportou e irá suportar ao longo da sua vida o montante global de 40.991,76 € (quarenta mil novecentos e noventa e um euro e setenta e seis cêntimos) [100,47 € x 12 x 34 anos];

c) Fisioterapia e consulta da especialidade (fisiatria): Uma vez que encontra-se assente a necessidade de fisioterapia e que a mesma impõe a realização de, pelo menos, duas sessões de fisioterapia por semana a um custo de 12,00 € /12,50 € (o que corresponde a 104 sessões por ano a uma média de 12,25 €) e, pelo menos, uma consulta dessa especialidade de 15 em 15 sessões (o que corresponde acerca de 7 consultas por ano) e considerando os dados supra enunciados, o recorrente despendeu e continuará a despender no futuro a quantia mínima de 51.340,00 € ((104 x 12,25 € x 34 anos = 44.200,00 €) + (7 x 30,00 € x 34 anos = 7.140,00 €)).

10. Assim, considerando a alteração da matéria de facto peticionada, é forçoso concluir que o ponto A, alínea d) item ii) da decisão, deve ser alterado, sendo a recorrida condenada no pagamento do montante de 101.028,96 €, acrescidas dos respetivos juros até efetivo e integral pagamento, referente a: i) ajudas técnicas permanentes (meias elásticas); ii) ajudas medicamentosas (cremes) e; iii) tratamentos médicos regulares (fisioterapia e consultas de fisiatria).

11. No que tange, quer aos custo com as necessidades futuras de consultas de dermatologia, ortopedia e de cirurgia vascular e de meios complementares de diagnósticos, quer aos montantes necessários para fazer face às despesas com medicamentação (cremes) e tratamentos de fisioterapia e consultas de fisiatria, resultantes dos agravamentos dos sintomas, como supra referido, os mesmos são previsíveis, na medida em que decorrem da verosimilhança da sua produção, atentas as características das sequelas que o recorrente apresenta.

12. Na hipótese de não poder ser provada a sua medida exata, ou seja, quando os elementos, considerados suficientes, não consintam a determinação certa dos quantum do dano a fixação correspondente indemnização tem lugar de acordo com a equidade, artigo 566º, n.º 3, do Código Civil.

13. A própria natureza do dano futuro inculca um grau de certeza inferior ao dano já sofrido, com a particularidade de que sendo previsíveis, podem ser ressarcidos com recurso à equidade, dentro dos limites que tiverem sido provados.

14. No caso vertente, é indubitável que existem danos futuros, cujo grau de probabilidade da sua verificação é elevado, na medida em que basta que o recorrente faça um maior esforço físico, v. g. caminhada ou período prolongado de pé, ou esteja exposto ao sol, para que as lesões se agravem e carece de incorrer naqueles custos - conforme resulta da fundamentação da sentença e da nova redação do ponto 38 da matéria de facto cuja alteração supra se peticiona.

15. Tendo em consideração que o autor, na presente data, tem 50 anos, que a esperança média de vida dos homens em Portugal é de 78 anos, o que significa que terá ainda, previsivelmente mais 28 anos de vida, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, parece justo e razoável atribuir a este título a quantia de 8.500,00 €.

16. Foi decidido no ponto A, alínea d) ponto i da decisão que a recorrida foi condenada no pagamento que vier a ser liquidado em incidente relativamente:  “ao valor da alimentação identificado no ponto 44) da fundamentação de facto, no período indicado no ponto 49), até ao montante máximo peticionado de € 10;”

17. Sucede que, ainda que o Recorrente perceba a intenção da decisão, a mesma carece de densificação com vista a ser tornar perfeita, concretamente, considerando a fundamentação da decisão na página 39 da sentença, o limite da indemnização a fixar tem necessariamente de ser alterado para o montante de 10,00 € diário, e não apenas num máximo de 10,00 €.

18. O quantum indemnizatório devido a título de dano biológico na vertente patrimonial, com recurso ao critério da equidade legalmente imposto e aos demais considerados na jurisprudência dominante, e ponderando o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 22 pontos, o facto das sequelas resultantes das lesões sofridas pelo recorrente serem compatíveis com o exercício da atividade habitual mas implicarem esforços suplementares, considerando a idade do recorrente, 41 anos, (nascido em ../../1973), o salário médio nacional de 1.236,90 € em 2017 e o seu aumento perante a inflação, a esperança média de vida e o seu aumento ao longo dos anos, o aumento do custo de vida e a culpa grave, exclusiva e assumida do condutor do veículo com a apólice titulada pela Recorrida, entende o recorrente que a indemnização que lhe é devida por via do dano biológico sofrido de natureza patrimonial futura deve ser fixada no montante de 107.000,00 €, o qual se mostra ajustado ao caso concreto e, a pecar, é por defeito e não por excesso.

19. Atenta a matéria de facto cuja alteração se peticiona e mesmo considerando a já fixada nos pontos 5 a 42, 49, 51 e 52, é manifesto que o recorrente sofreu de forma grave, reiterada e extenuante, sofrimento que irá prolongar-se para o resto da sua vida, razão pela qual a indemnização fixada pelo Tribunal a quo é exígua para o sofrimento sofrido e a sofrer pelo recorrente, razão pela qual a indemnização devida a título de dano não patrimonial jamais poderá ser inferior a 70.000,00 €, montante que se mostra adequado ao caso concreto e está de acordo com os montantes considerados pela jurisprudência em casos semelhantes.

20. Consequentemente, ao decidir nos termos vertidos na sentença proferida, foi violado o disposto nos artigos 342.º, 563.º, 564.º, 566.º e 569.º do Código Civil e artigos 358.º e 609.º do Código de Processo Civil, sendo certo que a correta subsunção dos supra referidos normativos legais implica que seja revogada a decisão vertida na sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância nos termos supra pugnados.

Respondeu a recorrida quanto ao recurso do Autor e bem assim veio a Ré intentar Recurso Subordinado da decisão, mediante as seguintes conclusões:

Em sede de contra-alegações:

A. O dano biológico tem como critério primordial para a sua quantificação indemnizatória o recurso à equidade, designadamente, seja por que vertente for o mesmo encarado, o confronto com outras decisões análogas.

B. Seguindo os critérios orientadores que emanam das decisões dos Tribunais de Recurso, o valor arbitrado na sentença do Tribunal “a quo” não só se encontra devida e objectivamente justificado como, assim cremos, é justo e adequado ao caso concreto, não só por ser equitativo, como por estar em linha com os valores arbitrados em situações análogas, mesmo tendo em conta uma alteração fáctica do valor considerado para o défice funcional da integridade psico somática de 20 para 22 pontos.

C. Os factos em causa e as particulares do processo dos presentes autos jamais justificariam uma indeminização superior a 20.000,00€ a título de danos patrimoniais, pelo que, obviamente, jamais se poderá equacionar sequer como possível um arbitramento de uma indemnização a esse título no valor de 70.000,00€.

D. Todos os factos, tanto os provados como os não provados (exceção feita eventualmente ao valor atribuído a título de défice funcional da integridade psico-somática), decorrem de uma análise absolutamente imaculada da forma como a prova foi produzida e trazida ao conhecimento pelas partes ao Tribunal.

E. No presente processo foi integralmente cumprindo o princípio da imediação, tendo toda a prova sido produzida perante o julgador, de forma directa e pessoal, seja a prova testemunhal seja a documental.

F. Não há prova nos autos que nos permita, mesmo com um grau mínimo de certeza, evidenciar qual o tempo útil de vida de uma meia elástica, sendo que, caso fosse obrigação do Tribunal “a quo” consultar o site da marca que disponibiliza as meias elásticas que o Apelante alega ter comprado, sempre ficaria a dúvida e jamais resultaria provado o que o Apelante pretende.

G. A Apelada está apenas obrigada a indemnizar o Apelante pelos danos que sejam directa e objetivamente decorrentes do sinistro dos presentes autos.

H. Não há dúvidas que o Apelante como consequência das lesões sofridas no acidente dos presentes autos carece do uso de meia elástica, mas apenas no pé esquerdo.

I. Não há qualquer prova produzida que nos permita considerar que o Apelante precisará de uma meia nova a cada três meses, que por essa razão precisa de quatro pares de meias por ano e com esse facto terá uma despesa anual de 255,80€

J. Não existindo qualquer lesão no pé direito, não tem a Apelada de ser obrigada a suportar o custo com meias elásticas para aquele pé, o que fará, no limite e tendo em conta aquilo que resultou provado, que o Apelante “poderá” “apenas” ter de despender por ano, em meias elásticas, a quantia de 127,90€.

K. A decisão do Tribunal “a quo” em relegar a liquidação do dano em causa foi, e é, a mais acertada, não podendo vir o Apelante, em sede de recurso, liquidar danos.

L. É falsa a alegação do Apelante quando refere que há dois cremes que são de aplicação continuada e um de aplicação necessária em caso de agravamento.

M. Bem andou o MMº Juiz do Tribunal “a quo” ao fazer constar nos factos provados que não é possível concretizar qual o valor que o Apelante despende com a aquisição destes “medicamentos” e como tal, fazer reflectir na condenação da Apelada, essa mesma impossibilidade, relegando para momento posterior e para outra produção de prova, a liquidação de tais danos.

N. Não há factos ou dados carreados para os autos que nos permitam confirmar a frequência da necessidade das sessões de fisioterapia e de consulta da especialidade;

O. Em cerca de 5 anos, a julgar pelo depoimento da fisiatra, o Apelante sempre foi acompanhado pela mesma. Tendo, segundo se entende pelo alegado pelo Apelante, sido pagas todas essas sessões e consultas, razão pela qual não se entende ou percebe, qual o motivo que leva o Apelante a não requerer a ampliação do pedido, com a respetiva e devida liquidação, com suporte documental, designadamente, facturas e recibos.

P. Ao não o fazer, levou a que o Tribunal “a quo”, obviamente, tivesse dúvidas quanto aos valores a considerar e por isso, tornou impossível a liquidação de danos a esse título.

Q. O Apelante não prova quantas consultas de dermatologia precisará de frequentar. Não o fazendo para a especialidade de ortopedia e de cirurgia vascular também.

R. O Apelante não alega, ou prova que exames precisará de efetuar e qual o valor de cada uma das consultas e dos exames.

S. o Tribunal “a quo” não teve forma de considerar e liquidar estes danos, não lhe restando nada mais que relegar a sua liquidação para momento posterior.

Quanto ao Recurso subordinado

T. Da prova produzida e bem assim do cotejo dos factos dados como provados resultou que o Apelante, em consequência do presente sinistro, suportou com consultas, tratamentos e medicamentos a quantia de 5.232,44€.

