INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA (EM RAZÃO DA MATÉRIA)
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
COMUNICABILIDADE DA QUALIDADE DE FUNCIONÁRIO/TITULAR DE CARGO POLÍTICO
PERDA DAS VANTAGENS DO CRIME A FAVOR DO ESTADO
Sumário

(da responsabilidade da relatora):
I. Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos e ainda dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico daqueles;
II. O facto de a responsabilidade civil em causa decorrer de um ilícito criminal não determina, só por si, o funcionamento do princípio da adesão acolhido no artigo 71º do CPP, que apenas tem aplicação uma vez resolvida a questão da jurisdição, que tem assento constitucional: os tribunais comuns em matéria civil e criminal (tribunais judiciais) “exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” – artigo 211.º, n.º 1, da CRP; e aos tribunais administrativos compete o julgamento de “ações” que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas ou fiscais – artigo 212.º, n.º 3, da CRP;
III. A qualidade de funcionário [na acepção do artigo 386º do Código Penal] é, em regra, estendida aos demais comparticipantes para efeitos de punição, isto é, as qualidades ou relações que se verifiquem num comparticipante (intraneus) são, nos termos da lei, comunicáveis aos comparticipantes em quem não se verificam (extranei), excepto se for outra a intenção da norma;
IV. Apesar de a lei [artigo 28º do C.P.] admitir a transmissão da qualidade específica do intraneus para o extraneus, em todas as modalidades comparticipativas, as mesmas são delimitadas segundo as regras gerais dos artigos 26ª e 27º do Código Penal. Os critérios de autoria e participação nos crimes específicos [aquele que exige a intervenção de um intraneus] são os mesmos que nos crimes comuns;
V. Não ocorrer qualquer incompatibilidade entre o decretamento do confisco previsto no artigo 110º do Código Penal e a procedência do pedido de indemnização civil formulada pelo lesado, podendo este, nos termos do artigo 130º, nº 2 do Código Penal “fazer-se pagar” quanto aos danos causados pelo valor das vantagens recebidas pelo Estado.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
No âmbito do Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, n.º 39/14.9 TASCF, a correr termos no Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo, do Tribunal Judicial da Comarca dos Acores, foram julgados e condenados os arguidos:
1. AA, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por (5) cinco anos, e de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €20,00 (vinte euros), no total de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros), em resultado do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
a) na pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, 386.º, n.º 1, al. b), 26.º, 28.º, n.º 1, 11.º, n.ºs 2 e 7, e 12.º, todos do Código Penal, e art.º 5.º da Lei nº 34/87, de 16 de julho;
b) de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses de prisão e de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €20,00 (vinte euros), no total de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros), pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, e artigo 28.º do Código Penal;
2. BB, na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, e de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €10,00 (dez euros), no total de €600,00 (seiscentos euros), em resultado do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
a) na pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, 386.º, n.º 1, al. b), 26.º, 28.º, n.º 1, 11.º, n.ºs 2 e 7, e 12.º, todos do Código Penal, e art.º 5.º da Lei nº 34/87, de 16 de julho;
b) 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão e de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €10,00 (dez euros), no total de €600,00 (seiscentos euros), pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, e artigo 28.º do Código Penal;
3. CC, na pena de 500 (quinhentos) dias de multa, à taxa diária de €100,00 (cem euros), no montante total de €50.000,00 (cinquenta mil euros), pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, 386.º, n.º 1, al. b), 26.º, 28.º, n.º 1, 11.º, n.ºs 2 e 7, e 12.º, todos do Código Penal, e art.º 5.º da Lei nº 34/87, de 16 de julho.
Foi ainda decidido:
- Não admitir no processo crime o pedido de indemnização civil deduzido pelo ... contra os arguidos/demandados AA e BB e absolver os demandados AA e BB da instância;
- Não declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 521.145,96 e não condenar os arguidos ao pagamento ao Estado de tal quantia.
*
Desta decisão vieram os arguidos BB e CC e ainda o Ministério Público e a assistente ..., interpor recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões:
Recurso interposto pelo arguido BB:
1. Contrariamente ao decidido em 5., 6., 7. e, por decorrência, 10. do dispositivo do acórdão recorrido, entende-se, com o devido e sempre elevado respeito, que a decisão a quo padece de manifesta insuficiência da prova para a matéria de facto provada, tendo ocorrido erro no julgamento da matéria de facto (no que respeita à apreciação e fundamentação dos factos dados como provados), com a violação dos princípios da livre apreciação da prova (considerando que este não se pode sobrepor à ausência de prova!) e do princípio in dubio pro reo, corolário do princípio da presunção de inocência.
2. Com efeito, entende-se que o Tribunal a quo julgou incorretamente como provados os factos 11, 12, 14, 15, 16 e 17, que, assim, deveriam ser julgados como não provados (o que se consigna ao abrigo do n.º 3, do art. 412.º, do CPP).
3. Além do que, incorreu, ainda, nos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão; e de erro notório na apreciação da prova; ínsitos no n.º 2, do art. 410.º, do CPP.
4. Se os aqui apontados vícios não tivessem ocorrido, como se impunha, a decisão seria uma e só uma: a absolvição do aqui Recorrente, BB.
Vejamos:
I – Da existência de contradição insanável entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada e de contradição insanável da fundamentação, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, do CPP; e do erro de julgamento quanto aos factos provados 11, 12, 14, 15 e 16, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, do CPP:
5. Combinando os factos provados 11, 12, 14, 15 e 16 e respetiva fundamentação e o facto não provado a) e respetiva fundamentação, verificamos que o Tribunal a quo deu como não provada a existência de um plano delineado entre os Arguidos, e, ao mesmo tempo, deu como provado que os mesmos “atuaram concertadamente entre si”, tendo ajustado “um acordo tácito assente na existência de consciência e vontade de colaboração”.
6. Mas se não se provou a existência de um plano, simplesmente não é possível os Arguidos terem atuado concertadamente entre si!
7. Conceptualmente, a atuação concertada entre duas ou mais pessoas significa que estas gizaram um plano com vista a um determinado resultado. E esse plano, como resulta do aresto, não foi provado, porquanto resultou da prova produzida que, em várias reuniões, o AA insistia junto da CC pela conclusão da obra, pressionando-a para o efeito, facto que é incompatível com a presença de um plano.
8. De outro passo, se a circunstância, conforme asseverado pelo Tribunal recorrido, de o AA insistir “pela conclusão da obra e pressionava a arguida CC para que a obra fosse concluída”, corresponde a conduta incompatível “com a existência de um plano previamente delineado entre os arguidos com vista a fazer da arguida CC quantias que pertencessem à ... e que não eram devidas àquela”, então, essa mesma circunstância é, também, incompatível com a existência de uma atuação concertada entre os Arguidos ou com a existência de um acordo tácito ajustado entre estes, assente na existência da consciência e vontade de colaboração.
9. Isto é, não se antevê de que forma possam tais factos ser incompatíveis com a primeira situação e compatíveis com a segunda.
10. Padece, pois, e desde logo, o aresto impugnado de clara contradição e inconciliabilidade, insanáveis, entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada, e, bem ainda, de contradição, igualmente insanável, da fundamentação, vícios que se invocam nos termos e para os efeitos do disposto no art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP.
11. Além do que, se mostram incorretamente julgados os factos provados 11, 12 (“Agindo concertadamente entre si, os arguidos…”), 14, 15 e 16 – o que se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3, al. a), do CPP –, pois, se apreciada adequadamente a prova, e convocando os mesmos argumentos que presidiram à conclusão alcançada no facto não provado a), ter-se-ia concluído que os factos provados 11, 12, 14, 15 e 16 seriam, também eles, factos não provados.
12. Mas mesmo que assim não se entendesse, o que somente ad cautelam se equaciona, sempre sem conceder, outros fundamentos concorrem para a inexistência de uma atuação concertada e de um acordo tácito ajustado entre os Arguidos, assente na apontada existência de consciência e vontade de colaboração, com o propósito de obtenção de um benefício ilegítimo para a CC
Com efeito,
II – Da manifesta insuficiência da prova para a matéria de facto provada e, consequentemente, da ocorrência de erro no julgamento da matéria de facto, com a violação dos princípios da livre apreciação da prova e do princípio in dubio pro reo; da insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto provada; e do erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto nas als. a) e c), do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP:
13. Constata-se, de antemão, que este “acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração” em que o Tribunal sustenta o elemento subjetivo do tipo criminal quanto ao aqui Recorrente é, tão só, uma dedução (i)lógica do Tribunal, que é extraída de uma narrativa do Ministério Público, mas que não encontra o mínimo respaldo nem no teor da acusação, nem na prova produzida em audiência.
14. É certo que o artigo 127.º do CPP determina que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.
15. Todavia, procurando percorrer o iter seguido pelo Tribunal recorrido para alcançar tal conclusão (cf. sugerido em acórdão do T. R. Porto, de 27/02/2017, emanado no proc. n.º 156/16.0PIVNG.P1), simplesmente não a compreendemos.
16. Isto porque, não foi produzida qualquer prova sobre a interação entre o Recorrent e o AA sobre os factos ocorridos.
17. E, neste particular, exigível seria que, pelo menos, fosse produzida prova quanto à existência de alguma interação entre estes que permitisse ancorar a existência de um acordo, mesmo que tácito, e, também, um mínimo de consciência e vontade de colaboração entre os envolvidos.
18. É que, como resulta do acórdão supra  referido (citado na motivação), e, igualmente, do acórdão do T. R. Coimbra, proferido no proc. n.º 72/11.2GDSRT.C1, em 14/01/2015: “A livre apreciação da prova pressupõe que esta seja considerada segundo critérios objectivos que permitam estabelecer o substrato racional da fundamentação da convicção.”
19. Pelo que, aqui chegados, questionamos: As conclusões do Tribunal recorrido inferem-se de que concretos e provados factos? Qual foi o trajeto percorrido? Quais os critérios objetivos que foram aqui considerados?
20. Já percebemos, pela análise da argumentação expendida ao longo do acórdão, que o Tribunal a quo, sem fazer prova de uma qualquer interação entre os Arguidos BB e AA, sustenta a sua presunção nas seguintes premissas, aferidas conjuntamente “à luz das regras da experiência comum”: (i) Os autos de medição foram elaborados por indicação do ora Recorrente, mormente quanto aos trabalhos realizados; (ii) O aqui Recorrente assinou 11 dos 16 autos de medição aqui em causa, tendo os restantes sido assinados por outros funcionários da CC; (ii) Verifica-se proximidade entre o valor dos trabalhos não realizados e o valor dos trabalhos faturados; (iii) O ora Recorrente é Engenheiro Civil na empresa CC; (iv) O ora Recorrente é representante de facto da CC
21. Sucede que, por um lado, tais factos não são suficientes para se concluir estar em causa uma atuação concertada entre os Arguidos ou um acordo tácito entre estes assente na consciência e vontade de colaboração, com vista à obtenção de um resultado ilícito, e, por outro lado, nem todas essas premissas são verdadeiras ou resultam provadas.
22. Primeiro, não se reputa de que forma a circunstância de o Recorrente ter, ele próprio, assinado os autos e/ou ter ordenado a sua assinatura/elaboração é idónea a fazer essa prova, já que não foi produzida qualquer prova de que este era representante de facto da CC.
23. Dos factos provados resulta, apenas, nesta sede que o aqui Recorrente era um mero funcionário da CC, com quem mantinha uma relação de subordinação jurídica: “3. Nas datas e períodos infra indicados, o arguido BB trabalhava por conta e sob as ordens da arguida CC, e mediante remuneração prestada por esta.”.
