HABEAS CORPUS
RECLAMAÇÃO
ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LITISPENDÊNCIA
TAXA DE JUSTIÇA
CONDENAÇÃO EM CUSTAS
INDEFERIMENTO
Sumário


I - O exercício dos direitos fundamentais consagrados na CRP e em instrumentos normativos internacionais a que Portugal se encontra vinculado, como sejam os de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e do “direito garantia” de habeas corpus, consagrados nos artigos 20º e 31º da nossa Constituição, não é nem pode ser deixado ao arbítrio de cada cidadão, podendo e devendo a lei ordinária regulá-lo, estabelecendo os procedimentos a que deve obedecer, sob pena de completa inoperacionalidade, por anárquico, do sistema de justiça.

II - O legislador, sem quebra do núcleo essencial daqueles direitos e sob mandato das correspondentes normas constitucionais, estabeleceu procedimentos adequados ao seu exercício pleno, em conjugação com a salvaguarda de outros direitos e valores constitucionais, como os referidos da segurança e certeza jurídicas, da paz jurídica e da próprio capacidade funcional do sistema de justiça, designadamente mediante a instituição de pressuposto processuais e exceções necessárias ou impeditivas da apreciação judicial de direitos, cuja verificação cabe ao juiz titular do processo, ou, no caso dos órgãos judiciais colegiais, como é aqui o caso (cfr. artigo 11º, n.ºs 4, a. c), e 5, do CPP e correspondentes normas da LOSJ), ao respetivo relator, em momento prévio ao julgamento da causa, na medida em que se constituem como condição da respetiva admissibilidade.

III – Perante a ocorrência nesta providência de habeas corpus da exceção dilatória de litispendência, que, de resto, o reclamante não contesta e obsta ao conhecimento do mérito da causa, a realização da audiência contraditória e da conferência deliberativa que se lhe seguiria consubstanciariam atos sem qualquer utilidade e, como tal, ilícitos e proibidos, nos termos do artigo 130º do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 4º do CPP, regra que, aliás, é transversal a todo o ordenamento jurídico-processual português e de que também no CPP se descortinam diversas manifestações, designadamente no citado artigo 417º e nos artigos 287º, n.º 3, e 311º, n.º 2.

IV - A taxa de justiça, enquanto parte integrante das custas judiciais, é sempre devida, salvo caso de isenção, que aqui não se verifica, em todos os processos de natureza penal em função do seu mero impulso e não apenas quando nele seja proferida uma sentença ou acórdão que conheça do objeto e mérito da causa.

Texto Integral



Processo n.º 567/21.0TXLSB-F.S1


(Habeas corpus)


5ª Secção Criminal


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório


I.1. O cidadão AA, no processo acima referenciado, do Juízo de Execução das Penas ... – J ., apresentou petição de habeas corpus


O juiz relator, neste Supremo Tribunal de Justiça, em 19 de março de 2024, proferiu a seguinte decisão sumária (referência citius 12269558):


«Processo n.º 567/21.0TXLSB-F.S1


(Habeas corpus)


5ª Secção Criminal


Decisão Sumária


I. Relatório


I.1. AA, residente na Rua ... e sem indicação de quaisquer outros elementos de identificação1, em favor do condenado BB, de quem se diz irmão, nascido em ........1975, atualmente em cumprimento de medida de segurança de internamento na Unidade de ..., do Centro Hospitalar Psiquiátrico ... (CHP...), nos termos do artigo 222.º n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do Código de Processo Penal (CPP), apresentou no processo acima referenciado do Juízo de Execução das Penas de ... (JEP...) – J ., a seguinte petição de habeas corpus:


«(…)


1-BB doente psiquiátrico desde 2002 reformado por invalidez absoluta e com incapacidade de 60%, encontra-se a cumprir uma medida de segurança de internamento no Hospital ..., desde 14/04/2021 a 14/04/2024, processo 523/17.2...


2-No âmbito do processo 185/20.0... foi PRESO dia 11/03/2024 na prisão de ... a aguardar Julgamento e ulteriores termos, sem data CONHECIDA do término dessa prisão.


3-Para realização de Julgamento o arguido é requisitado pelo tribunal a esse estabelecimento onde se encontra afeto.


4-Não consta na lei determinação para nessa requisição ser afeto a um outro estabelecimento prisional comum e inadequado à sua doença ou até mais gravoso, uma prisão de alta segurança.


5-Portugal foi condenado pelo TEDH pelos mesmos motivos e na mesma pessoa, Processo 30138/21 - 9 janeiro 2024, de conhecimento oficioso e publicado no site da PGR: https://gddc.ministeriopublico.pt


6-Pela prisão ilegal a partir de 11/03/2024 o doente vê a sua doença agravada, humilhado e vexado, aconteceu em ... onde foi despido e verificado o ânus se transportava droga, algemado e forçado a cumprir regras de prisão comum e trabalho forçado.


7-Não existe nas medidas de segurança de internamento " cúmulo jurídico” de penas abstratas.


Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (www.dgsi.pt)


676/19.5PBCLD.C1


I - O limite máximo da medida de internamento é o limite superior da pena aplicável ao crime cometido.


II- Em caso de prática, por inimputável, de factos integradores de vários ilícitos típicos, o limite máximo da medida de segurança coincide com o limite máximo da pena correspondente ao crime mais grave.


III- O artigo 77º do Código Penal não admite o cúmulo jurídico de penas abstractas.