U. Esta quantia é a que resulta da soma dos valores elencados nos factos provados 19) e 21).

V. Não obstante, a Apelada foi condenada a pagar ao Apelante a quantia de 20.081,44€, designadamente e como se refere na sentença do Tribunal “a quo”: A) condena a Ré A... – Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao Autor AA o seguinte: b) a quantia de € 20.081,44 alusiva às despesas identificadas nos pontos 19) e 21) da fundamentação de facto;”

W. Há assim um erro na sentença que faz com que a mesma seja nula neste ponto na medida em que a fundamentação está em evidente oposição com a decisão;

X. A condenação da Apelada, a este título reconduz-se unicamente ao provado nos factos 19) e 21), o que faz com que, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615º, nº1 al. c) do CPC, a sentença nesta parte tenha de ser considerada objetivamente nula, já que como se referiu, o valor da condenação – 20.081,44€ - é manifestamente diferente e superior ao valor provado de 5.231,44€.

Y. Caso não se entenda que a sentença do Tribunal “ a quo” neste ponto é nula então sempre se terá de dizer que da prova produzida e da factualidade que da mesma resultou e que foi reconduzida ao catálogo dos factos provados, o Apelado “apenas” despendeu a quantia de 5.231,44€, em consultas, tratamento e medicamentos, devendo por essa razão, ser a sentença alterada, condenando a Apelante, de acordo com o disposto nos art. 342º, 562º e 563º todos do CC, ao pagamento da quantia de 5.231,44€;

Z. A Apelante foi condenada a apagar ao Apelante “o valor da alimentação identificado no ponto 44) da fundamentação de facto, no período indicado no ponto 49), até ao montante máximo peticionado de € 10”

AA. O subsídio de alimentação não entra, conceptualmente, na definição e para o computo do valor de retribuição recebido por qualquer trabalhador.

BB. O período em causa, referido no ponto 49) dos factos provados, corresponde ao tempo em que o Apelante esteve impossibilitado de trabalhar como consequência das lesões sofridas com o acidente dos presentes autos.

CC. O direito ao subsídio de alimentação está umbilicalmente ligado à prestação do trabalho, não sendo por esse motivo, devido quando tal trabalho não seja prestado

DD. Se a entidade empregadora esta dispensada de suportar os custos com a alimentação do trabalhador, quando este não se encontra a trabalhar, não faz qualquer sentido e lógica que a seguradora, tenha de suportar tal quantia quando o sinistrado não esteja a trabalhar.

EE. O MMº Juiz do Tribunal “a quo” não podia relegar a liquidação de um dano que não existiu, nem tampouco pode a ser a Apelante condenada a suportar um dano que o Apelado não teve, pelo que, nesse ponto, deve a sentença ser alterada e a Apelante absolvida.

FF. A Apelante entende que o valor arbitrado a título de danos não patrimoniais é desajustado e iniquo.

GG. Da prova produzida, não resultou qualquer factualidade que sustente uma condenação de valor tão elevado.

HH. Face aos factos julgados como assentes no presente processo, designadamente a existência de um quantum doloris de 5 graus em sete possíveis, a idade do Apelado (41 anos) e os transtornos e sofrimento, que naturalmente não sendo de extrema gravidade, merecem a tutela do direito, colocando tais factos em contraponto, com outras decisões análogas, chegamos à conclusão que no âmbito dos presentes autos, os danos não patrimoniais em causa justificam uma indemnização que para ser equitativa e como tal justa e adequada ao caso concreto se terá de balizar entre os 20.000,00 € e os 25.000,00€.

Veio já o recorrente/recorrido A. requerer a ampliação do objecto do recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 636º do CPC, aduzindo o erro de julgamento da matéria de facto provada sob o número 49º, uma vez que o período de ITTP ali consignado vem a ser inferior ao demonstrado no relatório pericial a que se remeteu a fundamentação da decisão nessa parte…

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são de facto e de direito as questões a tratar. Assim:
A) Da (dupla) nulidade da decisão recorrida, nos termos e para os efeitos do art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC, em sede de recurso do Autor e do recurso subordinado

Do recurso do A:
B) De facto – do erro de julgamento quanto aos factos sob 27, 23 e 38 dos provados e m) a p) dos não provados e da ampliação dos factos provados
C) Da desnecessidade de liquidação ulterior de parte dos danos, mormente em função da alteração da matéria de facto
D) Da liquidação insuficiente do dano emergente da afectação da integridade físico-psíquica de que ficou a padecer o Autor;

Do recurso subordinado
E) Da liquidação excessiva do dano moral;
F) Da (não) ressarcibilidade do dano correspondente ao não recebimento do subsídio de refeição durante o período de ITT

Da ampliação do recurso pelo A.
G) Na hipótese de redução da indemnização, do erro de julgamento do facto sob 49 dos provados e sua consequência

 

III.
A) Quanto à nulidade da decisão.

Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.

Dispõe o artigo 615º, nº 1, al. c) do C.P.C. “é nula a sentença quando (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)”.
É pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento segundo o qual a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão aí contemplada pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente (cf. nesse sentido, na doutrina Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, , Vol. V, pág. 141, Coimbra Editora, 1981, Amâncio Ferreira, Manual de Recursos no Processo Civil, 9ª edição, pág. 56 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª edição, pág. 736-737, e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social, de 28.10.2010, Procº nº 2375/18.6T8VFX.L1.S3, 21.3.2018, Procº nº 471/10.7TTCSC.L1.S2, e 9.2.2017, Procº nº 2913/14.3TTLSB.L1-S1).
É igualmente pacífico o entendimento de que a divergência entre os factos provados e a decisão não integra tal nulidade reconduzindo-se a erro de julgamento.
Neste sentido afirmou-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.5.2013, Procº nº 660/1999.P1.S1, que: “I- A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – art.º 668º, nº 1, al. d) do CPC. II- Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56). III- A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».
Em sentido idêntico, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social, de 18.1.2018, Procº nº 25106/15.8T8LSB.L1.S1, afirmou-se que “a nulidade prevista no artº 615º, nº 1, al. c), do CPC consiste na contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão”.

No caso vertente, temos para nós que não assiste razão aos arguentes, já que nenhuma das incongruências ou contradições reciprocamente aduzidas e verificadas se reconduzem à nulidade da sentença…

Desde logo, a invocação do relatório de segunda perícia como fundamento da aquisição probatória de um grau de incapacidade inferior àquele que naquela vem ajuizado não se reconduz, no contexto completo da sentença proferida e da fundamentação de facto dela constante a uma contradição entre a decisão e a fundamentação, já que ali justificada a “redução” do grau de incapacidade – assim a referência a uma “melhoria” sintomática... Donde, a integrar um vício, este será o erro de julgamento, de resto subsidiariamente aventado.

Sempre a discrepância a que se reporta a Ré/Recorrida/Recorrente subordinada corresponde antes a um erro de cálculo, perfeitamente detectável do contexto da declaração e das circunstâncias em que é feita, a dar lugar, nos termos e para os efeitos do art. 249º do CC, apenas à rectificação da mesma, que não a qualquer nulidade.

Veja-se que na parte decisória da sentença se consignou: “b) a quantia de € 20.081,44, alusiva às despesas identificadas nos pontos 19) e 21) da fundamentação de facto”… Estas ascendem a 5.231,44€, como resulta da pura e simples soma aritmética.
O mesmo erro de cálculo no segmento da fundamentação respectiva, sob o último § da página 40 da decisão…
Insubsistente a pretensão do Autor em sede de resposta à arguição da nulidade da decisão nesta parte, por não ter  qualquer acolhimento nos termos da sentença… Assim é que os danos a que se reporta a ampliação do pedido ali mencionada se mostram perfeitamente distinguidos na sentença, sob os números 22, 20 e 37 dos factos provados e a eles se reporta a decisão, sob a alínea ii) do respectivo segmento. Não se lobriga na sentença qualquer “intenção” de fixação equitativa de outras despesas, de valor indemonstrado, por via do arbitramento da quantia referida, em termos de se apresentar um erro de cálculo, apenas, do valor a conceder.
A sentença constitui-se como um acto jurídico não negocial ao qual são aplicáveis, ex vi do art. 295º do CC, as regras gerais da interpretação, sendo que é meridianamente clara, evidenciando-se o mero erro de cálculo, que não um erro de juízo.
Ainda quando o despacho de admissão do recurso, na parte em que se pronuncia sobre as arguidas nulidades, possa suscitar dúvidas sobre a intenção ou “vontade” da declarante, estando em causa uma declaração escrita interpretanda, não pode dela extrair-se um sentido que não tenha qualquer correspondência ao texto, nos termos gerais.
Como tal, julgam-se improcedentes as nulidades arguidas, determinando-se tão só a correcção/rectificação do segmento decisório sob a alínea  b), dele passando a constar a condenação da Ré a satisfazer ao A. a quantia de €5.231,44, alusiva às despesas identificadas nos pontos 19) e 21) da fundamentação de facto.

B) Do erro de julgamento da matéria de facto

O recurso pode ter como objeto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.).

O mesmo art. 640º, n 1 do C.P.C.  dispõe que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».

Mais se estabelece que quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (art. 640º, nº 2, al. a) citado).

Nas conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo A. vem perfeitamente  caraterizada a indicação dos concretos pontos de facto cuja decisão o tribunal ad quem deve reapreciar, como bem assim a indicação do sentido da decisão a proferir sobre eles e ademais invocados os meios de prova que determinam aquisição probatória distinta. 

Por isso, nas conclusões das alegações de recurso o recorrente cumpriu cabalmente os requisitos obrigatórios que condicionam a possibilidade de apreciação da matéria de facto, da qual, assim, pois, se conhecerá.

Feitas estas considerações gerais, são os seguintes os factos provados:

1. No dia 28/09/2014, pelas 11h25, no entroncamento entre a Rua ... e Rua ..., junto ao nº de polícia ..., na freguesia ..., concelho da Póvoa de Varzim, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes os seguintes veículos:

- o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-SO, conduzido por DD;

- o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-DB-.., conduzido por EE; e

- o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-EX, em que era ocupante AA1, aqui Autor [ponto 1º do despacho em referência].

1 No texto original constava, incorretamente, “...”, tendo sido retificado nos termos dos artigos 613º e 614º do Código de Processo Civil.

2. No momento em que ocorreu o acidente o Autor encontrava-se no interior do veículo EX, no lugar do condutor, a verificar as características do mesmo, quando foi surpreendido com o despiste do veículo ligeiro de passageiros SO, que saiu da hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha em que seguia, invadindo a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito de sentido contrário e acabando por embater no veículo com a matrícula DB e no EX [ponto 2º do despacho em referência].

3. O proprietário do veículo ..-..-SO transferiu a responsabilidade pela sua circulação para a Ré seguradora, através do contrato de seguro titulado pela Apólice ..., tendo a Ré aceite a responsabilidade do veículo seu segurado na produção do acidente em causa nestes autos [ponto 3º do despacho em referência].

