TÍTULO EXECUTIVO EUROPEU
REGULAMENTO
NULIDADE DA CITAÇÃO
Sumário


- A interpretação dos Regulamentos tem de ser feita de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia;
- Assim, o Tribunal português competente para a ação executiva com base em decisão judicial proferida por outro Estado-Membro, certificada como Título Executivo Europeu, sobre um crédito não contestado, na ausência do devedor, não pode declarar a nulidade da citação deste, efetuada na ação declarativa pelo Tribunal de origem, sem os respetivos documentos estarem redigidos ou acompanhados de uma tradução numa língua que esse demandado compreenda ou na língua oficial do Estado‑Membro requerido, com omissão de envio do formulário previsto no art. 8º do Regulamento (CE) 1393/2007 e constante do anexo II do mesmo Regulamento.
- Com efeito, como decidiu o TJUE, o Regulamento (CE) n° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional segundo a qual a omissão do formulário a que alude o art. 8º e anexo II desse regulamento gera a nulidade da citação ou da notificação, entendendo aquele tribunal que o regulamento exige que tal omissão seja regularizada através da comunicação ao interessado do mencionado formulário.
- Este entendimento não prejudica os direitos de defesa do Executado, já que este, de acordo com o art. 19º do Regulamento (CE) 805/2004, tem direito a requerer uma revisão da decisão junto do Tribunal de Origem, nomeadamente quando tiver sido impedido de deduzir oposição ao crédito por motivo de força maior ou devido a circunstâncias excecionais, sem que haja culpa da sua parte.
- Por outro lado, tendo requerido a mencionada revisão pode requerer a suspensão ou limitação da ação executiva, nos termos do preceituado no art. 23º do mesmo Regulamento.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

EMP01..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ... intentou a presente oposição à execução mediante embargos de executado contra EMP02..., com sede em ..., ....
A embargante pede que se determine a nulidade da citação da executada, devendo ser suspensa a execução por via do disposto no artigo 44º do Regulamento 1215/2012.
Para tanto, alegou, em síntese, que a exequente apresenta requerimento executivo com base em sentença proferida por um Tribunal da Estónia, mas a embargante nunca foi citada ou notificada no âmbito de tal processo, não tendo conhecimento do mesmo.
Mais alega que a embargante foi julgada à revelia, só com a execução teve conhecimento da mesma, por isso não teve possibilidade de interpor recurso, entendendo o executado que a declaração de executoriedade foi indevidamente emitida, porque a executada não foi citada. Irá recorrer perante o tribunal de origem, conforme decorre do disposto no art.º 20.º do Regulamento.

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Tendo sido proferido despacho liminar, a exequente veio impugnar a factualidade alegada pela executada, afirmando que a embargante foi devidamente citada, sendo que o aviso de receção foi assinado pelo seu representante legal, não apresentou oposição, tendo sido proferida sentença, transitada em julgado, verificando-se todos os requisitos processuais exigidos no Regulamento, razão pela qual foi corretamente emitida por aquele Tribunal certidão de título executivo europeu, que tem plena executoriedade em Portugal.
Mais alega que a embargante deve ser condenada como litigante de má-fé, no pagamento de multa e no pagamento de uma indemnização à exequente, no valor de € 1.700,00 (mil e setecentos euros).
Terminou pedindo que a oposição à execução mediante embargos de executado seja julgada improcedente.
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Em sede de despacho saneador foi proferida decisão no sentido da procedência dos embargos, por julgar nula a citação efetuada à embargante na ação declarativa, que correu termos num Tribunal da Estónia.
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Inconformada veio a Embargada recorrer formulando as seguintes Conclusões:

A. A Sentença ora recorrida julgou procedentes os Embargos de Executado deduzidos contra a Recorrente e, consequentemente, ordenou a extinção da ação executiva, em virtude da omissão de envio do formulário constante do Anexo II do Regulamento 1393/2007 na citação praticada por tribunal estrangeiro.
B. Na Sentença considerou-se, erradamente, que a omissão do formulário constante do Anexo II do Regulamento 1393/2007 conduz a nulidade da citação por aplicação do artigo 191º, nº 1 do CPC com a consequente extinção da execução em Portugal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 729º, al. d), do CPC.
C. A Sentença ora recorrida fundamenta a extinção da execução exclusivamente com base na interpretação de um Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 27.04.2017, que refere que a entidade requerida está obrigada, em qualquer circunstância e sem margem de apreciação a este respeito, a informar o destinatário de um ato do seu direito de recusar a receção desse ato, utilizando sistematicamente para o efeito o referido formulário (Cf. Ac. do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 04/27/2017, no âmbito do proc. 1816/14.6TBPTM-A.E1).
D. Daí, o Tribunal a quo conclui que o ato de citação praticado pelo tribunal de origem e nulo (nos termos e para os efeitos do artigo 191º, nº 1 do CPC), o que impede, de modo definitivo, a execução da sentença condenatória proferida pelo Tribunal da Estónia em Portugal.
E. O Tribunal a quo aplicou incorreta e parcialmente a doutrina do referido Acórdão da Relação de Évora de 27.04.2017, aplicando a mesma fundamentação de direito a quadro factual e a uma questão jurídica distinta da em causa naquele processo.
Aplicabilidade do Regulamento 1393/2007
F. A data da citação levado a cabo pelo Tribunal de ... (21 de janeiro de 2022) encontrava-se em vigor o mencionado Regulamento 1393/2007.
G. Da Sentença que ora se recorre resulta provado que a Executada foi citada na sua sede, localizada na Rua ..., ..., ..., Portugal e que o aviso de receção foi recebido, tendo sido assinado e datado pelo representante legal da Executada.
H. Resulta, portanto, que foram observadas as formalidades previstas pela lei portuguesa para a citação de pessoas coletivas, nos termos do artigo 246.º do CPC.
I. O artigo 14.º do Regulamento 1393/2007 permite aos Estados-Membros proceder diretamente, por via postal, a citação de atos judiciais destinada a pessoas residentes noutro Estado-Membro, mediante carta registada com aviso de receção ou equivalente.
J. O caráter obrigatório e sistemático da utilização do formulário constante do Anexo II do Regulamento 1393/2007 previsto no artigo 8.º do Regulamento 1393/2007 aplicar-se-á ao meio de citação em causa nos autos, i, .e., por via postal.

O artigo 8.º do Regulamento 1393/2007
K. O TJUE pronunciou-se já a respeito da interpretação do artigo 8.º do Regulamento 1393/2007, no âmbito do procedimento de reenvio prejudicial por tribunais portugueses.
L. No Acórdão A.M.Henderson, o TJUE decidiu que “[o] caráter obrigatório e sistemático da utilização do formulário constante do Anexo II do Regulamento n.° 1393/2007 aplica-se aos meios de citação ou notificação referidos no capítulo II, secção 2, desse regulamento e, por outro, o incumprimento dessa obrigação não gera a nulidade do ato objeto de citação ou notificação nem do procedimento de citação ou notificação.”
M. Por despacho de 5 de maio de 2022, o qual tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal da Relação do Porto, e que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de junho de 2021 (i.e., em data posterior a prolação do Ac. do Tribunal da Relação de Évora em que se baseia a Sentença do Tribunal a quo), o TJUE expressamente afasta a aplicação da norma prevista no artigo 191.º, n.º 1 do CPC a situações em que o ato de citação omite o formulário constante do Anexo II do Regulamento 1393/2007 por incompatibilidade dessa mesma interpretação com as finalidades e propósito desse mesmo Regulamento.
N. O ato de citação da devedora pelo tribunal estónio observou as regras relativas a citação prescritas pelo Regulamento 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados, tendo consequentemente sido certificada nesses termos.
O. A decisão proferida pelo tribunal estónio foi proferida a revelia. tendo o tribunal estónio entendido que a citação nesse processo foi devidamente efetuada.
P. O Réu na ação foi ainda notificado da lista de despesas judiciais e, bem assim, que dispunha do prazo de 5 dias para apresentar resposta ou reclamação a referida lista de despesas. O tribunal estónio enviou ainda notificação (tendo tal informação sido rececionada na sede do Réu e assinada e datada) informando o Ré que a sentença proferida constituí a título executivo.
Q. O Réu não logrou provar no presente processo que nunca recebeu qualquer notificação ou citação para o processo onde foi proferida a sentença.
R. O Réu tinha negócios de exportação de vinhos para o mercado estónio, tendo celebrado um contrato bilingue redigido na língua russa e inglesa, dele fazendo parte integrante uma tradução para a língua estónia. Esse contrato inclui um pacto de jurisdição nos termos do qual as partes aceitaram que qualquer litígio emergente do contrato seria resolvido no tribunal do domicílio do Demandante.
S. O Réu nunca se pronunciou, a não ser em sede de Embargos de Executado.
T. O órgão com competência para interpretar o Direito da União e garantir a sua aplicação europeia e o TJUE. De acordo com a interpretação do TJUE nesta matéria, a aplicação do artigo 191º, n.º 1, do CPC, nos termos em que foi feita pelo Tribunal a quo não é compatível com o Regulamento 1393/2007, inexistindo, no referido regulamento, qualquer disposição que aponte no sentido da nulidade do ato de citação.
U. O quadro normativo vigente em sede de reconhecimento e execução de decisões judiciais europeias baseia-se nos princípios da confiança recíproca e no princípio do reconhecimento mútuo.
V. A interpretação do Tribunal a quo no sentido de que a omissão do formulário constante do Anexo II do Regulamento 1393/2007 previsto no artigo 8.º do Regulamento 1393/2007 constitui fundamento de recusa de execução nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 45.º e 46.º do Regulamento 1215/2012 e incompatível com o objetivo prosseguido por esses regulamentos, que consiste em prever um meio de transmissão direto, rápido e eficaz, entre os Estados-Membros, dos atos em matéria civil e comercial e, bem assim, garantir eficácia e celeridade nos processos judiciais no domínio civil.
W. Os fundamentos de recusa previstos no artigo 45.º do Regulamento 1215/2012 aplicáveis à execução ex vi artigo 46.º do referido regulamento visam precisamente acautelar que as partes se escusem a apresentar defesa ou a recorrer da decisão final no Estado-Membro de origem, atuando só em caso de executoriedade da decisão no Estado-Membro requerido.
X. Esses fundamentos incluem a falta de citação e a falta de notificação do requerido sobre a prolação da decisão final que impediria a interposição de recurso da mesma.
Y. No presente caso, não ocorreu falta de citação nem falta de notificação da decisão final.
Z. Interpretar o artigo 8.º do Regulamento (CE) n.º 1393/2007 no sentido de considerar nulo um ato de citação ou notificação praticado por tribunal estrangeiro, que julgou a citação válida, com sentença condenatória transitada em julgado, implica o desrespeito pelos princípios do primado do direito comunitário e da interpretação conforme do direito europeu e a violação do disposto nos artigos disposto nos artigos 45.º e 46.º do Regulamento 1215/2012.
AA. Assim, e de acordo com as decisões do TJUE, a irregularidade de falta de formula rio tinha de ser arguida, e sanada, no próprio processo em que tal irregularidade se verificou.