8-A revogação da suspensão da mediada de segurança já teve como sustento o cometimento deste alegado crime referenciado no processo 185/20.0...


Verifica-se que os fundamentos da revogação da liberdade para prova são dois:


i. O comportamento posterior do arguido, que inclui a inobservância das regras de conduta e do dever de sujeição a tratamentos ou o plano de reinserção social durante a liberdade para prova e,


ii. ii. O cometimento de crime durante o período de prova.


9-Concretamente, sempre se viola o princípio "Ne bis in idem", ora manda-se prender em estabelecimento hospitalar adequado e vai parar a estabelecimento prisional desadequado ora sai do estabelecimento hospitalar adequado e vai acumular pena prisão em estabelecimento prisional comum e não adequado em questões logísticas ou por fim; Aplicando ao doente continuadamente e repetidamente Tratamento Cruel, Desumano e Degradante.


10-O tribunal sabe que utiliza esta conduta de forma deliberada contra o doente, por isso ordenou a Produção de Prova após Acusação Pública e antes da marcação de Audiência de Julgamento. Já sabia o tribunal que é prova contra a Presunção de Inocência devido ao teor das questões colocadas na Perícia Psiquiátrica de forma PARCIAL.


11-Daí, o tribunal utiliza o doente num ping — pong como espécie de mercadoria, de forma avulsa e gratuita ou arbitrária, contra a lei e sabe que daí causa na pessoa DANO irreversível, por isso REPETE deliberadamente.


12-O direito fundamental à liberdade pessoal não pode ser moldado em prejuízo do doente.


13-O direito à liberdade individual é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais sobre direitos fundamentais e na generalidade dos regimes constitucionais dos países civilizados.


14-A Declaração Universal dos Direitos Humanos, "considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça…”, no artº III (3º) proclama a validade universal do direito à liberdade individual.


15-Proclama no artigo IX (9º) que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso.


16-No artigo XXIX (29º) admite-se que o direito à liberdade individual sofra as "limitações determinadas pela lei" visando assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da ordem pública.


17-O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no artigo 9.º consagra; "todo o indivíduo tem direito à liberdade" pessoal. Proibindo a detenção ou prisão arbitrárias, estabelece que "ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos".


18-Estabelece também: "toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal".


19-A Convenção Europeia dos Direitos Humanos/CEDH (Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais), no artº. 5º reconhece que "toda a pessoa tem direito à liberdade". Ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal.


20-Reconhece que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.


21-O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH/) "enfatiza desde logo que o artº 5 consagra um direito humano fundamental, a saber, a proteção do indivíduo contra a interferência arbitrária do Estado no seu direito à liberdade. O texto do artº 5º deixa claro que as garantias nele contidas se aplicam a "todos". As alíneas (a) a (f) do Artº 5 §1 contêm uma lista exaustiva de razões permissíveis sobre as quais as pessoas podem ser privadas de sua liberdade. Nenhuma privação de liberdade será compatível com o artº 5.º n.º1, a menos que seja abrangida por um desses motivos ou que esteja prevista por uma derrogação legal nos termos do artº 15.º da Convenção, (ver, inter alia, Irlanda v. Reino Unido, 18 de janeiro de 1978, §194, série A n.º 25, e A. e Others v. Reino Unido. Interpreta: “no que diz respeito à «"legalidade" da detenção, a Convenção refere-se essencialmente à legislação nacional e estabelece a obrigação de observar as suas normas substantivas e processuais. Este termo exige, em primeiro lugar, que qualquer prisão ou detenção tenha uma base legal no direito interno".


22-E que "a "regularidade" exigida pela Convenção pressupõe o respeito não só do direito interno, mas também - o artº 18.º confirma - da finalidade da privação de liberdade autorizada pelo artº 5.º, n.º 1, alínea a).


23-No entanto, a preposição "depois" não implica, neste contexto, uma simples sequência cronológica de sucessão entre "condenação" e "detenção": a segunda também deve resultar da primeira, ocorrer "a seguir e como resultado”- ou" em virtude – “desta”. Em suma, deve haver uma ligação causal suficiente entre elas


24-Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece, no artº. 6º o direito à liberdade individual.


25-Não consagrando expressamente o habeas corpus, contudo, no artº. 47º reconhece o direito de ação judicial contra a violação de direitos ou liberdades garantidas pelo direito da União.


26-Todavia, assinala E. Maia Costa, os textos internacionais relativos aos direitos humanos preveem genericamente um recurso para os tribunais com carácter urgente contra a privação da liberdade ilegal, mas tal garantia não se confunde com o habeas corpus.


27-A Constituição da República, no artº 27º n.º1, reconhece e garante o direito à liberdade individual, à liberdade física, à liberdade de movimentos.


28-A providência de habeas corpus: A Constituição da República, em linha com CEDH, também de certo modo, na sequência das duas Constituições que a precedem (a de 1911 e a de 1933), aderindo à tradição anglo-saxónica, consagra no artº. 31º, o habeas corpus como garantia extraordinária, expedita e privilegiada contra a prisão (e a detenção) arbitrária ou ilegal.


29-A privação do direito à liberdade por meio da prisão só não configura abuso de poder e, consequentemente, será legal, contendo-se nos estritos parâmetros do artº. 27º n.ºs 2 e 3 da Constituição.


30-"Não é qualquer abuso de poder que justifica habeas corpus". Esta providência pressupõe uma prisão ilegal, decretada ou mantida abusivamente. O "abuso de poder exterioriza-se nomeadamente na existência de medidas ilegais de prisão e detencão decididas em condicões especialmente arbitrárias ou gravosas".