4. O Autor nasceu a ../../1973 [resposta ao artigo 57º da petição inicial].

5. Em consequência do embate referido em 2), o Autor sofreu fratura cominutiva da diáfise dos ossos da perna esquerda exposta de grau IA com edema [resposta aos artigos 33, 34º da petição inicial].

6. Conduzido à urgência do Hospital ..., após observação clínica e realização de meios complementares de diagnóstico, foi, no mesmo dia, submetido a cirurgia de desbridamento e enclavilhamento fresado apurafusado da tíbia [resposta aos artigos 34º, 35º, 38º da petição inicial].

7. Esteve internado nesse Hospital entre 28 de Setembro e 1 de Outubro de 2014 sendo trans-ferido para o Hospital da sua área de residência na segunda data [resposta ao artigo 35º da petição inicial].

8. Em 18 de Outubro de 2014 foi submetido a desbridamento cirúrgico de tecidos cutâneos ne-crosados [resposta ao artigo 38º da petição inicial].

9. Foi transmitido ao Autor que corria o risco de amputação da perna esquerda se a cirurgia re-ferida em 8) não evoluísse favoravelmente [resposta ao artigo 35º da petição inicial].

10. Em 30 de Outubro de 2014 teve alta para o domicílio, com prescrição de analgésico, anti-biótico e profilaxia trombo-embólica e com indicação para deambular com apoio externo [resposta aos artigos 36º, 39º, 44º da petição inicial].

11. Devido a pseudoartrose, em 11 de Janeiro de 2016, foi internado e submetido a cirurgia de excisão de osso ilíaco e descorticação do foco da fratura com colocação do enxerto ósseo e remoção dos parafusos proximais da vareta referida em 6) [resposta ao artigo 38º da petição inicial].

12. Teve alta para o domicílio em 14 de Janeiro de 2016 com indicação de deambulação com apoio externo, cuidado de penso, analgesia e profilaxia trombo-embólica [resposta aos artigos 44º, 45º da petição inicial]

13. Por deiscência da ferida de colheita do enxerto ósseo e da ferida cirúrgica, foi internado em 6 de Fevereiro de 2016 para limpeza cirúrgica com remoção dos tecidos de granulação e desvitali-zados e encerramento das feridas com retalho de deslizamento [resposta ao artigo 38º da petição inici-al].

14. Teve alta para o domicílio em 8 de Fevereiro de 2016 com indicação de deambulação com apoio externo, cuidado de penso, analgesia e profilaxia trombo-embólica [resposta aos artigos 44º, 45º da petição inicial].

15. Devido às lesões, além do referido em 6) a 8) e 10) a 14), até à consolidação médico-legal das lesões, a 9 de Maio de 2017, o Autor submeteu-se ao seguinte:

A) no Centro Hospitalar ...:

a) consultas em: 3, 25 de Novembro, 12 de Dezembro de 2014, 9 de Janeiro, 13, 27 de Feve-reiro, 20 de Março, 24 de Abril, 29 de Maio, 26 de Junho, 9 e 28 de Julho, 6 de Agosto, 10, 19 de Se-tembro, 5 de Outubro, 13, 27 de Novembro, 18, 21, 29 de Dezembro de 2015, 22, 29 de Janeiro, 5, 26 de Fevereiro, 18 de Março, 13 de Abril, 17 de Junho, 30 de Setembro de 2016;

b) 23 pensos de lesão aberta por perda de epiderme sem infeção entre 5 e 23 de Dezembro de 2014;

c) 2 pensos a lesão com infeção em Novembro de 2014;

d) 6 pensos simples entre 26 de Dezembro de 2014 e 17 de Fevereiro de 2015 e 2 entre 22 de Fevereiro e 7 de Março de 2016;

e) RX com várias incidências: em 25 de Novembro de 2014, 9 de Janeiro, 20 de Março, 28 de Julho, 13 de Novembro, 29 de Dezembro de 2015, 22 de Janeiro, 26 de Fevereiro, 30 de Setembro de 2016;

f) extração de pontos em 22 de Fevereiro de 2016;

B) no Hospital 1...: consultas de ortopedia em 22 de Outubro, 5 de Novembro de 2015 e 9 de Março de 2017;

C) na Hospital 3...:

a) consultas de dermatologia em 9 de Outubro de 2015 e 9 de Maio de 2016;

b) tomografia computadorizada em 23 de Outubro de 2015;

D) no Hospital 2...:

a) consulta de dermatologia em 14 de Novembro de 2016;

b) consulta de cirurgia vascular em 14 de Novembro e 5 de Dezembro de 2016;

c) uma eletromiografia e duas angiodinografias (doppler vascular colorido) em 16 de Novembro de 2016;

e) consultas de psiquiatria em 21 de Dezembro de 2016, 1 de Fevereiro, 19 de Abril de 2017;

f) consulta de cirurgia vascular em 14 de Novembro de 2016;

E) no Centro de Medicina Nuclear, linfografia realizada em 28 de Novembro de 2016;

F) no Centro de Saúde ... – Extensão USF ...:

a) consultas: 3 de Novembro de 2014, 6 de Março, 17 de Abril, 21 de Agosto de 2015, 18, 25 de Janeiro, 15 de Fevereiro, 7 de Outubro de 2016, 7 de Fevereiro de 2017;

b) 9 pensos simples entre 15 e 28 de Janeiro de 2016;

c) 1 penso de lesão aberta por perda de epiderme sem infeção em 1 de Fevereiro de 2016;

G) na Santa Casa da Misericórdia ...:

a) 2 consultas de medicina física e reabilitação e 20 sessões de fisioterapia (cinesiterapia, fortalecimento muscular/mobilidade, magnetoterapia) em Janeiro de 2015;

b) 6 consultas de medicina física e reabilitação e 120 sessões de fisioterapia (fortalecimento muscular manual, cinesiterapia, fortalecimento muscular/mobilidade) entre Fevereiro e Agosto de 2015;

c) 1 consulta de medicina física e reabilitação e 15 sessões de fisioterapia (fortalecimento muscular manual, cinesiterapia, fortalecimento muscular/mobilidade, hidrocinesiterapia) em Setembro de 2015;

d) 3 consultas de medicina física e reabilitação e 45 sessões de fisioterapia (fortalecimento muscular manual, reeducação funcional, cinesiterapia, fortalecimento muscular/mobilidade) entre Outubro e 16 Dezembro de 2015;

e) 1 consulta de medicina física e reabilitação em 28 de Abril de 2016;

f) 1 consulta de medicina física e reabilitação e 20 sessões de fisioterapia (massagem manual, cinesiterapia, fortalecimento muscular/mobilidade) entre 20 de Junho e 18 de Julho de 2016;

g) 1 consulta de medicina física e reabilitação e 20 sessões de fisioterapia (fortalecimento muscular manual, reeducação funcional, cinesiterapia, fortalecimento muscular/mobilidade) entre 19 de Julho e 16 de Agosto de 2016;

h) 3 consultas de medicina física e reabilitação e 60 sessões de fisioterapia (reeducação funcional, cinesiterapia, fortalecimento muscular/mobilidade) entre 17 de Agosto e 7 de Dezembro de 2016;

i) 1 consulta de medicina física e reabilitação e 20 sessões de fisioterapia (fortalecimento muscular manual, cinesiterapia, fortalecimento muscular/mobilidade) entre 12 de Dezembro de 2016 e 25 de Janeiro de 2017;

j) 2 consultas de medicina física e reabilitação e 30 sessões de fisioterapia (fortalecimento muscular manual, cinesiterapia, fortalecimento muscular/mobilidade e pressões intermitentes sequen-cial ) entre 6 de Fevereiro e 29 de Maio de 2017;

k) ressonância magnética das articulações em 21 de Março de 2017;

l) análises clínicas em 28 de Outubro de 2015;

H) na Clínica Médica ..., Ld.ª: pensos médios em 16 de Janeiro e de Fevereiro de 2016 e aplicação de apósito de prata na primeira data [resposta aos artigos 38º da petição inicial].

16. Devido aos tratamentos, às dores e às complicações decorrentes do processo de recupera-ção das lesões o Autor submeteu-se a tratamento medicamentoso com:

a) Carvedilol;

b) Ácido acetilsalicílico;

c) Valsartan Tetrafarma;

d) Clopidogrel

e) Lantus;

f) Candesartan;

g) Indapamida;

h) Pravastitina;

i) Tromalyt;

j) Glucovance;

k) Lovenox;

l) Amoxicilina + Ácido Clavulânico Mylan;

m) Tramadol;

n) Volaren;

o) Relmus;

p) Diprofos Depot (Betametasona);

q) Betadine;

r) Betnovate;

s) Biafine;

t) Arcoxia

u) Daflon;

v) Aveeno Skin Relie;

w) Infloc creme

x) Advantan creme;

y) Sertralina, 50/25 mg;

z) Ibuprofeno [resposta ao artigo 39º da petição inicial].

17. Após a consolidação médico-legal das lesões, o Autor continuou a ser acompanhado em consultas de:

a) ortopedia em 7 de Julho de 2017;

b) psiquiatria em 21 de Junho, 11 de Outubro de 2017, 17 de Janeiro, 13 de Junho de 2018 e 6 de Fevereiro de 2019;

c) dermatologia em 2 de Outubro, 7 de Novembro de 2017, 10 de Setembro de 2018;

d) cirurgia vascular em 22 de Fevereiro e 7 de Março de 2020 [resposta aos artigos 38º da pe-tição inicial e 9º do requerimento de ampliação do pedido].

18. Em 26 de Fevereiro de 2020, o demandante realizou angiodinografia prescrita pelo médico da especialidade de cirurgia vascular [resposta ao artigo 9º do requerimento de ampliação do pedido].

19. O Autor despendeu:

a) € 295,45 em consultas, exames complementares de diagnóstico e tratamentos no Centro Hospitalar ..., E. P. E, referidos em 15) A) e 17) a);

b) € 195 em consultas no Hospital 1...;

c) € 235 em consultas e exames complementares de diagnóstico realizados na Hospital 3...;

d) € 1.449 em consultas e exames complementares de diagnóstico realizados no Hospital 2... referidos em 15) D) e 17) b) a d) e 18);

e) € 13,18 em consultas e tratamentos no Centro de Saúde ...;

f) € 17 em pensos na Clínica Médica ..., Ld.ª;

g) € 150 em meio complementar de diagnóstico realizado no Centro de Medicina Nuclear;

h) € 21,90 na aquisição de canadianas;

i) € 220 em ressonância magnética;

j) € 1.664,15 em consultas e tratamentos de medicina física e de reabilitação;

k) € 804,41 em medicamentos;

l) € 38,45 em outros meios complementares de diagnóstico realizados em variadas entidades [resposta ao artigo da petição inicial].

