CONTESTAÇÃO
PRAZO
Sumário


1)Terminando o prazo para contestar, de um dos réus, em data posterior à de outra ré, beneficia esta daquele prazo mais longo, pelo que lhe assiste o direito de, dentro desse prazo, formular pedido de apoio judiciário, que envolva a nomeação de patrono, interrompendo-se o prazo da contestação;
2) Em tal situação, o prazo interrompido reinicia-se a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) AA e mulher BB e CC, vieram intentar ação declarativa com processo comum de condenação contra DD e mulher EE, onde concluem pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência:
a) Serem os réus condenados a pagar aos autores a quantia de €16.000,00, correspondente ao remanescente do preço por conta do contrato mencionado em 5 a 8 da PI;
b) Serem os réus condenados a pagar aos autores a quantia de €504,82, a título de indemnização correspondente aos juros de mora vencidos, a contar do dia da constituição em mora (30/08/2022) e juros de mora vincendos, até integral e efetivo pagamento;
c) Serem os réus condenados a pagar aos autores a quantia de €2.000,00, a título de danos não patrimoniais;
d) Serem os réus condenados no pagamento de juros de mora sobre as supramencionadas quantias, à taxa legal, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
e) Serem os réus condenados nas custas e demais encargos legais.
Para tanto alegam, os autores, em síntese, que produziam/cultivavam cogumelos Shiitake (Donko) em troncos de madeira, designadamente, em troncos de carvalho e, venderam a madeira disponível aos réus, designadamente, os troncos de madeira (carvalho) retirados das suas estufas.
Para tanto, os autores celebraram com os réus um contrato verbal, nos termos do qual declararam vender a estes, que declararam comprar-lhes, a quantidade de 360 toneladas de madeira de carvalho seca, em toros de 1 metro, pronta a carregar, existentes e armazenadas nas suas estufas, sendo o valor convencionado de €50,00 por tonelada, tendo as partes, autor e réus, fixado o preço global de €18.000,00, ficando os autores encarregados de proceder à recolha da madeira.
Os réus pagaram ao autor a quantia inicial de €2.000,00, em numerário, ficando por pagar a quantia de €16.000,00 e, em face de tal contrato, os réus retiraram e levaram da propriedade dos autores diversas carradas de madeira, designadamente, 300 das 360 toneladas de madeira vendidas e aí deixaram na propriedade do autor uma carrada de madeira, com o peso de 60 toneladas, que iriam buscar em momento posterior, não tendo os réus, pago o remanescente do preço acordado, designadamente, a quantia de €16.000,00.
Os autores interpelaram os réus para cumprirem os termos do contrato celebrado, ou seja, para retirarem a restante madeira do prédio dos autores e proceder ao pagamento do remanescente do preço acordado, não tendo, contudo, recebido qualquer resposta dos réus.
Mais alegam os autores terem sofrido danos não patrimoniais cujo ressarcimento peticionam.

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Procedeu-se à citação do réu DD em 22/03/2023, por carta registada com aviso de receção, que não foi assinado pelo destinatário, bem como como da ré EE, em 22/03/2023, o qual foi assinado pela destinatária, tendo a contestação dado entrada em juízo em 19/09/2023, onde concluem entendendo dever julgar-se improcedente, por não provada, a presente ação, absolvendo-se os réus dos pedidos contra si formulados; cumulativamente, serem condenados os autores, em sede de litigância de má-fé, no pagamento de uma multa a definir pelo Tribunal e de uma indemnização aos réus, reembolsando-os das despesas da lide, incluindo os honorários do signatário - artigo 542º, nº 1 e 543º, nº 1, alínea a) e nº 3 do CPC.
Para tanto os réus impugnam a matéria de facto alegada, que em termos jurídicos justificará a conclusão referida.
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Foi proferido o despacho de 11/10/2023, onde se refere, na parte que aqui diretamente interessa, o seguinte:
“ …
DA TEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO APRESENTADA
Os réus foram citados para a presente ação em 22.03.2023 (cfr. fls. 15 e 16), tendo o AR relativo à citação do 1º réu sido assinado pela 2ª ré e aquele relativo à citação da 2ª ré sido assinado pela própria.
