QUEBRA DE SEGREDO PROFISSIONAL
ADVOGADOS
RECUSA
INTERESSE PREPONDERANTE
Sumário


I - A única entidade que pode desvincular o advogado (ou quem com ele colabore) do dever de sigilo profissional é o presidente do conselho regional da Ordem dos Advogados, e já não o próprio cliente do advogado.
Isto porque o segredo profissional não visa garantir exclusivamente interesses de natureza privada ou particular do cliente e da sua relação contratual com o advogado, tendo também uma finalidade pública, consubstanciada na correta e eficaz administração da justiça, e uma natureza social e deontológica inerente ao exercício da própria profissão.
II - Invocado o dever de sigilo profissional por advogado (ou por quem com ele colabore) como motivo para não prestar depoimento, e sendo tal recusa considerada legítima pelo tribunal de 1ª instância, compete ao Tribunal Superior decidir se deve ou não ser quebrado o segredo profissional.
III - No âmbito do incidente de quebra de sigilo profissional, o parecer emitido pelo Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados não é vinculativo para o tribunal e os critérios de dispensa do sigilo de advogado por parte da Ordem dos Advogados não são integralmente coincidentes com os que devem presidir à decisão judicial.
IV - Essa decisão impõe a necessidade de uma criteriosa ponderação dos valores em conflito, em ordem a determinar se a salvaguarda do sigilo profissional deve ou não ceder perante outros interesses, designadamente o da colaboração com a realização da justiça, ponderação esta que tem de ser efetuada de acordo com o circunstancialismo do caso concreto.
V - No âmbito do processo civil, sujeito a ónus e regras de prova específicos, há que fazer tal análise em função do pedido e da causa de pedir em causa no processo, levando em linha de conta a necessidade ou imprescindibilidade da informação pretendida para a matéria a provar.
VI - Numa ação em que é alegada factualidade suscetível de fazer incorrer os patronos dos autores em responsabilidade civil profissional é fundamental apurar os concretos atos praticados no âmbito das relações que existiram entre os autores e os réus, os primeiros na qualidade de clientes, os segundos na de advogados.
VII - Não autorizar parte das testemunhas a prestar depoimento é suscetível de comprometer a possibilidade de obter uma versão mais alargada e abrangente dos factos e criar um desequilíbrio entre as partes no que concerne aos meios de prova ao seu dispor com vista a provar e contraprovar a factualidade relevante nos autos.
VIII - O processo deve ser equitativo e para tal é necessário que, no seu decurso, as partes tenham um estatuto de igualdade substancial, designadamente no exercício de faculdades e no uso de meios de defesa (art. 4º, do CPC). Este desiderato ficará comprometido se não for possível ouvir sobre a matéria controvertida todas as pessoas que, putativamente, podem ter um conhecimento sobre o relacionamento que existiu entre autores e réus.
IX - Atendendo à concreta matéria em discussão nos autos e tendo já sido dispensado o sigilo profissional quer quanto ao réu, quer quanto à sua colaboradora, justifica-se que a quebra do sigilo profissional abranja as demais pessoas que possam ter conhecimento sobre a concreta relação que se desenvolveu entre os autores e os réus no âmbito do patrocínio judiciário, por os seus depoimentos se mostrarem relevantes e necessários para o escorreito apuramento da factualidade controvertida.
X - Por conseguinte, na ponderação dos interesses em confronto no caso concreto, de harmonia com o princípio da prevalência do interesse preponderante e com um critério de proporcionalidade na restrição de direitos e interesses que se encontram constitucionalmente protegidos, deve prevalecer o interesse na boa administração da justiça e na efetiva realização dos fins da atividade judicial, designadamente da procura da verdade material, em detrimento do sigilo profissional, o qual tem de ceder perante este, justificando-se assim a sua quebra.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO  

AA e BB intentaram ação declarativa com processo comum contra os senhores advogados CC e DD.