20. Devido a sequela de natureza vascular, o Autor tem de usar meia elástica no pé esquerdo [resposta ao artigo 4º do requerimento de ampliação do pedido].

21. Em 30 de Março de 2022 o Autor adquiriu dois pares de meias elásticas despendendo o montante de € 127,90 [resposta ao artigo 5º do requerimento de ampliação do pedido].

22. Devido à debilidade cutânea da perna esquerda, resultante das diversas intervenções cirúrgicas e episódios de infeções, assim como da predisposição prévia a eczema, o Autor tem necessidade de aplicar:

a) frequentemente, hidratante, designadamente, Aveeno Skin;

b) em caso de agravamento e agudização do eczema, Infloc;

c) em caso de infeção bacteriana, Advantan [resposta aos artigos 41º, 80º da petição inicial].

23. A aquisição dos medicamentos identificados em 22) importa para o Autor despesas de montante não concretamente apurado [resposta ao artigo da petição inicial].

24. Em consequência das lesões causadas pelo acidente, o Autor ficou a padecer das seguintes sequelas:

a) híper-pigmentação da pele na metade inferior da face anterior e laterais da perna esquerda, mais marcada do que na direita

b) cicatriz hipocrómica com 2 cm por 1 cm de maiores dimensões na região da crista ilíaca (dadora do enxerto ósseo) esquerda;

c) cicatriz hipocrómica linear com 5 cm por 1 cm de maiores dimensões situada na face anterior do joelho esquerdo;

d) cicatriz hipocrómica linear com 5 cm de comprimento situada na face antero-medial do terço superior da perna esquerda;

e) deformidade óssea (tumefação) visível localizada na transição do terço medial para o terço inferior da perna com cerca de 6 cm por 5 cm de maiores dimensões;

f) área cicatricial hipercrómica com 12 cm por 8 cm de maiores dimensões, aderente aos planos profundos, localizada no terço médio e inferior da face anterior da perna;

g) área cicatricial hipocrómica com 4 cm por 3 cm rodeada de halo cicatricial hipercrómico que no seu conjunto ocupam uma área de 8 cm por 5 cm de maiores dimensões, aderente aos planos profundos, localizada no terço inferior da face medial;

h) área cicatricial irregular distrófica, ulcerável, com vestígios de sangue seco, com 9 cm por 5 cm de maiores dimensões, localizada na face antero-lateral do terço inferior da perna;

i) cicatriz linear curvilínea com 7 cm de comprimento depois de rectilinizada, queloide e com retração e aderência aos planos profundos, localizada na face anterior do tornozelo e região dorsal do pé;

j) dorsiflexão da articulação tibiotársica esquerda de 10º quando no membro inferior direito corresponde a 20º,

k) desvio medial em varo de 15º dos arcos de movimento do membro inferior esquerdo em relação ao maior eixo da articulação em relação contralateral;

l) sensibilidade álgica com sensação de corrente elétrica na face anteromedial da perna esquerda;

m) hipostesia do maléolo medial e face medial do pé esquerdo;

n) varizes na perna mais marcadas no que na direita;

o) obstrução parcial da drenagem linfática do membro inferior esquerdo [resposta ao artigo 42º da petição inicial].

25. Em consequência das sequelas, o Autor queixa-se de:

a) dificuldade em permanecer de pé, ajoelhado, agachado, em marcha prolongada, nas atividades que exigem permanência de pé durante mais de 1h00, em deslocações a pé superiores a 300 metros;

b) dificuldade em subir e descer escadas e rampas, necessitando de fazer pausa entre lanços;

c) edema no membro inferior esquerdo com o calor e maiores esforços;

d) dores nas atividades referidas em a), intensificadas com os esforços e com as mudanças de tempo [resposta aos artigos 43º, 91º da petição inicial].

26. Em consequência das sequelas e das dificuldades associadas ao uso do pedal de embraiagem o Autor passou a conduzir veículos com caixa de mudanças automática [resposta ao artigo 43º da petição inicial].

27. As sequelas identificadas em 24) j) a o) correspondem a défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 20 pontos, compatível com a atividade habitual mas a exigir esforços suplementares [resposta aos artigos 51º, 52º da petição inicial].

28. A possibilidade referida em 9) deixou o Autor angustiado [resposta ao artigo 89º da petição inicial].

29. Devido ao acidente, aos tratamentos e às vicissitudes do processo de recuperação das lesões, o Autor sofreu dores de grau 5 numa escala de 1 a 7 [resposta aos artigos 88º, 105º da petição inicial].

30. O Autor usou canadianas de forma intermitente desde a primeira alta hospitalar até data não concretamente apurada subsequente à cirurgia referida em 13) [resposta aos artigos 45º, 90º da petição inicial].

31. Quando tem infeções na perna esquerda, devido às deiscências e escorrências das feridas, o Autor suja as roupas [resposta ao artigo 92º da petição inicial].

32. Nos momentos referidos em 31) o Autor dorme separado da esposa [resposta ao artigo 92º da petição inicial].

33. As cicatrizes, deformidades e híper-pigmentação referidas em 24) a) a i) correspondem a dano estético permanente de grau 3 numa escala de 1 a 7 [resposta aos artigos 95º, 106º da petição inicial].

34. O Autor sente-se inibido e envergonhado quando usa calções e ao expor-se na praia [res-posta ao artigo 96º da petição inicial].

35. À data do acidente o Autor era bem humorado, equilibrado, alegre e trabalhador [resposta ao artigo 47º da petição inicial].

36. Em consequência das lesões e das vicissitudes do processo de recuperação, o Autor sofreu de depressão, o que o levou a recorrer a acompanhamento psiquiátrico [resposta aos artigos 48º, 98º da petição inicial].

37. Apesar da consolidação médico-legal das lesões em 9 de Maio de 2017, é previsível que o Autor necessite de consultas, meios complementares de diagnóstico e tratamentos, designadamente de fisioterapia [resposta ao artigos 54º e 55º da petição inicial].

38. O acompanhamento clínico referido em 37) implica despesas de montante não concretamente apurado [resposta ao artigo do requerimento de ampliação do pedido].

39. Antes do acidente o Autor praticava desporto:

a) corria praticamente todos os dias;

b) jogava futebol com os amigos duas vezes por semana;

c) jogava ténis com a filha [resposta aos artigos 99º, 100º, 101º da petição inicial].

40. Em consequência das sequelas o Autor não consegue praticar as atividades referidas em 39), o que representa repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 4 numa escala de 1 a 7 [resposta ao artigo 102º da petição inicial].

41. Devido às sequelas, o Autor tornou-se mais impaciente e menos concentrado [resposta ao artigo 104º da petição inicial].

42. Devido às dores e ao maior cansaço, passou a ter menos vontade de conviver refugiando-se em casa [resposta ao artigo 103º da petição inicial].

43. Á data do acidente o Autor era empresário do ramo automóvel, sendo sócio gerente da sociedade AA, Ld.ª, atividade que continua a desenvolver [resposta ao artigo 59º da petição inicial].

44. O Autor auferia o vencimento mensal bruto de € 600, acrescido de subsídio de férias e de Natal de igual montante e valor não concretamente apurado destinado ao pagamento das refeições do período de trabalho [resposta ao artigo 60º da petição inicial].

45. A sociedade referida em 42) atribuiu ao Autor o veículo automóvel Mercedes-Benz, ... caixa manual, matrícula ..-LA-.. que aquela adquiriu com financiamento de Banco 1... no valor de € 39.660,73, a pagar em 72 prestações mensais no valor unitário de € 679,99 [resposta aos artigos 62º, 65º, 66º da petição inicial].

46. A atribuição referida em 45) destinava-se ao exercício das funções do Autor, bem como ao seu uso pessoal [resposta ao artigo 62º da petição inicial].

47. O Autor servia-se do veículo diariamente, incluindo fins de semana, feriados e férias, ao longo do ano para os seus afazeres pessoais, nomeadamente, deslocações para casa, para levar e buscar os filhos às respetivas escolas, idas ao supermercado, em viagens de lazer e férias [resposta ao artigo 63º da petição inicial].

48. Os custos com combustível, revisões, manutenção, incluindo pneus e portagens desse veículo eram e são integralmente suportados pela sociedade [resposta ao artigo 64º da petição inicial].

49. Em virtude do acidente, o Autor ficou impossibilitado de desenvolver a sua atividade profissional no período compreendido entre 28 de Setembro de 2014 e 25 de Novembro de 2015 [resposta ao artigo 72º da petição inicial].

50. No período referido em 49) o Autor recebeu € 10.688,16 do Instituto da Segurança Social, a título de subsídio de doença [resposta ao artigo 73º da petição inicial].

51. À data do acidente o Autor tinha uma viagem para o Dubai marcada para si e sua esposa em Outubro de 2014 [resposta ao artigo 83º da petição inicial].

52. A viagem referida em 51) foi atribuída – e outras continuam a ser – pelo Banco 1..., S.A. em virtude do seu desempenho profissional, com custos de transporte, estadia e refeições [resposta aos artigos 84º, 85º da petição inicial].


***

Não se provaram os seguintes factos:

a) devido às lesões provocadas pelo acidente o Autor foi medicado com cloreto de tróspio, Clear-U Branberry Farma, Fosfomicina, Isoptin HTA, Amlodipina Ratiopharm MG, Metformina, Paracetamol, Zolpidem Ratiopharm;

b) devido às dores que ainda sente e às complicações decorrentes das sequelas o Autor continua a fazer a seguinte medicação: Paracetamol, Tramadol, Ibuprofeno e Sertalina, 50 mg;

c) o Autor tem como sequelas:

i) gaveta anterior do joelho;

ii) atrofia de 1cm na coxa;

iii) infeções persistentes no membro inferior esquerdo;

iv) cicatriz com 10 cm no abdómen;

v) marcha claudicante;

vi) depressão;

vii) não tolera a exposição da perna ao sol na praia;

d) o Autor gozava de boa saúde à data do acidente, não sofria qualquer incapacidade ou defeito físico;

e) é previsível que as sequelas de que o Autor é atualmente portador venham a agravar-se no futuro;

f) o Autor carece de tratamento psiquiátrico;

g) o valor da alimentação diária referido em 44) ascendia ao montante de € 10, correspondente ao montante anual global de € 2.420;

h) os custos referidos em 48) ascendiam a € 3.000 (€ 250 x 12), € 2.000 (€ 1.000 x 2) e € 1.440 (€ 120 x 12);

i) a utilização que o Autor fazia do veículo para os seus afazeres pessoais, viagens, de lazer e férias corresponde a 1/3;

j) a contrapartida pecuniária para Autor da utilização referida em 47) corresponde a € 4.866,62/ano e a € 405,55/mês;

k) o Autor teve de suportar a despesa com táxi para a sua deslocação a Vila Nova de Gaia para a realização de junta médica, no montante de € 152,50;

l) o Autor usa meia elástica no pé direito;

m) as meias elásticas têm tempo de vida de três meses;

o) o Autor necessita de quatro pares de meias elásticas por ano;

p) o Autor despende por ano € 255,80 em meias elásticas;

r) os custos referidos em 52) ascendiam ao valor de € 3.200.