Logo, o prazo de que o 1º réu dispunha para contestar a presente ação terminou no dia 08.05.2023 (dia 7 – domingo), pois que ao prazo de defesa acresceu uma dilação de 5 dias, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 245º/1/al. a) CPC, e o prazo de que a 2ª ré dispunha para apresentar a sua contestação terminou no dia 02.05.2023 (cfr. art. 569.º/1 CPC).
Foi no dia 03.05.2023 (portanto, no 1º dia subsequente ao termo do prazo de que dispunha para contestar a presente ação) que a 2ª ré formulou junto do ISS o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono. O 1º réu nenhum ato praticou nos autos até ao dia ../../2023.
A pretensão formulada pela 2ª ré veio a ser indeferida por decisão datada de 06.07.2023 e que foi notificada à 2ª demandada por ofício datado desse mesmo dia.
Em 19.09.2023 foi remetida aos autos contestação, em nome de ambos os réus, subscrita por mandatário constituído pelos dois demandados.
Cumpre apreciar se houve qualquer prazo que se tenha interrompido nos termos e para os efeitos previstos no art. 24º/4 LAJ e se a contestação apresentada o foi tempestivamente, desde já se adiantando que se entende que não.
Lê-se no referido art. 24º/4 LAJ que “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso [sublinhado meu] interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”, acrescentando o nº 5 que “O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono”.
Acontece que, como se viu, o prazo de que a 2ª ré dispunha para contestar a presente ação havia terminado em 02.05.2023, ou seja, na véspera da apresentação, junto do ISS, do pedido de apoio judiciário.
No que tange à classificação dos prazos, lê-se no art. 139º CPC, que o prazo é dilatório ou perentório (nº 1), sendo que o primeiro difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo (nº 2) e o decurso do segundo extingue o direito de praticar o ato (nº 3).
É inegável o carácter perentório do prazo previsto no art. 569º/1 CPC.
É certo que o art. 569º/2 CPC prescreve que “Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida [sublinhado meu] até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.”
Porém, tal não significa que a contagem dos prazos se efetue de forma distinta em caso de pluralidade subjetiva passiva quando os diferentes réus são citados em dias distintos e/ou (como é o caso dos autos) algum deles beneficie de um prazo dilatório ou que, por força dessa previsão do art. 569º/2 CPC, se verifique uma extensão ex lege de um prazo perentório.
Tal resulta desde logo do reconhecimento, pela lei, de que os prazos terminam em dias distintos, o que é demonstrado pelo enunciado legal “Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus”.
S.m.o., é impressivo que a lei não preveja que nestes casos o prazo de contestação previsto no art. 569º/1 CPC apenas termine para todos os réus no último dia do prazo que começou a correr em último lugar. Aliás, a lei nem sequer ficciona que os diferentes prazos apenas começam a correr conjuntamente com o prazo que começou a correr em último lugar, antes reconhecendo expressamente que terminam em dias diferentes.
O que o art. 569º/2 CPC concede aos vários réus é a faculdade de, no caso de pluralidade subjetiva passiva, poderem apresentar a sua contestação até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar, ainda que os respetivos prazos, contados nos termos previstos no art. 567º/1 CPC, já se tenham esgotado.
E no CPC outras situações existem em que a lei concede às partes a faculdade de praticarem atos processuais depois de esgotados os prazos (perentórios) concedidos para o efeito.
Caso paradigmático é o previsto no art. 139º/5 CPC: prevê este normativo que “Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado [sublinhado meu] dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos (…)”.
Esta faculdade prevista pelo art. 139º/5 CPC não cria ou alonga o prazo perentório já decorrido.
Com o Ac. STJ de 17.04.2018, relatado pelo Cons. José Rainho e acessível em www.dgsi.pt, “O art. 139º do CPCivil não deixa dúvidas quanto à não assimilação de uma coisa (o prazo legal) à outra (prática do ato para além do prazo legal), aí onde, no respetivo nº 5, se reporta aos “três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo” (sublinhado nosso). Sendo obrigação do intérprete atender à letra da lei e presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nºs 2 e 3 do CCivil), não vemos como se possa defender que o que é subsequente ao termo do prazo ainda faça parte do próprio prazo.”
