ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO DE DANOS PRÓPRIOS
CLÁUSULAS DE EXCLUSÃO
Sumário

I – As exclusões previstas nas condições gerais da apólice de contrato de seguro automóvel facultativo (dos chamados “danos próprios”), quanto à cobertura de “choque, colisão ou capotamento”, integram diversas situações específicas e objectivas, as quais são independentes da pessoa do proprietário do veículo, da circunstância de o mesmo ser, ou não, a pessoa segura ou o tomador do seguro, ou de ser, ou não, o condutor habitual do veículo ou mesmo o condutor do veículo no momento da ocorrência do sinistro, sendo irrelevante se houve ou não contribuição do proprietário para a ocorrência da situação geradora da exclusão.
II – A cláusula que exclui da cobertura da apólice os danos causados ao veículo seguro quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, mesmo que este condutor não seja o proprietário do veículo, não visa prejudicar ou discriminar este último, antes salvaguardar a posição da seguradora perante comportamentos que são, objectivamente, censuráveis, independentemente da pessoa que os assuma.
III – O proprietário deve assegurar-se que a pessoa a quem entrega o seu veículo para o conduzir é alguém que cumpre as regras legais, correndo por sua conta (e não da seguradora) o risco de escolher alguém que não o faça e que possa praticar alguma conduta que integre uma exclusão das coberturas da apólice.

Texto Integral

Processo nº 1334/21.6T8MCN.P1
(Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de Marco de Canaveses)

Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1º Adjunto: António Carneiro da Silva
2ª Adjunta: Francisca Micaela Vieira

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I AA intentou, no Juízo Local Cível de Marco de Canaveses do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, acção declarativa, com processo comum, contra “A..., S.A.”, actualmente “B..., S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 18.195,98.
Alegou para tal ter celebrado com a R. um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, com a cobertura facultativa de “choque, colisão e capotamento”, respeitante ao veículo de matrícula ..-RN-.., o qual esteve envolvido num acidente de viação na Bélgica, com a consequência da sua perda total, tendo o A. sofrido os prejuízos correspondentes ao valor do veículo, de € 18.044,72, e às despesas com o transporte do mesmo para Portugal, no montante de € 151,25.
A R. contestou, aceitando a celebração do contrato de seguro, impugnando os restantes factos alegados na petição inicial, e invocando que o sinistro em causa está excluído da cobertura da apólice, porque o condutor do veículo apresentava uma T.A.S. superior à legalmente prevista, conforme cláusula inserida nas condições gerais, que o valor máximo em vigor nas coberturas de danos próprios era, à data do acidente, de € 12.018,53, existindo ainda uma franquia, que em caso de perda total o valor mínimo a indemnizar seria o valor da avaliação pericial efectuada ao veículo, a qual não teve lugar, por responsabilidade do A., que não participou o sinistro e não disponibilizou o veículo para vistoria, o que ademais torna impossível a prestação da R., e que a cobertura de assistência em viagem previa que fosse assegurado o reboque do veículo e não o reembolso de despesas.
A R. deduziu ainda reconvenção e peticionou a intervenção principal provocada do condutor do veículo do A, matéria que foi conhecida na decisão recorrida, mas que não foi objecto de recurso, tendo transitado em julgado nessa parte, pelo que da mesma não se irá conhecer, sendo desnecessário fazer-lhe mais referências no relatório da presente decisão.
O A. respondeu, defendendo não se verificarem as excepções invocadas pela R. na contestação, aduzindo ainda que a assistência em viagem lhe foi negada na Bélgica e por isso teve que transportar o veículo para Portugal pelos seus próprios meios.
Por despacho de 01/04/2023, após se ter frustrado a hipótese de conciliação que se colocou na audiência prévia, foram as partes informadas de que “O Tribunal entende que a matéria dos autos já assente quer por confissão quer por prova documental não impugnada, permitir decidir do mérito de imediato” e foram notificadas para dizerem o que tivessem por conveniente.
A R. pronunciou-se no sentido de nada ter a opor a que fosse proferida decisão de mérito, enquanto o A. defendeu existir matéria essencial a dever ser objecto de prova em audiência de julgamento.
Após, foi proferida sentença, em 07/05/2023, na qual se decidiu (na parte com relevo para o presente recurso) julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver a R. do pedido.
De tal sentença veio o A. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«A - O veículo de matrícula ..-RN-.., é propriedade do aqui recorrente, tendo por via disso, subscrito um contrato de seguro com a ré, tendo o seu inicio em 08-07-2016, tendo gerado a apólice sob o n.º ...;
B – Ao que acresce, que tal contrato de seguro, rege-se, ou regia-se pelas condições particulares e condições gerais ..., e em tal subscrição em condições particulares, foi contratado o seguro facultativo com a cobertura de danos próprios, inicialmente com o valor de 18.044,72€, sujeito a uma franquia de 2%, e tendo em 14/05/2018 e em face da desvalorização do veiculo sido fixado o valor de 12.695,62€;
C – O referido veículo ligeiro, de marca BMW, com a matrícula ..-RN-.., esteve envolvido num acidente de viação, na Bélgica, no dia 25 de Novembro de 2018, por volta das 00:55h, na Avenida ..., em frente ao nº ..., em Bruxelas, então conduzido por BB.