Eventual questão prejudicial de Direito da UE
BB. Caso o Tribunal ad quem confirmasse a Sentença, não haveria lugar a recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça.
CC. Nessa circunstância, o Tribunal ad quem terá o dever de submeter a questão da interpretação do âmbito de aplicação do Regulamento de Bruxelas ao TJUE, nos termos do artigo 267.º, §1 e §3 do TFUE, conforme jurisprudência constante do TJUE desde o Acórda o Costa ENEL.
DD. A interpretação dos artigos 8.º, 10.º e14.º do Regulamento 1393/200 e uma questão de interpretação de um ato de direito derivado, pelo que o TJUE tem competência para decidir a título prejudicial – cf. artigo 267.º, §1, b) do TFUE.
EE. O thema decidendum não se enquadra nas únicas exceções aduzidas pela jurisprudência do TJUE a obrigatoriedade de reenvio prejudicial por um tribunal de última instância.
FF. O TJUE nunca decidiu que a falta de envio de formulário de citação por um Tribunal de um Estado-membro pode, depois de transitada a respetiva sentença, obstar a execução desse Sentença num outro Estado-membro. Tal constatação e bastante para afastar a aplicação da teoria do ato claro ao caso sub judice, e, bem assim, para se considerar a questão como pertinente para a aplicação e interpretação do direito da UE e, do mesmo passo, se verificar a inexistência de interpretação anterior do TJUE sobre a mesma questão.
GG. Sem prejuízo da competência do Tribunal ad quem na definição da questão a submeter ao TJUE, a Recorrente propõe a seguinte formulação:
HH. Uma situação jurídica em que (i) as partes celebraram um pacto de jurisdição atribuindo competência à jurisdição da sede do demandante (Estónia); (ii) o contrato celebrado entre as partes foi redigido em língua russa e inglesa; (iii) tendo a decisão judicial que se pretende executar transitado em julgado no estado-membro de origem; e (iv) tendo o tribunal nacional dado como provada a receção da citação e notificações na sede da demandada; deve a omissão do formulário constante do Anexo II do Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de novembro de 2007 relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros no ato de citação ou notificação pelo tribunal de origem implicar a recusa do reconhecimento e execução prevista pelos artigos 45.º, n.º 1, al. b) e 46.º do Regulamento 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012?