31-A prisão é ilegal quando não tenha sido decretada pelo tribunal competente em decisão judicial (fundamentada) pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou com a aplicação de medida de segurança; tiver sido ordenada por autoridade incompetente; tiver sido efetuada por forma irregular; ultrapassar a duração da medida de coação aplicada ou da pena concretamente fixada pelo tribunal; ocorra em locais ou estabelecimentos que não sejam os oficialmente destinados à sua execucão; não respeite o regime jurídico da execucão das medidas de coação ou as penas ou medidas de segurança privativas da Liberdade.


32-O habeas corpus é, pois, uma garantia ("direito-garantia"), não um direito fundamental autónomo ("direito-direito"). O bem jurídico-constitucional que o habeas corpus visa proteger é o direito fundamental à liberdade individual, permitindo reagir, imediata e expeditamente, "contra o abuso de poder, por virtude de detenção ou prisão ilegal".


33-"No habeas corpus discute-se exclusivamente a legalidade da prisão à luz das normas que estabelecem o regime da sua admissibilidade". "Procede-se necessariamente a uma avaliação essencialmente formal da situação, confrontando os factos apurados no âmbito da providência com a lei, em ordem a determinar se esta foi infringida. Não se avalia, pois, se a privação da liberdade é ou não justificada, mas sim e apenas se ela é inadmissível. Só essa é ilegal".


34-BB no cumprimento da medida de segurança de internamento, já obteve duas saídas Jurisdicionais que cumpriu sem incidentes, uma de 3 dias outra de 4 dias.


35-Existe na lei igualmente saídas administrativas para cumprimento de obrigações legais, Decreto-Lei 70/2019 24 Maio, artigo 17.º, n.º 5.


36-Explica o Código do Processo Penal:


a) Estando o arguido preso em comarca diferente daquela onde deva ser julgado, o tribunal o requisite «à entidade que o tiver à sua ordem» (n.º 2 do artigo 332º);


b) Pois a tal o disposto no n.º 1 do artigo 114º quando prevê que a notificação de arguido que se encontre preso é requisitada ao director do estabelecimento onde se encontre sob prisão.


c) O tribunal está vinculado, no caso de ausência do arguido que se ache regularmente notificado, a tomar todas as medidas necessárias e legalmente admissíveis «para obter a sua comparência» (n.º 1 do artigo 333º)


d) O tribunal deve proporcionar ao arguido as condições para a sua deslocação, quando este o requerer de modo fundamentado (n.º 3 do artigo 332º).


37-BB FOI PRESO (CONDUÇÃO sob DETENÇÃO / PRISÃO PREVENTIVA) em ... porque a Justiça em ... PREMEDITOU e por isso fez a delonga CALCULADA e PREMEDITADA do término de uma medida de Internamento em 14/04/2024, para seguidamente querer por ABUSO de PODER, dar início a uma SEGUNDA medida de internamento (CONTINUADA/CÚMULO JURÍDICO).


a) Referência: 33700976 de 22/01/2024 e Referência: 33757506 de 05/02/2024.


38- Quatros anos para haver um Julgamento e DUPLICAÇÃO de Perícias quando nesse espaço TEMPORAL existe INIMPUTABILIDADE para os alegados factos ilícitos da mesma espécie.


39-Bem SABENDO que a lei não ADMITE internamentos SUCESSIVOS, até porque o alegado ilícito (factos da mesma espécie) foram alegadamente praticados em Liberdade para a Prova e antes da Medida de Segurança Internamento iniciar em 14/04/2021, uma das RAZÕES porque foi REVOGADA a Suspensão da Medida de Segurança de Internamento.


40- BB está ser TORTURADO pela Justiça em ...;


PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal... citado, pp. 289 e 290


ANTÓNIO CASTANHEIRA NEVES, Interpretação Jurídica, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1976, pp. 85 e 86).


Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/9/2004, disponível em www.dgsi.pt


41-O doente deve ser colocado em liberdade Jurisdicional ou Administrativa para cumprimento do dever legal de que foi notificado a tempo ou ser conduzido por entidade hospitalar ao sítio do julgamento, nunca em viatura celular em mais de 350 Km's e posterior prisão preventiva (o processo não a admite) e em local comum não adequado à sua doença por tempo indeterminado e volvidos praticamente 4 anos após a prática dos alegados ilícitos.


Pede deferimento,


AA


(…)»


I. 2. A Juíza titular do processo, mandou remeter a petição ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), instruída com certidão da sentença que aplicou a medida de segurança de internamento, da decisão que revogou a suspensão da respetiva execução, da promoção de liquidação da medida e da decisão que a homologou, e da sua própria decisão de revisão da medida, de 14.03.2023 (referência 3300748), a que alude na informação de 14.03.2024 (referência 2660763), que prestou nos termos do artigo 223.º, n.º 1, do CPP, do seguinte teor:


«(…)


*


Do exame dos autos constata-se que, por sentença transitada em julgado no dia 02/10/2019, proferida no âmbito do processo nº 523/17.2..., foi aplicada ao arguido BB, uma medida de segurança de internamento por um período máximo de três anos, dado que foi julgado inimputável perigoso pela prática de factos objectivamente subsumíveis aos crimes de dano, ameaça e importunação sexual


A execução da medida de segurança foi suspensa pelo período de três anos, sujeita a condições.