D - O BMW seguia em tal artéria no sentido sul/norte, quando o seu condutor BB perdeu o controle do mesmo, despistando-se, vindo a embater em dois veículos que se encontravam estacionados na berma da via, um deles da marca Opel ... com a matricula 1UEQ.. pertença de CC e outro da marca Hyundai ..., pertença de DD, EE, com a matricula 1SPZ...
E - Em consequência do embate, quer o veículo seguro na R., quer os supra identificados veículos que se encontravam estacionados, sofreram danos materiais de vulto consubstanciados na amassadela da chapa, quebra de faróis, grelhas, plásticos.
F - Foi chamada a autoridade que compareceu no local e determinou que o condutor BB fosse submetido a teste de despistagem de TAS cujo resultado acusou uma TAS de 0,64 g/l quando o máximo legal, tal como em Portugal, é de 0,50g/l.
G - O veículo foi transportado, do local do acidente, ou pelo menos da Bélgica para Portugal, a expensas do autor que pagou a quantia de 151,25€.
H - À data do sinistro a apólice estava em vigor, o seu prémio tinha sido pago e com validade entre 08 de Julho de 2018 a 07 de Janeiro de 2019.
I - De harmonia com o disposto no art. 5º n.º 1 alínea e) das condições gerais da apólice de seguro facultativo “…ficam ainda excluídos do âmbito do seguro automóvel facultativo:
e) danos causados ao veículo seguro quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida, ou acuse estupefacientes ou de outras drogas ou produtos tóxicos.
J – Dúvidas não podem subsistir que o tribunal “a quo”, não distingue condutor do proprietário e tomador do seguro, tratando-os como se fossem uma única pessoa;
L – Ao arrepio da verdade, pois não podem ser assacadas quaisquer responsabilidades ao proprietário do veiculo, nomeadamente uma clausula de exclusão de responsabilidade, uma taxa de alcoolémia totalmente alheia à sua pessoa, bem como, é verdade, e trazendo aqui à colação o arrazoado vertido em sede de convicção do tribunal e fundamentação de direito, em nada, e até com muita bondade se encontra um nexo de causalidade dos factos praticados pelo condutor que possam respaldar no proprietário do veículo e que este proprietário fica à mingua do contratado com a ré;
M – Se assim fosse, o que não se concede, estaríamos perante a figura de abuso de direito, previsto no plasmado no artigo 334º do Código Civil, que também se traz à colação, extraindo-se de tal, todas as consequências legais.
N - No mais o tribunal “a quo”, violou a livre apreciação da prova e com tal, inquinou a sua formação e convicção para proferir a sentença aqui posta em crise, pois em verdade, a não separação das responsabilidades do condutor, e imputando as mesmas ao proprietário/tomador do seguro, toda a decisão está inquinada e disso estampa a prolação desta sentença aqui posta em crise, e que certamente V.Exas. Mui Claros Desembargadores, irão reparar.
TERMOS EM QUE, e nos melhores de direito, não tanto pelo alegado, mas sim, pelo doutamente suprido por V.Exas, deverá o presente recurso ser procedente, e por via disso,
- Ser a ré condenada a pagar o valor venal do veículo no montante à data de 12.695,62€, acrescido de juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento
- Pagar as despesas de transporte no montante de 161,25€
Fazendo-se assim, a melhor e mais sábia JUSTIÇA».
A R. apresentou contra-alegações, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), é uma única a questão a tratar:
a) averiguar se o A. tem direito a receber da R., no âmbito do contrato de seguro entre ambos realizado, as quantias respeitantes ao valor do veículo e às despesas com o seu transporte para Portugal.
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Apreciemos, tendo em conta os factos dados como provados na decisão recorrida (transcrição):
«1. Entre Autor e Ré, foi celebrado um contato de seguro automóvel com inicio a 08.07.2016, com validade de um ano e seguintes, tendo por objeto um veículo automóvel da marca BMW, matricula ..-RN-.., titulado pela apólice n.º ....
2. Tal contrato de seguro tinha um prémio comercial no montante de 414,21 €, com fracionamento trimestral do pagamento.
3. Tal contrato de seguro, rege-se pelas condições particulares e pelas condições gerais ....
4. Das condições particulares consta que, além da cobertura obrigatória de responsabilidade civil perante terceiros, foi contratado seguro facultativo com a cobertura de danos próprios do veículo, a saber e para o que aqui releva:
- choque, colisão e capotamento com o capital € 18.044,72 (para a anuidade inicial - 2016) sujeita a uma franquia de 2% calculada sobre o valor do veículo à data do sinistro com o mínimo de € 200,00, tendo o âmbito territorial, dentro da EU, e aderentes.
5. Com data de 14/5/2018 foi remetida ao A. a carta de atualização anual com indicação do valor a vigorar na anuidade a renovar com início em 8/7/2018, em que, face à desvalorização do veículo o capital deste para a cobertura de danos próprios foi fixado em € 12.695,62 por aplicação da tabela de desvalorização anexa à apólice e que acompanhou a carta.
6. Subsequentemente, na data de 4/6/2018 foi apresentado pelo A. por intermédio do seu mediador, um pedido de alteração da apólice no sentido de o fracionamento do prémio passar a semestral.
7. O referido veículo ligeiro, de marca BMW, com a matrícula ..-RN-.., esteve envolvido num acidente de viação, na Bélgica, no dia 25 de Novembro de 2018, por volta das 00:55h, na Avenida ..., em frente ao nº ..., em Bruxelas, então conduzido por BB.