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser julgada procedente a presente apelação, revogando-se, consequentemente, a Sentença recorrida.
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A Embargante respondeu ao recurso interposto pela Embargada, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

a) O Tribunal a quo julgou os embargos de executado procedentes e, em consequência, ordenou a extinção da ação executiva apensa.
b) Pugna a Recorrente que, na Sentença, considerou-se, erradamente, que a omissão do formulário constante do Anexo II do Regulamento (CE) n.º 1393/2007 conduz à nulidade da citação, e sustenta que foram violados o artigo 14º do Regulamento, bem como os princípios do primado do direito comunitário e da interpretação conforme do direito europeu.
c) Primeiramente, o artigo 8º, n.º1, do Regulamento, prevê a faculdade de o destinatário do ato objeto de citação ou notificação recusar a sua receção, pelo facto de o ato em causa não estar redigido ou não ser acompanhado de uma tradução numa língua que o destinatário é suposto compreender.
d) Tal redação está em sintonia com a necessidade de proteger os direitos de defesa do destinatário desse ato, de acordo com as exigências de um processo equitativo.
e) Ora tal informação do direito de recusa é comunicada através do formulário constante do Anexo II do Regulamento em causa.
f) Cumpre-nos acrescentar que no presente caso não foi cumprida a exigência prevista no artigo 8º.
g) Deste modo, se a citação da embargante não foi adequadamente efetuada, andou bem o Tribunal ao considerar que padece de nulidade, nos termos do artigo 191º, n.º1, do CPC, uma vez que a falta (de citação) prejudica o seu direito de defesa.
h) O mesmo se diga, relativamente ao facto de ter julgado procedente a oposição à execução mediante embargos de executado, na medida em que um dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença é a falta/nulidade da citação para a ação declarativa (artigo 729º, al. d), do CPC).
i) Relativamente à alegada violação do artigo 14º do Regulamento nº 1393/2007 por parte da Ré, a Autora esclarece a este respeito que em tempo algum ignorou a faculdade aí reconhecida.
j) Não obstante, a análise dos artigos 8º e 14º do Regulamento, interpretados à luz do considerando preambular 12, impõe concluir que as regras relativas à possibilidade de recusa do ato de citação se aplicam igualmente à citação efetuada pelos serviços postais ou diretamente.
k) Por fim, quanto à violação dos princípios do primado do direito comunitário e da interpretação conforme do direito europeu, parece existir por parte da Ré uma inversão do sentido propriamente dito de tais princípios.
l) Os mesmos, em concreto no que diz respeito ao princípio do primado o acórdão de 15 de julho de 1964, Costa 6/64 (EU:C:1964:66), “(…) impõe considerar que o regulamento exige que a omissão do formulário do referido Anexo II deve ser regularizada em conformidade com as disposições nele enunciadas, através da comunicação ao interessado do formulário constante do Anexo II do referido regulamento, sendo necessário que o destinatário do ato tenha sido devidamente informado, previamente e por escrito, da existência desse direito de recusa”, tal como resulta da Sentença.
m) Face ao exposto, e tendo em consideração a clareza das disposições europeias supracitadas, é possível concluir que outra não podia ter sido a decisão do Tribunal “a quo”.
n) A decisão em apreço não merece censura e, como tal, deve ser confirmada.

TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO, E SEMPRE COM MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V/ EXCIAS DEVE SER CONFIRMADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, COM O QUE FARÃO V/ EXCIAS INTEIRA E SÃ
JUSTIÇA!
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Questão a decidir:

- Pode o tribunal onde corre a execução declarar a nulidade da citação efetuada na ação declarativa por tribunal de outro Estado-Membro da EU?
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Factos considerados provados na primeira instância:
               
1º - EMP02..., intentou a execução com o nº 3451/22...., a que o presente está apenso, contra a aqui embargante EMP01..., Lda., para cobrança da quantia de € 41.831,47 (quarenta e um mil oitocentos e trinta e um euros e quarenta e sete cêntimos).

2º - A exequente é portadora e deu à execução uma sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de ..., tribunal de ..., na Estónia, referente ao processo nº ...70, com data de 12 de abril de 2022, no âmbito da qual a executada foi condenada no seguinte (cujo teor se dá como integralmente reproduzido):

3º - “ao pagamento de uma indemnização no montante de 38 732,84 euros e custos do processo no montante de 2 418,97 euros, a favor da EMP02....

4º - a pagar juros de mora, ou seja, 38 732,84 euros, à taxa prevista na segunda parte do § 113 da Lei das Obrigações, a partir de 23/11/2021 até ao cumprimento do crédito principal a favor da EMP02....