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Os réus foram citados e contestaram, tendo o réu CC deduzido pedido reconvencional.
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Terminada a fase dos articulados, foi proferido despacho em 27.2.2023 (ref. Citius 49461595) que, na parte que releva para o presente incidente:

a) admitiu a reconvenção deduzida pelo réu;
b) identificou o litígio nos seguintes termos:

“Sustentam os autores terem ficaram prejudicados pela conduta dos réus, advogados, no âmbito do apoio judiciário em que réu e ré foram nomeados patrono e patrona à autora e autor, respetivamente. Entendem, concretamente, que ficaram arredados da chance de procedência total ou parcial de recurso da sentença penal proferida em junho de 2015 no processo 306/12.... que os condenou em pena e obrigação de indemnização civil, pois os réus, ao contrário das suas indicações expressas, não apresentaram recurso da sentença condenatória.
Alegam ainda que o réu, no âmbito do mesmo processo, solicitou aos autores, em janeiro de 2016, a quantia de €2.000,00, que estava impedido de solicitar (mas que os réus lhe entregaram) dado ter sido nomeado patrono à autora na modalidade de dispensa de pagamento e encargos com advogado.
Contestou a ré dizendo, no essencial, que, em reunião com o autor, lhe comunicou a indisponibilidade para apresentar recurso, por nele não encontrar fundamento, e que, caso o autor no recurso visse interesse, teria de requerer novo patrono ou constituir mandatário, tendo o autor aceitado que se não interpusesse recurso e, até, manifestado agrado pela condução dada pela ré ao processo. A esse concreto processo e a outros também judiciais.
Contestou o réu afirmando que os autores aceitaram a decisão tomada em conjunto pelos réus de não recorrer e que a quantia que recebeu foi apenas de €1.000,00, e apenas paga pelo autor (a quem não fora nomeado patrono) no início de 2017, e não em 2016, e para instauração de recurso de revisão de sentença que se estribaria no fundamento de um despacho de não pronúncia dos aqui autores, proferido noutro processo, que teria transitado por volta do mesmo período (janeiro/fevereiro de 2017), procedimento com o qual os aqui autores concordaram. Refere ainda que prestou outros serviços judiciais, quer apenas ao autor, quer aos autores, cujos honorários agora deles peticiona. Peticiona, ainda, os danos morais que refere ter sofrido em consequência da divulgação pública da factualidade equivalente à agora levada à petição inicial que os aqui autores bem sabem ser falsa. Pede ainda, seja declarada a prescrição do eventual direito que se reconhecesse aos autores.
Impugnam os autores toda a factualidade levada à reconvenção.”

c) fixou os seguintes temas da prova:

“A) os factos alegados na petição inicial atinentes:
Comportamento dos réus contrários à indicação expressa dos autores para recurso da sentença condenatória em processo crime;
Entrega pelos autores (os dois) ao réu da quantia de €2.000,00 para instauração de recurso;
Dissimulação prolongada no tempo, pelo réu, de que estaria a tratar do recurso de condenação; e
Sentimentos vivenciados pelos autores em consequência do comportamento que imputam aos réus.

B) a factualidade alegada na reconvenção atinente:
Aos serviços forenses prestados pelo réu aos autores;
Montante correspondente ao preço, em falta, desses serviços.”
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EE foi indicada como testemunha pelos autores;
FF foi indicada como testemunha pelos réus;
GG e HH foram indicados como testemunhas pelo réu.
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Na sequência da audiência final, que teve lugar em 18 de setembro de 2023, perante a recusa de várias testemunhas em prestar depoimento, com invocação de sigilo profissional, o Tribunal de 1ª instância solicitou a este Tribunal da Relação de Guimarães autorização para quebra do sigilo profissional das testemunhas EE, FF, GG, advogados, e HH, funcionária de escritório de advogados, nos termos do despacho proferido em 21.9.2023 (ref. Citius 50965323), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, foram pedidas informações quanto às referidas testemunhas, resultando das informações prestadas que:

- a testemunha EE invocou sigilo profissional e não existe informação de que tenha pedido dispensa do sigilo;
- a testemunha GG pediu dispensa do sigilo profissional ao Conselho Regional ... da Ordem dos Advogados, o qual indeferiu o pedido formulado;
- a testemunha FF pediu dispensa do sigilo profissional ao Conselho Regional ... da Ordem dos Advogados, o qual indeferiu o pedido formulado;
- a testemunha HH foi autorizada a prestar depoimento no processo, por decisão proferida em 21.10.2023 pelo Exmº Vogal do Conselho Regional ... da Ordem dos Advogados, com competência delegada, na sequência do pedido de dispensa de sigilo profissional apresentado pelo Dr. CC (Cf. certidão e decisão juntas em 8.1.2024, requerimento ref. Citius 241162).
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Em 10.1.2024 foi proferido despacho que:

A) declarou a inutilidade superveniente do presente incidente de quebra do sigilo profissional quanto à testemunha HH, por a mesma já ter sido dispensada do sigilo profissional e ter sido autorizada a prestar depoimento no âmbito do processo;
B) determinou o prosseguimento dos autos quanto às testemunhas EE, FF e GG, solicitando ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados a emissão de parecer relativamente ao levantamento do sigilo profissional no que concerne a essas testemunhas, nos termos do art. 135º, nº 4, do CPP.
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O Exmº Sr. Vogal do Conselho Regional ... da Ordem dos Advogados (com competência delegada nos termos da deliberação do Conselho de 17.1.2023) emitiu:

1. o parecer junto em 23.1.2024, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido (ofício ref. Citius 242859), no qual considerou legítima a escusa invocada e se pronunciou no sentido de que “não se justifica a quebra do segredo profissional que impende sobre a Sra. Dra. II.

2. o parecer junto em 23.1.2024, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido (ofício ref. Citius 242860), no qual considerou legítima a escusa invocada e se pronunciou no sentido de que “não se justifica a quebra do segredo profissional que impende sobre a Sra. Dra. FF.

3. o parecer junto em 21.2.2024, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido (ofício ref. Citius 244133), no qual não se pronunciou sobre a legitimidade da escusa, por esta já ter sido qualificada como legítima pelo tribunal, e se pronunciou no sentido de que “se justifica a quebra do segredo profissional que impende sobre o Sr. Dr. GG.
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O réu CC foi também autorizado a prestar depoimento de parte no processo por decisão proferida em 2.10.2023 pelo Conselho Regional ... da Ordem dos Advogados (decisão junta no requerimento de 8.1.2024 ref. Citius 241162).

QUESTÃO A DECIDIR

A questão a decidir consiste em determinar se, sendo a invocação de sigilo profissional legítima, existe fundamento para a sua quebra relativamente às testemunhas EE, FF e GG.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra e os mesmos resultam do iter processual.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

O art. 417º, n.º 1, do CPC, consagra o dever de cooperação para descoberta da verdade estabelecendo que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
Não obstante este dever geral, ressalva-se na alínea c) do n.º 3 do artigo 417.º do CPC a legitimidade da recusa se a obediência importar violação do sigilo profissional.
No tocante às testemunhas, se as mesmas estiverem adstritas a segredo profissional, devem escusar-se de depor, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo (art. 497º, nº 3, do CPC).

“[E]ntende-se por segredo profissional a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é exigido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão” (acórdão do STJ, de 15.2.2018, P 1130/14.7TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt).

Os advogados, assim como todas as pessoas que com ele colaborem no exercício da sua atividade profissional, estão sujeitos a segredo profissional, nos termos regulados no Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA).

Assim, dispõe o art. 92º, nº 1, do EOA, que o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.

Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo (art. 92º, nº 5, do EOA).

O dever de guardar sigilo é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, aplicando-se-lhes a mesma cominação, ou seja, os atos praticados com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo (art. 92º, nºs 5 e 7 do EOA).

A revelação de informações cobertas pelo sigilo profissional de advogado pode implicar responsabilidade criminal do infrator, conforme art. 195º, do CP, e constituir infração de dever deontológico.

Porém, o advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento (art. 92º, nº 4, do EOA).
A única entidade que pode desvincular o advogado (ou quem com ele colabore) do dever de sigilo profissional é o presidente do conselho regional da Ordem dos Advogados, e já não o próprio cliente do advogado.
Isto porque o segredo profissional não visa garantir exclusivamente interesses de natureza privada ou particular do cliente e da sua relação contratual com o advogado, tendo também uma finalidade pública, consubstanciada na correta e eficaz administração da justiça, e uma natureza social e deontológica inerente ao exercício da própria profissão.