8. O BMW seguia em tal artéria no sentido sul/norte, quando o seu condutor BB perdeu o controle do mesmo, despistando-se, vindo a embater em dois veículos que se encontravam estacionados na berma da via, um deles da marca Opel ... com a matricula 1UEQ.. pertença de CC e outro da marca Hyundai ..., pertença de DD, EE, com a matricula 1SPZ...
9. Em consequência do embate, quer o veículo seguro na R., quer os supra identificados veículos que se encontravam estacionados, sofreram danos materiais de vulto consubstanciados na amassadela da chapa, quebra de faróis, grelhas, plásticos.
10. Foi chamada a autoridade que compareceu no local e determinou que o condutor BB fosse submetido a teste de despistagem de TAS cujo resultado acusou uma TAS de 0,64 g/l quando o máximo legal, tal como em Portugal, é de 0,50 g/l.
11. O veículo foi transportado, do local do acidente, ou pelo menos da Bélgica para Portugal, a expensas do autor que pagou a quantia de 151,25€.
12. À data do sinistro a apólice estava em vigor, o seu prémio tinha sido pago e com validade entre 08 de Julho de 2018 a 07 de Janeiro de 2019.
13. De harmonia com o disposto no art. 5º n.º 1 alinea e) das condições gerais da apólice de seguro facultativo “…ficam ainda excluídos do âmbito do seguro automóvel facultativo:
e) danos causados ao veículo seguro quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida, ou acuse [consumo de] estupefacientes ou de outras drogas ou produtos tóxicos.”
14. Estando o veículo seguro com danos que importem a sua imobilização sem que seja possível a reparação até 3 dias, “o segurador garante o repatriamento do veículo seguro até ao domicilio da pessoa segura em Portugal ou até à oficina concessionário da marca mais próxima deste local, por ela indicada.” (cláusula 2.1 das CGA – cobertura de assistência em viagem)
15. O A. nunca participou o sinistro acionando a cobertura dos danos próprios, impedindo a R. de proceder à vistoria do veículo e, assim, apurar e quantificar os danos e a viabilização da sua reparação ou a constatação de perda total.
16. Sendo a apólice do autor, de fracionamento de prémio semestral, e pese embora o mesmo tenha liquidado a primeira fração do prémio da anuidade iniciada em 8/7/2018 e com termo em 7/7/2019, na data do vencimento da segunda fração semestral – 8/1/2019 – não liquidou esta no valor de € 239,40.
17. Mercê do acidente, o veículo Opel ... de matrícula 1UEQ.. sofreu danos severos na sua carroçaria que importaram a sua perda total após fixada pela empresa de peritagem DEKRA, foi fixado o valor venal do veículo em €20.661,00, o qual, deduzido do valor de salvado de € 10.100,00 importou num prejuízo indemnizado ao proprietário CC em € 10.561,00, pagos pela representante da aqui R. (doc.8).
18. Por outro lado, ainda do mesmo acidente resultaram danos no Hyundai ... de matricula 1SPZ.., pertença de DD, no painel e vidro traseiros cuja reparação importou em € 1.105,95, pagos pela representante da aqui R. na Bélgica.».
Atenta a matéria de facto acabada de transcrever, definitivamente fixada, uma vez que não foi impugnada por qualquer das partes, verifica-se que está provado que entre o A. e a R. foi celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel, na modalidade obrigatória de responsabilidade civil perante terceiros e na modalidade facultativa usualmente denominada por “danos próprios”, incluindo esta a cobertura de “choque, colisão e capotamento”, tendo por objecto o veículo de matrícula ..-RN-.. (a apólice e as respectivas condições gerais, especiais e particulares encontram-se juntas com a contestação), o qual foi interveniente num acidente de viação na Bélgica, no dia 25/11/2018, no âmbito do qual foi embater em dois veículos estacionados na berma, com o que sofreu danos (amassadela da chapa, quebra de faróis, grelhas, plásticos), verificando-se que, na ocasião, o condutor do veículo apresentava uma T.A.S. de 0,64 g/l, acima do máximo legal.
Das condições gerais da apólice do contrato de seguro fazem parte, entre outras, as seguintes cláusulas constantes da “Parte II – Do Seguro Facultativo”:
“ARTIGO 3º - DEFINIÇÕES
Para efeitos do presente contrato, entende-se por:
(…)
CHOQUE, COLISÃO OU CAPOTAMENTO
Choque: danos resultantes ao veículo do embate contra qualquer corpo fixo, ou sofrido por aquele quando imobilizado;
Colisão: danos resultantes ao veículo do embate com qualquer outro corpo em movimento;
Capotamento: danos resultantes ao veículo em que este perca a sua posição normal e não resultem de choque ou colisão.
(…)
CONDUTOR HABITUAL: A pessoa que, nessa qualidade, for identificada nas condições particulares e que deverá corresponder àquela que conduz o veículo, com caráter de habitualidade e com uma utilização superior à do(s) outro(s) condutor(es), caso exista(m).
(…)
GARANTIAS DE DANOS AO VEÍCULO: Entendem-se por Garantias de Danos ao Veículo Seguro as abrangidas pelas coberturas de «Choque, Colisão ou Capotamento», «Incêndio, Raio ou Explosão», «Furto ou Roubo», «Fenómenos da Natureza», que hajam sido contratadas e que se encontrem expressamente indicadas nas condições particulares.