*

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, assenta em três regras: a pronúncia cinge-se à matéria de facto impugnada pelo Recorrente; quanto a essa impõe-se um novo julgamento;  no qual a convicção do tribunal de recurso é formada de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).

Sempre, nos termos do nº 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – ou seja, constatando-se a existência de elementos no processo [designadamente meios de prova] que não deixam alternativa ao julgador quanto ao relato sobre a matéria de facto, que para os acontecimentos não fornecem outra explicação racional e razoavelmente possível [assim não sucede quando o tribunal razoavelmente opta por uma das versões no caso possíveis, e o recorrente apenas possui uma versão diversa quanto à prova produzida.]. É que, convém recordar, o controlo da decisão sobre a matéria de facto, em sede de recurso, designadamente tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade, tendo como pano de fundo o exercício do contraditório.

Ora, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos objecto do julgamento somente mediante o juízo que objectivamente funda no mérito concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo, sendo apenas necessário e imprescindível que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes por forma a, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, seja possível controlar a razoabilidade da decisão sobre o julgamento de um facto como provado ou não provado.

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Assim, reiterados os limites da análise suscitada pelo recorrente, temos para nós que, com relação aos segmentos postos em causa (factos provados sob 23, 27 e 38 e não provados sob m) a p)) apenas e só no que tange ao grau do défice da integridade físico-psíquica se impõe a pretendida alteração/modificação, em função da insuficiência do elemento havido na fundamentação como determinante para considerar uma redução do grau de incapacidade arbitrado em sede de 2ª perícia. Assim: «noutro aspeto, evidencia a evolução positiva da recuperação do Autor, o qual deixara de fazer medicação analgésica ou anti-inflamatória em SOS e estabilizara as queixas».

Na verdade, tem-se agora por pertinente que a 2ª perícia se reporte a sequelas do âmbito da especialidade de cirurgia vascular, confirmada por perícia específica nesse domínio, fixando o défice funcional permanente em conformidade, sendo bem assim mais actual. De todo o modo, a consideração ali feita dos parâmetros das sequelas permanentes do Autor tem-se por decisiva, ainda quando na comparação ou confronto entre as duas perícias não possa deixar de notar-se uma melhoria do estado do Autor com relação a parte das limitações das quais se queixou na 1ª avaliação… De todo o modo, esta não foi pericialmente determinante de uma redução ou diminuição do grau da incapacidade correspondente a cada uma das sequelas, em termos que se nos afigura impor se tenha de haver por demonstrada a totalidade daquelas sequelas e o respectivo grau.

Assim, determina-se a alteração correspondente da matéria de facto, nos seguintes termos:  27. As sequelas identificadas em 24) j) a o) correspondem a défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 22 pontos, compatível com a atividade habitual mas a exigir esforços suplementares.

Quanto aos segmentos da matéria de facto havida por não provada e atinente aos valores despendidos e a despender pelo Autor com cremes e tratamentos de fisioterapia e ainda com meias elásticas, concorda-se com o juízo de inconcludência ou insuficiência probatória na sentença… É o que justifica a manutenção da decisão pela falta de prova respectiva e a improcedência bem assim da alteração/ampliação da matéria assente, nos termos reclamados pelo A. no seu recurso.

Sempre o depoimento da mulher do Autor, como o da médica fisiatra que vem acompanhando o A., meios de prova a que se reconduz, não são suficientes à demonstração dos factos como pretendidos pelo recorrente.

Anote-se, quanto ao depoimento da mulher do A., a sua natureza vaga ou superficial, do tipo alusivo, sempre desconforme (por “exagerado”) às conclusões periciais quanto à (im)permanência e (in) frequência da necessidade de cremes antibióticos e corticoides, de aplicação apenas em situações de agravamento sintomático ou infecção… Acresce, de forma não escamoteável, o facto anotado na sentença de que: «não foram juntos recibos correspondentes à aquisição de medicamentos após a propositura da ação, mormente, os do foro dermatológico, o que impediu de definir a frequência da aplicação do hidratante identificado na perícia de dermatologia (desde logo, importa ter presente que o Autor tinha de antecedentes de eczema e apresenta híper-pigmentação em ambas as pernas, sendo certo que o sinistro apenas afetou a perna esquerda e que a indemnização a fixar depende do estabelecimento do nexo de causalidade das sequelas com as lesões sofridas), assim como a média do respetivo custo conduzindo/levando ao ponto 23) da fundamentação de facto.» (e correspondentemente ao segmento indemonstrado da despesa ou custo), que se afigura ser de manter, pois.

Prova falha, não alicerçada em dados objectivos de corroboração periférica e objectiva, facilmente acessíveis. Veja-se já que apenas em sede de alegações de recurso se reconduz o Autor a especificações técnicas das meias de descanso acessíveis na internet…, sendo certo que nada o impediu de as juntar em tempo…

Certo também que os relatórios periciais demonstram a necessidade futura  (em linguagem médico-legal, a previsibilidade) de tratamentos médicos regulares de medicina física e de reabilitação, de frequência e tipologia a definir em consulta da especialidade…

Na sentença sob recurso, de resto, valorou-se o depoimento da «Dr.ª CC, médica fisiatra, que acompanhou a evolução do Autor desde 2015 no contexto das sequelas da fratura dos ossos da perna, explicou que este é portador de uma lesão crónica complicada que estacionou e que necessita de fisioterapia, com frequência que depende da evolução (pode ser duas vezes por semana, mas estando muito tempo a pé, fazendo grande caminhada pode agravar, necessitando de mais sessões, passando para três vezes semanalmente, com 1h00 de massagem, reforço, mecanoterapia e reeducação funcional), com consultas de revisão de 15 em 15 sessões [na verdade, pode ser de 20 em 20 sessões, como decorre da documentação relativa ao pagamento]; referiu que, havendo muito calor, o edema agrava e tem prurido, o mesmo sucedendo se estiver muito tempo de pé; quando aos valores praticados referiu que as consultas ascendem a € 30 e as sessões a € 12/12,50 através do SNS [neste ponto, confrontando com os preços praticados pela Santa Casa da Misericórdia em 2017 – últimos comprovativos de pagamento - temos cada consulta a € 7 e preços unitários das várias técnicas a oscilar entre € 1,20 e € 2].»

De resto, aqui se anota, quanto à demonstração efectiva de fisioterapia realizada (como termo de comparação quanto a necessidades futuras) a dúvida da qual se faz eco na sentença recorrida também: «quanto à fisioterapia: a Ré pagou ao Centro Hospitalar ... um total de 100 sessões em Janeiro, Março, Abril e Maio de 2015 e 20 sessões no mês de Abril de 2016, sucedendo que, de acordo com os recibos de fls. 76, 78, 79, o Autor terá frequentado as sessões de fisioterapia na Santa Casa da Misericórdia ...; não se afigurando possível que conseguisse frequentar, no mesmo período, tais sessões em dois locais distintos, desde logo pelo cansaço e prejuízo para a recuperação devido ao esforço, existem duas entidades a emitir documentos comprovativos do pagamento», em termos que em nada contribuem para uma apreensão isenta e verdadeira dos tratamentos necessários efectuados… e, consequentemente, a efectuar.

Sempre não há (ainda naquele depoimento) uma comprovação verdadeiramente isenta e objectiva daquelas necessidades, como o seria a integrada por um juízo pericial quanto aos termos de uma tal ajuda, com eficácia efectiva (não também efeito placebo), pese embora em causa o depoimento de uma médica especialista. Na verdade, não deixa de estar em causa um depoimento marcado pela proximidade às queixas subjectivas do Autor, demonstradamente ansioso e com dificuldade psicológica em integrar as sequelas, em termos de não ressaltar a natureza (eminentemente técnica) da necessidade (fisiológica, médico-legal) na quantidade ou frequência aventada.

Quanto ao custo ou valor, novamente a contraditoriedade da prova documental junta, como já referido, a caracterizar já sensível ou significativa variação do preço praticado, em termos, assim, que não permitem atribuir ao versado depoimento o significado probatório pretendido.

Tudo para corroborar o juízo probatório de insuficiência ou inconcludência.

No nosso sistema processual, com algumas excepções, vigora o sistema da livre apreciação da prova, no que concerne à valoração da prova e à formação da convicção necessária para suportar uma decisão judicial; o qual se caracteriza em duas linhas de força complementares: o tribunal não só aprecia livremente os meios de prova, i.é, o que o meio prova, como é livre na atribuição do grau do valor probatório de cada meio de prova produzido, hoc sensu, a “quantidade” de prova produzida por aquele meio. Em cada caso, pois, o tribunal é livre para considerar suficiente a prova testemunhal ou por declarações produzida ou para considerar que a mesma é afinal insuficiente e exigir outro meio de prova de maior capacidade para convencer o juiz da probabilidade do facto em discussão, hoc sensu, de maior valor probatório.

O que se não confunde com o standard ou padrão de prova exigível, que se prende já com o problema do ónus da prova ou, em contraponto, da determinação do conceito dúvida relevante para operar a consequência desse ónus.

Quanto a este, vistos os artigos 346º do CC e 516º do CPC, a prova de um facto em juízo é, por princípio, a demonstração de um alto grau de probabilidade (que não de mera possibilidade) de o mesmo corresponder à realidade material dos acontecimentos (dita verdade ontológica).

Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz (meio da apreensão e não critério desta) a ideia de que o facto em discussão, mais do que ser possível e verosímil, possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso.

Esta é, de todo o modo, uma regra susceptível de adequação prática, a definir, caso a caso, a partir agora de fatores como: o da acessibilidade dos meios de prova (a natureza pública ou privada dos factos e as circunstâncias do caso, v.e, as partes serem as pessoas normalmente envolvidas nos factos, haver outras testemunhas destes para além das arroladas), da sua facilidade ou onerosidade,  do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da acção; tudo em termos de elevar ou diminuir a exigência probatória.

De todo o modo, a prova de despesas efectivas ou gastos, passados ou futuros (e é a uma tal pretensão, liquidada, que vão referidos os pontos da matéria de facto que o recorrente pretende ver alterados), não se confunde com juízos de aproximação ou razoabilidade, próprios já  de uma prudência com vista à fixação equitativa do dano. Esta “confusão” não deixa de perpassar a argumentação recursiva.

Ora, os meios de prova produzidos, mormente aqueles que o recorrente convocava serem-no, não se constituem como suporte bastante à aquisição suficiente da realidade dos factos, com o que correcta a avaliação da primeira instância.