Como se escreveu no acórdão deste Tribunal, de 22.6.2023, (P 93/22....) “[p]recisando a vertente mais pública do sigilo profissional de advogado, dir-se-á radicar este (igualmente) na natureza social da função forense, sendo (também) um princípio de ordem pública: o patrocínio forense é considerado como «um elemento essencial à administração da justiça» (conforme art. 208.º, da CRP), já que pressuposto no direito fundamental de acesso ao direito (conforme art. 20.º, da CRP); e por isso se afirma que o advogado exerce «uma função pública de administração da justiça e é, por conseguinte, um órgão dessa administração» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Volume I, Coimbra Editora, 2004, pág. 471).
Logo, estando implícito no sigilo profissional o interesse público e preponderante da boa administração da justiça e o interesse da efectiva realização dos fins da actividade judicial (consagrado no art. 202.º, da CRP), constitui-se ele próprio como uma exigência transversal a qualquer Estado de Direito Democrático (consagrado no art. 2.º, da CRP), para o qual é indispensável o exercício em plena liberdade e independência da advocacia.
Dir-se-á mesmo que, devido a esta ligação do segredo profissional ao estado de direito democrático, tende-se a considerar que as normas que o regulam são de ordem pública; e gozam de protecção constitucional”.
Em consequência, prossegue o citado acórdão referindo que “não cabe ao cliente desvincular o advogado do segredo profissional a que este se encontra obrigado, em seu directo e imediato benefício, mas sim ao conselho regional respectivo (do advogado em causa) da Ordem dos Advogados; e, deste modo, resulta claramente revelada e garantida a vertente pública do sigilo profissional em causa.
Compreende-se agora melhor que se afirme que, não obstante o segredo profissional de advogado vise «especificamente a tutela da relação advogado/cliente, tendo em conta a protecção da confiança do indivíduo que recorre aos serviços do advogado, nele confiando, ao revelar-lhe factos de cariz sigiloso, que deseja que se mantenham privados, e que o faz no intuito de melhor esclarecer o advogado quando à situação de facto existente», «tal é prosseguido num plano secundário ou até reflexo.
O bem primeiro a ser tutelado é, de facto, o interesse geral, social, que deve ser posto na confidencialidade e secretismo que hão-de revestir as relações havidas no exercício de certas profissões» (Ac. do STJ, de 15.02.2000, Garcia Marques, CJSTJ, Ano VIII, Tomo I, págs. 85-91).
O regulamento referido na parte final do n.º 4, do art. 92.º, do EOA é, precisamente, o Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional (Regulamento n.º 94/2006 OA, de 25 de Maio de 2006), aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados (publicado no DR, 2.ª Série, n.º 113, de 12 de Junho de 2006).”

Em conclusão, “[a] obrigação de segredo transcende, por consequência, a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação do advogado não apenas para com o seu constituinte, mas também para com a própria classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral” (acórdão do STJ, de 15.2.2018, P 1130/14.7TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt).

Uma vez deduzida escusa pela testemunha, com fundamento em sigilo profissional, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado, conforme expressamente previsto no nº 4 do referido art. 417º, aplicável ex vi art. 497º, nº 3, ambos do CPC.

Sobre esta matéria dispõe o art. 135º do Código de Processo Penal que:

2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.
3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.


Desta norma decorre que caso uma testemunha (que é a situação que interessa nos presentes autos) se recuse a prestar depoimento no tribunal, invocando o dever de sigilo profissional, o tribunal perante quem tal invocação é feita deverá apreciar e decidir se essa recusa é formalmente legítima. Se concluir em sentido negativo, ou seja, que a testemunha não se encontra sujeita a dever de sigilo profissional e que, por isso, a escusa é ilegítima, ordena a prestação do depoimento e a testemunha não se pode recusar a prestá-lo.
O que significa que, sendo a recusa considerada formalmente ilegítima, a esta conclusão não se pode seguir a dedução de incidente de quebra de sigilo, pois só se pode quebrar um dever que previamente se considerou existir.

Diversamente, se concluir em sentido positivo, ou seja, que a testemunha se encontra sujeita a dever de sigilo profissional, deverá, então, considerar a escusa legítima e suscitar incidente de quebra do sigilo, oficiosamente ou a requerimento, ao tribunal imediatamente superior, nos termos do art. 135º, nº 3, do CPP. A este último caberá, no âmbito do incidente deduzido, decidir se o depoimento deverá ser prestado, com quebra do sigilo profissional, decisão norteada pelos critérios enumerados no nº 3 do art. 135º, do CPP, aplicável com as necessárias adaptações, ou seja, pelo princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do caso e a necessidade de proteção de bens jurídicos.

No caso em análise, como resulta da ata da audiência final que teve lugar em 18.9.2023, as testemunhas EE, FF e GG não prestaram depoimento, tendo invocado sigilo profissional, alegando que o conhecimento que têm dos factos advém do exercício das suas funções de advogados.

Perante esta invocação, à luz do disposto no art. 92º, nº 1, do EOA, as referidas testemunhas estão sujeitas a sigilo profissional, pela que a sua escusa a depor é legítima, justificando-se a dedução de incidente de quebra de sigilo para que o Tribunal da Relação decida se o sigilo deve ou não ser quebrado.