24. Na verdade, a CC, à data dos factos, tinha um gerente, DD, que estava em pleno exercício de funções (o que é referido no acórdão), não tendo sido produzida, em momento algum, qualquer prova de que o aqui Recorrente, tivesse, em algum momento, passado a exercer essas funções ou a representar a empresa.
25. Aliás, em nenhum momento a decisão recorrida refere quem era o Diretor de Obra. Pelo que,
26. Sendo o aqui Recorrente um mero funcionário da CC (e nada mais, porque nada mais foi provado), a cumprir ordens do gerente DD, a simples assinatura/simples ordem de assinatura/elaboração dos autos de medição não são suficientes para se concluir pela tomada de consciência sobre a divergência existente entre os autos e a realidade da obra e, consequentemente, pela atuação concertada deste com os demais Arguidos no sentido de obtenção para a CC de um benefício ilegítimo!
27. Repare-se, até, neste particular, que ficou provado que outras pessoas – nomeadamente as testemunhas EE e FF, também, à data, funcionários da CC – assinaram alguns autos de medição e tal não implicou que estas fossem, sequer, acusadas, por se entender que estavam a cumprir ordens (de facto, dos 16 autos de medição em causa, apenas 11 foram assinados pelo ora Recorrente).
28. O que não se compreende é por que razão se entendeu de modo diferente quanto a este funcionário da empresa, quando a qualidade de Engenheiro Civil, por si só, não pode ter esse efeito.
Por outro lado,
29. Não resulta, sequer, dos factos provados ou dos fundamentos do acórdão recorrido que o aqui Recorrente tinha conhecimento, por mínimo que fosse, do que se estava a passar em obra, e, consequentemente, das apontadas divergências face aos autos de medição.
30. De facto, nenhuma testemunha referiu que o Recorrente esteve em obra, que acompanhou a obra ou que sabia que as quantidades de trabalhos efetivamente executados não correspondiam às quantias incluídas e elencadas nos autos de medição.
31. Aliás, conforme resulta do acórdão, a testemunha GG “afirmou desconhecer quem em concreto da arguida CC se deslocava à obra em causa, para além de DD”.
32. Para que o Tribunal a quo pudesse, à luz da experiência comum, concluir, com a certeza/fiabilidade necessárias, que o Recorrente tinha a efetiva consciência da falta de correspondência entre os autos de medição e a realidade da obra, necessário seria que tivesse resultado provado que este tinha conhecimento do que se estava a passar em obra, porque nela esteve, o que não foi feito.
33. E o certo é que (como vimos) se não foi provado quem era representante de facto da CC, nem sequer quem era o Diretor da obra in casu, também a qualidade de Engenheiro Civil do aqui Recorrente não o coloca, por si só, “dentro da obra” e a par das quantidades executadas e da divergência entre estas e as quantidades medidas e inscritas nos respetivos autos.
34. Assumir que o Recorrente tinha tal conhecimento pelo exclusivo facto de ser Engenheiro Civil ao serviço da empresa não faz o mínimo sentido: tal seria presumir que este sabia, necessariamente, o que se passava em todas as obras desta, fossem elas 10, 100 ou 500!
35. Ademais, não se diga que a “proximidade entre o valor dos trabalhos faturados e o valor dos trabalhos não executados e/ou da grande discrepância entre o valor dos trabalhos faturados e o valor dos trabalhos executados” permite formular a convicção segundo a qual o Recorrente tinha conhecimento de que os 11 autos de medição que assinou incluíam obras não realizadas.
36. Novamente, o que poderia permitir formular essa convicção era a prova, que não foi feita, de que o Recorrente se tinha deslocado à obra e de que, concomitantemente, essa deslocação tivesse importado o conhecimento, por este, de toda a realidade da obra.
Isto posto,
37. O Tribunal a quo presume, sem o mínimo de sustento e segurança, que o Recorrente tinha consciência/conhecimento de tudo o que se estaria a passar em obra e que, por decorrência, sabendo não corresponderem integralmente à verdade os autos de medição, atuou conjuntamente com os demais Arguidos, com consciência e vontade, em comunhão de intentos e esforços, com o fito de obter um beneficio ilegítimo para a CC
38. E diz-se “sem o mínimo de sustento e segurança”, porquanto, e em jeito de resumo face ao que ficou dito, ficou por provar – e, isso sim, era exigível –:
(a) A ocorrência de uma qualquer interação entre os aqui Recorrente e AA, na qual se pudesse alicerçar a existência de um acordo, da consciência e vontade de colaboração e da comunhão de intentos e de esforços;
(b) Que o Recorrente sabia que os autos de medição que assinava ou cuja elaboração/assinatura ordenava estavam, parcialmente, desconformes com a realidade em obra, pois que: (b.1) Não se provou que o aqui Recorrente alguma vez se deslocou à obra ou que a acompanhou, sendo que a simples qualidade de Engenheiro Civil não o coloca “dentro da obra”; (b.2) Não se provou que o aqui Recorrente era representante de facto da CC; (b.3) Não se provou que o aqui Recorrente era Diretor da Obra dos autos.
39. Uma presunção alcançada nestes termos – em claro desrespeito pelas regras da experiência comum e pela prova produzida – está, invariavelmente, ferida de invalidade (vide a citação feita supra ao douto acórdão do T. R. Lisboa, proferido no proc. n.º 3443/11.0TDLSB.L1-9, em 25/06/2015).
40. Pelo que, in casu, é manifesta a insuficiência da prova para a matéria de facto provada e, consequentemente, a ocorrência de erro no julgamento da matéria de facto (no que respeita à apreciação e fundamentação dos factos dados como provados), com a violação dos princípios da livre apreciação da prova (considerando que este não se pode sobrepor à ausência de prova!) e do princípio in dubio pro reo, corolário do princípio da presunção de inocência.
41. E estamos, igualmente, perante uma situação de insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto nas als. a) e c), do n.º 2, do art. 410.º, do CPP, o que expressamente também se invoca para os devidos e legais efeitos, pois que, por um lado, ficaram por provar os factos referidos em (a) e (b), (b.1), (b.2) e (b.3) supra, e, por outro lado, a decisão recorrida violou as regras da experiência comum e efetuou uma apreciação dos factos flagrantemente incorreta, baseada em juízos ilógicos e desprovidos de racionalidade.
42. O que implica a absolvição do aqui Recorrente, dos crimes de que foi acusado.
43. De facto, presumir (i) da mera assinatura, pelo Recorrente, de 11 dos 16 autos de medição ora em causa ou de eventuais indicações emanadas por este de assinatura/elaboração dos mesmos, aliados ao facto de este ser Eng. Civil ao serviço da CC; e, ainda, (ii) da proximidade entre o valor dos trabalhos não realizados e o valor dos trabalhos faturados; que este sabia da realidade da obra (e da consequente falta de correspondência, parcial, com os autos de medição), tendo atuado concertadamente ou com a consciência e vontade de colaboração com os demais Arguidos no sentido de obtenção de um benefício ilegítimo para a CC é extrair uma presunção contra reo (porquanto os elementos dos autos não permitem, com base em juízos de experiência comum, formar convicção plena, no sentido explanado, ao Tribunal recorrido) e, portanto, uma forma de violar o princípio da livre apreciação da prova (porque ultrapassados os limites deste) consagrado no art.º 127.º do CPP, o princípio da presunção de inocência consagrado no art.º 32.º, n.º 2, da CRP, e o princípio in dubio pro reo (que é outra vertente do anterior).
44. Chama-se à colação, nesta matéria, o douto aresto do S. T. J., de 04/12/2008, proferido no proc. n.º 08P3456, que, entre o mais citado acima, escreveu: “VII. O princípio in dubio pro reo estabelece que, perante a persistência de uma dúvida razoável, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido.
45. E, bem ainda, o que igualmente se citou (acima) dos acórdãos do T. R. Coimbra, proferidos no âmbito dos procs. n.º 3/07.4GAVGS.C2, de 01/10/2008, e n.º 460/10.1JALRA.C1, de 21/03/2012, do acórdão do T. R. Évora, de 25/03/2018, proferido no proc. n.º 535/09.0TAOLH.E1 e do acórdão do T. R. Lisboa, proferido em 14/05/2015, em sede do proc. n.º 1938/12.8PSLSB.L1-9.
46. Tudo isto para reforçar a conclusão de que em caso algum resultaram provados o conhecimento, pelo Recorrente, do que se estava a passar em obra e, por decorrência, a consciência (de que estava a assinar autos parcialmente desconformes) e a vontade deste de colaboração com os demais Arguidos com o propósito de obtenção de “um beneficio ilegítimo para a co-arguida CC” e de se apropriar “em favor da co-arguida CC, da quantia de €521.145,96, correspondentes a trabalhos registados nos autos de medição nos 3 a 18, faturados e pagos pelo ... e que não foram realizados pela arguida CC".
Além do mais,
III - Da incorreta apreciação da prova produzida por recurso às testemunhas HH, II e JJ
47. Também não ficaram provados, agora quanto ao AA, o conhecimento da realidade da obra (por contraposição aos autos de medição 3 a 18) e, por decorrência, as imputadas “atuação concertada” e consciência e vontade de colaboração com os demais Arguidos, com vista à obtenção de um benefício ilegítimo para a CC.
48. Decorre do acórdão impugnado, na parte em que se refere ao depoimento da testemunha HH, presidente da ... desde outubro de 2013, que: “A fiscalização da obra é que valida os autos de medição, que são elaborados pelo empreiteiro, podendo a fiscalização ser realizada por técnicos da Câmara ou por empresas externas.
O fiscal KK não tinha vínculo com a Câmara e trabalhava para a Câmara através de uma prestação de serviços. (…)
Nesta obra, a fiscalização foi realizada pelo engenheiro KK, que prestava serviços de fiscalização ao .... (…)
O técnico da fiscalização é que confirma que o trabalho foi executado.”
49. É, pois, pacífico que: (i) a competência para confirmar o teor dos autos de medição era exclusiva de uma só pessoa: o técnico de fiscalização Eng. KK; (ii) o trabalho do Presidente da Câmara, nestes casos, é somente o de conferir se os autos estão assinados/validados pela fiscalização e, em caso afirmativo, encaminhar o processo para pagamento.
50. Repare-se no que disse a testemunha neste âmbito: “O procedimento normal hoje (à data não acompanhava os processos com proximidade), enquanto presidente da Câmara, e acontece com frequência pois, embora seja um município pequeno, normalmente têm várias obras ou empreitadas a decorrer, é o seguinte: a fiscalização, quer seja um técnico da Câmara, quer seja uma empresa, remete o auto de medição devidamente assinado a dizer que está conforme para poder-se prosseguir, o documento dá entrada na Câmara Municipal, é encaminhado para si, enquanto presidente da ... e «eu, confirmando que está em condições de ser pago, encaminho para os serviços da contabilidade para se proceder ao respetivo pagamento». (…)
A conferência que faz dos autos de medição, enquanto presidente da Câmara, normalmente é uma conferência documental, «recebemos o auto de medição, verificamos se ele está validado pelos serviços da fiscalização e é com base nessa referência documental que é dado o seguimento, (…), mas também há um acompanhamento das obras que é feito com alguma regularidade (…), procuro acompanhar as obras até porque o concelho é pequeno, mas o despacho é feito com base na informação da fiscalização»,
Eu valido os autos que estão assinados pela fiscalização e remeto para pagamento, confirmo com a fiscalização que os autos estão conformes; a ida às obras é feita com alguma regularidade; a atestação ou a confirmação para pagamento é feita com base na informação da fiscalização».