ARTIGO 5º - EXCLUSÕES
1. Para além das exclusões previstas no Artº 5º das condições gerais do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel e das exclusões específicas de cada uma das coberturas facultativas contratadas, ficam ainda excluídos do âmbito do Seguro Automóvel Facultativo:
a) Danos em objetos e mercadorias transportadas no veículo seguro, ainda que sejam propriedade dos respetivos passageiros;
b) Danos causados ao veículo seguro ou a terceiros, por ocasião de furto, roubo ou furto de uso ou de qualquer outra forma de subtração ilegítima ou utilização abusiva do veículo seguro, sem prejuízo, porém, dos direitos do segurado que derivem da cobertura de «Furto ou Roubo», quando haja sido contratada;
c) Danos causados ao veículo seguro quando este seja conduzido por pessoa que não seja titular de licença de condução correspondente à categoria do veículo seguro ou que esteja, temporária ou definitivamente, inibida ou privada da faculdade de conduzir, sem prejuízo, porém, dos direitos do segurado que derivem da cobertura de «Furto ou Roubo», quando haja sido contratada;
d) Danos causados intencionalmente, com o veículo seguro ou ao veículo seguro, pelo tomador do seguro, segurado, condutor ou restantes ocupantes ou por pessoas por quem qualquer um deles seja civilmente responsável ou que com qualquer um deles viva em economia comum;
e) Danos causados ao veículo seguro quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida ou acuse consumo de estupefacientes ou de outras drogas ou produtos tóxicos ou esteja em estado de demência;
f) Danos ocorridos quando o condutor do veículo seguro recuse submeter-se a testes de alcoolémia ou de deteção de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, bem como quando voluntariamente abandone o local do acidente de viação antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade;
g) Danos resultantes de greves, tumultos, distúrbios laborais, motins e alterações da ordem pública, atos de vandalismo e/ou ações de pessoas com intenções maliciosas, atos de terrorismo e/ou sabotagem e atos praticados por qualquer autoridade legalmente constituída, em virtude de medidas tomadas por ocasião destas ocorrências para salvaguarda de pessoas e bens;
h) Danos provocados por inundações, desmoronamentos, furacões e outras convulsões violentas da natureza, fenómenos sísmicos e meteorológicos;
i) Danos ocorridos quando não tiverem sido cumpridas, em relação ao veículo seguro, as disposições sobre inspeção periódica ou outras relativas à homologação do veículo, exceto se for demonstrado que entre as infrações cometidas e os danos não houve qualquer relação de causalidade;
j) Danos causados por excesso ou mau acondicionamento de carga, transporte de objetos ou participação em atividades que ponham em risco a estabilidade e domínio do veículo;
k) Lucros cessantes ou perda de benefícios, rendimentos ou resultados sofridos pelo tomador do seguro ou pelo segurado, em virtude de privação de uso, despesas de substituição do veículo seguro ou provenientes de depreciação, desgaste ou consumo naturais;
l) Danos em pintura de letras, desenhos, emblemas, dísticos alegóricos ou de reclamos ou propaganda no veículo seguro, quando não for feita a sua menção e valorização nas condições particulares;
m) Danos em extras, quando das condições particulares não constem expressamente discriminados e com a indicação do respetivo valor, ou o seu valor não esteja incluído no valor seguro do veículo;
n) Danos direta e exclusivamente provenientes de defeito de construção, reparação, montagem ou afinação, vício próprio ou má conservação do veículo seguro;
o) Danos produzidos diretamente por alcatrão ou outros materiais utilizados na construção das vias ou por lama existente nas mesmas;
p) Danos causados ao veículo seguro, intencional ou involuntariamente pelos próprios ocupantes ou outras pessoas, com quaisquer objetos empunhados ou arremessados;
q) Acidentes em caso de suicídio, ou sua tentativa, bem como acidentes ocorridos em resultado de apostas ou desafios;
r) Danos causados ao meio ambiente, designadamente por poluição ou contaminação do solo, das águas ou da atmosfera;
s) Danos causados aos passageiros transportados nas caixas de carga dos veículos, salvo convenção em contrário constante nas condições particulares;
t) Danos ocorridos quando o veículo seguro se encontre em serviço diferente e de maior risco do que o contratado;
u) Danos ocorridos ou resultantes da circulação do veículo em áreas de acesso restrito, nomeadamente, aeroportos, salvo convenção em contrário constante nas condições particulares;
v) Danos ocorridos ou resultantes da circulação do veículo em zonas de acesso vedado ou locais reconhecidos como inadequados para a circulação do veículo seguro;
w) Danos ocorridos quando o veículo seguro esteja a ser utilizado no transporte de matérias perigosas, independentemente de serem causadas por estas, ou por aquele. Consideram-se matérias perigosas, entre outras definidas na lei, combustíveis, matérias inflamáveis, explosivas ou tóxicas. Esta exclusão, porém, não será invocável sempre que o veículo seguro esteja devida e legalmente autorizado a realizar o transporte de matérias perigosas e se encontre expressamente indicado nas condições particulares que esse risco se encontra garantido.