Por esse motivo, um requerimento de concessão de apoio judiciário formulado num dos três dias subsequentes ao termo do prazo previsto no art. 569º/1 CPC não tem a virtualidade de interromper tal prazo, mormente nos termos e para os efeitos do disposto no art. 24º/4 LAJ, pois que, repete-se, o prazo que se pretendia interromper já se encontrava integralmente decorrido.
Com o mesmo Ac. STJ de 17.04.2018, “Assim sendo, o “prazo em curso” a considerar na situação sub judice (prazo da contestação), nos termos e para os efeitos do nº 4 do art. 24º da Lei nº 34/2004, não era o de 30 dias mais os três primeiros dias úteis subsequentes a que se reporta o nº 5 do art. 139º do CPCivil, mas sim e sempre o de 30 dias. Repete-se: estes três dias não faziam parte do prazo da contestação, eram apenas um lapso ou intervalo de tempo de ocorrência eventual ou incerta, de tolerância ou condescendência legal para a hipótese da prática de um ato que deixou anteriormente de respeitar o prazo legal. Ato esse que o réu podia ter praticado (sob sancionamento em multa, pelo menos em princípio), mas isto na hipótese (que obviamente não se verificou) de se ter apresentado a contestar a ação. Já ao invés, o ato processual que praticou estava indexado, não a essa eventual ou incerta ocorrência, mas sim ao “prazo em curso” (que era o prazo da contestação, prazo de 30 dias).”
No mesmo sentido, vejam-se também os Acs. da Relação de Guimarães de 03.12.2009 e 08.03.2012, relatados, respetivamente pela Des. Isabel Rocha e pelo Des. Antero Veiga e o Ac. Relação de Coimbra de 10.03.2015, relatado pelo Des. Arlindo Oliveira, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Este raciocínio é integralmente transponível para o caso dos autos: a 2ª ré não beneficiava de qualquer dilação (mormente nos termos e para os efeitos do disposto no art. 245º/1/al. a) CPC): o que a lei (art. 569º/2 CPC) lhe concede é uma mera faculdade - ou, na expressão do Ac. STJ acima citado, verifica—se uma “tolerância ou condescendência legal para a hipótese da prática de um ato que deixou anteriormente de respeitar o prazo legal.”
Daqui resulta que aquando da apresentação, pela 2ª ré, do seu pedido de apoio judiciário já se encontrava integralmente decorrido o prazo de defesa previsto pelo art. 569º/1 CPC, pois que, repete-se, a 2ª demandada não beneficiava de qualquer dilação ou extensão legal, pelo que a apresentação desse pedido nenhum prazo interrompeu nos termos e para os efeitos do disposto no art. 24º/4 LAJ.
Logo, em 19.09.2023 há muito havia decorrido o prazo de que os réus dispunham para contestar, pelo que a conclusão que se impõe é a da extemporaneidade da contestação apresentada.
Ainda que assim se não entenda, o certo é que sempre a contestação apresentada não poderá deixar de ser considerada extemporânea relativamente ao 1º réu.
Com efeito, e como acima se viu, o prazo de que o 1º réu dispunha para contestar a presente ação terminou no dia 08.05.2023 (dia 7 – domingo).
Apenas em 19.09.2023 deu o 1º réu sinal de si nos autos, remetendo ao processo a contestação, conjuntamente com a 2ª ré.
S.m.o., a previsão do art. 569º/2 CPC apenas abrange prazos iniciais e não prazos “acrescidos”, acréscimos esses decorrentes seja de mecanismos de interrupção como o previsto no art. 24º/4 LAJ, seja de prorrogações concedidas nos termos previstos no art. 569º/4 ou 5 CPC.
Estas prorrogações fundam-se em circunstâncias atinentes à situação pessoal de um dos réus contestantes que não tem qualquer razão de ser considerar extensíveis àquele réu cujo prazo perentório não foi por qualquer forma interrompido ou prorrogado.
Este é, aliás, o entendimento defendido por José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto no que se refere à aplicabilidade da solução prevista no art. 569º/2 CPC aos casos em que o prazo de contestação de um dos réus (havendo pluralidade subjetiva passiva) foi prorrogado ao abrigo do disposto no art. 569º/4 ou 5 CPC e que por identidade de razão se deverá considerar aplicável àqueloutras situações em que um prazo de contestação foi interrompido por apresentação de um pedido de concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de compensação a patrono.