Posteriormente, por decisão proferida no citado processo e transitada em julgado em 26/03/2021, foi revogada a suspensão do internamento e determinado o cumprimento da medida de segurança aplicada.


BB encontra-se em cumprimento da medida de segurança no aludido processo desde o dia 14/04/2021, actualmente e, desde 24/09/2021, no ....


De acordo com a liquidação efectuada e homologada pelo processo da condenação a revisão da situação do internado ocorreu em 14/04/20232 e o limite máximo verificar-se-á em 14//04/2024, tendo já sido emitidos mandados de liberação do internado para aquela data.


Assim, face aos elementos constantes dos presentes autos, sendo certo que se desconhece a existência de qualquer outro circunstancialismo que eventualmente possa resultar da tramitação de processos da condenação, o internamento de BB ocorre dentro dos pressupostos legalmente definidos.


Deve referir-se, ainda, que o processo a que alude o requerente, processo nº 185/20.0..., nada comunicou a estes autos, desconhecendo-se, até ao momento, qualquer decisão que aí tenha sido proferida, com excepção dos elementos documentais agora apresentados nos autos.


*


Junte aos autos certidão da decisão condenatória e de revogação da suspensão, liquidação da medida de segurança e decisão de homologação remetidas pelo processo da condenação, bem como da decisão proferida, em 14/03/2023.


(…)».


I. 3. No dia 15.03.2024, o peticionante enviou ao STJ, por email dirigido ao presente processo de Habeas Corpus, ainda antes do seu registo, distribuição e autuação, e àqueloutro distribuído à ... Secção no dia anterior, sob o número 185/20.0..., expediente contendo fotografias do seu irmão, dos guardas prisionais e do veículo que o transportou a ..., para aí intervir na audiência de julgamento a realizar nesse dia no processo n.º 185/20.0..., do Juízo Local Criminal de ... – J ., do Tribunal Judicial da comarca de ....


I. 4. Considerando o teor desse requerimento e o dos demais elementos juntos, afigurou-se relevante para a melhor compreensão da situação instruir o processo com os seguintes elementos:


- cópia do referido expediente enviado pelo requerente ao STJ no dia 15 de março;


- cópia da petição que deu origem ao processo de Habeas Corpus n.º 185/20.0..., da informação nele prestada pelo juiz titular do correspondente processo do Juízo Local Criminal de ... e da decisão naquele proferida pela Juíza Conselheira deste STJ a quem foi distribuído;


- informação da DGRSP sobre os trâmites e cronologia da deslocação do internado BB a ... para comparência na audiência de julgamento naquele processo, assim como da sua situação atual.


***


II. Fundamentação


II. 1. Dos elementos documentais juntos e informação prestada resultam demonstrados os seguintes factos:


a) Por sentença de 2.09.2019 (referência 28848302), proferida no processo n.º 523/17.2..., do Juízo Local Criminal de ... – J ., do Tribunal Judicial da comarca de ..., transitada em julgado no dia 2.10.2019, foi o arguido, BB, declarado inimputável perigoso e, em consequência, decretada a medida de segurança do seu internamento em estabelecimento psiquiátrico adequado pelo período máximo de 3 (três) anos, cuja execução se suspendeu por idêntico período, nos termos dos artigos 92.º, n.º 2 ex vi do 98.º, n.º 6, al. a) do Código Penal (CP), pela prática, em autoria material e na forma consumada, em concurso efetivo, a 15 de Maio de 2017, de factos ilícitos e típicos qualificáveis como 1 (um) crime de dano, 1 (um) crime de ameaça e 1 (um) crime de importunação sexual p. e p. pelos artigos 212.º, n.ºs 1 e 3, 153.º, n.º 1, e 170.º, todos do CP, sujeita às condições nela estipuladas;


b) Entretanto, a referida suspensão da execução da medida de segurança foi revogada por decisão de 2.02.2021 (referência 30300434), transitada em julgado 26.03.2021, e determinado o seu cumprimento efetivo, revisto e mantido por decisão do JEP... – J ., de 14.03.2023 (referência 3300748), proferida no processo n.º 567/21.0TXLSB-A, que acompanha a sua execução na Unidade de ...;


c) O internado nasceu no dia ........1975;


d) Por Despacho de 19.04.2021 (referência 30520052) foi homologada a liquidação da medida de segurança de internamento proposta pelo Ministério Público, em promoção da mesma data (referência 30512926), nos termos da qual se fixou o termo inicial da medida em 14.04.2021 e o seu termo final em 14.04.2024;


e) O internado é arguido no processo n.º 185/20.0..., do referido Juízo Local Criminal de ... – J .. no qual foi agendado julgamento para o dia 15 de março de 2024;


f) Em vista da sua comparência nessa audiência de discussão e julgamento, requisitou-se aos serviços competentes da DGRSP a notificação do arguido e as providências necessárias à efetivação da convocatória;


g) Para esse efeito, os serviços da DGRSP competentes fizeram deslocar o internado e arguido, no dia 11 de março de 2024, com pernoita no Estabelecimento Prisional (EP) ..., para o EP ..., onde permaneceu até ao dia 15, data em que foi transportado por elementos deste EP, em veículo descaraterizado, ao Tribunal Judicial de ..., pelo tempo necessário à participação na audiência de discussão e julgamento realizada no referido processo, assistido pelo seu defensor, regressando de seguida ao mesmo EP, de onde seguiu, no mesmo dia, para o EP ..., aqui permanecendo até ao dia 19, altura em que regressou à Unidade de ..., onde vai continuar internado;