5º - a pagar juros de mora sobre as custas do processo, ou seja, da suma de 2 418,97 euros, à taxa prevista na segunda parte do 2 § 113 da Lei das Obrigações, desde a entrada em vigor da decisão judicial até execução em favor da EMP02....

6º - A sentença referida em 2) foi notificada à executada em 20.04.2022.

7º - Na sequência da petição inicial apresentada, o Tribunal citou, a 21 de janeiro de 2022, a Embargante na sua sede, localizada na Rua ..., ..., ..., Portugal, para apresentar, querendo, oposição, dentro do prazo de 28 dias.

8º - Tendo o aviso de receção sido recebido na sua sede, como assinado e datado, pelo representante legal da embargante.

9º - A embargante não deduziu oposição.

9º(a) - A 24 de março de 2022, o mesmo Tribunal notificou a Embargante da lista de despesas judiciais e, bem assim, que dispunha do prazo de 5 dias para apresentar resposta ou reclamação à referida lista de despesas.

10º - Tendo o aviso de receção sido recebido na sua sede.

11º - A embargante não se pronunciou.

12º - A embargante foi notificada, a 22.06.2022, por carta registada, que a sentença tinha efeito de título executivo.

13º - A exequente instruiu a execução apensa com certidão da sentença mencionada em 2) e certidão de título executivo europeu nos termos do Regulamento (CE) 805/2004, do Parlamento europeu e do Conselho de 21.04.2004.

14º - A citação e as comunicações por parte do Tribunal da Comarca de ..., tribunal de ..., na Estónia, para a embargante foram realizadas na língua estónia.

15º - A embargante e a exequente tinham negócios relativos à exportação de vinhos para o mercado estónio.

16º- A citação não foi acompanhada do formulário constante do Anexo II do Regulamento n.° 1393/2007.
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No Tribunal recorrido foram considerados não provados os seguintes factos:
           
Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, os restantes factos alegados, designadamente que a embargante nunca recebeu qualquer notificação ou citação para o processo onde foi proferida a sentença, que o contrato firmado entre as partes continha uma cláusula onde referia que todas as comunicações teriam de ser efetuadas em inglês.
Os restantes factos alegados que não se encontram elencados nos factos dados como provados ou não provados, foram considerados pelo tribunal como conclusivos, irrelevantes, que encerram conceitos de direito ou se encontram em contradição com os factos dados como provados.
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O Direito:

A execução a que os presentes autos se encontram apensos iniciou-se com um certidão de título executivo europeu – decisão judicial, nos termos do Regulamento (CE) 805/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 21 de Abril de 2004, emitida pelo Tribunal do Condado de ..., Tribunal de ..., Estónia que decidiu que EMP01..., LDA é condenada ao pagamento de uma indemnização no montante de 38 732,84 euros e custos do processo no montante de 2 418,97 euros, a favor da EMP02...; que EMP01... LDA é condenada a pagar juros de mora, ou seja, 38 732,84 euros, à taxa prevista na segunda parte do § 113 da Lei das Obrigações, a partir de 23/11/2021 até ao cumprimento do crédito principal a favor da EMP02... e que EMP01... LDA é condenada a pagar juros de mora sobre as custas do processo, ou seja, da soma de 2 418,97 euros, à taxa prevista na segunda parte do § 113 da Lei das Obrigações, desde a entrada em vigor da decisão judicial até execução em favor da EMP02....
O Regulamento (CE) nº 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, criou o título executivo europeu para créditos não contestados, sendo aplicável “às decisões judiciais, títulos ou instrumentos autênticos relativos a créditos não contestados e a decisões pronunciadas na sequência de impugnação de decisões, transações judiciais ou instrumentos autênticos, certificados como Título Executivo Europeu” (ponto 7 do preâmbulo do Regulamento em questão), sendo aplicável ao caso em apreço.  
Este Regulamento aboliu o exaquatur, permitindo a execução do título noutro Estado-Membro com supressão de todos os controlos no Estado-Membro de execução, prévios ao reconhecimento e declaração de executoriedade, como corolário do princípio da confiança mútua na administração da justiça na União, reduzindo ainda as dificuldades do credor na cobrança do crédito dentro do espaço único europeu, tornando-a menos morosa e dispendiosa.
Neste Regulamento (ponto 8 do preâmbulo), refere-se que “a execução num Estado-Membro diferente daquele em que a decisão é proferida deve ser simplificada e acelerada, suprimindo todas as medidas intermédias a tomar antes da execução no Estado-Membro em que é requerida. Uma decisão certificada como Título Executivo Europeu pelo tribunal de origem deve ser tratada, para efeitos de execução, como se tivesse sido proferida no Estado-Membro em que a execução é requerida.” E que “As disposições de execução das decisões deverão continuar a ser reguladas pelo direito interno.”
Diz-nos o ponto 18 do preâmbulo do mesmo Regulamento que “A confiança mútua na administração da justiça nos Estados-Membros autoriza que o tribunal de um Estado-Membro considere que todos os requisitos de certificação como Título Executivo Europeu estão preenchidos, a fim de permitir a execução da decisão em todos os outros Estados-Membros sem revisão jurisdicional da correta aplicação das normas processuais mínimas no Estado-Membro onde a decisão deve ser executada”.
Tendo em conta as diferenças nas normas processuais relativas à citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais nos diversos Estados-Membros, para que uma decisão relativa a um crédito não contestado possa ser certificada como título executivo europeu, o processo judicial no país de origem deve obedecer a certos requisitos processuais, denominados no Regulamento 805/2004 de “normas mínimas”.
As normas mínimas estão previstas nos arts. 12º a 19º do Regulamento 805/2004 e dizem respeito à citação ou notificação com ou sem prova de receção pelo devedor ou dos seus representantes e à informação adequada do devedor sobre o crédito e sobre as diligências processuais necessárias para contestar o crédito.
Por outro lado, o país da EU de origem deve, obrigatoriamente, prever a revisão da decisão em casos excecionais (art. 19º do Regulamento 805/2004)
No ponto 21 do preâmbulo deste Regulamento dispõe-se que “Quando um ato tiver de ser enviado de um Estado-Membro para outro para nele ser citado ou notificado, o presente regulamento e, em particular, as normas aplicáveis à citação ou notificação dele constantes, deverá ser aplicado em conjunto com o Regulamento (CE) nº 1348/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (1), nomeadamente com o artigo 14º, em articulação com as declarações dos Estados-Membros feitas nos termos do artigo 23º.”.
No art. 14º do Regulamento 1348/2000, diz-se que “Os Estados-Membros podem proceder diretamente pelos serviços postais à citação ou notificação de atos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de receção ou equivalente.”
Tal como resulta do ponto 7 do preâmbulo do Regulamento 1348/2000, “A segurança da transmissão exige que o ato a transmitir seja acompanhado de um formulário, que deve ser preenchido na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde a citação ou notificação deva ter lugar ou noutra língua reconhecida pelo Estado-Membro requerido.”

Efetivamente, dispõe o art. 8º, nº 1 do Regulamento em causa que “A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que pode recusar a receção do ato quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas:
a) Uma língua que o destinatário compreenda;
ou
b) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação.”   

No nº 3 deste preceito estabelece-se, nomeadamente, que “Se o destinatário tiver recusado a receção do ato ao abrigo do disposto no nº 1, a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do ato acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no nº 1.
Estas normas visam o efetivo conhecimento e compreensão por parte do destinatário da citação ou notificação do seu conteúdo, de forma a que possam ser efetivamente exercidos os respetivos direitos de defesa.
O ora Embargante alega que nunca foi citado ou notificado no âmbito do mencionado processo e que só com a instauração da execução teve conhecimento da decisão aí proferida.
Da matéria de facto provada resulta, no entanto, que o Tribunal da Estónia citou o embargante na sua sede para apresentar, querendo, oposição, no prazo de 28 dias e que a carta para citação foi recebida pelo representante legal da Embargante, que assinou o respetivo aviso de receção.
A Embargante não deduziu oposição.
Em 22/6/22 a Embargante foi notificada por carta registada, que a sentença tinha efeito de título executivo europeu.
A citação e as comunicações por parte do Tribunal da Comarca de ..., tribunal de ..., na Estónia, para a embargante, foram realizadas na língua estónia e não foi acompanhada do formulário constante do anexo II do Regulamento 1393/2007, relativo à citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros.
Tendo em conta que, de acordo com o referido no ponto 8 do Regulamento 805/2004, as disposições de execução das decisões deverão continuar a ser reguladas pelo direito interno, analisemos, pois, as normas processuais portuguesas com relevância para o caso em apreço.
Diz-nos o art. 703º, nº 1 do C. P. Civil que à execução podem servir de base as sentenças condenatórias.
Nos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, previstos no art. 729º do C. P. Civil, prevê-se nomeadamente, a arguição da falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo.
Na decisão recorrida entendeu-se a omissão de junção à citação do ora Embargante do formulário previsto no Anexo II do Regulamento n° 1393/2007, que contém a informação do seu direito de recusar a citação de um ato judicial redigido unicamente em língua estónia, implicou a nulidade do ato, por não ter observado os requisitos mínimos previstos na legislação comunitária.