Escrevem estes autores, em anotação ao art. 486º do CPC anterior àquele aprovado pela L41/2013, cujo nº 2 tinha a mesma redação do atual art. 569º/2 CPC, que “A norma [art. 486º/2] não se aplica quando o prazo de algum dos réus seja prorrogado nos termos do nº 4 ou do nº 5. Esta prorrogação é concedida pelo juiz ao requerente que dela careça, não se estendendo o benefício aos corréus que não a requeiram. Para saber, por conseguinte, qual o prazo que termina em último lugar, considera-se tão-só a dilação e o prazo perentório inicial. A manutenção, em 1995-1996, da redação do preceito, com rejeição da redação alternativa do art. 381-2 do Projeto da comissão Varela (”até ao termo do prazo da contestação que possa ser apresentada em último lugar”) é, neste sentido, elucidativa.”
Assim, sempre a contestação apresentada teria de ser considerada intempestiva relativamente ao 1º demandado.
Ante o exposto, julgo extemporânea a contestação apresentada e consequentemente determino o respetivo desentranhamento e respetiva devolução aos réus, tudo se passando como se a ação não tivesse sido contestada.
Notifique.
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Ante a falta de contestação, consideram-se confessados os factos alegados na p.i. (art. 567º/1 CPC).
Notifique os autores nos termos e para os efeitos do disposto no art. 567º/2 CPC; decorrido o prazo, notifique os réus para os mesmos fins.
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C) Inconformados com a decisão vieram os réus EE e FF interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir em separado, com efeito devolutivo (ref. ...55).
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Nas alegações de recurso dos réus EE e FF, foram formuladas as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto do Douto despacho do Tribunal “a quo”, datado de 11.10.2023 (com a Ref.ª Citius 186970758), que determinou a intempestividade da contestação e ordenou o seu desentranhamento.
II. O objeto do presente recurso radica:
a) na apreciação de se o Douto Despacho sob recurso padece da nulidade, decorrente da proferição de uma decisão surpresa, sem que antes se tenha dado às partes a possibilidade de se pronunciarem acerca da intenção do Tribunal de considerar intempestiva a contestação e de determinar o respetivo desentranhamento.
b) na questão de saber se: I) o prazo para o réu DD contestar beneficiava de uma dilação de 5 dias por a citação ter sido feita em terceira pessoa? II) o prazo limite (sem multa) para o réu DD contestar se fixava no dia 08.05.2023? III) a ré EE usufruía, ao abrigo do disposto no artigo 569º, nº 2 do CPC, do direito de contestar até ao termo do prazo do outro réu? IV) A ré EE tivesse contestado até dia 08.05.2023, a contestação devia ser aceite; V) se a ré EE tivesse requerido a prorrogação do prazo para contestar ou a suspensão da instância antes de apresentar contestação poderia fazê-lo até ../../2023? VI) a apresentação, aos 03.05.2023, do pedido de proteção jurídica nos autos na modalidade de nomeação e pagamento de patrono provocou a interrupção do prazo para contestar? VII) a ter-se por findo aos 02.05.2023, o prazo para contestar da ré EE e tendo sido apresentado o pedido de proteção jurídica nos autos na modalidade de nomeação e pagamento de patrono provocou a interrupção, haveria lugar à aplicação do disposto no artigo 139º, nº 5 do CPC, devem a secretaria ter notificado a ré para pagar a multa correspondente? VIII) se a notificação feita à ré EE da interrupção da instância, criou nesta a confiança de que o prazo havia sido interrompido? IX) a interrupção do prazo para contestar, pode ser aproveitada pelo outro réu ao abrigo do disposto no artigo 569º, 2 do CPC? X) a contestação foi tempestiva e, consequente, se deve ser admitida? XI) a não beneficiar o réu DD da interrupção do prazo em relação ao outro réu, se a contestação da EE deveria ter sido aproveitada desentranhando-se ou considerando-se como não escrito o nome do réu DD na contestação apresentada.