h) Durante essa audiência, foi homologada a desistência de queixa relativamente a um crime de introdução em lugar vedado ao público que era imputado ao arguido, prosseguindo o julgamento relativamente ao crime de coação agravada, na forma tentada, que igualmente lhe era imputado, dada a sua natureza púbica, tendo sido designado o dia 22.03.20234, para leitura da correspondente sentença, a que o arguido foi dispensado de comparecer;


i) Em face daquela deslocação e permanência do internado no EP ..., o seu irmão AA apresentou no referido processo 567/21.0TXLSB do JEP de ..., a petição de habeas corpus aqui em apreço, registada no dia 14 de março de 2024, como entrada n.º ....77, e remetida ao STJ, onde foi registada, autuada e distribuída no dia seguinte, 15 de março de 2024;


j) Porém, já havia apresentado outra petição de habeas corpus no referido processo 185/20.0..., registada no dia 11 de março de 2024, como entrada n.º .....02, que foi informada, instruída e remetida ao STJ, onde foi registada, autuada e distribuída sob o n.º 185/20.0..., no dia 14 de março de 2024;


k) Processo no qual, ainda no dia 14 de março, a Exma. Juíza Conselheira relatora, proferiu decisão singular (referência 12249150) com o seguinte dispositivo:


«IV. Em face do exposto, decide-se rejeitar o requerimento formulado neste processo n.º 185/20.0..., por AA, por o mesmo não reunir os pressupostos mínimos que o permitam configurar como uma providência de habeas corpus (desde logo, por o pedido de requisição para comparência em julgamento não equivaler a detenção, nem a prisão ilegal e nesses autos o arguido BB não estar preso e apenas se encontrar sujeito a Termo de Identidade e Residência).


Pagará o requerente 2 UC`s de taxa de justiça nos termos da tabela anexa ao RCP»;


l) A petição apresentada nesse processo e no presente é em tudo igual, salvo quanto aos pontos 37 a 40 acrescentados a este último, correspondendo o seu último ponto n.º 41 ao último do primeiro com o n.º 37, relativos ao pedido, consubstanciando aqueles acrescentados juízos de valor sobre a atuação do Juízo Local Criminal de ... no âmbito do processo n.º 185/20.0... e afirmações e referências doutrinárias sobre a interpretação e aplicação da lei, sem modificação do pedido concretamente formulado e respetivos fundamentos.


*


Os elementos informativos e documentais disponibilizados afiguram-se suficientes para apreciar e decidir a providência sub judice.


II. 2. Vejamos então se, no caso em apreço, estão verificados os pressupostos necessários à concessão do habeas corpus peticionado pelo requerente.


Desconsiderada que foi a questão da insuficiente identificação do requerente, impõe-se concluir pela sua legitimidade para requerer a providência, face ao teor literal dos artigos 31º, n.º 2, da CRP e 222º, n.ºs 1 e 2, do CPP.


E, tendo em conta que o internado/arguido se encontra privado da liberdade à ordem do processo n.º 523/17.2..., em execução da medida de segurança de internamento em estabelecimento psiquiátrico nele decretada, cujo termo só ocorrerá no próximo dia 14.04.2024, também poderia dizer-se que a petição de habeas corpus apresentada é tempestiva.


Todavia, como resulta do pedido nela formulado e dos respetivos fundamentos, o requerente não discute nem questiona a legalidade daquela privação da liberdade, mas antes e apenas o procedimento conducente à deslocação do seu irmão da Unidade de ..., onde cumpre a medida de segurança de internamento, para o EP ..., a fim de comparecer na audiência de discussão e julgamento marcada para o dia 15 de março no âmbito do processo n.º 185/20.0..., do ..., em que é arguido, assim como a sua permanência neste EP entre aquela data e a do julgamento.


Efetivamente, é esta deslocação e permanência em regime de reclusão no EP ... que discute e considera configurar uma verdadeira prisão ilegal, na medida em que, para além da inexistência nesse EP de condições adequadas à sua condição de inimputável, por anomalia psíquica, sustenta dever ter tido lugar em liberdade, ao abrigo de uma saída jurisdicional, à semelhança de outras duas de que já beneficiou sem registo de incidentes, ou de uma licença administrativa, a conceder nos termos das pertinentes normas do CEPMPL e do DL n.º 70/2019, de 25.4.


Ora, sendo este o fundamento da petição, precisamente o mesmo formulado no processo onde decorreu o julgamento justificativo daquela deslocação e transitória estadia/reclusão no EP ..., apreciado e rejeitado por decisão de 14 de março no âmbito do processo de habeas corpus n.º 185/20.0..., coloca-se a questão da sua inadmissibilidade, por razões de ordem substantiva e processual, nomeadamente a natureza da privação da liberdade, a sua não atualidade, de que decorreria a sua intempestividade e inutilidade superveniente, e a verificação da exceção dilatória de litispendência, tal como definida no artigo 580º, do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável ex vi do artigo 4º do CPP.


Analisemos antes de mais a questão da litispendência, na medida em que consubstancia uma exceção dilatória de conhecimento oficioso pelo tribunal e obsta ao conhecimento do mérito da causa, em conformidade com o disposto nos artigos 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, al. f), e 578º do CPC, e cuja verificação prejudicará o conhecimento das demais questões.


Nos termos do artigo 580º, nºs 1 e 2, do CPC, a litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso, e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.