Uma breve nota para dizer que, diversamente do entendido pelo tribunal de 1ª instância no despacho em que suscitou oficiosamente o presente incidente (despacho de 21.9.2023, ref. Citius 50965323), a escusa da testemunha II também é legítima, não obstante a mesma ter sido arrolada como testemunha pelo próprio cliente de onde decorre, implícita ou tacitamente, que o mesmo a autorizou a depor.
Isto porque, como já analisámos supra, o cliente não pode dispensar o advogado do sigilo profissional, posto que este visa também a prossecução de interesses públicos, e essa dispensa só pode ser concedida exclusivamente pelo presidente do conselho regional da Ordem dos Advogados e, no caso, a mesma não ocorreu.

De todo o modo, entendendo a 1ª instância que a recusa da testemunha II era ilegítima, como entendeu, a consequência que daí deveria advir era a de ter ordenado o depoimento, e não a de suscitar o incidente de quebra de sigilo, porquanto este só se justifica com a finalidade de quebrar um dever existente, ou seja, quando a recusa é legítima, mas já não quando se considera que a recusa é ilegítima, caso em que a consequência deverá ser ordenar a prestação do depoimento, tudo como já acima explanámos.

De todo o modo, a questão está sanada e nada obsta à apreciação do mérito do incidente porquanto, como deixámos antedito, entende-se que a testemunha II está sujeita a sigilo profissional, pelo que a escusa por si deduzida é legítima.

Avançando.

Caso o advogado (ou quem com ele colabore) não esteja dispensado do sigilo profissional pelo presidente do conselho regional da Ordem dos Advogados (única entidade com competência para conceder essa dispensa) - o que pode suceder quer porque não foi pedida dispensa, quer porque, apesar de pedida, foi indeferida - o mesmo permanece vinculado a esse dever e não pode prestar depoimento sobre a matéria abrangida pelo sigilo.
Nesta hipótese caberá, então, ao tribunal superior àquele em que o sigilo foi invocado apreciar se o dever de sigilo deve ou não ser quebrado.

Relativamente aos critérios porque se deve nortear tal decisão, os mesmos encontram-se enunciados no art. 135º, nº 2, do CPP, o qual, lido de forma adaptada ao processo civil, significa que a decisão deve assentar no princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do caso e a necessidade de proteção de bens jurídicos.

Essa decisão impõe a necessidade de uma criteriosa ponderação dos valores em conflito, em ordem a determinar se a salvaguarda do sigilo profissional deve ou não ceder perante outros interesses, designadamente o da colaboração com a realização da justiça, ponderação esta que tem de ser efetuada de acordo com o circunstancialismo do caso concreto.

Nesta tarefa de apreciação concreta, o juízo sobre a “prevalência do interesse preponderante” não pode ser produto de uma lógica de subsunção, operando a partir de uma hierarquia de valores ou de ordenação de interesses pré-estabelecidas abstractamente, mas de uma lógica ponderativa, essencialmente construída mediante o que, genericamente, se designa por princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso, princípio estruturante da ordem jurídica,  especialmente vocacionado para a  apreciação de pretensões intrusivas dos poderes públicos na esfera jurídica dos cidadãos numa sociedade democrática.
Princípio este que analiticamente se desdobra em três subprincípios ou três máximas na metódica de aplicação ao objecto de apreciação: i) o princípio da adequação ou da idoneidade – as medidas intrusivas devem revelar-se como adequadas para a prossecução do fim visado; ii) princípio da indispensabilidade, da necessidade ou da exigibilidade – as medidas pretendidas devem ser as necessárias, porque os fins visados não podem ser alcançados por outros meios menos onerosos para os direitos ou interesses sacrificados; e, iii) princípio da proporcionalidade em sentido estrito – o sacrifício provocado com a medida restritiva e os fins prosseguidos devem situar-se entre si numa justa medida, evitando-se efeitos excessivos relativamente aos resultados com isso obtidos” (acórdão do STJ, de 27.4.2023, P 21/23.5YFLSB in www.dgsi.pt).