c) na apreciação de se a interpretação feita no despacho recorrido do disposto no artigo 569º, nº 2 do CPC, é compatível com os princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção da confiança, com o preceito fundamental que consagra o direito de acesso ao direito, o direito de acesso aos tribunais, e com o Regime Jurídico que concretiza esses direitos, assim como é inconciliável com o parâmetro constitucional que cauciona a tutela jurisdicional efetiva – com as garantias de defesa de que deve dispor qualquer cidadão, com o exercício judicial dos direitos de contraditório, com a proibição de entraves adjetivos à dedução judicial de pretensões por parte dos cidadãos (artigos 2º, 20º (nºs 1, 4 e 5), 32º, nº 5 e 204º da Constituição da República Portuguesa), ou se, pelo contrário, a interpretação feita é não conforme a CRP.
III. O princípio do contraditório, como princípios estruturante e fundamental do processo civil, obriga à prévia audição das partes para as precaver contra decisões-surpresa. A inobservância deste princípio, designadamente através da não concessão a uma das partes da possibilidade de se pronunciar previamente sobre uma determinada questão, integra o âmbito da cláusula geral sobre as nulidades processuais secundárias constantes do nº 1 do artigo 195º do CPC, nulidade que aqui se invoca com as consequências processuais que a declaração judicial dessa nulidade dimanará.
IV. Os recorrentes consideram ter existido inobservância do princípio do contraditório e porque, salvo mais douto entendimento, a M.ª Julgadora deveria ter concedido às partes o contraditório quanto à decisão materializada no Douto Despacho de considerar intempestiva a contestação apresentada e da determinação do seu desentranhamento.
V. Sem conceder o direito de contraditório às partes, designadamente às que seriam afetada e prejudicadas pelo conhecimento dessas questões, deparamo-nos com uma autêntica decisão-surpresa por parte da M.ª Julgadora a quo, o que em teoria e na prática, lhe sonegou em absoluto a reação em sede de exercício do direito de contraditório, relevasse ou não tal reação – e no caso relevou –, para o sentido decisório do Douto despacho.
VI. Violou, assim, o Douto Despacho sob recurso clamorosa e flagrantemente os sacrossantos princípios do contraditório (artigo 3º, nº 3 do CPC) e da igualdade das partes (artigo 4º e 7º, nº 1, 2 e 8º do CPC), violação que integra o âmbito da cláusula geral sobre as nulidades processuais secundárias constantes do nº 1 do artigo 195º do CPC, nulidade que aqui se invoca com as consequências processuais que a declaração judicial dessa nulidade dimanará.
VII. O prazo para o réu DD contestar beneficiava de uma dilação de 5 dias por a citação ter sido feita em terceira pessoa (artigo 245º, nº 1, al. a) do CPC e que, por via disso, o prazo limite (sem multa) para o réu DD contestar só terminava no dia 08.05.2023 (artigos ).
VIII. Terminado o prazo para contestar do outro réu, DD, no dia 08.05.2023, a ré EE usufruía, ao abrigo do disposto no artigo 569º, nº 2 do CPC, do direito de contestar até ao termo do prazo do outro réu, ou seja, até ao dia ../../2023.
IX. Deve, s.m.o., interpretar-se essa norma (artigo 569º, nº 2 do CPC), não só no sentido de prazo para contestar (stricto sensu), mas outrossim que está abrangido por esse prazo o pedido de prorrogação do prazo para contestar, o pedido de as partes (conjuntamente) requerem a suspensão da instância, sem preclusão do direito de contestar, o prazo para requerer a interrupção do prazo para contestar e da prática de todos os atos necessários à defesa.
X. Só o sentido interpretativo do artigo 569º, nº 2 do CPC, que preveja que o prazo para a recorrente EE praticar qualquer ato inerente à sua defesa, no que se compreende a interrupção da instância por ter requerido a concessão de proteção jurídica, é conforme os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança – que decorrem do princípio do Estado de Direito ínsito no artigo 2º da CRP, da boa-fé processual (artigo 8º do CPC), e respeitador do princípio da paridade de armas – estruturante do nosso ordenamento jurídico, de valor supra legislativo atento o disposto no artigo 6º da Convenção Europeia Direitos do Homem.