Por sua vez, dispõe o artigo 581º do mesmo código, que a causa se repete quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir e que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.


No caso em apreço, como evidenciado nos factos assentes, a petição de habeas corpus foi apresentada por AA em favor do seu irmão BB.


Foi ele também quem subscreveu a que deu origem ao processo de habeas corpus n.º 185/20.0..., igualmente em favor daquele seu irmão, processo no qual foi proferida, em 14 de março de 2024, decisão sumária de rejeição do pedido, ainda não transitada em julgado, estando, por conseguinte, ainda pendente ou, como diz a lei, em curso.


Por outro lado, a causa de pedir, tal como configurada pelo requerente em ambos os processos, reconduz-se a uma suposta prisão ilegal daquele seu irmão, sendo o pedido em ambos formulado também o mesmo, como resulta dos últimos pontos das respetivas petições (41 nesta e 37 naquela), do seguinte teor:


O doente deve ser colocado em liberdade Jurisdicional ou Administrativa para cumprimento do dever legal de que foi notificado a tempo ou ser conduzido por entidade hospitalar ao sítio do julgamento, nunca em viatura celular em mais de 350 Km's e posterior prisão preventiva (o processo não a admite) e em local comum não adequado à sua doença por tempo indeterminado e volvidos praticamente 4 anos após a prática dos alegados ilícitos”.


Identidade que, de resto, apenas não abrange os pontos 37 a 40 acrescentados à petição que deu origem ao presente processo, mas que se reconduzem a meros juízos de valor e proclamações sobre a atuação do Juízo Local Criminal ... no âmbito do referido processo n.º 185/20.0... e considerações de natureza doutrinária, sem qualquer impacto modificativo do seu objeto, fundamentos e pedido.


Estamos, assim, indubitavelmente, em presença de uma situação de litispendência, exceção dilatória que deve ser deduzida neste processo, nos termos do artigo 582º do CPC, a qual, aliás, o CPP reconhece, afastando-a, no seu artigo 219º, n.º 2, na relação entre o recurso das medidas de coação e a providência de habeas corpus que também se lhes pode opor, como lembrou o juiz Conselheiro João da Siva Miguel, em decisão sumária, de 1.04.2015, proferida no processo n.º 5/2013.1SWLSB, inédita, e que aqui se acompanha de perto.


III. Decisão


Em face do exposto, decide-se:


a) Não conhecer da providência de habeas corpus requerida por AA, pela ocorrência da situação de litispendência com idêntica providência de habeas corpus apreciada e decidida na decisão sumária de 14 de março p. p., proferida no processo n.º 185/20.0..., que se encontra ainda pendente ou a correr termos;


b) Condenar o requerente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 1º, 2º, 6º e 8º, n.º 9, do RCP, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26.02, e Tabela III ao mesmo anexa).


Lisboa, d. s. certificada


(Processei e revi – artigo 94º, n.º 2, do CPP)


João Rato»


***


I. 2. Notificado de tal decisão, por carta registada de 20.03.2024 (referência 12270329), veio o requerente, por mensagem de correio eletrónico de 22.03.2024 (junta ao processo sob a referência citius 204739), dela reclamar, nos seguintes termos (transcrição parcial):


«(…)


Assunto: RECLAMAÇÃO TAXA JUSTIÇA aplicada a Habeas Corpus / tramitação desconforme a lei


(…)


1. Na qualidade de REQUERENTE de dois HABEAS CORPUS, apresento RECLAMAÇÃO :


a) Proc. 185/20.0...


b) Proc. 567/21.0TXLSB-F.S1


2. Fui CONDENADO no processo referido na alínea a) a TAXA JUSTIÇA 2 UC e no processo referido na alínea b) a TAXA JUSTIÇA 3 UC.


3. Na verdade e conforme o Código de Processo Penal, nem os referidos Habeas Corpus foram tramitados conforme a lei vigente e aprovada em Assembleia da República.


4. Foram ambos SUMARIAMENTE rejeitados por juiz SINGULAR, o que a lei não ADMITE.


5. O valor referido na tabela ANEXA III do RCP indica valores de UC para Habeas Corpus devidamente tramitados conforme descrito: Em Conferência e com Deliberação o que afasta a existência de juiz SINGULAR, artigo 223 °, n.° 2 e 3.


5. O próprio Código de Processo Penal refere no artigo 223.° , n.° 6 a possibilidade de agravamento de custas , caso a petição seja manifestamente Infundada.


6. NADA na lei hoje indica valores de CUSTAS para REJEIÇÃO e não TRAMITAÇÃO conforme o artigo 223.° do Código de Processo Penal .


7. Não existiu Conferência nem Deliberação, teve apenas um juiz interveniente em cada petição apresentada.


8. O MAIS GRAVE, é estas petições rejeitadas desta forma NUNCA vão ser PUBLICADAS em WWW.bG5I.PT , permanecendo OCULTAS, tal como as Sentenças de 1a Instância.


9. Solicito a reposição da legalidade aprovada em Assembleia da República e porque não encontro suporte legal para ser condenado desta forma, por duas petições Habeas Corpus que não tramitaram nos procedimentos legais, não devo pagar " gato por lebre ".


10. Fico com a dúvida séria: O que seria decidido em conferencia e respetiva votação?


11. Esperando que esta NORMA interna decretada por Abuso de Poder não vá chegar aos Tribunais da Relação e ao Tribunal Constitucional, seria o fim da Justiça em Portugal.