2. Relativamente às coberturas de Choque, Colisão ou Capotamento e salvo convenção expressa em contrário, também não estão abrangidos os danos:
a) Provenientes do mau estado das estradas ou caminhos, quando deste facto não resulte choque, colisão ou capotamento;
b) Nas jantes, câmaras de ar e pneus, exceto se resultarem de choque, colisão ou capotamento e quando acompanhados de outros danos ao veículo;
c) Danos causados ao veículo seguro durante operações de carga e descarga de objetos nele transportados;
3. Relativamente à cobertura de Incêndio, raio ou explosão e salvo convenção expressa em contrário, não estão compreendidos os danos na aparelhagem ou instalação elétrica, desde que não resultem de incêndio ou explosão.
(…)
ARTIGO 6º - VALORES SEGUROS E FRANQUIAS
1. Os valores máximos garantidos pelo segurador, bem como as franquias contratadas constam expressamente nas respetivas condições especiais ou nas condições particulares.”.
E das condições especiais (respeitantes às coberturas facultativas) da apólice fazem parte, entre outras, as seguintes cláusulas:
“040 - ASSISTÊNCIA EM VIAGEM - VIP
ARTIGO 1º - DISPOSIÇÕES APLICÁVEIS
Em tudo o que não contrarie o disposto na presente condição especial, aplicam-se as condições gerais do Seguro Automóvel Facultativo.
(…)
ARTIGO 7º - GARANTIAS DE ASSISTÊNCIA AO VEÍCULO E SEUS OCUPANTES
1. Despesas de reboque
1.1. Em caso de acidente ou avaria, cuja reparação não possa ser efetuada no local do evento, o segurador garante o pagamento das despesas de reboque direto desde o local da imobilização para a oficina escolhida pela pessoa segura (em Portugal) ou até à oficina ou concessionário mais próximo (no estrangeiro), até ao limite de capital previsto nas condições particulares.
1.2. Quando o custo do serviço de reboque exceda o limite de capital definido nas condições particulares, a pessoa segura poderá optar por suportar o montante que exceda o capital seguro ou optar pelo transporte coordenado, em Portugal, ou pelo repatriamento, a partir do estrangeiro, desde que verificado o circunstancialismo previsto no nº 2.1. deste artigo.
1.3. Caso a pessoa segura não tenha solicitado os serviços de assistência devido a motivos de força maior em consequência de ferimentos na pessoa segura e/ou ocupantes da viatura devidamente comprovado; impossibilidade material demonstrada de comunicação; desobstrução e desimpedimento da via pública por intervenção das Autoridades Policiais; Brisa; Instituto de Estradas de Portugal ou outras entidades com responsabilidades similares, o segurador reembolsará os custos de reboque até ao limite estabelecido nas condições particulares.
2. Despesas de repatriamento do veículo e recolhas
2.1. Em caso de acidente ou avaria que provoque a imobilização do veículo seguro, sem possibilidade de circular pelos seus próprios meios, e a reparação do mesmo, em Portugal, não seja possível no próprio dia ou, no estrangeiro, demore mais de 3 dias ou mais de 8 horas de trabalho, o segurador garante o repatriamento do veículo seguro até ao domicilio da Pessoa Segura em Portugal ou até à oficina/concessionário de marca mais próxima deste local, por ela indicada.
Se a pessoa segura preferir e o custo do transporte for igual ou inferior ao do repatriamento, o segurador garante as despesas de transporte do veículo até ao local de destino da viagem.
2.2. Esta garantia é igualmente prestada em caso de furto ou roubo do veículo seguro, quando o mesmo seja recuperado com avaria que o impeça de circular pelos seus próprios meios e/ou depois do regresso ou partida da pessoa segura e de outras pessoas seguras que o possam conduzir.
2.3. Se o montante das despesas de repatriamento for superior ao valor venal do veículo em Portugal, o segurador não está obrigado a efetuar o repatriamento do veículo seguro, suportando apenas as despesas do seu abandono legal, expressamente solicitado pelo seu proprietário.
2.4. Ficam garantidas, até ao limite definido nas condições particulares, as despesas com as recolhas do veículo, relacionadas com as garantias conferidas pelos números anteriores.
3. Reboque em caso de furto ou roubo
Quando o veículo furtado ou roubado, tiver sido localizado pelas autoridades policiais e rebocado, por iniciativa destas, do local onde foi encontrado para um parque sob sua vigilância, o segurador reembolsará o segurado pelas despesas que este venha a suportar derivadas desse facto, até ao limite definido nas condições particulares.
Esta garantia é cumulável com o disposto no nº 1.1. e 2.1. deste artigo
4. Remoção e extração do veículo
O segurador suportará, até ao limite de capital definido nas condições particulares as despesas com a remoção ou extração do veículo seguro, entendendo-se como tal o trabalho necessário à colocação do veículo sinistrado na via em que o mesmo circulava.”.
Na sentença recorrida considerou-se que, no caso, quanto aos danos sofridos pelo veículo, o seu ressarcimento estava excluído da cobertura da apólice, por força da cláusula constante do art. 5º, nº 1, al. e), das condições gerais do seguro facultativo, e quanto às despesas de transporte do veículo para Portugal, as mesmas não estavam abrangidas na cobertura de assistência em viagem contratada.
Defende o A. que assim não sucede, aduzindo, nomeadamente quanto à questão da exclusão, que o tribunal recorrido não distinguiu o condutor do proprietário tratando-os como se fossem uma única pessoa, não podendo ser assacadas a este quaisquer responsabilidades por factos praticados pelo condutor do veículo.