XI. A interpretar-se o artigo 569º, nº 2 do CPC (stricto sensu), que só vale para a prática da contestação mas não para a prática de qualquer outro direito de defesa, está-se a violar os ante mencionados principio constitucionais da segurança jurídica e da proteção da confiança – que decorrem do princípio do Estado de Direito ínsito no artigo 2º da CRP, o principio da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º e 204º da CPR), o princípio da paridade de armas (artigo 32º, nº 5      in fine da CRP, consagrado a propósito do processo penal, embora extensivo, por paridade de razões, a todas as formas de processo), não constitucionalidades que aqui se arguem para todos os efeitos legais.
XII. A apresentação, aos 03.05.2023, do pedido de proteção jurídica nos autos na modalidade de nomeação e pagamento de patrono provocou a interrupção do prazo para contestar.
XIII. A ter-se por findo aos 02.05.2023, o prazo para contestar da ré EE, o que apenas de admite por abrangência de patrocínio, tendo sido apresentado o pedido de proteção jurídica nos autos na modalidade de nomeação e pagamento de patrono, haveria lugar à aplicação do disposto no artigo 139º, nº 5 do CPC, por o ato ter sido praticado no 1º dia seguinte ao termo, pelo que, deveria ter sido notificada para pagar a multa correspondente. Não tendo tal sucedido, deve a mesma ser agora notificada.
XIV. Foi remetida à recorrente EE, aos 09.05.2023, notificação da secretaria a dar conta da interrupção da instância. Nessa altura, perfilhando a tese interpretativa do artigo 569º, nº 2 do CPC plasmada no Douto Despacho sindicado, a ré EE, ainda estava em prazo de contestar, estávamos no 1º dia com multa. Mas tal notificação levou-a a confiar na interrupção e a não contestar.
XV. Se não havia interrupção da instância e a recorrente EE ainda estava em prazo de contestar, em face da interpretação perfilhada pelo Douto Despacho recorrido, não tinha a secretaria de notificar a mesma de que o prazo para contestar se encontrava interrompido, impedindo que a mesma contestasse, fazendo uso da faculdade prevista no artigo 139º, nº 5 do CPC.
XVI. A notificação (de 09.05.2023) criou na recorrente EE a convicção/confiança de que o prazo para contestar estava interrompido, levando, por isso, a que a mesma não suspeitasse que o entendimento posterior seria o de que, afinal, não estava interrompido. Tal levou a que a mesma não tivesse contestado, quando ainda estava em tempo (1º dia de multa). Não podendo a recorrente ser prejudicada pela conduta da secretaria (por força do disposto no artigo 157º, nº 6 do CPC), deve ter-se o prazo por interrompido.
XVII. Acresce, ainda, que, se a ratio legis do disposto no artigo 569º, 2º do CPC é a paridade de armas, não obrigando uma parte a contestar antes da outra, para não a colocar em vantagem, por que conhecedora dos argumentos dos outros réus.
XVIII. Esta imposição de que o prazo de contestação deva terminar na mesma data para todos os réus assenta no princípio da igualdade de armas, o qual deve ser considerado estruturante do nosso ordenamento jurídico, de valor supra - legislativo atento o disposto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, com a decorrente influência na interpretação das normas processuais – vide ponto II do sumário do Acórdão do TRP, de 28.11.2017, no processo 11403/16.9T8PRT-A.P1, relatado pelo Juiz Desembargador José Igrejas Matos.
XIX. In casu, a ter-se por interrompido o prazo para contestar da recorrente EE, ao obrigar o réu DD a contestar antes daquela, estar-se-ia a violar o disposto no artigo 569º, nº 2 do CPC.
XX. A contestação dos réus deve ser considerada tempestiva e, por via disso, deve ser admitida.
XXI. Subalternadamente, por abrangência de patrocínio, não se considerando tempestiva a contestação do réu DD, por este não beneficiar da interrupção do prazo do outro réu, deve considerar-se apenas a contestação apresentada como em nome da recorrente EE, considerando-se como não escrito o nome do réu DD.