(negrito nosso)
51. No mais, não podia o Tribunal recorrido, como o fez, retirar do depoimento desta testemunha a existência de uma obrigação legal do Presidente da Câmara de verificação, no terreno, das quantidades apostas nos autos de medição, já que as obrigações deste estão previstas na Lei (Direito Administrativo), e apenas na Lei, não existindo simplesmente porque a testemunha declara que existem!
52. E o certo é que nenhuma testemunha afirmou ter visto o AA na obra objeto dos presentes autos. Neste particular, apenas foi dito pela secretária Sr.ª JJ e pelo Eng.º II que aquele se deslocava às obras para ver o seu estado: "As testemunhas II e JJ, (…), afirmaram de forma coerente e credível, designadamente, que o então presidente da Câmara..., aqui arguido AA, deslocava-se às obras para ver o seu estado.", nada tendo sido dito específica e concretamente quanto à obra ora em discussão.
53. Aliás, foi, ainda, referido pela testemunha HH que, normalmente, o município tem várias obras a decorrer, sendo frequente “ter empreitadas deste valor e até de maior valor”, pelo que, é natural – tendo em conta tal n.º de empreitadas e, ainda, que existem técnicos de fiscalização afetos às mesmas, dotados de competência técnica, a quem incumbe verificar os autos de medição, por correspondência com a realidade da obra – que o Presidente da Câmara se limite a conferir os documentos que aqueles lhe entregam.
54. Ou seja, o Presidente da Câmara faz o acompanhamento da obra através do técnico de fiscalização, o que sucedeu neste caso.
55. Qualquer pessoa – aqui se incluindo HH, que acabou por confirmar que a ordem de pagamento é dada com base na documentação fornecida pela fiscalização –, colocada na posição do AA, faria o que este fez: confiaria na validação dos autos de medição feita pelo Eng. Civil responsável pela fiscalização da obra, contratado pela Câmara Municipal para o efeito.
56. Pelo que, o Tribunal a quo fez, novamente, uma incorreta apreciação da prova produzida por recurso às testemunhas HH, II e JJ, a qual, se tivesse sido corretamente apreciada, determinaria decisão diversa, no sentido da absolvição do AA, com reflexos, em idênticos termos, no ora Recorrente, BB.
57. E mesmo que alguém tivesse visto o AA na obra, o que somente se equaciona, sem conceder, tal não significaria, necessariamente, que este soubesse que existiam divergências entre as quantidades medidas e as quantidades executadas, já que segundo a prova testemunhal produzida, a obra em causa, da parte de fora, estava praticamente finalizada e não era percetível, apenas da parte de fora, que tais divergências existissem.
58. Ademais, não se diga que a “proximidade entre o valor dos trabalhos faturados e o valor dos trabalhos não executados e/ou da grande discrepância entre o valor dos trabalhos faturados e o valor dos trabalhos executados” permite formular a convicção segundo a qual o AA tinha conhecimento que dava ordens de pagamento respeitantes aos autos de medição nºs 3 a 18, que incluíam elevados valores de obras não realizadas.
59. Tal como supra se explicou quanto ao aqui Recorrente, o que poderia permitir formular essa convicção era, simplesmente, a prova, que não foi feita, de que o Arguido se tinha deslocado à obra e de que, concomitantemente, essa deslocação tivesse importado o conhecimento, por este, de toda a realidade da obra (e não uma mera observação a partir do seu exterior).
60. Não tendo sido provada a tomada de consciência do AA destas divergências, nem sequer a obrigação de as conhecer, não pode considerar-se que este atuou concertadamente com os demais Arguidos, no âmbito de um acordo tácito assente na consciência e vontade de colaboração com vista à obtenção de um benefício ilegítimo para a CC, e, por decorrência, que tenha sido cometido o crime de peculato.
61. Consequentemente, justamente porque não foi praticada a conduta típica do crime de peculato proprio sensu pelo agente intraneus (o AA) nunca poderia o referido crime ser imputado ao agente extraneus (o aqui Recorrente), o que, consequentemente e igualmente, leva à sua absolvição.
62. Isto posto, subsumindo as normas aqui em causa – o art. 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho; o art.º 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, do Código Penal; e os artigos 26.º e 28.º do Código Penal – e seus pressupostos à factualidade relevante, de acordo com os fundamentos recursivos aqui vertidos, resulta claro que não se preenchem, no caso sub judice, os pressupostos em que assentam a ocorrência do crime de peculato – a consciência e vontade de o agente fazer seu o bem para seu próprio benefício ou de terceiro, cf. ponto 4 do sumário do acórdão do T. R. Évora, de 17/03/2015, proferido no âmbito do proc. n.º 29/08.0TAAVS e ponto VII do sumário do acórdão do T. R. Porto, proferido no proc. n.º 2293/11.9TAVCD.P1, em 26/06/2013 – e a ocorrência do crime de falsificação de documento – a intenção de causar prejuízo e a consciência da falsidade da informação – porquanto, entre o mais já referido, não se provou que o aqui Recorrente e o AA (ou mesmo o técnico da fiscalização KK) tinham estabelecido um qualquer tipo de interação, nem que estes tinham conhecimento do que efetivamente se passava em obra, e, por isso, da falta de correspondência parcial entre os autos de medição 3 a 18 e a realidade em obra!
63. Se não se provou que estes conheciam a realidade da obra e a falta de correspondência (parcial) entre esta e os autos de medição, óbvio que não se podia provar que atuaram conjuntamente entre si, com consciência e vontade de colaboração, em comunhão de intentos e de esforços, com o fito de obterem um benefício ilegítimo para a CC ou que, de alguma forma, contribuíram para a falsidade dos documentos (autos de medição).
64. E, mesmo que se tivesse provado tal conhecimento por banda do aqui Recorrente, o desconhecimento pelo AA seria suficiente para afastar a prática dos crimes também pelo primeiro (por impossibilidade óbvia de aplicação, nesse caso, do disposto nos artigos 26.º e 28.º do Código Penal).
65. E ainda, mesmo que, no limite, se tivesse provado tal conhecimento por ambos, então, no que concerne ao crime de peculato, não estariam aqui reunidos os pressupostos para operar a aplicação da pena ao ora Recorrente, porquanto não se provou, em nenhum momento, que este sabia que o AA ia ter/teve intervenção neste assunto (aliás: nada resulta dos autos que comprove a existência de alguma interação entre estes).
66. De facto, se o Recorrente não tinha consciência de que o AA estava a intervir, não é possível que a qualidade de funcionário lhe seja atribuída, já que esta só se comunica aos extranei que tenham tomado consciência da qualidade do intraneus (cf. se lê em “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 4.ª Edição, pág. 230, de Paulo Pinto de Albuquerque: “A comunicação só se verifica em relação aos extranei que tenham tomado consciência da qualidade do intraneus (CAVALEIRO DE FERREIRA 1992: 461)”.
67. Pelo que, também por esta via, se impunha, pelo menos quanto ao crime de peculato, a absolvição do aqui Recorrente.
68. Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais considerações, deverá o recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, revogado o acórdão recorrido, proferindo-se acórdão que absolva o aqui Recorrente dos crimes de falsificação de documento (pp. pelos arts. 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, 386.º, n.º 1, al. b), 26.º, 28.º, n.º 1, 11.º, n.ºs 2 e 7, e 12.º, todos do Código Penal, e art.º 5.º da Lei nº 34/87, de 16 de julho) e de peculato (pp. pelo art. 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, e artigo 28.º do Código Penal) e, bem ainda, consequentemente, das custas do processo.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, revogado o acórdão recorrido, proferindo-se acórdão que absolva o aqui Recorrente dos crimes de falsificação de documento (previsto e punido pelos artigos 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, 386.º, n.º 1, al. b), 26.º, 28.º, n.º 1, 11.º, n.ºs 2 e 7, e 12.º, todos do Código Penal, e art.º 5.º da Lei nº 34/87, de 16 de julho) e de peculato (previsto e punido pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, e artigo 28.º do Código Penal) e, bem ainda, consequentemente, das custas do processo.
Só assim se fazendo Justiça!
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Recurso interposto pela arguida CC:
1. O crime por cuja alegada prática a Arguida vem condenada é um crime que apenas admite condenação na eventualidade de ser praticado a título doloso.
2. Para que se provasse a existência de dolo, na atuação da Arguida, seria necessário que os agentes que alegadamente atuaram em nome desta o tivessem feito com dolo, nas diversas modalidades previstas no artigo 14.º, do CP, e/ou na modalidade de dolo específico prevista no artigo 256.º, n.º 1, al. d), do CP.
3. Para que se verifique a existência do dolo previsto no artigo 14.º, do CP, é necessário que o agente, pelo menos, preveja como consequência possível da sua conduta a prática de um crime e atue conformando-se com tal realização.
4. No acórdão, o tribunal a quo deu como provado que a Arguida “atuou por intermédio de DD e/ou do arguido BB e estes atuaram em seu nome e no seu interesse e em nome e no interesse da arguida CC”. Porém, de nenhum dos factos dados como provados no acórdão recorrido se pode retirar que o BB ou DD tivessem efetivamente conhecimento de que as quantidades de trabalhos apostas nos autos de medição não correspondiam às quantidades efetivamente executadas em obra e que se tivessem conformado com tal discrepância.
5. Assim sendo, o tribunal a quo não poderia ter dado como provado o alegado nos artigos 16, 16.1 e 16.2, da matéria de facto dada como provada no acórdão, na medida em que não foi produzida qualquer prova de que o BB ou DD tivessem tido o propósito de adulterar quaisquer autos de medição ou sequer soubessem o que deles constavam face ao que constava em obra. Com efeito, nenhuma testemunha colocou a presença do BB ou de DD em obra de forma a permitir a tomada de consciência de tal discrepância.
6. Pelo que, os factos 16, 16.1 e 16.2, da matéria de facto dada como provada no acórdão, devem ser dados como não provados e, por tal, a Arguida ser absolvida, por não se verificarem os elementos subjetivos do tipo de crime de foi condenada, o que se requer.
Ainda que assim não se entenda, o que apenas se pondera, sem conceder,
7. A Arguida não pode concordar com a medida concreta da pena que lhe foi aplicada.
8. Desde logo, porque tal medida teve em consideração a comunicação da qualidade de funcionário do AA à Arguida, nos termos do disposto no artigo 28.º, do CP, o que determinou a aplicação do disposto nos artigos 256.º, n.º 4, do CP, e 5.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de julho.
9. Sucede que, da própria matéria dada como não provada no acórdão (cf. al. a)), o tribunal recorrido deu como não provada a existência de um plano por parte dos Arguidos no processo.
10. Ora, se não existiu um qualquer acordo entre os Arguidos para a prática dos factos em apreço nos autos, nunca poderia operar a comunicabilidade da qualidade de funcionário/titular de cargo político, do AA, a nenhum dos demais arguidos no processo, inclusive a CC.
11. E isto porque a comunicação prevista no artigo 28.º, só se justifica nas situações em que há um conhecimento, por parte dos comparticipantes, da qualidade especial de um, ou mais do que um, deles.
12. Mas mais ainda, para a aplicação do disposto no artigo 28.º, n.º 1, é necessário que se verifique uma situação de comparticipação.
13. Ora, não havendo qualquer plano entre os Arguidos, tal cenário só poderia, desde logo, encontrar-se por afastado.
14. Pelo que, nunca a moldura penal da pena a aplicar à arguida poderia ter em conta a agravação supra referida.
15. Consequentemente, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 28.º, n.º 1, do CP.
16. A Arguida, na qualidade de pessoa coletiva, não pode atuar por si mesma, mas sempre através de agentes representantes.