Decide-se, pois, da improcedência do recurso, no que tange à demais arguição do erro de julgamento da matéria de facto, mantendo-se a decisão, ressalvada a alteração supra. Sempre se tem por inviável a ampliação da matéria de facto pretendida, mediante a aquisição do custo ou valor dos cremes e equipamentos imprescindíveis, como da frequência e preço dos tratamentos de fisioterapia de que carecerá o A.
C) Da desnecessidade de liquidação ulterior de parte dos danos, em função da alteração da matéria de facto

Como resulta da enunciação, mantida a matéria de facto correspondente, falece o fundamento para a pretendida fixação líquida.

Sempre não cabe, em boa técnica, qualquer liquidação equitativa do dano, porquanto esta é função da impossibilidade de demonstração ou apuramento, precisamente o contrário do que pretende o recorrente, em primeira linha (não obstante um argumentário subsidiário no sentido dessa fixação)… Ainda quando se antecipe a dificuldade de prova, ao menos quanto ao custo dos cremes e das meias elásticas em sede de liquidação ulterior (já se reportou a natureza eminentemente técnica do apuramento das sessões e consultas de fisiatria/fisioterapia, com o que previsivelmente mais concludente a prova a fazer ainda), para a fixação equitativa do dano ponto era que o tribunal dispusesse já de factos suscetíveis de fundar uma recta determinação do prejuízo. Pelas razões expostas quanto às insuficiências da prova, na medida em que dirigidas à demonstração agora de um efectivo dispêndio, não se logrou a determinação sequer aproximada das “necessidades” do Autor (com o que não passível de realização de um qualquer juízo de inferência ou cálculo, por aproximação).

O art. 566/3 do CC dispõe que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

O art. 609/2 do CPC dispõe que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

A conjugação destas normas faz-se assim: se os factos dados como provados não permitem averiguar o valor exacto dos danos e não é previsível que a situação se altere se se relegar para liquidação a fixação deles, os danos terão que ser fixados equitativamente dentro dos limites que o tribunal tiver por provados (a aplicação desta norma vem amplamente discutida no ac. do STJ de 20/11/2012, 176/06.3TBMTJ.L1.S2, para o qual nos remetemos).

Como se diz no Ac. do STJ que vem de referir-se: “A conjugação entre o art. 566/3 [do CC] e o art. 609/2 do CPC, parece revelar a natureza subsidiária da apreciação equitativa dos danos a respeito da averiguação desse valor em liquidação ulterior, pressupondo que os factos provados indiciem a possibilidade de uma quantificação certa dos prejuízos.»

Outrossim se anota no Acórdão do TRL de 06/04/2017 [proc. 519/10.5TYLSB-H.L1-2]: «Com efeito, sempre que carecerem os autos de elementos para fixar a exacta quantia que uma das partes deveria ser condenada a responder perante a outra e, a considerar o Tribunal que havia possibilidade de averiguar em momento ulterior, o montante dos prejuízos alegadamente sofridos, teria, por certo, de relegar o seu apuramento para liquidação ulterior, fixando como limite máximo desses prejuízos o valor peticionado.” (Henrique Sousa Antunes, Comentário ao CC, Dtº das Obrigações, UCP, 2018, págs. 571-572).

 Por outro lado, como explica Lebre de Freitas (CPC anotado, com Isabel Alexandre, vol. 2.º, Almedina, 3.ª edição, 2017, pág. 716: “O STJ perfilhou, no acórdão de 17/01/1995 […], BMJ 443, pág. 395, tirado por maioria, uma interpretação restritiva do preceito do n.º2, julgado apenas aplicável quando, embora se tenha deduzido pedido líquido, ainda não for possível, no momento da sentença, conhecer todos os factos necessários à liquidação […], mas não já quando eles já tiverem todos ocorrido e, muito menos, quando, como ocorria no caso concreto, tiverem sido alegados mas não provados […] Mas a jurisprudência dominante é no sentido inicialmente referido (por todos: ac. do STJ de 29/01/1998, BMJ 473, pág. 445, com boa citação de doutrina e jurisprudência […]) […]”. 

Ora, no caso destes danos, provados – e que, por isso, têm de ser indemnizados: art. 562/1 do CC -, considera-se como correcta a consideração implícita de que ainda será possível liquidá-los ulteriormente, não devendo, por isso, ser fixados já com recurso à equidade.
D) Da liquidação insuficiente do dano emergente da afectação da integridade físico-psíquica de que ficou a padecer o Autor;

Em causa já a questão da ressarcibilidade da perda de capacidade laboral geral, do denominado dano biológico, sob a vertente patrimonial. Recorre-se já à terminologia de Maria da Graça Trigo, a quem se deve a reflexão mais e completa sobre a jurisprudência portuguesa que sobre este particular vem versando, vg em Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português, ROA, Ano 72, I, Jan-Mar 2012 e em Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Lisboa, UC, 20015.

Mais do que a respectiva qualificação — como dano patrimonial, não patrimonial ou como um tertium genus —, o que verdadeiramente se revela complexo é atribuir a soma justa tendente a ressarcir um dano que, na jurisprudência dos tribunais superiores, é tratado de modo díspar.

Quando esteja em causa uma incapacidade que não implique abandono da profissão ou perda de capacidade de ganho, mas antes acréscimo dos esforços para o desempenho das mesmas tarefas profissionais, as indemnizações arbitradas divergem substancialmente, apesar de a esmagadora maioria das mesmas recorrer ao mesmo tipo de cálculo e de todas elas se socorrerem da equidade, com a consequente desigualdade no tratamento dos titulares do direito a uma indemnização.

Como se refere no Ac. do STJ de 26.01.2012 (na base de dados da dgsi), «[o] conceito de “dano biológico” “dano à pessoa”, “dano à saúde”, “dano corporal” ou ainda “dano à integridade psicofísica” (…) emergiu, com particular relevância, com a sentença 184/86 do Tribunal Constitucional italiano, o qual, em interpretação dos artigos 32.º da Constituição e 2043.º do Código Civil [italiano], o considerou como um tertium genus a demandar indemnização por si, independentemente dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que lhe estejam associados».

Essa construção veio a ter tradução legislativa em Itália, sendo que, em Portugal, onde os danos estão codificados como patrimoniais ou não patrimoniais, a jurisprudência foi seguindo um caminho onde, apesar de se ir firmando a ideia da ressarcibilidade do dano biológico independentemente da sua repercussão ou não na capacidade de ganho, não chegou a uma qualificação unânime.

Assim se afirma no Ac. do TRL de 22.11.2016 que «(…) inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido, o dano biológico. Enquanto uma parte da jurisprudência (talvez maioritária) o configura como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; outra parte admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística. Assim, em função das consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais) variará também o próprio dano biológico. Existe também uma terceira posição que o qualifica como dano base ou dano- -evento que deve ser ressarcido autonomamente».

Ainda assim, com excepção da corrente que defende que a ofensa à integridade física e psíquica da vítima, quando dela não resulte perda da capacidade de ganho, apenas tem expressão nos danos não patrimoniais[1], para as demais correntes, este dano, na vertente patrimonial, deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso consistindo o prejuízo a indemnizar.

Sufraga-se, a exemplo do Ac. do TRL de 22.11.2016, na base de dados da dgsi, o pressuposto de que «(…) o dano biológico constitui uma lesão da integridade psicofísica, susceptível de avaliação médico- -legal e de compensação, estando a integridade psicofísica tutelada directamente no artigo 25.º, n.º 1, da Constituição («a integridade moral e física das pessoas é inviolável») e no artigo 70.º, n.º 1, do Código Civil».

Assume-se, como naquele mesmo Acórdão, que o dano consiste «[n]uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais em geral, e numa consequente e, igualmente previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando com regularidade».

Reconhece-se que tal dano tem expressão patrimonial, por se admitir que a respectiva integração no dano não patrimonial tende à subvalorização do mesmo: é a avaliação médico-legal e o respectivo enquadramento tabelar que fornecem a base para que a jurisprudência possa partir de elementos objectivos para a determinação do valor da indemnização. Reportar o dano da afectação psicofísica à categoria de dano não patrimonial, a mais de desconsiderar que a capacidade de obter rendimento, que fica prejudicada, constitui um dano de natureza patrimonial, acrescenta nas mãos do julgador o encargo de materializar o que não é material, aumentando a álea e, com isso, a potencial desigualdade entre lesados[2].

Quanto à quantificação deste dano, sublinha-se no Ac. do TRP de 30.09.2014 (no mesmo lugar) que tal «(…) constitui uma espinhosa tarefa (…). A percepção das dificuldades e, mais do que isso, a apreciação crítica da diversidade dos resultados decorrente do recurso a critérios rodeados de elevada dose de subjectividade levou a que em alguns sistemas se tenha avançado para a introdução de outros potenciadores de maior objectividade. Assim aconteceu, por exemplo, em Espanha, com a introdução de medidas de “baremacion”, nos termos da Ley n.º 30/1995, de 8-11, vinculativas para os tribunais. Ainda que sem o mesmo valor vinculativo, é um tal sistema assente em “barémes” que se encontra implantado em França (…). É de reconhecer também o esforço do legislador português no sentido da uniformização de critérios de cálculo e defesa do interesse das vítimas de acidentes de viação, designadamente através da publicação de vários diplomas, como sejam o Decreto-Lei n.º 83/2006, de 3 de Maio, o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro — que introduziu na ordem jurídica portuguesa a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil —, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que, complementando-o, estabeleceu os valores orientadores de proposta razoável para indemnização do dano corporal resultante de acidente de automóvel e a Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, que, além do mais, veio actualizar os valores daqueloutra, de acordo com o índice de preços ao consumidor de 2008».

Desde logo, se encararmos o dano biológico como uma lesão da integridade psicofísica, não podemos recusar a premissa de que esta é igual para todos. Princípio da igualdade expressamente assumido, desde logo no Ac. do TRL de 22.11.2016, já citado, e no Ac. do STJ de 26.01.2012, no mesmo lugar, neste último se referindo, aliás, que o desenvolvimento da noção do dano biológico em Itália partia, entre outros, do pressuposto da «(…) irrelevância do rendimento do lesado como finalidade da liquidação do ressarcimento».

Na busca do tratamento paritário, no cálculo que efectue, o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correcção, com base na equidade. Só assim será possível uniformizar minimamente o tratamento conferido aos lesados.