XXII. A não ser assim, violar-se-á, como violou a Douta Decisão recorrida, o disposto no artigo 3º, nº 3, 4º, 7º, nº 1 e 2, 8º, 139º, nº 5, 142º, 157º, nº 6, 245º, nº 1, al. a), 569º, nº 1 e 2 do CPC; artigo 24º, nº 4 e 5 da Lei nº 34/2004, de 29.06 (LAJ); artigo 2º, 20º, nº 1, 4 e 5, 32º, nº 5 “in fine” e 204º da CRP e artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
XXIII. A condenação dos réus – nestas circunstâncias e face aos normativos que se lhe aplicam, vazados nos artigos 139º, nº 5, 142º, 245º, nº 1, al. a), 569º, nº 1 e 2 do CPC; artigo 24º, nº 4 e 5 da Lei nº 34/2004, de 29.06 (LAJ) –, com fundamento de que o artigo 569º, nº 2 do CPC apenas prevê a possibilidade de um réu oferecer a respetiva contestação até ao termo do prazo do último de começou a correr em último lugar, mas que tal não abrange o direito de executar outros meios de defesa como requerer a prorrogação do prazo para contestar, a suspensão da instância ou o requerimento da interrupção da instância por força do pedido de proteção jurídica, traz ínsita uma interpretação que envolve a inconstitucionalidade dessas normas, por violação dos artigos 2º, 20º (nºs 1, 4 e 5), 32º, nº 5 e 204º da Constituição da República Portuguesa, não constitucionalidade que aqui se argui.
XXIV. A consideração da intempestividade da contestação por se considerar que o prazo previsto no artigo 569º, nº 2 do CPC, apenas abrange o exercício do direito de contestar, mas não abrange outros meios de defesa da posição jurídica dos réus, é incompatível com os princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção da confiança – que decorrem do princípio do Estado de Direito ínsito no artigo 2º da CRP, com o preceito fundamental que consagra o direito de acesso ao direito, o direito de acesso aos tribunais, e com o Regime Jurídico que concretiza esses direitos, assim como é inconciliável com o parâmetro constitucional que cauciona a tutela jurisdicional efetiva – com as garantias de defesa de que deve dispor qualquer cidadão, com o exercício judicial dos direitos de contraditório, com a proibição de entraves adjetivos à dedução judicial de pretensões por parte dos cidadãos.
XXV. Face ao exposto, revogando o douto despacho no segmento sob sindicação, deve ser reconhecido que a contestação (dos dois ou, subsidiariamente, da recorrente EE) foi tempestiva e, consequentemente, que não havia razão para desentranhar a contestação.
Terminam entendendo dever ser concedido provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a decisão recorrida, substituindo-a por uma outra que, respeite os predicados legais, reconheça a tempestividade da contestação e, consequente, admita a mesma nos autos.
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Pelos apelados AA e CC foi apresentada resposta onde entende que deve a apelação ser julgada improcedente, mantendo-se o douto despacho apelado nos seus precisos termos, com as legais consequências. 
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir na apelação é a de saber:
- Se deverá ser reconhecida a tempestividade da contestação e admitida a mesma nos autos.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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O recurso visa a reapreciação da decisão de direito.

Entendem os apelantes que o despacho recorrido padece de nulidade decorrente de ter sido proferido uma decisão surpresa sem que antes tenha sido dada às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a intenção do Tribunal de considerar intempestiva a contestação e de determinar o seu desentranhamento.

Conforme se refere no Acórdão do STJ de 12/07/2018, no processo 177/15.0T8CPV-A.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque «o princípio do contraditório, que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, implica, nos termos do estipulado pelo artigo 3º, nº 1, do CPC, que “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, por não lhe ser lícito, continua o respetivo nº 3, “salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Do princípio do contraditório decorre a regra fundamental da proibição da indefesa, em função da qual nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada, pelo tribunal, sem que, previamente, tenha sido dada às partes ampla e efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.
Porém, a decisão-surpresa que a lei pretende afastar, afoitamente, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar e não com os fundamentos não expectáveis de decisões que já eram previsíveis, não se confundindo a decisão-surpresa com a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento.”»
Dir-se-á, em face do exposto, que, neste conspecto, não assiste razão aos apelantes.