17. Ora, mesmo que os factos dados como provados no acórdão, pelo tribunal a quo, como tendo sido praticados por agentes ligados à Arguida, tivessem, efetivamente, sido praticados, a verdade é que os agentes a quem os referidos factos são imputados (DD e BB) já não se encontram ligados a qualquer atividade da Arguida. Com efeito, DD já faleceu, conforme informação que consta dos presentes autos, e o BB encontra-se a laborar em …, não tendo qualquer ligação à Arguida, conforme decorre do respetivo relatório social.
18. Assim, as necessidades de prevenção especial são extremamente diminutas, o que, por si só já justifica uma diminuição do montante de dias de multa em que a Arguida foi condenada.
19. Outro facto que justifica tal diminuição é o de que, conforme vem referido no acórdão recorrido, a Arguida não tem antecedentes criminais em relação aos factos em apreciação nos presentes autos, bem como, o de que as condenações posteriores se referem a factos praticados nos anos de 2009 a 2012.
20. Desde o ano de 2012, último ano da prática dos factos, já decorreram mais de 10 anos.
21. Pelo que, do exposto, resulta que a Arguida pode ter vivido uma fase, em determinado período, em que, sem conceder, alguns agentes que a ela se encontravam ligados ou a representavam podem ter praticado alguns factos julgados como constitutivos da prática de um ilícito criminal. Porém, resulta igualmente que tal fase já há muito terminou, tendo a Arguida uma conduta de acordo com o direito desde o ano de 2013, pelo menos.
22. Assim, as diminutas necessidades de prevenção especial, bem como a conduta da Arguida desde há, pelo menos, 10 anos, em que não se lhe conhece a prática de qualquer crime, justificam que o número de dias de condenação em multa nos presentes autos não seja superior a 50, tendo em conta a moldura penal sem a comunicabilidade das qualidades do AA à Arguida.
23. Ao não ter decidido dessa forma, a decisão do tribunal a quo padece de erro de julgamento, não tendo considerado devidamente as circunstâncias enumeradas no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, quanto à prevenção especial, e n.º 2, al. e), do mesmo artigo, quanto à conduta posterior aos factos em apreço nos presentes autos, tendo violado este artigo, bem como quanto à moldura penal aplicável.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso ser julgado procedente, com as legais consequências,
Só assim se fazendo Justiça!
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Recurso interposto pelo Ministério Público:
1. O Ministério Público discorda da decisão que não declarou perdida a favor do Estado a quantia de 521.145,96€, vantagem patrimonial de que os arguidos obtiveram com o cometimento dos crimes pelos quais foram condenados e que pertencia à ..., ao abrigo do disposto no art.º 110.º, nº 1, al. b), e nºs 3, 4 e 6, do Código Penal.
2. Não assiste qualquer razão ao Tribunal recorrido na decisão de indeferimento do pedido da perda de vantagens patrimoniais resultantes da prática dos crimes formulado pelo Ministério Público, pois estão plenamente preenchidos todos os pressupostos legais que impunham a decretação, juntamente com a condenação dos arguidos, da perda em favor do Estado das sobreditas vantagens, pelo que o Tribunal a quo ao não decretar a perda violou o disposto no artigo 110.º, nºs 1, 2 e 4 do Código Penal.
3. Reconhecendo-se a autonomia do instituto da perda de vantagens, a sua natureza e finalidade marcadamente preventivas, o seu carácter sancionatório análogo à da medida de segurança e, para além disso, obrigatório, subtraído a qualquer critério de oportunidade ou utilidade, o juiz não pode deixar de decretar a perda de vantagens obtidas com a prática do crime, na sentença penal, independentemente de o lesado ter deduzido ou não pedido de indemnização civil (e do seu desfecho) que possa coexistir com a obrigação e necessidade de reconstituição da situação patrimonial prévia à prática do crime, própria do instituto da perda de vantagens.
4. Trata-se, pois, de um mecanismo autónomo e independente do pedido de indemnização civil, tendo sempre lugar a declaração de perdimento, impondo-se que funcione como um instrumento dissuasor da prática de crimes.
5. Destarte, o normativo do art.º 110º do Código Penal é imperativo e o art.º 130º, nº 2 do mesmo diploma reforça a afirmação de que o legislador separou o confisco do pedido de indemnização civil, concluindo-se, assim, que não existe qualquer limite ao confisco decorrente da possibilidade de ter sido deduzido pedido cível.
6. A decisão recorrida não pode subsistir no segmento impugnado, impondo-se a sua revogação e o decretamento da perda a favor do Estado da vantagem patrimonial, no valor de € 521.145,96, a pagar solidariamente pelos arguidos, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 110.º, n.ºs 1, al. b), n.º 3 a 4 do Código Penal.
Nestes termos, deverão V. Exas. dar provimento ao presente recurso, e em consequência, ser decretada da perda da vantagem patrimonial obtida pelos arguidos em resultado directo da prática dos crimes por eles cometido, nos termos do disposto no art.º 110.º, nºs. 1 a 4, do Código Penal, perda esta que se computa no valor de €521.145,96 com a consequente condenação dos mesmos no pagamento solidário desta quantia.
Decidindo deste modo, farão V. Exas., aliás como sempre, um acto de
JUSTIÇA!
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Recurso interposto pelo assistente ...:
i. Por despacho datado de 3 de Março de 2021, o pedido de indemnização cível do Recorrente foi admitido, nos termos dos artigos 74.º e 77.º do Código de Processo Penal.
ii. Este despacho foi objecto de recurso por parte do Recorrido BB com o fundamento que devia ter ser proferido despacho de não admissão, porquanto o pedido de indemnização civil era intempestivo.
iii. O douto Tribunal da Relação de Lisboa, em 7 de Outubro de 2021, julgou improcedente o recurso, tendo o mesmo transitado em julgado a 13 de Novembro de 2021.
iv. Sem prejuízo do recurso apresentado, os Recorridos contestaram, no âmbito do art.º 78º, do C.P.P., tendo o demandado BB invocado a exceção de caducidade do direito a apresentar pedido de indemnização civil nos presentes autos, de acordo e com os efeitos previstos no artigo 139.º, n.º 3, do CPC, e impugnado todos os factos que lhe são imputados no pedido de indemnização civil.
v. E o Recorrido AA ofereceu o merecimento aos autos e invocou, em síntese, que os danos reclamados são indevidos.
vi. Posteriormente ao despacho datado de 3 de Março de 2021, o douto tribunal a quo no âmbito do acórdão datado de 24 de Novembro de 2022, proferiu decisão de não admissão do pedido cível.
vii. Neste despacho foram apreciadas duas questões que já haviam sido analisadas, nomeadamente se o pedido cível deduzido, apenas contra os Recorridos AA e BB, é admissível e se podem correr, em simultâneo, os dois processos em separado.
viii. Em 3 de Março de 2021 o douto tribunal a quo respondeu positivamente a esta questão, ao admitir o pedido de indemnização cível.
ix. Os Recorridos quanto a isto nada disseram, tendo-se, ao invés, conformado com a decisão.
x. Tendo presente que a decisão proferida pelo douto tribunal a quo em 24 de Novembro de 2021 incide precisamente sobre duas questões anteriormente decididas, face à identidade do objecto do despacho é, pois, patente que a decisão em crise desrespeitou o caso julgado formal do despacho datado de 3 de Março de 2021.
xi. Significa isto que a primeira decisão de admissão do pedido de indemnização civil, por ter transitado em julgado, não pode ser objeto de nova decisão,
xii. Nos termos do art.º 625º do C.P.C, a nova decisão tem de ser desconsiderada por violação de caso julgado formal.
xiii. Por ter violado caso julgado formal a decisão recorrida deve ser revogada, mantendo-se a primitiva decisão de admissão do pedido de indemnização civil deduzido contra os recorridos,
xiv. A decisão recorrida, por erro de interpretação e aplicação, violou o disposto no artigo 620.º n.º 1 do C.P.C. sendo nula nos termos do art.º 195º, n.º 1, do C.P.C, aplicável ex vi pelo art.º 4.º do C.P.P. e consequentemente o douto acórdão.
Sem conceder;
xv. O Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação em 15 de Outubro de 2020 (seis anos após a denúncia), contra os arguidos AA, CC e BB imputando-lhes a prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, 386.º, n.º 1, al. b), 28.º, n.º 1, 11.º, n.ºs 2 e 7, e 12.º, todos do Código Penal, e 5.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, e artigo 28.º do Código Penal).
xvi. Relativamente aos arguidos DD e KK por, entretanto, terem falecido, foi determinado o arquivamento dos autos, nos termos do artigo 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
xvii. O Recorrente foi notificado da douta acusação em 21 de Outubro de 2020, tendo apenas nesta data tido conhecimento da intervenção dos arguidos AA e BB, em co-autoria com os inditosos, nos crimes de falsificação e de peculato.
xviii. No seguimento, mais concretamente em 06/11/2020, o Recorrente requereu (i) a sua constituição como assistente e (ii) deduziu, nos termos do art.º 71º, 74º, 75º, 76º, todos do C.P.P. o pedido de indemnização civil apenas contra os arguidos AA e BB.
xix. Tal pedido de Indemnização civil foi liminarmente admitido, em 3 de Março de 2021.
xx. Em sede de acórdão, o douto tribunal a quo veio a proferir despacho de não admissão, com o fundamento que o Recorrente optou por não demandar os Recorridos no âmbito da a acção que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., com o número 269/15.8BEPDL.
xxi. Ora, o art.º 71.º do CPP consagra o princípio da adesão obrigatória, só facultando a possibilidade de dedução de pedido de indemnização civil em separado, perante o Tribunal civil, nos casos taxativamente previstos no art.º 72.º do CPP.
xxii. O Recorrente, como oportunamente mencionou, apenas com a acusação é que teve conhecimento da intervenção dos arguidos nos ilícitos criminais e da sua responsabilidade civil extracontratual.
xxiii. Desta forma, o Recorrente estava e está impossibilitado de deduzir o respectivo pedido cível na acção acima identificada, não só porque esta situação é regulada pelo artigo 71º, do C.P.P. que impõe a adesão obrigatória, por outro, por não ser enquadrável no artigo 72º, do mesmo diploma
xxiv. Assim, é incompreensível o despacho proferido pelo douto tribunal a quo, pois de acordo com o regime de adesão obrigatória não existe qualquer fundamento legal para a não admissão do referido pedido.
xxv. Certo é que, o aqui Recorrente foi lesado no seu património, no montante de €422.888,55.
xxvi. É notório, que a conduta ilícita dos demandados é causa directa e necessária de um elevado prejuízo patrimonial ao Recorrente.
xxvii. Encontram-se preenchidos todos os requisitos legais que constituem os arguidos na obrigação de indemnizar, designadamente, o consignado no princípio geral consignado no art.º 483 e ainda nos artigos 562.º, 563.º, n.º 1 do 564.º e n.ºs 1 e 2 do art.º 566.º, todos do CC.
xxviii. Ainda que corra termos Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., accão comum, com o número 269/15.8BEPDL, onde o Recorrente também peticiona aos restantes co-responsáveias o ressarcimento da indemnização aqui reclamada, tal facto não tem relevância no âmbito do pedido cível deduzido, já que a conduta ilícita dos Recorridos apenas foi conhecida pelo Recorrente com a notificação da douta acusação.
xxix. O pedido de indemnização cível é o meio que qualquer lesado pode utilizar no âmbito de um processo-crime sendo este um meio eficaz, para o Recorrente/lesado e ofendido poder ressarcir-se do seu crédito.
xxx. Ao ter decidido como decidiu, o douto tribunal a quo violou os arts. 71.º e 72.º do CPP e 483.º, 562.º. 563.º nº 1, 564.º nºs 1 e 566.º n.ºs 1 e 2 do C.C.
xxxi. Face ao exposto, deve ser proferido despacho a revogar o douto despacho recorrido e em consequência ser determinada a admissão do pedido cível e a condenação dos arguidos na indemnização peticionada.