Como referido por Lopes do Rego (in Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., I, p. 457/458) “[o] tribunal superior ao realizar o juízo que ditará o interesse que, em concreto, irá prevalecer, carece de atuar segundo critérios prudenciais, realizando uma cautelosa e aprofundada ponderação dos delicados e relevantes interesses em conflito: por um lado, o interesse na realização da justiça e a tutela do direito à produção da prova pela parte onerada; por outro lado, o interesse tutelado com o estabelecimento do dever de sigilo, “maxime ” o interesse da contraparte na reserva da vida privada, a tutela da relação de confiança que a levou a confiar dados pessoais ao vinculado pelo sigilo e a própria dignidade do exercício da profissão”.
Em suma, esse juízo de ponderação tem que “ter, sempre e necessariamente, em conta a natureza dos interesses em causa: desde logo, trata-se de interesses privados (e não interesses públicos, como sucede necessariamente no âmbito do processo penal) que poderão, por sua vez, revestir natureza pessoal ou patrimonial - e, neste último caso, de valores muito variáveis. (…)
Daqui decorre que a dispensa do invocado sigilo dependerá sempre de um juízo concreto, fundado na específica natureza da acção e na relevância e intensidade dos interesses da parte que pretende obter prova através daquela dispensa”.

Para além da ponderação dos interesses em conflito ter de ser sempre efetuada perante as situações e contornos do caso concreto, no âmbito do processo civil, sujeito a ónus e regras de prova específicos, há ainda que fazer tal análise em função do pedido e da causa de pedir em causa no processo, levando em linha de conta a necessidade ou imprescindibilidade da informação pretendida para a matéria a provar.

A decisão a proferir deve ser antecedida da audição do organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, como imposto pelo art. 135º, nº 4, do CPP, no caso de parecer do Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados.
Importa, todavia, salientar que, por um lado, o parecer emitido na sequência dessa audição não é vinculativo para o tribunal e, por outro lado, os critérios de dispensa do sigilo de advogado por parte da Ordem dos Advogados não são integralmente coincidentes com os que devem presidir à decisão judicial.

Assim, de acordo com o Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional, de 25 de maio de 2006 (Regulamento n.º 94/2006, publicado no DR, 2ª Série, de 12.6.2006), mormente com o seu art. 4º, a dispensa do segredo tem caráter de excecionalidade, apenas é permitida quando seja inequivocamente necessária para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado, cliente ou seus representantes e norteia-se pelos requisitos da essencialidade, atualidade, exclusividade e imprescindibilidade.
Já a decisão do tribunal sobre a quebra do dever de sigilo baseia-se na ponderação casuística do interesse preponderante que, em face dos interesses conflituantes, deverá prevalecer, a qual deverá ser tomada nos moldes que já supra explanámos de forma desenvolvida.
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No caso em apreço, as testemunhas EE, FF e GG permanecem vinculadas ao dever de sigilo profissional, a primeira porque não pediu dispensa de sigilo, a segunda e a terceira porque viram indeferido o pedido de dispensa de sigilo que apresentaram.

Importa, por isso, aferir, à luz dos critérios referenciados, se, no concreto caso em apreciação, ponderando todos os interesses em confronto, se justifica quebrar o dever de sigilo.

O parecer junto aos autos considerou não se justificar a quebra do segredo profissional que impende sobre a Sra. Dr.ª II essencialmente por não ser possível concluir, por escassez de elementos, pela essencialidade da matéria que a advogada conhece para a procedência do pedido formulado pelos seus clientes ou pela imprescindibilidade desse depoimento; por o depoimento não constituir meio de prova exclusivo, visto a parte dispor de mais prova documental e testemunhal, e ainda por ter considerado que “da intersecção dos valores colocados frente a frente (descoberta da verdade e segredo profissional), resulta uma preponderância do segredo profissional e da salvaguarda do exercício da advocacia livre e responsável.”

O parecer junto aos autos considerou não se justificar a quebra do segredo profissional que impende sobre a Sra. Dra. FF essencialmente porque a mesma “não foi mandatária de nenhuma das partes envolvidas no processo e não é, ela própria, parte naqueles autos, o que significa que o que se discute nos autos não contende com a dignidade, direitos e interesses dos seus clientes ou dela própria” e além disso porque “não consta dos autos qualquer informação sobre o caráter exclusivo e imprescindível do depoimento da advogada, ou seja, o meio de prova sujeito a segredo não se afigura absolutamente necessário à defesa dos interesses ali em discussão”, tendo considerado que “da intersecção dos valores colocados frente a frente (descoberta da verdade e segredo profissional), resulta uma preponderância do segredo profissional e da salvaguarda do exercício da advocacia livre e responsável.”