Pede Deferimento,


AA


NOTA:


ESTOU identificado por cartão de cidadão e ao contrário do que as duas decisões indicam, já que as petições foram entregues no Tribunal Judicial de ... e Tribunal de Execução de Penas em ..., ambas IDENTIFICADAS na entrega e em duplicado.


Prova Documental:


Código do Processo Penal


Artigo 223.0 Procedimento


1 - A petição é enviada imediatamente ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com informação sobre as condições em que foi efectuada ou se mantém a prisão.


1 - Se da informação constar que a prisão se mantém, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça convoca a secção criminal, que delibera nos oito dias subsequentes, notificando o Ministério Público e o defensor e nomeando este, se não estiver já constituído. São correspondentemente aplicáveis os artigos 424.º e 435.°


3 ■ O relator faz uma exposição da petição e da resposta, após o que é concedida a palavra, por quinze minutos, ao Ministério Público e ao defensor; seguidamente, a secção reúne para deliberação, a qual é imediatamente tornada pública.


4 - A deliberação pode ser tomada no sentido de:


af Indeferir o pedido por falta de fundamento bastante;


b) Mandar colocar imediatamente o preso ã ordem do Supremo Tribunal de Justiça e no local por este indicado, nomeando um juiz para proceder a averiguações, dentro do prazo que lhe for fixado, sobre as condições de legalidade da prisão;


c) Mandar apresentar o preso no tribunal competente e no prazo de vinte e quatro horas, sob pena de desobediência qualificada; ou


d) Declarar ilegal a prisão e, se for caso disso, ordenar a libertação imediata.


5 - Tendo sido ordenadas averiguações, nos termos da alínea b) do número anterior, é o relatório apresentado ã secção criminal, a fim de ser tomada a decisão que ao caso couber dentro do prazo de oito dias.


6 - Se o Supremo Tribunal de Justiça julgar a petição de habeas corpus manifestamente infundada, condena o peticionante ao pagamento de uma soma entre 6UC e 30 UC.


(..)»


***


Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência da qual procede este acórdão.


II. Fundamentação


II. 1. Como resulta do teor da reclamação acima transcrita, o que com ela se questiona é a condenação do requerente em taxa de justiça fixada em 3 UC, no pressuposto de que ela só seria devida se o procedimento decisório tivesse observado o iter previsto nos artigos 31º da CRP e 222º e 223º do CPP, ou seja, audiência contraditória seguida de conferência deliberativa em lugar da decisão sumária do relator.


Independentemente do teor da decisão sumária de que se reclama e da própria reclamação, afigura-se dever esta ser apreciada e decidida em conferência, por aplicação analógica e subsidiária do disposto no artigo 417º, n.ºs 6, al. a), e 8, ex vi do artigo 4º, ambos do CPP, como segue.


II. 1. 1. Quanto à correção do procedimento


Ao contrário do que parece ser o entendimento do requerente e reclamante, o exercício dos direitos fundamentais consagrados na CRP e em instrumentos normativos internacionais a que Portugal se encontra vinculado, como sejam os de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e do “direito garantia” de habeas corpus, consagrados nos artigos 20º e 31º da nossa Constituição, não é nem pode ser deixado ao arbítrio de cada cidadão, podendo e devendo a lei ordinária regulá-lo, estabelecendo os procedimentos a que deve obedecer, sob pena de completa inoperacionalidade, por anárquico, do sistema de justiça, ao qual incumbe também salvaguardar outros direitos fundamentais de igual dignidade, designadamente os da certeza e segurança jurídicas, inerentes e subjacentes à ideia de justiça, mote orientador do sistema em qualquer Estado de Direito como é o da República Portuguesa, conforme decorre dos artigos 1º e 2º da CRP.


A essa legítima possibilidade de regulamentação opõe-se apenas o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º, n.º 2, da CRP, na sua tríplice dimensão da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito ou da “justa medida”, como ensinam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007.


Ora, no desempenho dessa missão, o legislador, sem quebra do núcleo essencial daqueles direitos e sob mandato das correspondentes normas constitucionais, estabeleceu procedimentos adequados ao seu exercício pleno, em conjugação com a salvaguarda de outros direitos e valores constitucionais, como os referidos da segurança e certeza jurídicas, da paz jurídica e da próprio capacidade funcional do sistema de justiça, designadamente mediante a instituição de pressuposto processuais e exceções necessárias ou impeditivas da apreciação judicial de direitos, cuja verificação cabe ao juiz titular do processo, ou, no caso dos órgãos judiciais colegiais, como é aqui o caso (cfr. artigo 11º, n.ºs 4, a. c), e 5, do CPP e correspondentes normas da LOSJ), ao respetivo relator, em momento prévio ao julgamento da causa, na medida em que se constituem como condição da respetiva admissibilidade.


Foi precisamente o que sucedeu in casu com a declarada ocorrência da exceção dilatória de litispendência, que, de resto, o reclamante não contesta.


Perante essa ocorrência, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, nos termos perfeitamente explicitados na decisão reclamada, a realização da audiência contraditória e da conferência deliberativa que se lhe seguiria consubstanciariam atos sem qualquer utilidade e, como tal, ilícitos e proibidos, nos termos do artigo 130º do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 4º do CPP, regra que, aliás, é transversal a todo o ordenamento jurídico-processual português e de que também no CPP se descortinam diversas manifestações, designadamente no citado artigo 417º e nos artigos 287º, n.º 3, e 311º, n.º 2.