Vejamos.
O regime jurídico do contrato de seguro está actualmente regulado no anexo ao D.L. 72/2008, de 16/04, que entrou em vigor no dia 01/01/2009 (art. 7º) e revogou, entre outras, as normas dos arts. 425º a 462º do Cód. Comercial (art. 6º).
Aplica-se, pois, à presente situação, considerando que quer o contrato de seguro, quer o próprio sinistro em causa ocorreram após a entrada em vigor daquele diploma.
«Contrato de seguro é o contrato pelo qual o segurador, em troca do pagamento de uma soma em dinheiro (prémio) por parte do contratante (segurado), se obriga a manter indemne o segurado dos prejuízos que podem derivar de determinados sinistros (ou casos fortuitos), ou ainda a pagar (ao segurado ou a terceiro) uma soma em dinheiro conforme a duração ou os eventos da vida de uma ou várias pessoas» - Francisco Guerra da Mota, O Contrato de Seguro Terrestre, vol. I, pág. 271, apud Clara Lopes, Seguro de Responsabilidade Civil Automóvel, Lisboa, 1987, pág. 15.
O contrato de seguro compreende, portanto, duas prestações: a da seguradora, de conteúdo complexo, consistente na assunção do risco e na obrigação de pagar um determinado capital se esse sinistro se verificar; e a do segurado, consistente na obrigação de pagamento do prémio.
Trata-se de um contrato:
- comercial, pelo menos quanto à seguradora;
- formal, nos termos entendidos no art. 32º, nº 2, do referido diploma legal, sendo esta agora uma formalidade ad probationem (cfr. Lei do Contrato de Seguro anotada, Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, pág. 170);
- bilateral ou sinalagmático, pois, como vimos, dele resultam obrigações para ambas as partes, verificando-se um nexo de reciprocidade ou interdependência entre elas;
- oneroso, visto cada parte prosseguir uma vantagem pessoal que é contrapartida daquela que confere à outra;
- aleatório: o segurador não sabe se terá ou não de efectuar a prestação, ou se há certeza da prestação, quando esta se efectuará, não havendo, porém, incerteza na prestação do segurado;
- de execução continuada;
- de adesão;
- de boa-fé (a qual é um princípio geral das obrigações – arts. 227º e 762º do C.C. -, existindo, em matéria de seguros uma tutela reforçada deste princípio, que aí assume um significado muito próprio) – o segurador é obrigado a acreditar no segurado e, em contrapartida, este é obrigado a comportar-se com franqueza e lealdade, surgindo uma especial responsabilização do tomador do seguro perante as suas declarações, que, nos termos do disposto no art. 25º e 26º do mesmo diploma, devem ser exactas e não reticentes.
Entre as várias classificações possíveis de contratos de seguro, podemos qualificar o dos autos como um seguro de danos, os quais visam cobrir activos patrimoniais e têm como efeito colocar o segurado numa situação igual àquela em que se encontrava antes do evento, o que assim já não sucede com os seguros de responsabilidade civil, que visam cobrir valores patrimoniais passivos, obrigando-se as seguradoras a pagar indemnizações a terceiros.
Na verdade, o contrato celebrado entre o A. e a R., para além de contemplar a responsabilidade civil automóvel (sendo nessa parte um seguro de responsabilidade civil, que, no caso, até é um seguro obrigatório), contempla ainda o que se costuma designar, comummente, de “seguro de danos próprios”, ou seja cobre o risco de ocorrência de danos no próprio veículo do segurado (activo patrimonial), por força de variados eventos concretamente previstos nas condições particulares da apólice.
Os seguros de danos são informados por dois princípios basilares:
- Em primeiro lugar, por um princípio indemnizatório, nos termos do qual as prestações a que o segurador está obrigado não podem ultrapassar os danos reais do segurado (cfr. art. 128º da Lei do Contrato de Seguro). Pretende-se, desta forma, evitar o enriquecimento do segurado e demovê-lo de eventuais tentações de provocar sinistros.
- Em segundo lugar, por um princípio de liberdade contratual. Este princípio resulta, desde logo, do art. 405º do Código Civil, sendo reafirmado pelo art. 11º da Lei do Contrato de Seguro.
O princípio em análise implica, quanto à seguradora, o poder de incluir na apólice cláusulas de exclusão da cobertura de determinados riscos, estipular um descoberto, isto é, assumir o risco de forma parcial, ficando o restante a cargo do segurado - estas cláusulas visam que o segurado se empenhe em evitar o dano -, ou estabelecer franquias, ou seja, estabelecer o montante mínimo a partir do qual a seguradora responderá – embora, hoje em dia, esta liberdade contratual esteja substancialmente cerceada, nomeadamente pela legislação sobre cláusulas contratuais gerais.
No caso, o contrato rege-se pelas condições particulares, gerais e especiais da apólice que foram juntas com a contestação, verificando-se, das condições particulares (doc. 3 da contestação), que foram contratadas as seguintes coberturas facultativas quanto ao seguro de danos: assistência em viagem VIP; choque, colisão e capotamento; incêndio, queda de raio e explosão; furto ou roubo; quebra isolada de vidros; fenómenos da natureza; actos maliciosos ou de vandalismo; e veículo de substituição. E que, quanto às coberturas de choque, colisão e capotamento; incêndio, queda de raio e explosão; furto ou roubo; fenómenos da natureza; e actos maliciosos ou de vandalismo, estão contratados os montantes máximos de capital abrangidos pelo seguro, não estando previsto qualquer capital seguro quanto à cobertura de assistência em viagem.