Vejamos se assim é:

A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (v. art.º 219º, n.º 1, do C.P.C.).
Os casos de falta de citação são os previstos nas diversas alíneas do artigo 188º do C. P. Civil: a) completa omissão do ato; b) erro de identidade do citado; c) emprego indevido da citação edital; d) citação efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; e) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
Neste último caso “é insuficiente a simples invocação e prova do efetivo desconhecimento; exige-se ainda que este não seja imputável ao citando (RP 14-12-17, 513/15, RP 11-14-18, 6418/12 e RC 9-1-18, 808/09). Considerando a referida presunção de conhecimento, é sobre o réu que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos legais referidos.” (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 227).
O art.º 191.º, n.º 1, do C. P. C., refere que, sem prejuízo do disposto no art. 188º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei, caso tal omissão prejudique a defesa do citando.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/16 (in www.dgsi.pt ) entendeu-se que Tendo a ré, sociedade estrangeira sediada na Grécia, sido citada através de carta registada com aviso de receção (art. 14º do Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros, era obrigatório que o expediente enviado contivesse a cautela indicada no art. 8º do Regulamento (menção à possibilidade de recusa da receção por razão do idioma) e que a citação operada com a preterição de tal formalidade padece de nulidade. Entendeu, contudo, este Acórdão que, inferindo-se dos factos processuais que o citando estava em condições de entender o ato e que a sua defesa não ficou prejudicada, não pode proceder a arguição de nulidade.
Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/3/13 (in www.dgsi.pt ) se entendeu que notificação, determinada pelo Balcão Nacional de Injunções português de uma sociedade sediada em Malta sem o aviso de que podia recusar a receção do ato, por o mesmo não estar redigido na língua oficial desse Estado-Membro ou numa língua que compreendesse, através do formulário constante do anexo II ao Regulamento nº 1393/2007, estava ferida de nulidade, equivalente à falta de citação, por se estar perante a omissão de formalidade essencial (No mesmo sentido Ac. do STJ de 17/11/09, Ac. desta Relação de 15/10/13 e Ac. da R.E. de 29/01/15, todos em www.dgsi.pt ).
No entanto, neste Acórdão, entendeu-se ainda que “Tomando como padrão um cidadão com diligência e zelo minimamente exigíveis, é inaceitável que, recebida uma carta com aviso de recepção em língua que não compreende, mas proveniente de um país onde é proprietária de um prédio urbano e onde tinha interesses de natureza económica (Portugal), pelo menos desde o ano de 2008 – como se infere da procuração conferida a uma sociedade portuguesa de advogados sediada no concelho onde se localiza aquele prédio – a sociedade recorrente não tenha procurado saber o sentido da comunicação recebida.”, devendo ter arguido a irregularidade dentro do prazo que lhe foi concedido para se opor ao pedido de injunção e não posteriormente, aquando da oposição à execução que se seguiu à aposição de fórmula executória.      
Não obstante o teor das normas e Acórdãos acima citados, para a interpretação dos Regulamentos Europeus, temos de atender à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia que existem sobre a matéria em discussão, pois é este o órgão com competência para interpretar o direito da União e garantir a sua aplicação uniforme, estando os tribunais nacionais vinculados à interpretação constante da respetiva jurisprudência, por força do primado do direito comunitário.