Com efeito, os réus encontram-se representados por advogado e, foram regularmente citados por carta registada, com aviso de receção, com integral cumprimento das formalidades legais, nomeadamente, com indicação dos prazos de que dispunham para apresentar contestação e das consequências da falta desta, a que acresce o facto de estarem representados por advogado.
Ora, a decisão surpresa, conforma acima se refere é aquela com que as partes não tinham a obrigação de prever, pelo que, face aos elementos referidos, a decisão proferida, não sendo a desejada pelos mesmos, não se pode afirmar que não fosse previsível, motivo pelo qual inexiste qualquer decisão surpresa e, como tal, qualquer nulidade, indeferindo-se, assim, a pretensão formulada.
Os apelantes entendem que existiu inobservância do princípio do contraditório, uma vez que a Mª Juiz deveria ter concedido às partes o contraditório quanto à decisão materializada no despacho recorrido, porém, como acima se indicou não há qualquer violação do princípio do contraditório, que é um antecedente da proibição da decisão surpresa.
As partes foram, precisamente, citadas para deduzirem contestação, com a expressa cominação das suas consequências, caso não o fizessem tempestivamente, pelo que nenhuma violação do princípio do contraditório existe, arguição que, assim, improcede.
Com muito bem se refere na decisão recorrida, os réus foram citados para a presente ação em 22.03.2023 (cfr. fls. 15 e 16), tendo o AR relativo à citação do 1º réu sido assinado pela 2ª ré e aquele relativo à citação da 2ª ré sido assinado pela própria, pelo que o prazo de que o 1º réu dispunha para contestar a presente ação terminou no dia 08.05.2023 (dia 7 – domingo), pois que ao prazo de defesa acresceu uma dilação de 5 dias, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 245º/1/al. a) CPC, e o prazo de que a 2ª ré dispunha para apresentar a sua contestação terminou no dia 02.05.2023 (cfr. art. 569º/1 CPC).
Os apelantes sustentam que terminando o prazo para contestar do réu DD em 08/05/2023, a ré EE usufruía, ao abrigo do disposto no artigo 569º nº 2 do NCPC, do direito de contestar até ao dia 08/05/2023.
Refere-se no despacho recorrido que “no dia 03.05.2023 (portanto, no 1º dia subsequente ao termo do prazo de que dispunha para contestar a presente ação) a 2ª ré formulou junto do ISS o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono. O 1º réu nenhum ato praticou nos autos até ao dia ../../2023.
A pretensão formulada pela 2ª ré veio a ser indeferida por decisão datada de 06.07.2023 e que foi notificada à 2ª demandada por ofício datado desse mesmo dia.
Em 19.09.2023 foi remetida aos autos contestação, em nome de ambos os réus, subscrita por mandatário constituído pelos dois demandados.
Afigura-se-nos que face ao disposto no artigo 569º nº 2 NCPC, era lícito à ré beneficiar da extensão do prazo para apresentação da contestação, relativamente àquele que o réu beneficiava, por terminar o prazo mais tarde.
Assim sendo, o prazo para a apresentação da contestação terminava no dia 08/05/2023, pelo que a apresentação pela ré junto do ISS do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação do patrono em 03/05/2023, é tempestiva e tem como efeito a interrupção do prazo para contestar (artigo 24º nº 4 da Lei nº 34/2004, de 29/7) reiniciando-se o prazo com a notificação ao requerente da decisão que indefira o pedido de nomeação [artigo 24º nº 5 alínea b)], pelo que tal prazo se reiniciou, sendo tempestiva a apresentação da contestação em 19/09/2023.
Resulta, assim, assistir razão aos apelantes, pelo que a sua pretensão terá de ser julgada procedente, admitindo-se a contestação apresentada pelos mesmos, por ser tempestiva, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas, revogando-se a douta decisão recorrida e julgando-se a apelação procedente.
Face ao provimento da pretensão dos apelantes e ao decaimento da posição sustentada pelos apelados, sobre estes recai a obrigação de suportar as custas do processo (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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III. DECISÃO

Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a douta decisão recorrida, admitindo-se a contestação apresentada pelos apelantes, que é tempestiva, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
Custas pelos apelados.
Notifique.
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Guimarães, 11/04/2024

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Alexandra Rolim Mendes
2ª Adjunta: Desembargadora Ana Cristina Duarte