Relativamente a todas estas coberturas foram também contratadas várias exclusões, ou seja, situações que, a verificarem-se, determinam a não cobertura do risco pela seguradora.
Entre as diversas exclusões contratadas, encontram-se as previstas no art. 5º das condições gerais, parte II, quanto à cobertura de “choque, colisão ou capotamento”, onde constam, como decorre da cláusula que supra se transcreveu, diversas situações específicas e objectivas que, a ocorrerem, determinam a exclusão do sinistro da cobertura da apólice.
Tais situações são independentes da pessoa do proprietário do veículo, da circunstância de o mesmo ser, ou não, a pessoa segura ou o tomador do seguro, ou de ser, ou não, o condutor habitual do veículo ou mesmo o condutor do veículo no momento da ocorrência do sinistro (é que, como se vê das definições constantes do art. 3º das condições gerais da apólice, parte II, a pessoa do condutor habitual é diferente da pessoa do condutor, sendo que podem coincidir, se o veículo for conduzido sempre pelo mesmo condutor, ou não, se houver vários condutores), sendo irrelevante se houve ou não contribuição do proprietário para a ocorrência da situação geradora da exclusão.
No que à situação concreta respeita, verifica-se que uma situação geradora de exclusão da cobertura de “choque, colisão ou capotamento” é a de estarem em causa danos causados ao veículo seguro quando o condutor deste no momento conduzia com uma T.A.S. superior à legalmente admitida.
Trata-se de uma exclusão objectiva, a de o condutor (e nem tem que ser o condutor habitual – que, no caso, até era o próprio A., como indicado nas condições particulares da apólice –, pode ser um condutor esporádico) conduzir com uma quantidade de álcool no sangue superior ao máximo previsto na lei, e nem sequer está previsto que a exclusão suceda apenas quando houver causalidade entre essa circunstância e os danos (como sucede, por exemplo, com a exclusão de incumprimento das normas relativas à inspecção periódica ou à homologação do veículo - em que se admite que seja demonstrado que não houve nexo de causalidade entre a infracção e o dano). Também não existe qualquer ressalva para o caso de o proprietário e o condutor não serem a mesma pessoa na ocasião (o que, aliás, até poderia esvaziar grandemente a exclusão em causa, tendo em conta que, designadamente perante as diversas figuras que possibilitam a detenção de veículos automóveis pela generalidade das pessoas, como o leasing, o renting, o ALD, etc., são em elevada percentagem as situações em que os condutores dos veículos, mesmo os habituais, não são os seus proprietários).
A cláusula em questão não visa prejudicar ou discriminar o proprietário do veículo, antes salvaguardar a posição da seguradora perante comportamentos que são, objectivamente, censuráveis, independentemente da pessoa que os assuma.
E de todo o modo, sempre existe uma responsabilidade do proprietário na escolha das pessoas a quem disponibiliza o veículo para conduzir (salvo os casos em que este lhe é subtraído, como sucede com os furtos e roubos). O proprietário deve assegurar-se que a pessoa a quem entrega o seu veículo para o conduzir é alguém que cumpre as regras legais, correndo por sua conta (e não da seguradora) o risco de escolher alguém que não o faça e que possa praticar alguma conduta que integre uma exclusão das coberturas da apólice.
Esta interpretação da cláusula que prevê a exclusão em causa é a que se afigura resultar de acordo com os critérios legais de interpretação previstos.
Com efeito, nos termos do art. 236º, nº 1, do Código Civil, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
E de acordo com o disposto no art. 237º do Código Civil, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece (…), nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
Porém, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (art. 236º, nº 2).
Quando estiverem em causa negócios formais, há que ter em conta ainda que não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso - art. 238º, nº 1, do Código Civil.
Embora esse sentido possa valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade - art. 238º, nº 2, do Código Civil.
Considerando que o contrato de seguro é um contrato de adesão, como já se disse, e que nele são usadas cláusulas contratuais gerais, como são as condições gerais e especiais, há que ter ainda em conta o que dispõe o D.L. n.º 446/85, de 25/10.
O art. 10º do D.L. n.º 446/85, de 25/10, vem dizer que «As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos...», ou seja, nos termos do art. 236º e seguintes do Código Civil.
Assim, o sentido a atribuir a estas cláusulas será o que lhe atribuiria um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, com os limites do art. 238º do Cód. Civil.
A mesma disposição legal obriga a que a aplicação desta regra geral se faça «sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam» as cláusulas interpretandas, privilegiando uma justiça individualizadora.
Já os casos duvidosos estão regulados especialmente no art. 11º do mesmo diploma legal, prevendo-se no seu nº 1 que “as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real”, prevalecendo em caso de dúvida, nos termos do nº 2, “o sentido mais favorável ao aderente”.
Nada tendo sido sequer alegado quanto à vontade real das partes, há que ter em conta, então, o sentido atribuído por um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, que será, nos termos analisados, o de que existe a exclusão sempre que o condutor do veículo no momento do sinistro, seja ele o proprietário do veículo ou não, estiver a conduzir com uma T.A.S. superior à legalmente prevista.