Nestes termos, e nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, deve dar-se provimento ao presente recurso interposto pelo Recorrente e assim, será feita a verdadeira e costumada
JUSTIÇA!
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Os recursos foram admitidos por despacho proferido a 16/01/2023 [fls. 1370 dos autos; referência citius 54507729], a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Aos recursos apresentados pelos arguidos respondeu o Ministério Público, conforme consta de fls. 1372 a 1386 dos autos, pronunciando-se, em síntese, nos seguintes termos:
- Pela improcedência do recurso interposto pelo arguido BB, por entender que a decisão recorrida não enferma de quaisquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP, nomeadamente o da contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e a não provada e entre a fundamentação, o da insuficiência para a decisão dos factos dados como provados ou o do erro notório na apreciação da prova, devendo, na sua perspectiva, ser rejeitado o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto identificada, por incumprimento do ónus de especificação a que aludem os nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP ou, ainda que assim não se entenda, ser a mesma julgada improcedente por a prova destacada na impugnação de facto deduzida não impor decisão diversa;
- Pela improcedência do recurso interposto pela arguida CC, por, em seu entender, não ocorrer violação do artigo 28º do Código Penal nem violação dos parâmetros legais de fixação da medida concreta da pena.
Aos recursos apresentados pelos arguidos e pelo Ministério Público respondeu o Assistente, conforme consta de fls. 1387 a 1398 dos autos, pronunciando-se, em síntese, nos seguintes termos:
- Pela improcedência do recurso interposto pela arguida CC, por, em seu entender, não ocorrer violação do artigo 28º do Código Penal, por a “co-autoria leva a que à co-arguida sociedade (…) e ao co-arguido BB sejam comunicadas, (…) todas as qualidades do co-arguido AA”, nem violação dos parâmetros legais de fixação da medida concreta da pena;
- Pela improcedência do recurso interposto pelo Ministério Público por, em seu entender, não estarem reunidos os pressupostos para a declaração de perda das vantagens a favor do Estado, dado que o ofendido é titular de um crédito sobre os arguidos e não perdeu o interesse na reparação do seu direito;
- Pela improcedência do recurso interposto pelo arguido BB por não ocorrer qualquer vício previsto no nº 2 do artigo 410º do CPP ou violação do princípio in dubio pro reo.
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Neste Tribunal de recurso a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, que se encontra junto a fls. 1404 dos autos, nos seguintes termos (transcrição integral):
«Recursos próprios e tempestivos, sendo correto o efeito e o regime de subida atribuídos.
1. Recurso do Ministério Público
Interpõe o Ministério Público recurso do acórdão proferido a 24 de novembro de 2022 na parte que não declarou perdida a favor do Estado, a quantia de 521.145,96€, vantagem patrimonial de que os arguidos se apropriaram com o cometimento dos crimes de falsificação de documento e peculato pelo qual foram condenados e que pertencia à ..., ao abrigo do disposto no art.º 110º, nº 1, al. b) e nºs 3, 4 e 6, do Código Penal.
Acompanhamos a argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância, constante da sua motivação de recurso.
Pelo que, pugna-se pela procedência do recurso.
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2. Recurso do ...
Visto (matéria respeitante à indemnização civil).
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3. Recursos dos arguidos BB e CC
Os arguidos BB e CC interpõem recurso do acórdão de 24 de novembro de 2022.
Foram condenados:
1- BB pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de:
- Um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256º, n.º 1, al. d), e n.º 4, 386º, n.º 1, al. b), 26º, 28º, n.º 1, 11º, n.ºs 2 e 7 e 12º, todos do Código Penal e art.º 5º, da Lei nº 34/87, de 16 de julho, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
- Um crime de peculato, previsto e punido pelo art.º 20º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de julho e art.º 28º, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão e de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), no total de € 600,00 (seiscentos euros);
- Em cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão acima referidas na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, e de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), no total de €600,00 (seiscentos euros);
2- CC pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256º, n.º 1, al. d) e n.º 4, 386º, n.º 1, al. b), 26º, 28º, n.º 1, 11º, n.ºs 2 e 7 e 12º, todos do Código Penal e art.º 5º, da Lei nº 34/87, de 16 de julho, na pena de 500 (quinhentos) dias de multa, à taxa diária de €100,00 (cem euros), o que perfaz o total de €50.000,00 (cinquenta mil euros).
O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu aos recursos interpostos por BB e CC, defendendo a improcedência e a consequente manutenção da decisão recorrida.
Aderimos a toda a sua argumentação pelo acerto jurídico, clareza e síntese.
Porque bem se pronuncia acerca das questões a dirimir desnecessário se torna o aditamento de outros argumentos ou considerações.
Emite-se, pois, parecer no sentido da manutenção do acórdão recorrido e subscrevendo-se toda a argumentação da Exmª Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância pugna-se pela improcedência dos recursos.».
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Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, respondeu o arguido [não recorrente] AA, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, na parte em que não declarou perdida a favor do Estado a quantia de 521.145,96 €.
No exame preliminar considerou-se que o objecto dos recursos interpostos deveria ser conhecidos em conferência (uma vez que não foi requerida a realização da audiência e não é necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430º do Código de Processo Penal).
Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
***
II- Fundamentação:
1. Questões a decidir nos recursos:
Constitui jurisprudência assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP1, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).2
Assim, atentas as conclusões dos recorrentes, são colocadas à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:
a) Suscitadas no recurso do arguido BB:
i) Se ocorrem os vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, de conhecimento oficioso, nomeadamente o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a)), da contradição insanável entre a matéria de facto provada e a não provada e da fundamentação (al. b)) e do erro notório na apreciação da prova (al. c)) [conclusões 3ª, 4ª a 10ª, 12ª a 41ª];
ii) Se estão reunidos os pressupostos legais de que depende a reapreciação da prova produzida (artigo 412º, nº 3 e 4 do Código de Processo Penal) e, em caso afirmativo, se deve operar modificação da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto assente nos pontos 11 a 17 dos factos provados e, por via dela, ser o arguido absolvido [conclusões 2ª, 11ª a 40ª, 43ª, 46ª a 59ª];
b) Suscitadas no recurso da arguida CC:
i) Se estão reunidos os pressupostos legais de que depende a reapreciação da prova produzida (artigo 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal) e, em caso afirmativo, se deve operar modificação da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto assente nos pontos 16, 16.1 e 16.2 dos factos provados e, por via dela, ser a arguida absolvida [conclusões 1ª a 6ª];
ii) Se ocorre erro de subsunção fáctico-jurídica relativamente à comunicabilidade da qualidade de funcionário/titular de cargo político;
iii) Se a medida concreta da pena é excessiva;
c) Suscitadas no recurso do Ministério Público:
i) Se a decisão de não declaração de perdimento a favor do Estado da quantia de €521.145,96, é violadora do artigo 110º, nºs 1, 2 e 4 do Código Penal;
d) Suscitadas no recurso do assistente ...:
i) Se a decisão recorrida de não admissão do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente, contra os arguidos/demandados AA e BB e consequente absolvição dos mesmos da instância, está ferido de nulidade por violação do caso julgado formal e/ou violação do princípio da adesão.
*
Para efeitos de apreciação das questões enunciadas, cumpre convocar a factualidade assente nos autos e os segmentos decisórios relevantes.
II.2. Factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância (transcrição):
Produzida a prova e discutida a causa resultaram provados os factos seguintes:
1. Nas datas e períodos abaixo indicados, o arguido AA exercia o cargo de Presidente da ... (doravante designada apenas por ...), tendo atuado nos termos infra descritos no âmbito e por causa das funções inerentes a tal cargo.
2. A arguida CC (doravante designada apenas por CC) é uma sociedade por quotas, que foi constituída a .../.../1982, e que se dedica, além do mais, à construção civil e obras públicas.
3. Nas datas e períodos infra indicados, o arguido BB trabalhava por conta e sob as ordens da arguida CC, e mediante remuneração prestada por esta.
4. Nas datas e períodos infra indicados, na sequência da celebração (decidida pelo arguido AA) de contratos de prestação de serviços de acompanhamento de processos de obras, emissão de pareceres e fiscalização de empreitadas, KK (doravante designado apenas por KK), já falecido, prestou serviços para a ..., tendo, nessa qualidade, e em representação da ... (enquanto dona da obra), procedido à fiscalização da obra infra indicada; KK atuou nos termos abaixo descritos no âmbito e por causa de tais funções de fiscalização por conta da ....
5. Na sequência do procedimento do concurso público que correu termos para efeito da respetiva adjudicação, no dia .../.../2009, nos ..., entre a ..., representada pelo arguido AA, e a arguida CC, representada por GG, foi celebrado o contrato de empreitada para realização da seguinte obra: Empreitada do ... com uma ... (doravante designada apenas empreitada).
6. De acordo com o referido contrato:
6.1 A empreitada deveria ser realizada de acordo com a proposta, lista de preços unitários anexa, plano de trabalhos e plano de pagamento apresentados pela arguida CC, projeto de execução e cadernos de encargos, todos anexos ao contrato;
6.2 O preço da empreitada seria de €1.049.685,27, acrescido de IVA;
6.3 Os pagamentos seriam efetuados pela ... por fases, nos 60 dias seguintes à apresentação, pela arguida CC, das respetivas faturas acompanhadas dos correspondentes autos de medição, e após a aprovação de tais documentos (mediante a menção de conformidade e assinatura que aporia nas faturas e/ou autos de mediação) por KK enquanto responsável pela fiscalização;
6.4 O prazo para a execução da empreitada seria de 120 dias a contar da data da sua consignação.
7. Para financiar grande parte da referida empreitada, a 22/04/2009 a ..., através do seu então presidente, o arguido AA, candidatou-se ao incentivo previsto no Programa Operacional Proconvergência, inserido no período de programação de fundos estruturais 2007-2013 e co-financiado pelo fundo estrutural europeu FEDER e por fundos públicos regionais, com o projeto a que coube o código ... para realização daquela empreitada (doravante designado apenas por projeto 001).
8. No âmbito da candidatura acima referida:
8.1 Foi indicado como objetivo do projecto 001: “O objectivo do presente projecto é dotar o concelho de ... de instalações desportivas à prática da natação durante todo o ano. Com esta ampliação pretende-se criar condições de albergar pessoas com o intuito à prática de atividades desportivas diversificadas, concentrando assim a atividade desportiva. Tal como o pavilhão gimnodesportivo a piscina será posta à disposição do Pólo Escolar em construção no plano do pavilhão já construído nas imediações desta infra-estrutura”;
8.2 Foi estipulado o seguinte período para a realização física do projeto: de 01/08/2008 a 31/03/2012;
8.3 Foi aprovada a concessão de um apoio de €676.366,00, reportado a uma despesa elegível de €773.285,58;
8.4 O pagamento (quer os pagamentos parcelares, quer o saldo final) estava dependente da verificação das condições previstas para a respetiva atribuição (entre as quais a – efetiva – execução da empreitada, no prazo previsto para o efeito), bem como da apresentação dos comprovativos da realização da despesa (no caso, as ordens de transferência, acompanhadas dos comprovativos de transferência, faturas e autos de medição correspondentes).
9. Porque vivia com dificuldades financeiras, desde o início da execução da empreitada acima referida, a arguida CC não executou os trabalhos nos prazos inicialmente previstos.
10. Cientes de tal facto, e face ao arrastar e aumento dos atrasos na execução da empreitada por parte da arguida CC, os arguidos, DD (gerente da arguida CC e já falecido) e KK, rapidamente concluíram que não seria possível finalizar a empreitada no prazo previsto no âmbito projeto 001, o que implicaria o não pagamento do apoio, por incumprimento dos termos previstos para o seu pagamento.