Adequada, pois, a consideração do salário médio nacional, sendo já que assistindo razão ao recorrente quanto ao valor a atender, escassamente superior ao referido na sentença… Corrigido agora, com referência à população masculina, nos termos pugnados no recurso, como bem assim aumentado o grau da incapacidade geral, nos termos da alteração da matéria de facto que antecede, considerado, finalmente, um aumento ligeiro da esperança média de vida, conforme dados do INE…

Reponderada a totalidade dos factores a atender no respetivo cálculo[3], com vista à maior uniformidade na sua quantificação. Assim: o de que a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; o relevo dado às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; a usabilidade do recurso a métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras; o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, introduzindo um desconto no valor encontrado por via desses rendimentos previsíveis; a respetiva esperança média de vida do lesado, enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para do tempo da reforma”;  a sua idade e o grau de défice funcional permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho…

Percorrendo-se ademais algumas situações próximas na jurisprudência, assim os exemplos constantes do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de Julho de 2023 [proferido no processo n.º 342/19.1T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.jstj.pt/], que apresentarão alguma proximidade com a situação em causa nos autos, temos:

- a um ciclista, estudante, de 19 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente de 3%, foi atribuída indemnização por dano patrimonial futuro de € 15 000,00 (acórdão do STJ de 11.11.2020, processo 16576/17.0T8PRT.P1.S1);

- a um peão de 45 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente parcial de 5%, atribuiu-se a indemnização de € 12.500,00 (acórdão do STJ de 12.11.2020, 4212/18.2T8CBR.C1.S1);

- a dois lesados, de 45 e 51 anos de idade, que ficaram afetados, respetivamente, de défice funcional permanente de 28% e 8%, o STJ atribuiu, respetivamente, indemnização por dano patrimonial futuro, de € 40.000,00 e € 10.000,00 (acórdão do STJ de 12.11.2020, processo 317/12.1TBCPV.P1.S1);

- a um lesado com 32 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente parcial de 4%, foi atribuída indemnização por dano patrimonial no valor de € 20 000,00 (acórdão do STJ de 14.01.2021, processo 2545/18.7T8VNG.P1.S1).

Tudo sem esquecer agora a natureza da sua actividade profissional concreta exercida e a natureza do agravamento da penosidade desta relacionada com a incapacidade geral.

Ora, tudo ponderado, tem-se por equitativo aumentar em/de 8.000 EUR a indemnização alcançada pela sentença recorrida.
E) Da liquidação excessiva do dano moral;

Adiante-se que não assiste qualquer razão à Ré recorrente quanto ao valor excessivo da indemnização arbitrada a um tal título.

Quanto aos danos não patrimoniais, correspondem a prejuízos não susceptíveis de avaliação pecuniária e o montante indemnizatório ou compensatório destes danos, que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art. 496º, n.º 1 do Cód. Civil), há-de ser fixado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa) ex æquo et bono, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias que, no caso, se justifiquem (arts. 496º n.º 1 e 3 e 566º n.º 3 do Cód. Civil). Podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc.

Enquanto os primeiros podem ser reparados ou indemnizados, os danos não patrimoniais apenas poderão ser compensados.

A ressarcibilidade dos danos morais foi expressamente reconhecida no nosso ordenamento jurídico, conforme decorre do art. 496º do Código Civil que dispõe que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Do normativo legal ora transcrito resulta claramente que apenas são ressarcíveis os danos não patrimoniais que assumam determinada gravidade, merecedora da tutela do direito.

Conforme refere Antunes Varela (op. cit., pág. 606), “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquando a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos”, referindo, ainda, que a gravidade apreciar-se-á também “em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado”.

Caso se conclua pela ressarcibilidade dos aludidos danos, a indemnização deverá ser fixada em conformidade com o disposto no n.º 3 do citado art. 496º do Código Civil. Assim, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”. O montante da indemnização deve, desta forma, ser fixado de forma equitativa, tendo em atenção o grau de culpabilidade, a situação económica do agente e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

No que respeita aos danos não patrimoniais, importa referir que o Tribunal tem, diferentemente da avaliação dos danos patrimoniais, não que verificar "quanto as coisas valem", mas sim que encontrar "o quantum necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indirecta" possível (Galvão Telles, Direito das Obrigações, pag. 377). O prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, "mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano" - Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, nº 1, 1º ano, APADAC, pag. 20). Como se diz no Ac. STJ 16/04/1991 (BMJ 406-618, Cura Mariano), o art. 496º, do CC, fixou "não uma concepção materialista da vida, mas um critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado".

Tudo isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no art. 496, nº 3, CC, o que, evidentemente "importará uma certa dificuldade de cálculo" (Ac. cit., pag. 621), mas que não poderá servir de desculpa para uma falta de decisão: é um risco assumido pelo sistema judicial.

No caso dos autos, temos que, como danos não patrimoniais, surgem as dores sofridas pelo Autor com as lesões e ademais a afectação da vida quotidiana e a incapacidade geral de que padeceu e ainda padece o dano estético, tudo conforme matéria assente. Decisivo se nos afigura ademais o tempo de recuperação, as intercorrências clínicas, a necessidade de tratamentos futuros e do uso permanente de meia elástica e o prejuízo de afirmação pessoal, significativo.

Todos estes danos assumem um carácter suficientemente grave para permitir a sua tutela pelo direito, sendo que, neles se pode sublinhar, destacando-se, a dor.

A dor, na definição da Associação Internacional para o Estudo da Dor, traduz-se numa "experiência sensorial e emocional desagradável associada a lesão tecidular ou descrita em termos de lesão tecidular" (João Lobo Antunes, Sobre a dor, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 98), constituindo-se, assim, como uma "experiência subjectiva resultante da actividade cerebral como resposta a traumatismos físicos e/ou psíquicos", ou seja, como resposta, entre outras situações, a um traumatismo de qualquer parte do corpo ou da mente. Esta definição pode ser tomada como "pedra de toque para a aceitação dos seus elementos nucleares, ou seja a dor física e a dor psicológica" (J. Coelho dos Santos, A reparação civil do dano corporal: reflexão jurídica sobre a perícia médico legal e o dano dor, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Maio 1994, Ano III, nº 4, APADAC, IML-Coimbra, pag. 77), devendo - portanto - ter-se em conta, que "o dano-dor abarca a dor física e a dor em sentido psicológico, a primeira resultante dos ferimentos aquando da acção lesiva e das posteriores intervenções cirúrgicas e tratamentos - tendentes à reconstituição natural da integridade física da vítima na situação em que se encontrava antes da lesão, pois, idealmente, procura-se a cura, ou seja, impedir que a lesão corporal deixe sequelas permanentes - integrando a segunda um trauma psíquico consequente do facto gerador da responsabilidade civil, quer resulte duma pura reacção emotiva individual sem relação com qualquer ofensa física, quer seja um reflexo desta" (Coelho dos Santos, ob. cit., pag. 78; cfr., ainda, Mamede de Albuquerque-Taborda Seiça-Paula Briosa, Dor e dano osteoarticular, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Novembro 1995, Ano IV, nº 5, APADAC, IML-Coimbra, pag. 73-86).

Já se vê, assim, que não é fácil descrever esta experiência sensorial, mesmo para quem usa a palavra como instrumento para criação literária. "Virgínia Woolf lamentava a pobreza da língua quando se tratava de descrever a dor física, e Jonh Updike, (...) dizia que «a doença e a dor ...] interessam muito a quem as sofre, mas a sua descrição cansa-nos ao fim de poucos parágrafos»" (João Lobo Antunes, Sobre a dor, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 97). A dor (tal como a doença), "é quase sempre uma experiência individual, intransmissível, profundamente solitária" (João Lobo Antunes, Aluno-médico-doente, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 107), sendo o modo como é sofrida e a angústia que a envolve, fenómenos ideosincráticos, com um acentuado componente cultural (João Lobo Antunes, Sobre a dor, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 102).

A avaliação da dor é, por seu turno, sempre algo complicada, por nela deverem intervir muitos factores, como sejam o sexo, a idade, a profissão, o meio social e cultural. Assim, deve ser levado em conta, na falta de outros dados que infirmem estas constatações, que os limiares e a tolerância individual à dor são mais baixos na mulher que no homem e que no mesmo sexo, são tanto mais baixos quanto maior for a emotividade (Pinto da Costa, O Código Penal e a Dor, Revista de Investigação Criminal).

Em termos médico-legais, por seu turno, importa sublinhar que o concreto quantum doloris do Autor em causa, no caso dos autos e na escala valorativa de sete graus (muito ligeiro, ligeiro, moderado, médio, considerável, importante, muito importante), com os dados constantes do processo, deve considerar-se como considerável (cfr., Oliveira Sá, Clínica Médico-Legal da Reparação do Dano Corporal em Direito Civil, APADAC, IML-Coimbra, 1992, pag. 135).

De enorme relevo ainda os défices temporário total e permanente parcial da integridade físico-psíquica. Como os tratamentos e internamentos padecidos.

O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, como se viu, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e a do lesado – art. 494º ex vi art. 496º, nº3, ambos do Código Civil -, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, etc. Deve ter-se ainda presente que o bem supremo, e por isso o mais valioso, é o bem vida e que, por isso, a indemnização devida por danos físicos e psíquicos deverá calcular-se por referência à que seria arbitrada em caso de privação da vida.

É sabido que quanto a tal tipo de danos não há uma indemnização verdadeira e própria mas antes uma reparação ou seja a atribuição de uma soma pecuniária que se julga adequada a compensar e reparar dores e sofrimentos através do proporcionar de um certo número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer.

Ao contrário da indemnização cujo objectivo é preencher uma lacuna verificada no património do lesado, a reparação destina-se a aumentar um património intacto para que, com tal aumento, o lesado possa encontrar uma compensação para a dor, “para restabelecer um desequilíbrio verificado fora do património, na esfera incomensurável da felicidade humana” (Pachioni).

Por isso que o valor dessa reparação, como ensina o Prof. Antunes Varela, deva ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

A indemnização reveste, assim, no caso dos danos não patrimoniais uma natureza acentuadamente mista: por um lado visa a compensação de algum modo, mais do que indemnizar as dores sofridas pela pessoa lesada; por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente- v. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 2ª ed., pág. 486 e nota 3 e pág. 488.

Isso mesmo se colhe da lei, nomeadamente dos artigos 495º, 496º, n.º3 e 497º, todos do Código Civil.