Assim, no caso, importa ter em atenção os seguintes Acórdãos daquele Tribunal:
- Ac. do Tribunal de Justiça da União Europeia de 16/09/15, Alpha Bank Cyprus, C-519/13 que proferiu a seguinte decisão:
“O Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que:
– a entidade requerida está obrigada, em qualquer circunstância e sem margem de apreciação a este respeito, a informar o destinatário do ato do seu direito de recusar a receção do mesmo, utilizando sistematicamente para o efeito o formulário tipo constante do Anexo II do referido regulamento; e
– a circunstância de a entidade requerida, quando procede à notificação de um ato ao seu destinatário, não ter juntado o formulário tipo constante do Anexo II do Regulamento n.° 1393/2007 não constitui um fundamento de nulidade do processo, mas uma omissão que deve ser regularizada em conformidade com o disposto no referido regulamento. (sublinhado nosso).
- Acórdão de 02/03/2017, Andrew Marcus Henderson, C-354/15, proferido na sequência de um reenvio prejudicial suscitado pelo Tribunal da Relação de Évora, no sentido de saber se a aplicação do disposto no art. 191º nº 2 do C.P.C. viola o acima referido regulamento e os princípios que lhe estão subjacentes, em que se decidiu que “O Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007 (…) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual, no caso de um ato judicial citado a um demandado residente no território de outro Estado‑Membro não ter sido redigido ou acompanhado de uma tradução quer numa língua que esse demandado compreenda quer na língua oficial do Estado‑Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado‑Membro, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação, a omissão do formulário constante do Anexo II desse regulamento gera a nulidade da referida citação ou da referida notificação, ainda que essa nulidade tenha de ser arguida por esse mesmo demandado num prazo determinado ou desde o início da instância e antes de qualquer defesa quanto ao mérito.
Em contrapartida, este mesmo regulamento exige que tal omissão seja regularizada em conformidade com as disposições nele enunciadas, através da comunicação ao interessado do formulário constante do Anexo II do referido regulamento.”
-Acórdão de 05/05/2022, ING Luxembourg, C-346/21, proferido na sequência de questões prejudiciais suscitadas pelo Tribunal da Relação do Porto que se pronunciou no mesmo sentido do Acórdão de 02/03/2017, Andrew Marcus Henderson, C-354/15.
É à luz destes Acórdãos que devemos interpretar as normas do Regulamento 1393/2007 e, designadamente, o seu art. 8º que impõe o envio do formulário constante do anexo II, determinando as consequências da sua omissão.
Assim, de acordo com o teor dos mencionados Acórdãos, temos de concluir que a omissão de envio, com a citação ou notificação, do mencionado formulário, não implica a nulidade da citação.
Nem se diga que tal entendimento viola os direitos de defesa do ora Embargante por a ação declarativa se encontrar finda, pois, de acordo com o art. 19º do Regulamento 805/2004, o devedor tem direito a requerer uma revisão da decisão junto do Tribunal de Origem, nomeadamente quando tiver sido impedido de deduzir oposição ao crédito por motivo de força maior ou devido a circunstâncias excecionais, sem que haja culpa da sua parte.
Por outro lado, tendo requerido a mencionada revisão pode requerer a suspensão ou limitação da ação executiva, nos termos do preceituado no art. 23º do mesmo Regulamento.
Assim, em face da citação/notificação para os termos da execução a que os presentes autos se encontram apensos, deveria o ora Embargante ter suscitado junto do Tribunal de origem a falta de envio do mencionado formulário e/ou a falta de tradução em idioma que compreenda dos documentos que lhe foram enviados por esse Tribunal e ainda que o prazo para contestar se iniciasse a partir do cumprimento de tais formalidades.
Aliás é o próprio Embargante que, no art. 23º da petição de embargos, refere que irá recorrer perante o Tribunal de origem, reconhecendo o seu direito à reapreciação da decisão por parte do mencionado Tribunal.
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Ainda que assim não se entendesse, sempre improcederia o pedido de declaração da nulidade da citação.

Com efeito, tendo a ora Embargante recebido uma carta de um país estrangeiro, num idioma que alegadamente não conhece, mas com aspeto de ter sido emitida por um organismo oficial, onde é referido o seu nome e o de uma empresa estoniana, com quem tem relações comerciais, seria de esperar, tendo como padrão o comportamento de um homem médio com diligência a zelo minimamente exigíveis, que procurasse saber o conteúdo da mencionada comunicação, nomeadamente com recurso a serviços de tradução disponíveis gratuitamente na internet que, embora possam não providenciar traduções exatas, conseguiriam, no entanto, que o utilizador percebesse minimamente o que estava em causa e daí, tomasse outras providências tais como suscitar junto do Tribunal da Estónia o desconhecimento da língua em que se encontravam os documentos que lhe foram enviados e a tradução dos mesmos para português, com a contagem de novo prazo para deduzir oposição, mas não o fez, limitando-se a ignorar os mencionados documentos.
Deste modo, entendemos que o Embargante não demonstrou, como lhe competia, que não teve conhecimento do ato por facto que lhe não foi imputável, não podendo assim, considerar-se que houve nulidade da citação equiparada à falta de citação.
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Procede, assim, o recurso, revogando-se a decisão recorrida que determinou a falta/nulidade da citação efetuada no Tribunal de origem e a consequente extinção da execução apensa, determinando-se o prosseguimento dos termos dessa execução.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento da execução.
Custas a cargo da Recorrida.
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Guimarães, 11 de abril de 2024

Alexandra Rolim Mendes (consigno que o processo apenas ficou a meu cargo a partir de 11/3/24, por me ter sido redistribuído)
Raquel Batista Tavares
José Cravo