11. Porque a arguida CC vivia com dificuldades financeiras, os arguidos, em conjunto entre si e com DD e KK, agiram concertadamente entre si com vista a, por um lado, fazer da arguida CC quantias que pertenciam à ... e que não eram devidas àquela (nem eram devidas a nenhum daqueles outros) e, ao mesmo passo, justificar contabilisticamente, e aos olhos de terceiros, tais saídas de dinheiro das contas da ... e, por outro lado, levar a que o apoio atribuído no âmbito do projeto 001 fosse pago pela entidade responsável pelo pagamento não obstante o incumprimento, pela ... (beneficiária do apoio), das condições estipuladas para o efeito (entre as quais a execução dos trabalhos da empreitada nos prazos estipulados). Nos termos de tal atuação concertada:
11.1 A arguida CC:
11.1.1 Elaborou os autos de medição nºs 3 a 18 (que foram assinados pelo arguido BB ou por outros funcionários da arguida CC subordinados daquele, e que os elaboraram segundo as indicações dele, mormente quanto aos trabalhos realizados), atinentes à empreitada, dos quais fizeram constar que, no período a que se reporta cada um dos autos de medição em causa, tinham sido realizados os trabalhos nele descritos, sendo certo que parte desses trabalhos não foram, de facto, realizados;
11.1.2 Seguidamente, a arguida CC elaborou as faturas correspondentes aos autos de medição em causa (cujos valores englobaria o valor dos trabalhos que, de facto, não foram realizados, mas que dos autos de medição constavam como tendo sido executados) e apresentou-as, acompanhadas dos autos de medição, à ... para pagamento;
11.1.3 Recebido da ... o montante correspondente a cada auto de medição e correspondente fatura, a arguida CC fez sua a quantia em causa e emitiu a favor do Município o respetivo recibo;
11.2 KK, enquanto responsável pela fiscalização da obra em representação da ... (dona da obra), atestou – mesmo na parte desconforme – a conformidade dos autos de medição e faturas em causa com os trabalhos executados pela arguida CC no período correspondente, apondo nos autos de medição e/ou faturas a menção – em parte (na parte relativa aos trabalhos que não foram executados) inverídica – que estavam em conformidade com os trabalhos que tinham sido realizados; assim, e com tal menção, confirmou que os trabalhos descritos em cada auto de medição e faturados à ... (incluindo os que, na realidade, não tinham sido executados) tinham sido realizados; e
11.3 O arguido AA, no exercício do cargo acima indicado:
11.3.1 Rececionado cada um dos autos de medição em causa e correspondentes faturas, e após “aprovação” de tais documentos por KK nos moldes acima referenciados, deu ordens de pagamento dos montantes correspondentes aos valores constantes em cada auto de medição e correspondente fatura como sendo o dos trabalhos realizados no período neles indicados (que incluiu o valor daqueles trabalhos que, na realidade, não tinham sido executados, mas que constavam como tendo sido executados nos autos de medição) e, por essa via, levou ao pagamento do correspondente valor, mediante transferência bancária, assim fazendo da arguida CC dinheiro que pertencia à ... e que não era devido àquela, nem a qualquer um dos outros arguidos ou aos demais intervenientes na elaboração e execução de tal atuação concertada; e
11.3.2 Por forma a justificar (contabilisticamente e aos olhos de terceiros) as saídas de tais valores das contas da ... e respetiva entrega à arguida CC, simulando tratar-se de pagamentos devidos, e, também, por forma a fazer crer a entidade responsável pelo pagamento do apoio que estavam reunidas as condições para o efeito (o que, na realidade, não sucedia), utilizou tais documentos (autos de mediação e faturas, por um lado, e esses documentos, ordens de pagamento, comprovativos de transferências e recibos, por outro lado), como justificativo das ordens de pagamentos a seguir indicadas e os apresentou-os no âmbito do processo referente ao projeto 001, em anexo aos pedidos parcelares de pagamento, assim levando a que aquela entidade procedesse a pagamentos parcelares do apoio à ....
12. Agindo concertadamente entre si, os arguidos e KK procederam do seguinte modo:
12.1 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 3:
12.1.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 3, datado de 02/03/2010, no valor global de €81.781,54, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.1.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €9.188,85;
12.1.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n.º 18/0110, datada de 26/02/2010, no valor de €81.781,54, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €80.963,72, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 3.º auto de medição daquela empreitada;
12.1.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.1.5 Recebidos tais documentos, KK rubricou o auto de medição e, na correspondente fatura, pelo seu punho, escreveu “concordo c/ as medições”, apondo, junto de tal menção, a sua assinatura, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.1.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 907 do ano de 2010, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 27/05/2010, no valor de €80.963,72, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta n.º …, do …, domiciliada no balcão de ...) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 31/05/2010;
12.1.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 53/2010, datado de 31/05/2010, da qual consta a menção às faturas n.ºs 10, 18 e 31, no valor global de €161.639,41, sendo o valor parcelar referente à fatura n.º 18 de €80.963,72;
12.2 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 4:
12.2.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 4, datado de 31/03/2010, no valor global de €38.137,00, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.2.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €24.167,14;
12.2.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n.º 31/0110, datada de 31/03/2010, no valor de €38.137,00, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €37.755,63, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 4.º auto de medição daquela empreitada;
12.2.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.2.5 Recebidos tais documentos, KK rubricou o auto de medição e, na correspondente fatura, pelo seu punho, escreveu “concordo c/ as medições apresentadas” e, junto a tal menção, apôs a sua assinatura, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.2.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 906 do ano de 2010, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 27/05/2010, no valor de €37.755,63, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta n.º ..., do ...) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 31/05/2010;
12.2.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 53/2010, datado de 31/05/2010, da qual consta a menção às faturas n.ºs 10, 18 e 31, no valor global de €161.639,41, sendo o valor parcelar referente à fatura n.º 31 de €37.755,63;
12.3 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 5:
12.3.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 5, datado de 30/04/2010, no valor global de €40.349,13, que englobou o a seguir indicado;
12.3.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €17.558,36.
12.3.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 54/0110, datada de 30/04/2010, no valor de €40.349,13, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €39.945,64, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 5.º auto de medição daquela empreitada;
12.3.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada
12.3.5 Recebidos tais documentos, KK rubricou a fatura e escreveu no auto de medição “Concordo com as medições”, apondo, junto a tal menção, a sua assinatura, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.3.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 1181 do ano de 2010, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 09/07/2010, no valor de €39.945,64, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta n.º ..., do ...) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 13/08/2010;
12.3.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 74/2010, datado de 16/08/2010, da qual consta a menção às faturas n.ºs 54, 60, 76, no valor global de €236.141,19, sendo o valor parcelar referente à fatura n.º 54 de €39.945,6;
12.4 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 6:
12.4.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 6, datado de 26/05/2010, no valor global de €151.623,14, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.4.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €126.501,89.
12.4.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 60/0110, datada de 27/05/2010, no valor de €151.623,14, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €150.106,91, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 6.º auto de medição daquela empreitada;
12.4.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.4.5 Recebidos tais documentos, KK escreveu no auto de medição e na correspondente fatura “concordo com as medições” e, ao lado de tais menções, apôs a sua assinatura, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.4.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 1179 do ano de 2010, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 09/07/2010, no valor de €150.106,91, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta n.º ..., do ...) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 13/08/2010;
12.4.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 74/2010, datado de 16/08/2010, da qual consta a menção às faturas n.ºs 54, 60 e 76, no valor global de €236.141,19, sendo o valor parcelar referente à fatura n.º 60 de €150.106,91;
12.5 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 7:
12.5.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 7, datado de 28/05/2010, no valor global de €46.554,18, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.5.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €31.729,50.
12.5.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 76/0110, datada de 30/06/2010, no valor de €46.554,18, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €46.088,64, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 7.º auto de medição daquela empreitada;
12.5.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.5.5 Recebidos tais documentos, KK rubricou o auto de medição e, na correspondente fatura, pelo seu punho, escreveu, “concordo com as medições”, apondo, junto a tal menção, a sua assinatura, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.5.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 1180 do ano de 2010, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 09/07/2010, no valor de €46.088,64, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta n.º ..., do ...) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 13/08/2010;
12.5.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 74/2010, datado de 16/08/2010, da qual consta a menção às faturas n.ºs 54, 60 e 76, no valor global de €236.141,19, sendo o valor parcelar referente à fatura n.º 76 de €46.088,64;
12.6 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 8:
12.6.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 8, datado de 31/07/2010, no valor global de €46.870,97, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.6.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €32.116,38.