À luz destas considerações, a decisão sumária ora reclamada não incorreu, pois, em qualquer ilegalidade, antes se impunha.


II. 1. 2. Quanto à condenação do requerente em taxa de justiça


O reclamante entende que a taxa de justiça prevista na Tabela III anexa ao RCP apenas contempla as situações em que a providência é efetivamente apreciada nos termos dos artigos 222º e ss. do CPP, o que não aconteceu no caso em apreço.


Sem razão, no entanto.


Efetivamente, a referida Tabela III, como as demais, apenas definem os montantes da taxa de justiça passível de fixação pelo juiz, nada interferindo com as regras de imputação da responsabilidade pelo respetivo pagamento, cuja previsão legal se encontra no CPC (artigos 529º a 541), no CPP (artigos 513º a 524ª) e no próprio Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02.


Como se refere no seu preâmbulo, a aprovação do RCP teve em vista também “(…) dar continuidade ao plano de moralização e racionalização do recurso aos tribunais iniciado com a revisão de 2003 (…) e a adopção de algumas medidas mais incisivas que visam penalizar o recurso desnecessário e injustificado aos tribunais (…)”, outrossim “(…) adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores (…)”.


Tudo suportado na ideia de que “A Constituição não determina a gratuitidade dos serviços de justiça (…). Mas o direito de acesso à justiça proíbe seguramente que eles sejam tão onerosos, que dificultem de forma considerável, o acesso aos tribunais”, como afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na anotação VI ao artigo 20º da CRP, in ob. e loc. cit.


Risco que o legislador ordinário preveniu mediante a instituição de custas razoáveis, de isenções processuais e pessoais e de um sistema de acesso ao direito e aos tribunais que garante a informação e a proteção jurídica, nas suas diversas modalidades, incluindo o patrocínio e o apoio judiciários, em que se integra a dispensa total ou parcial das custas, nos termos da L 34/2004, de 29.07.


*


Ora, nos termos do artigo 1º do RCP “1 - Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento.


2 - Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria”.


Por seu turno, no seu artigo 2º estabelece-se que “O presente Regulamento aplica-se aos processos que correm termos nos tribunais judiciais, nos tribunais administrativos e fiscais e no balcão nacional de injunções”,


E no artigo 3º, n.º 1, que “As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte".


Esclarecendo, por sua vez, o artigo 6º, n.º 1, que “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”.


No entanto, no artigo 8º, estabeleceram-se regras próprias sobre os valores da taxa de justiça devida em processo penal e contraordenacional, à luz das quais de define a taxa de justiça devida na providência de habeas corpus dentro dos limites previstos na Tabela III anexa, ou seja, entre 1 e 5 UC, nos termos do seu n.º 9, na medida em que as restantes normas a não contemplam especificamente.


Em suma, ao contrário do que parece supor o requerente e reclamante, a taxa de justiça, enquanto parte integrante das custas judiciais, é sempre devida, salvo caso de isenção, que aqui não se verifica, em todos os processos de natureza penal em função do seu mero impulso e não apenas quando nele seja proferida uma sentença ou acórdão que conheça do objeto e mérito da causa.


E a responsabilidade pelo seu pagamento cabe ao requerente, salvo eventual benefício de apoio judiciário, nos termos conjugados dos citados preceitos legais dos CPC, CPP e RCP, sendo este, aliás, de aplicação subsidiária no processo penal, por força do artigo 524º do respetivo Código, pois foi ele o impulsionador da abertura do presente processo, pese embora sabendo da pendência de uma anterior providência por si requerida e registada sob o n.º 185/20.0..., como evidencia o requerimento que apresentou no dia 15 de março com reportagem fotográfica da chegada do seu irmão a ..., em que lhe fazia referência, mencionando o presente como processo a distribuir.


Razões pelas quais, também nesta parte deverá improceder a reclamação apresentada


*


Improcedendo a reclamação e em coerência com o que acabou de se expor, o requerente será também condenado nas custas correspondentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 524º do CPP e 7º do RCP, por referência à sua Tabela II anexa.


III. Decisão


Em face do exposto, acorda-se em:


a) indeferir a reclamação apresentada e confirmar a decisão sumária de 19 de março de 2024;


b) condenar o requerente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 539º, n.º 1, do CPC, 524ª do CPP e 1º, 2º, e 7º, do RCP, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26.02, e Tabela II ao mesmo anexa).


Lisboa, d. s. certificada


(Processado e revisto pelo relator)


João Rato (Relator)


Celso Manata (1º Adjunto)


Agostinho Torres (2º Adjunto)


Helena Moniz (Presidente da Secção)





________________________________________________


1. Aceita-se, sem questionamento, a sua maioridade e, como tal, estar no gozo dos seus direitos políticos, tanto bastando para lhe reconhecer legitimidade para requerer a providência, nos termos do artigo 31º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

A petição indicava como data de elaboração o dia 12 de março de 2024, e foi registada no JEP..., no dia 14 de março de 2024, como entrada n.º ....77.↩︎

2. A indicação desta data como sendo a da prolação da decisão de revisão da medida traduz um manifesto lapso, pois, como resulta da decisão certificada junta e do próprio despacho, in fine, a mesma foi proferida em 14.03.2023, pelo que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 97º, n.º 1. al. b), e 380º, n.ºs 1, 2, al. b), e 3, do CPP, se corrige em conformidade.↩︎