Finalmente, o parecer junto aos autos considerou justificar-se a quebra do segredo profissional que impende sobre o Sr. Dr. GG essencialmente porque “estando em causa o que se passou no seio de uma relação profissional entre um advogado e os seus clientes o depoimento do colega de escritório afigura-se determinante para a matéria que está em discussão nos autos” e “ tendo em conta os Temas da Prova A) e B), e perante a relação estabelecida, o advogado réu necessita fazer prova/contraprova designadamente, “da indicação dos autores para recurso da sentença”, “dos serviços prestados”, “do montante correspondente ao preço em falta” e, naturalmente, que o depoimento do seu colega estagiário se afigurará indispensável a tal desiderato” entendendo que no caso “é absolutamente necessário à defesa da dignidade, direitos e interesses de um colega de escritório a revelação do segredo”.

Para além de o parecer emitido pelo Conselho regional da Ordem dos Advogados não ser vinculativo para o tribunal, os critérios decisórios também não são integralmente coincidentes. Ainda que os depoimentos das testemunhas sujeitas a sigilo possam não ser um meio de prova exclusivo e imprescindível, configuram-se como um meio de prova essencial no concreto caso em análise.
Na verdade, atendendo ao objeto do litígio e aos temas de prova supra elencados, verifica-se que, no caso em apreço, foi invocada factualidade suscetível de fazer incorrer os patronos dos autores em responsabilidade civil profissional. Constitui factualidade essencial apurar as circunstâncias concretas em que autores e réus atuaram, que instruções foram dadas pelos autores aos réus, que serviços foram solicitados e prestados, qual o concreto trabalho desenvolvido, que reuniões ou contactos ocorreram de forma presencial, telefónica ou por outro meio de comunicação, no fundo, e de forma geral, como se processaram as relações entre os autores e os réus, os primeiros na qualidade de clientes, os segundos na de advogados.
Ora, de acordo com a normalidade da vida e as regras da experiência comum, os concretos atos em que se consubstanciou este relacionamento apenas terão sido presenciados pelos próprios intervenientes e pelas pessoas que colaboravam com os patronos nomeados, sendo que só estes poderão prestar um depoimento direto sobre o que se passou. Poderá ser ainda relevante o depoimento indireto de alguém com quem os mesmos tenham falado sobre o assunto.
Desconhece-se, em concreto, quais os factos de que cada um dos intervenientes tem conhecimento. No entanto, o réu CC e a sua colaboradora HH, por si arrolada como testemunha, já foram ambos dispensados do sigilo profissional e autorizados a prestar depoimento nos autos.
Foi emitido parecer favorável à quebra do segredo profissional quanto à testemunha GG.
Perante tal, não autorizar as demais testemunhas a prestar depoimento é suscetível de comprometer a possibilidade de obter uma versão mais alargada e abrangente dos factos e criar um desequilíbrio entre as partes no que concerne aos meios de prova ao seu dispor com vista a provar e contraprovar a factualidade relevante nos autos. Ora, o processo deve ser equitativo e para tal é necessário que, no seu decurso, as partes tenham um estatuto de igualdade substancial, designadamente no exercício de faculdades e no uso de meios de defesa (art. 4º, do CPC). Este desiderato ficará comprometido se não for possível ouvir sobre a matéria controvertida todas as pessoas que, putativamente, podem ter conhecimento sobre o relacionamento que existiu entre autores e réus.
O que significa que ficará comprometida a boa administração da justiça devido aos obstáculos que a não audição de todas as testemunhas pode trazer à descoberta da verdade.
Em nosso entender, a quebra do dever de sigilo não deve ser parcelar e antes deve abranger todas as pessoas que possam conhecimento sobre a concreta relação que se desenvolveu entre os autores e os réus no âmbito do patrocínio judiciário.
Por conseguinte, uma vez que os depoimentos das testemunhas sujeitas ao dever de sigilo se mostram relevantes e necessários para o escorreito apuramento da factualidade controvertida, na ponderação dos interesses em confronto no caso concreto, de harmonia com o princípio da prevalência do interesse preponderante e com um critério de proporcionalidade na restrição de direitos e interesses que se encontram constitucionalmente protegidos, temos de concluir que deve prevalecer o interesse na boa administração da justiça e na efetiva realização dos fins da atividade judicial, designadamente da procura da verdade material, em detrimento do sigilo profissional, o qual tem de ceder perante este, justificando-se assim a sua quebra.