12.6.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 94/0110, datada de 31/07/2010, no valor de €46.870,97, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €46.402,26, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 8.º auto de medição daquela empreitada;
12.6.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.6.5 Recebidos tais documentos, KK rubricou o auto de medição e, na correspondente fatura, pelo seu punho, escreveu “concordo com as medições apresentadas”, assinando junto a tal menção, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.6.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 1437 do ano de 2010, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 27/08//2010, no valor de €46.402,26, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta n.º ..., do ...) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 03/11/2010;
12.6.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 103/2010, datado de 03/11/2010, da qual consta a menção à fatura n.º 94, no valor de €46.402,26;
12.7 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 9:
12.7.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 9, datado de 28/08/2010, no valor global de €40.504,55, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.7.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €34.827,76;
12.7.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 100/0110, datada de 26/08/2010, no valor de €40.504,55, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €40.099,50, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 9.º auto de medição daquela empreitada;
12.7.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.7.5 Recebidos tais documentos, KK, pelo seu punho, escreveu no auto de medição “concordo com as medições apresentadas”, assinou junto a tal menção, e rubricou a correspondente fatura, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.7.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 316 do ano de 2011, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 18/02/2011, no valor de €40.099,50, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta n.º ..., do ...) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 01/03/2011;
12.7.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 21/2011, datado de 01/03/2011, da qual consta a menção à fatura n.º 100, no valor de €40.099,50;
12.8 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 10:
12.8.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 10, datado de 28/09/2010, no valor global de €24.719,17, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.8.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €12.283,00;
12.8.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 113/0110, datada de 28/09/2010, no valor de €24.719,17, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €24.471,98, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 10.º auto de medição daquela empreitada;
12.8.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.8.5 Recebidos tais documentos, KK, pelo seu punho, escreveu no auto de medição e na fatura “concordo com as medições apresentadas”, e assinou junto a tais menções, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.8.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 317 do ano de 2011, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 18/02/2011, no valor de €24.471,98, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta n.º ..., do ...) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 15/03/2011;
12.8.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 26/2011, datado de 15/03/2011, da qual consta a menção à fatura n.º 113, no valor de €40.099,50;
12.9 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 11:
12.9.1 – A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 11, datado de 25/10/2010, no valor global de €25.013,54, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.9.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €3.586,17;
12.9.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n.º 123/0110, datada de 25/10/2010, no valor de €25.013,54, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €24.723,40, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 11.º auto de medição daquela empreitada;
12.9.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.9.5 Recebidos tais documentos, KK, pelo seu punho, escreveu no auto de medição e na fatura “concordo com as medições apresentadas”, e assinou junto a tais menções, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.9.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 318 do ano de 2011, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 18/02/2011, no valor de €24.723,40, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta n.º ..., do ...) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 15/04/2011;
12.9.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 35/2011, datado de 15/03/2011, da qual consta a menção à fatura n.º 123, no valor de €24.723,40;
12.10 – Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 12:
12.10.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 12, datado de 29/11/2010, no valor global de €46.686,92, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.10.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €21.180,37;
12.10.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 141/0110, datada de 29/11/2010, no valor de €25.013,54, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €46.686,92, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 12.º auto de medição daquela empreitada;
12.10.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.10.5 Recebidos tais documentos, KK, pelo seu punho, rubricou o auto de medição e, na fatura, escreveu “concordo com as medições apresentadas” e assinou junto a tal menção, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.10.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 319 do ano de 2011, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 18/02/2011, no valor de €46.220,05, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta da ..., domiciliada no ...) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 24/06/2011;
12.10.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 51/2011, datado de 26/06/2011, da qual consta a menção às faturas n.ºs 141 e 145, no valor global de €92.230,25, sendo o valor parcelar referente à fatura n.º 141 de €46.220,05;
12.11 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 13:
12.11.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 13, datado de 29/11/2010, no valor global de €46.474,95, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.11.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €41.905,47;
12.11.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 145/0110, datada de 10/12/2010, no valor de €46.474,95, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €46.010,19, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 13.º auto de medição daquela empreitada;
12.11.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.11.5 Recebidos tais documentos, KK, pelo seu punho, rubricou o auto de medição e, na fatura, escreveu “concordo com as medições apresentadas” e assinou junto a tal menção, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.11.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 958 do ano de 2011, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 18/05/2011, no valor de €46.010,19, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta da ... acima indicada) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 28/06/2011;
12.11.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 51/2011, datado de 26/06/2011, da qual consta a menção às faturas n.ºs 141 e 145, no valor global de €92.230,25, sendo o valor parcelar referente à fatura 145 de €46.010,19;
12.12 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 14:
12.12.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 14, datado de 13/01/2011, no valor global de €40.162,08, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.12.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €35.330,78;
12.12.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 2/0111, datada de 13/01/2011, no valor de €40.162,08, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €39.760,46, da qual consta, no descrito, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 14.º auto de medição daquela empreitada;
12.12.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.12.5 Recebidos tais documentos, KK, pelo seu punho, escreveu no auto de medição “concordo com as medições apresentadas” e assinou junto a tal menção, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.12.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 274 do ano de 2011, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 15/02/2011, no valor de €39.760,46, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta da ... acima indicada) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 06/10/2011;
12.12.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 65/2011, datado de 06/10/2011, da qual consta a menção à fatura n.º 2/001, no valor de €39.760,46;
12.13 – Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 15:
12.13.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 15, datado de 22/02/2011, no valor global de €30.436,97, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.13.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €25.741,29;
12.13.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 12/0111, datada de 23/02/2011, no valor de €30.436,97, deduzido o correspondente montante do reforço de dedução de garantia, o que perfaz €30.132,60, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 15.º auto de medição daquela empreitada;
12.13.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.13.5 Recebidos tais documentos, KK, pelo seu punho, assinou o auto de medição e, na fatura, escreveu “concordo com as medições” e assinou junto a tal menção, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.13.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 471 do ano de 2011, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 27/02/2011, no valor de €30.132,60, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta da ... acima indicada) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada;
12.13.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 6/2012, datado de 28/02/2012, da qual consta a menção às faturas n.ºs 12 e 33, no valor global de €52.826,21, sendo o valor parcelar referente à fatura n.º 12 no montante de €30.132,60;
12.14 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 16:
12.14.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 16, datado de 29/04/2011, no valor global de €22.922,84, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.14.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €11.482,87;
12.14.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 33/0111, datada de 30/04/2011, no valor de €22.922,84, deduzido o correspondente montante do reforço de garantia, o que perfaz €22.693,61, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 16.º auto de medição daquela empreitada;
12.14.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.14.5 Recebidos tais documentos, KK, pelo seu punho, rubricou o auto de medição e, na fatura, escreveu “concordo com as medições apresentadas” e assinou junto a tal menção, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.14.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 472 do ano de 2011, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 27/02/2011, no valor de €22.693,61, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta da ... acima indicada) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada;
12.14.7 Recebido o montante acima indicado, a arguida CC emitiu a favor do ... o recibo com o n.º 6/2012, datado de 28/02/2012, da qual consta a menção às faturas n.ºs 12 e 33, no valor global de €52.826,21, sendo o valor parcelar referente à fatura n.º 33 no montante de €22.693,61;
12.15 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 17:
12.15.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 17, datado de 13/01/2011, no valor global de €72.358,91, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.15.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €49.867,85;
12.15.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 12/1011, datada de 30/07/2011, no valor de €72.358,91, deduzido o correspondente montante do reforço de garantia, o que perfaz €71.635,31, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 17.º auto de medição daquela empreitada;
12.15.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.15.5 Recebidos tais documentos, KK, pelo seu punho, rubricou o auto de medição e, na fatura, escreveu “concordo com as medições apresentadas” e assinou junto a tal menção, dessa forma confirmando que todos os trabalhos (incluindo aqueles que, na verdade, não foram realizados) descritos e nas quantidades indicadas naqueles documentos foram executados; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.15.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 426 do ano de 2012, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 22/02/2012, no valor de €71.635,31, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta da ... acima indicada) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 13/11/2012;
12.16 Relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição n.º 18:
12.16.1 A arguida CC elaborou o auto de medição n.º 18, datado de 28/10/2011, no valor global de €45.330,20, valor esse que englobou o a seguir indicado;
12.16.2 A par com a indicação dos trabalhos que efetivamente executou no período a que se reporta o auto em causa, nesse auto a arguida CC fez constar que tinha executado diversos trabalhos que, na realidade, nunca foram executados, aos quais atribuiu o valor global de €43.678,28;
12.16.3 De igual forma, a arguida CC emitiu, em nome do ..., a fatura com o n. º 107/1011, datada de 28/10/2011, no valor de €45.330,2091, deduzido o correspondente montante do reforço de garantia, o que perfaz €44.876,9031, da qual consta, no descritivo, para além da menção à empreitada acima referenciada, que o valor se refere ao 18.º auto de medição daquela empreitada;
12.16.4 A arguida CC apresentou os documentos acima indicados na ..., para pagamento da fatura referenciada;
12.16.5 Recebidos tais documentos, KK, pelo seu punho, rubricou o auto de medição e a fatura; seguidamente, encaminhou o auto de medição e a fatura em causa para o arguido AA;
12.16.6 Recebidos tais documentos, o arguido AA, valendo-se do cargo acima indicado, ordenou a emissão da ordem de pagamento n.º 436 do ano de 2012, emitida em nome ... a favor da arguida CC, datada de 23/02/2012, no valor de €44.876,90, e referente ao pagamento da fatura acima indicada (incluindo do valor dos trabalhos que, na realidade, não foram executados), que assinou e pela qual ordenou a transferência daquele montante da conta bancária da ... (conta da ... acima indicada) para a conta bancária da arguida CC, transferência essa que foi realizada a 13/11/2012.
13. Nos dias 22/04/2009, 27/07/2010, 28/05/2010, 07/06/2010, 27/08/2010, 13/09/2010, 29/08/2011 e 30 08/2011, a ..., por ordem do arguido AA, apresentou no âmbito do processo referente ao projeto 001 pedidos de pagamento do apoio, juntando aos mesmos, a fim de comprovar a realização das despesas elegíveis, os documentos (autos de medição, faturas, ordens de pagamento, comprovativos de transferência e recibos) acima indicados, obtendo o pagamento de parte do apoio.
14. Com as condutas acima descritas, os arguidos (em conjunto entre eles e com DD e KK) fizeram da arguida CC as quantias acima indicadas, no total de €521.145,96, que pertenciam à ... e que não eram devidas à arguida CC ou a outrem e às quais acederam por intermédio do arguido AA que, para tanto, usou do cargo supra enunciado.
15. A arguida CC atuou por intermédio de DD e/ou do arguido BB e estes atuaram em seu nome e no seu interesse e em nome e no interesse da arguida CC.
16. Os arguidos (bem como DD e KK, já falecidos) atuaram de modo livre, voluntário e consciente, em comunhão de intentos e esforços, cientes que o arguido AA agia enquanto presidente da ... e que KK agia no âmbito e por causa das funções de fiscalização acima referenciadas, e com o propósito, conseguido de:
16.1 Adulterar os autos de medição e faturas supra identificados (deles fazendo constar a realização de trabalhos que descreveram, e cujas quantidades e valores indicaram, mas que, na verdade, não foram executados), bem como (através de KK) apor nesses documentos menções de conformidade quanto aos trabalhos executados inverídicas, do que todos estavam cientes, e usar (em especial através do arguido AA) tais documentos nos termos e para os moldes supra indicados, designadamente para ocultar a indevida apropriação, a favor da arguida CC, das quantias acima referidas;
16.2 Aproveitando-se do facto do arguido AA (no exercício do cargo acima indicado) ter acesso (designadamente mediante as ordens de pagamento que dava aos serviços financeiros da ...) ao dinheiro da ..., bem como ter poderes de conformação e decisão do processo referente à empreitada acima mencionada, usar de tais acesso e poderes para, no âmbito do referido processo de empreitada, em violação das regras aplicáveis e em prejuízo do erário público (em especial do erário da autarquia que representava e que lhe cumpria preservar), conformar e decidir o processo em causa em violação da lei, de modo a beneficiar a arguida CC, atuando da forma acima descrita (em especial dando, através do arguido AA, as referenciadas ordens de pagamento) e, assim, fazendo da arguida CC as quantias supra indicadas, no montante total de €521.145,96, quantias essas pertencentes à ... e a que a arguida CC não tinha direito (tal como não tinham direto os demais arguidos, DD ou KK), do que todos estavam cientes.
17. Todos os arguidos, tal como DD e KK, sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Da situação pessoal, social e económica dos arguidos.
18. O arguido AA, nesta data com … anos de idade (nascido em …1954), é natural do concelho .., o pai foi … e a mãe foi …, ambos falecidos, constituindo-se o filho mais novo de nove elementos.
19. O arguido concluiu o 7º ano de escolaridade, na ..., quando cumpriu, aos … anos de idade, o serviço militar obrigatório, naquela ...
20. Em 1975, regressou à … e desenvolveu atividade laboral como …, na ..., durante 12 anos, atividade que associou à …, quer enquanto produtor de leite, quer de …, chegando a exportar …, atividade que esteve sempre presente ao longo da sua vida.
21. O arguido contraiu casamento em 1978, tendo duas filhas, atualmente com … e … anos de idade, financeiramente autónomas.
22. O arguido foi eleito, pela 1ª vez, Presidente da Câmara Municipal …, em …, tendo sido reeleito em …, … e …, sendo que o Processo em apreço, ocorreu no decurso do último mandato autárquico.
23. O arguido AA é definido pelas pessoas que o acompanharam nos mandatos como Presidente da Câmara como sendo detentor de grande dinamismo na defesa da causa pública, capacidade negocial e de trabalho e adequadas relações interpessoais no exercício das responsabilidades autárquicas.
24. O arguido AA apresenta hábitos regulares de trabalho, adequada inserção sócio residencial, condição económica abastada (é empresário na área da construção civil e do arrendamento turístico) e relações familiares adequadas.
25. O arguido BB, nesta data com … anos de idade (nascido em .../.../1964), é natural do concelho de ..., o pai foi …, já falecido, e a mãe foi ..., constituindo-se o arguido o segundo elemento de uma fratria de três.
26. O arguido BB frequentou a faculdade de …, onde se licenciou aos … anos, em …, tendo, de imediato, sido chamado ao cumprimento do Serviço Militar Obrigatório, em função do qual foi deslocado, primeiro para ... e, posteriormente, para ....
27. Findo o período referido no facto anterior, o arguido integrou o quadro pessoal da CC, onde desempenhou cargos diretivos.