Analisem-se, finalmente, – tendo ainda em conta que no acórdão do STJ de 21 de Janeiro de 2021 (processo nº 6705/14) foi atribuída compensação de € 40 000,00 a lesada com 32 anos de idade que ficou com défice funcional de 27 pontos, tendo sofrido graves lesões (fratura do nariz, sobrolho, testa, traumatismo craniano e fractura dos dentes) e sendo submetida a intervenção cirúrgica; no acórdão do STJ de 07 de Setembro de 2022 (processo nº 5466/15) foi atribuída a compensação de € 60 000,00 a lesado em acidente de viação, com 34 anos, que sofreu esmagamento dos membros inferiores, e que ficou afectado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 67 pontos, com quantum doloris de grau 6 numa escala de 7, entre outras sequelas gravíssimas; no acórdão do STJ de 19 de Setembro de 2019 (processo nº 2706/17) foi atribuída a compensação de € 50 000,00 a lesado de 55 anos, sujeito a uma intervenção cirúrgica, exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, que ficou afectado com um défice funcional permanente de 32 pontos, dores quantificáveis em 5 escala de 7, e dano estético de grau 3 escala de 7, impossibilitado de exercer a sua profissão habitual, o que o afectou psicologicamente; no acórdão do STJ de 26 de Maio de 2021 (processo nº 763/17) foi atribuída a compensação de € 35 000,00 a lesado que ficou afectado de défice funcional permanente de 13 pontos, que teve de usar durante 6 meses colete lombar, e que sofreu dores muito intensas; no acórdão do STJ de 19 de Outubro de 2021 (processo nº 2601/19) foi atribuída a compensação de € 45 000,00 a sinistrado com 44 anos, que esteve 2 anos de baixa médica, dos quais 22 dias em internamento hospitalar; quantum doloris de grau 5 numa escala de 7, dano estético de 3 numa escala de 7, e que ficou afectado de um défice funcional permanente de 15 pontos, nunca mais deixando de claudicar [todas as decisões disponíveis em www.dgsi.jstj.pt/], grande parte destas decisões retratando realidades objectivamente menos gravosas, salvo sempre melhor opinião, que o dano sofrido pelo aqui autor; não esquecendo os valores que no entender da administração pública corresponderão a proposta razoável de indemnização aos lesados por acidente de viação (fixados por portaria dos Ministérios das Finanças e da Administração Pública e da Justiça nº 377/08, de 26 de Maio, alterada pela portaria das mesmas entidades nº 679/2009, de 25 de Junho); e sempre tendo em conta a importância que os valores eminentemente pessoais assumem como meio para a realização da pessoa (afinal, o núcleo ético inviolável da nossa sociedade - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência; 1993; tomo 3; página 181) – não se afigura excessivo fixar em  € 50 000,00 o valor pecuniário susceptível de compensar o autor pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente em causa nos autos.

Improcede, nesse segmento o recurso subordinado, com o que se apresentando a desnecessidade de afrontar o objecto da ampliação do recurso pelo recorrido Autor[4], sem prejuízo da insubsistência do erro de julgamento quanto ao período de ITT a atender…

Assim, quanto à alínea G)  das questões enunciadas, do erro de julgamento do facto sob 49 dos provados e sua consequência

Sem razão o Recorrente Autor pelas razões aduzidas na decisão recorrida, perfeitamente lógicas e procedentes. Com efeito, naquela sede se relevou (e bem) «a informação de fls. 263 e 264 (junta em 1 de Dezembro de 2018) alusiva aos certificados de incapacidade temporária emitidos pelo Centro de Saúde: 12 de Fevereiro a 25 de Março de 2009 (antecedentes), 28 de Setembro a 9 de Outubro de 2014, 1 de Março a 10 de Dezembro de 2015 e 11 de Janeiro a 9 de Dezembro de 2016; esta informação, associada ao conteúdo da certidão emitida pela Segurança Social quanto ao subsídio de doença, de 28 de Abril de 2014 a 25 de Novembro de 2016, conduziu à fixação do período de ausência do trabalho, apesar da data posterior da consolidação médico-legal das lesões (a 9 de Maio de 2017); alicerçando a fixação do ponto 49) da fundamentação de facto.» E ainda, «valoração da segunda perícia (…) salvo quanto ao período de ausência do trabalho dado o termo da emissão dos certificados temporários de emergência e a cessação do subsídio de doença em 25 de Novembro de 2016, como anteriormente ficou exposto».

Naturalmente que, documentada a cessação da situação de incapacidade para o trabalho, nos termos da legislação respectiva, a depender, pois, de verificação médica, a consolidação médico-legal mais tardia a que aludem as perícias vem a sê-lo de uma situação  que já antes se  não   constituía como impeditiva do exercício do trabalho habitual… Nada mais normal e coerente. A impossibilidade de melhoria do estado de saúde do Autor que caracteriza a consolidação médico-legal é compatível  (e até a pressupõe) com a evolução ao longo do tempo das sequelas, em termos de determinarem graus sucessivamente menos graves de Incapacidade Laboral Geral e para o trabalho habitual, os quais, a partir de uma determinada menor gravidade não determinam a incapacidade para o trabalho. Foi o que sucedeu, comprovadamente, na situação decidenda, pelo que também neste segmento se não vislumbra qualquer erro de julgamento, mormente por contradição entre a decisão e a fundamentação.
F) Da (não) ressarcibilidade do dano correspondente ao não recebimento do valor da alimentação durante o período de ITT

Na sentença foi a Ré condenada a pagar ao A. o valor da alimentação identificado no ponto 44) da fundamentação de facto, no período indicado no ponto 49), até ao montante máximo peticionado de € 10…

Desde logo, carecido de rectificação ou integração este segmento decisório, a partir do contexto mesmo da decisão, impondo-se considerar que o montante máximo ali referido o é diário… Assim quando se atente nos termos da alegação respectiva, no confronto agora com o que resultou provado e não provado.

É certo ter-se decidido no Acórdão do STJ de 29.04.2010, na base de dados do ITIJ, «quanto ao valor satisfeito ao Autor pela entidade patronal relacionado com o custo da alimentação, ficou provado que acrescia ao salário propriamente dito, ou seja, trata-se de uma prestação regular e periódica que a entidade patronal está obrigada a pagar ao seu funcionário, conferindo ao trabalhador a justa expectativa do seu recebimento mensal, de modo a poder contar com ele para a satisfação das suas necessidades pessoais e familiares, no dizer do Ac. do S.T.J. (secção social) de 13/1/93 – Cof. C.J. 1993-1º - 227-. Deste modo, há-de considerar-se integrado na retribuição do trabalho, pois que, no conceito legal (e laboral) de retribuição se abrange não só a retribuição base (salário propriamente dito), mas todas as demais prestações pecuniárias ou não, satisfeitos com carácter de regularidade e de continuidade. É, aliás, a jurisprudência praticamente pacífica da secção social do Supremo Tribunal.

Consequentemente, embora só devida durante os 11 meses de trabalho (excluindo o mês de férias) constitui, tal como o salário base, um lucro cessante que, por virtude do acidente, o A. deixou de auferir.

É pois devida a título de indemnização pela ITT, já que só assim se reconstituirá a situação existente se não fosse o acidente (cof. Art.ºs 562 e 564 do C.C.).» Neste sentido também o Acórdão da Relação de Coimbra de 24.10.2023.

Contudo, quando se considere a matéria de facto provada e decisivamente a não provada, bem assim a fundamentação da decisão de facto, nesse segmento, tem-se por caracterizada uma situação totalmente distinta daquela a que se reporta a convocada jurisprudência, não se reconduzindo aquele pagamento a subsídio de refeição em sentido técnico-jurídico, tanto mais que não constante do recibo de remuneração respectivo, como seria mister.

Provou-se que o Autor auferia o vencimento mensal bruto de € 600, acrescido de subsídio de férias e de Natal de igual montante e valor não concretamente apurado destinado ao pagamento das refeições do período de trabalho.

Nessa parte, fundamentou-se a prova produzida no depoimento de FF, irmão do Autor e vendedor de automóveis, funcionário da empresa daquele há 25 anos, o qual referiu que a empresa pagava ao A. as refeições, não precisando como, ou seja, se, por exemplo, existia cartão de crédito para o efeito…

Ora, o demonstrado pagamento de refeições não tem qualquer similitude ao subsídio de refeição, constituindo-se como duas realidades absolutamente distintas.

Como se adiantou, o subsídio de refeição é pago como retribuição e integrado no recibo de vencimento, posto que fazendo parte daquela para vários efeitos, designadamente em caso de cálculo para efeitos de indemnização por despedimento (cf. Código Trabalho).

Já o pagamento de refeições não tem correspondência a essa realidade. Em causa o pagamento pontual e justificado/documentado de despesas com refeições relacionadas ou conexas com o exercício da actividade profissional, realidade esta, aliás, comum quanto a gerentes de sociedades, mediante a apresentação de recibos/faturas a reflectir na contabilidade, como “despesas”, a deduzir no IRC. Não constitui um subsídio, cujo valor é sempre o mesmo. O pagamento da refeição dependerá sempre do documento da despesa e não é considerado parte integrante da retribuição.

Donde, não se configura como um qualquer dano a indemnizar, posto que não integrando retribuição, mas despesa a compensar se e enquanto justificada/documentada pelo exercício da actividade profissional.

Nessa parte procede o recurso subordinado, decidindo-se não resultar caracterizado o dano, no sentido de uma perda patrimonial efectiva e real do Autor, determinando-se a absolvição da Ré, nessa parte.

III.

Tudo visto, concede-se parcial provimento aos recursos principal e subordinado deduzidos, recusando-se provimento ao recurso objecto de ampliação, determinando-se:

- a rectificação da sentença quanto ao segmento ou alínea b), passando a constar a condenação da Ré a satisfazer ao A. a quantia de €5.231,44, alusiva às despesas identificadas nos pontos 19) e 21) da fundamentação de facto, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde 26 de Setembro de 2017 e até integral e efetivo cumprimento;

- a condenação da Ré a satisfazer ao Autor, a título de dano patrimonial emergente do défice permanente da integridade física de 22% de que ficou a padecer, a quantia global de 38.000 EUR, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde 26 de Setembro de 2017 e até integral e efetivo cumprimento.

Mais se mantém a condenação da Ré a satisfazer ao A. a quantia arbitrada a título de dano não patrimonial, de 50.000 EUR, com os juros como constantes da sentença recorrida e as quantias que vierem a ser liquidadas em incidente ulterior, relativamente: às despesas medicamentosas, de aquisição de meia elástica, consultas e tratamentos referidos, respetivamente, nos pontos 22), 20) e 37) da fundamentação de facto.

Absolve-se a Ré do pedido de satisfazer ao A. qualquer valor atinente a refeições durante o período de ITT e do mais peticionado.

Custas na proporção dos decaimentos por recorrente e recorrida.

Notifique.


Porto, 07 de Março de 2024
Isabel Peixoto Pereira
Isoleta de Almeida Costa
Isabel Silva
______________
[1] Em manifesta minoria. A título de exemplo, vd. o Ac. do STJ de 30.06.2016, processo n.º 161/11.3 TBPTB.G1.S1.
[2] Assim Rita Mota Soares, O dano biológico quando da afectação funcional não resulte a perda da capacidade de ganho, Julgar, n.º 33, p. 121 e ss, com uma resenha de jurisprudência.
[3] Por todos, a título meramente exemplificativo, Ac. RL de 25.02.2021 in http://www.dgsi.pt.
[4] A apreciar no quadro hipotético/eventual da procedência do recurso subordinado, em sede de ampliação do objecto (Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª edição, anotação 5. ao artigo 636º).