Assim, concluímos ser de deferir o requerido e determinar a quebra do sigilo profissional invocado pelas testemunhas EE, FF e GG, devendo as mesmas prestar depoimento na audiência final.
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Não havendo vencimento no incidente, as custas devem ser suportadas por autores e réus, na proporção de metade para cada um, por ser aos mesmos que o incidente aproveita, nos termos do art. 527º, nº 1, 2ª parte, do CPC, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam os autores.
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DECISÃO

Pelo exposto, defere-se o presente incidente e decide-se determinar a quebra do sigilo profissional invocado pelas testemunhas EE, FF e GG, determinando-se que as mesmas prestem depoimento na audiência final.
Custas por autores e réus, na proporção de metade para cada um, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam os autores.

Notifique.
Comunique ao Conselho Regional ... da Ordem dos Advogados, como pelo mesmo solicitado.

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC):

I - A única entidade que pode desvincular o advogado (ou quem com ele colabore) do dever de sigilo profissional é o presidente do conselho regional da Ordem dos Advogados, e já não o próprio cliente do advogado.
Isto porque o segredo profissional não visa garantir exclusivamente interesses de natureza privada ou particular do cliente e da sua relação contratual com o advogado, tendo também uma finalidade pública, consubstanciada na correta e eficaz administração da justiça, e uma natureza social e deontológica inerente ao exercício da própria profissão.
II - Invocado o dever de sigilo profissional por advogado (ou por quem com ele colabore) como motivo para não prestar depoimento, e sendo tal recusa considerada legítima pelo tribunal de 1ª instância, compete ao Tribunal Superior decidir se deve ou não ser quebrado o segredo profissional.
III - No âmbito do incidente de quebra de sigilo profissional, o parecer emitido pelo Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados não é vinculativo para o tribunal e os critérios de dispensa do sigilo de advogado por parte da Ordem dos Advogados não são integralmente coincidentes com os que devem presidir à decisão judicial.
IV - Essa decisão impõe a necessidade de uma criteriosa ponderação dos valores em conflito, em ordem a determinar se a salvaguarda do sigilo profissional deve ou não ceder perante outros interesses, designadamente o da colaboração com a realização da justiça, ponderação esta que tem de ser efetuada de acordo com o circunstancialismo do caso concreto.
V - No âmbito do processo civil, sujeito a ónus e regras de prova específicos, há que fazer tal análise em função do pedido e da causa de pedir em causa no processo, levando em linha de conta a necessidade ou imprescindibilidade da informação pretendida para a matéria a provar.
VI - Numa ação em que é alegada factualidade suscetível de fazer incorrer os patronos dos autores em responsabilidade civil profissional é fundamental apurar os concretos atos praticados no âmbito das relações que existiram entre os autores e os réus, os primeiros na qualidade de clientes, os segundos na de advogados.
VII - Não autorizar parte das testemunhas a prestar depoimento é suscetível de comprometer a possibilidade de obter uma versão mais alargada e abrangente dos factos e criar um desequilíbrio entre as partes no que concerne aos meios de prova ao seu dispor com vista a provar e contraprovar a factualidade relevante nos autos.
VIII - O processo deve ser equitativo e para tal é necessário que, no seu decurso, as partes tenham um estatuto de igualdade substancial, designadamente no exercício de faculdades e no uso de meios de defesa (art. 4º, do CPC). Este desiderato ficará comprometido se não for possível ouvir sobre a matéria controvertida todas as pessoas que, putativamente, podem ter um conhecimento sobre o relacionamento que existiu entre autores e réus.
IX - Atendendo à concreta matéria em discussão nos autos e tendo já sido dispensado o sigilo profissional quer quanto ao réu, quer quanto à sua colaboradora, justifica-se que a quebra do sigilo profissional abranja as demais pessoas que possam ter conhecimento sobre a concreta relação que se desenvolveu entre os autores e os réus no âmbito do patrocínio judiciário, por os seus depoimentos se mostrarem relevantes e necessários para o escorreito apuramento da factualidade controvertida.
X - Por conseguinte, na ponderação dos interesses em confronto no caso concreto, de harmonia com o princípio da prevalência do interesse preponderante e com um critério de proporcionalidade na restrição de direitos e interesses que se encontram constitucionalmente protegidos, deve prevalecer o interesse na boa administração da justiça e na efetiva realização dos fins da atividade judicial, designadamente da procura da verdade material, em detrimento do sigilo profissional, o qual tem de ceder perante este, justificando-se assim a sua quebra.
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Guimarães, 4 de abril de 2024

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Fernando Manuel Barroso Cabanelas
(2º/ª Adjunto/a) Pedro Maurício