Este sentido, parece-nos, resulta claramente do teor da cláusula e do seu contexto no documento em que se insere, sendo, ademais, o que conduz a maior equilíbrio das prestações, posto que a seguradora não tem qualquer intervenção, nem controla quem possa ser a pessoa do condutor do veículo em cada momento, ao contrário do que sucede, normalmente, com o proprietário.
Não se vislumbrando aqui qualquer indício de abuso de direito, nem se podendo dizer que esta cláusula, com esta interpretação, o possa configurar.
Aliás, o recorrente apenas se refere a este instituto nas conclusões do recurso e apenas para afirmar genericamente que “se assim fosse, o que não se concede, estaríamos perante a figura de abuso de direito, previsto no plasmado no artigo 334º do Código Civil, que também se traz à colação, extraindo-se de tal, todas as consequências legais” (conclusão M), mas sem invocar qualquer fundamento concreto (eventualmente, porque não o vislumbrou) a justificar a existência de um tal abuso no caso.
No contrato, como já se viu, foi também contratada a cobertura de assistência em viagem VIP.
No caso, o A. não participou o sinistro à R. e o veículo foi transportado da Bélgica para Portugal a expensas daquele, tendo pago € 151,25.
Como decorre da transcrição que se fez supra da respectiva condição especial incluída nas condições particulares da apólice, verifica-se que, quanto à assistência ao veículo, estão previstas as seguintes situações:
- em caso de acidente ou avaria, não reparável no local, o segurador garante o pagamento das despesas de reboque direto até ao limite de capital previsto nas condições particulares;
- sendo aquele custo superior ao limite do capital, o segurado pode suportar o excesso ou optar pelo repatriamento a partir do estrangeiro;
- não tendo o serviço de assistência sido solicitado por motivo de força maior definido na cláusula, o segurador reembolsará os custos de reboque até ao limite estabelecido nas condições particulares;
- em caso de acidente ou avaria que provoque a imobilização do veículo seguro, sem possibilidade de circular pelos seus próprios meios, o segurador garante o repatriamento do veículo seguro;
- se o montante das despesas de repatriamento for superior ao valor venal do veículo em Portugal, o segurador não está obrigado a efetuar o repatriamento do veículo seguro, suportando apenas as despesas do seu abandono legal;
- quando se trate de furto ou roubo, sendo o veículo localizado pelas autoridades policiais e rebocado, por iniciativa destas, do local onde foi encontrado para um parque sob sua vigilância, o segurador reembolsará o segurado pelas despesas que este venha a suportar derivadas desse facto, até ao limite definido nas condições particulares;
- o segurador suportará, até ao limite de capital definido nas condições particulares as despesas com a remoção ou extração do veículo seguro.
Como se vê do contratado nesta cláusula, interpretando a mesma de acordo com os critérios legais de interpretação já analisados, verifica-se que a prestação da seguradora pode consistir em ser ela própria a efectuar o transporte do veículo (as situações de repatriamento), em ser ela a providenciar por esse transporte por terceiro, suportando directamente as respectivas despesas (as situações de reboque directo e de remoção ou extracção do veículo) ou em reembolsar o segurado pelas despesas suportadas com o transporte ou com o reboque que venha a ter lugar por iniciativa de autoridades policiais (situações de não solicitação da assistência por motivo de força maior e de furto ou roubo com localização do veículo pelas autoridades).
Ademais, sempre que está em causa uma prestação que implique um pagamento monetário por parte da seguradora, esse pagamento tem um limite, correspondente ao que estiver definido concretamente nas condições particulares.
Ora, no caso, nas condições particulares, bem como na respectiva condição especial, não consta qualquer valor máximo garantido pela seguradora quanto à assistência em viagem (sendo que, nos termos do art. 6º das condições gerais, parte II, também aplicável a esta cobertura por força do art. 1º da respectiva condição especial – ambos supra transcritos – os valores máximos garantidos pelo segurador constam expressamente nas respetivas condições especiais ou nas condições particulares), o que só pode significar que não foi contratada a cobertura que prevê o pagamento ou reembolso de despesas respeitantes a assistência ao veículo.
E ainda que assim se não entenda, sempre a situação verificada no caso concreto corresponde à de repatriamento, posto que o veículo ficou sem possibilidade de circular pelos próprios meios, como decorre da matéria de facto, cabendo à seguradora providenciar directamente pelo mesmo e não reembolsar as despesas com isso suportadas pelo segurado, para além de que não foi accionada a assistência e não decorre que tal tenha sucedido por qualquer dos motivos de força maior elencados no art. 7º, ponto 1.3, da respectiva condição especial, sendo que só neste caso haveria lugar ao reembolso dos custos do reboque pela seguradora.
Este sentido, parece-nos, resulta claramente do teor das cláusulas e do seu contexto no documento em que se inserem, dele não se afigurando resultar desequilíbrio das prestações.
O que significa que a despesa suportada pelo A. com o transporte do veículo para Portugal, na situação concreta em que ocorreu, não está abarcada nas coberturas facultativas da apólice do contrato de seguro contratado com a R.
Donde, perante a conclusão a que se chegou, nenhuma censura merece nesta parte a decisão recorrida, não merecendo acolhimento a pretensão do A..
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Em face do resultado do tratamento da questão analisada, é de concluir pela não obtenção de provimento do recurso interposto pelo A. e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente
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Porto, 7/3/2024
Isabel Ferreira
António Carneiro da Silva
Francisca Mota Vieira