28. O arguido exerceu o cargo de vereador na ... durante dois mandatos (de 1998 a 2002 e de 2003 a 2007).
29. Foi chamado pelo então denominado Tribunal de ... à realização de peritagens.
30. Exerceu funções de perito/avaliador junto do ... (2004) e junto do então ..., durante vários anos, até se ter transferido para …, em 2013, na sequência do colapso financeiro da empresa CC, e onde permanece, por conta da empresa portuguesa de construção civil “...”, com sede na cidade da ....
31. O arguido contraiu casamento aos … anos de idade, tendo dois filhos, atualmente com … e … anos de idade, financeiramente autónomos.
32. O arguido BB é definido pelas pessoas que o acompanharam nos vários cargos que desempenhou como sendo detentor de grande dinamismo na defesa da causa pública, capacidade negocial e de trabalho e adequadas relações interpessoais.
33. A arguida CC foi declarada insolvente por sentença proferida em … de 2012, transitada em julgado em …2012, no Processo nº …SCF, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., tendo sido proferida decisão em …2014 de encerramento do processo de insolvência em virtude da homologação de Plano de Insolvência.
Do certificado do registo criminal dos arguidos.
34. O arguido AA não tem antecedentes criminais, nem qualquer registo criminal.
35. Por sentença transitada em julgado em 14/12/2015, proferida no Processo Comum Singular nº 100007/12.9IDHRT, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de ... do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, referente a factos cometidos em 10/11/2012, a arguida CC foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança na forma continuada, previsto e punido pelo art.º 105.º, nº 1, e nº 5, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), e art.º 30.º do Código Penal, com referência aos art.ºs 6.º, 7.º e 12.º, nº 2, do RGIT, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no total de € 1.500,00.
36. Por acórdão transitado em julgado em 29/10/2018, proferido no Processo Comum Coletivo nº 57/10.6TAVLS, que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, referente a factos cometidos em 29/11/2009, a arguida CC foi condenada pela prática de três crimes de falsificação ou contrafação de documento, previstos e punidos, cada um, pelos art.ºs 255.º, al. a), e 256.º, nº 1, al. a), e 4, do Código Penal, com referência aos art.ºs 11.º, nº 1, e 2 e 386.º, nº 4, do Código Penal, e art.ºs 2.º e 3.º, nº 1, al. I), e 5.º, todos da Lei nº 34/87, 16/07, na pena única de 360 dias de multa, à taxa diária de € 100,00, no total de € 36.000,00, substituída pela caução no montante de € 5.000,00.
37. O arguido BB não tem antecedentes criminais, nem qualquer registo criminal.
*
38. DD faleceu em … 2016.
39. KK faleceu em … 2018.
*
40. O arguido BB encontrava-se de férias na … quando foi abordado por agentes da PSP, que o notificaram para comparecer na esquadra de ....
41. Na esquadra da PSP, o arguido BB foi brevemente questionado acerca dos seus dados pessoais, informado sobre os factos em questão e sobre se pretendia prestar declarações, ao que respondeu negativamente.
42. Toda a interação do arguido BB com a PSP ocorreu entre as 18:40 horas e as 18:50 horas, do dia 15/08/2017.
II.3. Factos dados como não provados pelo Tribunal de 1.ª Instância (transcrição):
Não resultou provado:
a) Que, em data concretamente não apurada, mas após a emissão pela arguida CC do auto de medição n.º 2 (a 02/02/2010) e antes da emissão do auto de medição n.º 3 (a 02/03/2010) – ambos referente à referenciada empreitada –, os arguidos tivessem delineado um plano com vista a, por um lado, fazer da arguida CC quantias que pertencessem à ... e que não eram devidas àquela (nem eram devidas a nenhum daqueles outros) e, ao mesmo passo, justificar contabilisticamente, e aos olhos de terceiros, tais saídas de dinheiro das contas da ... e, por outro lado, levar a que o apoio atribuído no âmbito do projeto 001 fosse pago pela entidade responsável pelo pagamento não obstante o incumprimento, pela ... (beneficiária do apoio), das condições estipuladas para o efeito (entre as quais a execução dos trabalhos da empreitada nos prazos estipulados).
b) Que, após o ato descrito em 41 dos factos provados, a PSP tivesse apresentado de imediato ao arguido BB a documentação constante de fls. 534 a 538 dos autos, e tivesse ordenado a sua assinatura.
c) Que o Arguido tivesse perguntado do que se tratava, tendo-lhe sido comunicado pelos agentes da PSP que, para já, tinha que assinar a documentação e, mais tarde, poderia ver do que se tratava.
d) Que não tivessem sido indicados e explicados ao arguido BB os direitos e deveres processuais referidos no artigo 61.º, do CPP.
e) Que não tivesse sido entregue ao arguido BB cópia da documentação constante de fls. 534 a 538 dos autos, nem qualquer outra da qual constasse a identificação do processo e os direitos e deveres processuais referidos no artigo 61.º, do CPP.
f) Que o arguido BB não tivesse sido informado do seu direito a ser assistido por advogado durante o interrogatório.
II.4. Do acórdão recorrido, sob a epígrafe «Questão prévia», consta a seguinte decisão, relativa ao pedido de indemnização civil (transcrição):
«Questão prévia.
Do pedido de indemnização civil.
O pedido de indemnização civil deduzido pelo ... foi admitido liminarmente por despacho de 03/03/2021, «por estar em tempo e ter legitimidade».
Cumpre proferir despacho definitivo de admissão ou de não admissão do pedido de indemnização civil, na esteira do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/03/1995, proferido no Processo nº 46967, citado no Código de Processo Penal Anotado, de Simas Santos e Leal-Henriques, 2ª edição, Rei dos Livros, I volume, página 399, no sentido em que a prolação de despacho de admissão liminar do pedido de indemnização civil não dispensa a prolação de um despacho definitivo de admissão ou de não admissão.
O ... instaurou ação administrativa comum contra a sociedade CC, DD e KK, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., sob o nº 269/15.6BEPDL, pedindo a condenação dos Réus no pagamento solidário ao ... da quantia de € 442.888,55, pelos mesmos factos que constam da acusação dos presentes autos, ainda não tendo sido proferida sentença (cfr. ofício junto em 19/07/2018 pelo município das ... datado de 12/07/2018, ofício junto pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ... datado de 22/11/2018, oriundo do processo nº 269/15.6BEPDL, dando conta que «a instância encontra-se suspensa, por falecimento de uma das partes na acção» e ofício emitido pelo município das ... junto em 06/10/2020, a fls. 994, datado de 02/10/2020).
Considerando que o ... instaurou ação administrativa comum contra a sociedade CC, DD e KK, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., sob o nº 269/15.6BEPDL, pedindo a condenação dos Réus no pagamento solidário ao ... da quantia de €442.888,55, pelos mesmos factos que constam da acusação dos presentes autos, exercendo a opção pelo tribunal cível/administrativo e contra aqueles Réus/demandados que o art.º 72.º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal, lhe faculta, afigura-se-nos que não pode deduzir idêntico pedido no processo penal, com base nos mesmos factos (mesma causa de pedir), contra outros demandados/arguidos, in casu, os demandados/arguidos AA e BB.
Ou seja, tendo o ... recorrido ao foro cível para obter o ressarcimento dos danos sofridos pelo crime, com fundamento no facto de, volvidos oito meses sobre a notícia do crime, não haver sido deduzida acusação, fazendo uso da faculdade prevista no art.º 72.º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal (a queixa crime foi apresentada em juízo em 31/07/2014 e a acusação foi deduzida em 15/10/2020, isto é, seis anos depois da apresentação da queixa crime), não se nos afigura admissível que possa deduzir o mesmo pedido, com base nos mesmos factos, no processo penal contra demandados/arguidos que optou por não demandar no processo cível.
Ao optar pelo tribunal cível/administrativo e ao fazer uso da faculdade prevista no art.º 72.º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal, a fim de obter o ressarcimento dos danos sofridos, o ... ficou impedido de deduzir pedido cível idêntico no processo penal ainda que contra outros demandados/arguidos.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art.º 72.º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal e considerando que o ... instaurou ação administrativa comum contra a sociedade CC, DD e KK, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., sob o nº 269/15.6BEPDL, pedindo a condenação dos Réus no pagamento solidário ao ... da quantia de €442.888,55, pelos mesmos factos que constam da acusação dos presentes autos, exercendo a opção pelo tribunal cível/administrativo que o citado dispositivo legal lhe faculta, não se admite o pedido de indemnização civil deduzido nestes autos pelo ... contra os arguidos/demandados AA e BB e, em consequência, absolve-se os demandados AA e BB da instância.
**
Atenta a absolvição da instância dos demandados do pedido cível supra decidida, fica prejudicado o conhecimento das questões invocadas pelos demandados AA e BB nas contestações ao pedido cível.».
***
II. 5. Apreciação dos recursos:
A apreciação das questões suscitadas nos recursos será analisada por ordem de precedência lógico-jurídica, tratando comummente as questões coincidentes e de forma individualizada as demais.
Não admissão do pedido de indemnização civil formulado contra AA e BB
Em sede de questão prévia, decidiu o acórdão sob recurso [após despacho liminar de admissibilidade, datado de 3/03/2021, com fundamento «por estar em tempo e ter legitimidade», objecto de recurso quanto à questão da tempestividade, que foi confirmado por acórdão do TRL] não ser admissível o pedido de indemnização civil formulado pela assistente ... contra os arguidos/demandados AA e BB, absolvendo estes da instância, com fundamento, em síntese, no facto de o demandante civil/assistente ... ter recorrido anteriormente ao foro cível, por via de acção que intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de ... [processo nº 269/15.6 BEPDL] contra os aí Réus CC [aqui arguida], DD e KK, para obter o ressarcimento dos danos sofridos pela prática do (s) crime (s) em apreciação, com base na mesma factualidade/causa de pedir.
Insurge-se o demandante civil/assistente ... contra esta decisão, pretendendo a sua substituição por outra que mantenha a primitiva decisão de admissão do pedido de indemnização civil formulado no âmbito dos autos, com fundamento na respectiva nulidade, decorrente da violação do caso julgado formal previsto no artigo 620º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 4º do CPP e do princípio da adesão obrigatória, em violação dos artigos 71º e 72º do CPP.
Vejamos:
Constituindo pressuposto do conhecimento do objecto do recurso a inexistência de qualquer circunstância que a tal obste [artigo 417º, nº 6, al. a) do CPP], cumpre apreciar preliminarmente a competência do tribunal criminal para conhecer do pedido de indemnização civil em causa [competência em razão da matéria], que constitui matéria de conhecimento oficioso, cognoscível até ao trânsito em julgado da decisão final e geradora de nulidade insanável [artigos 32º e 120º, al. e) do CPP], nada obstando à respectiva apreciação porquanto a decisão que o admitiu liminarmente não conheceu especificamente a questão da competência, não havendo, portanto, formação de caso julgado nessa matéria [cfr. 595º, nº 1, al. a) e nº 3 do CPC, a contrario, ex vi do artigo 4º do CPP; cfr. Ac. do TRC de 02/02/22, proc. nº 32/18.2 GAMGL-A.C1, consultável in www.dgsi.pt.].
O demandante/recorrente pediu nestes autos a condenação solidária dos arguidos/demandados AA e BB no pagamento da quantia de €442.888,55, alegando que a conduta destes, descrita na acusação, lhe causou danos em tal montante, por cujo ressarcimento são civilmente responsáveis.
Está em causa a responsabilidade civil por factos ilícitos cometidos no âmbito de um contrato de empreitada de execução de obra municipal, mostrando-se os arguidos acusados, com base nos factos descritos na acusação de 15/10/2020, da prática, em concurso efectivo e em co-autoria entre eles e com os falecidos DD e KK, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, 386.º, n.º 1, al. b), 28.º, n.º 1, 11.º, n.ºs 2 e 7, e 12.º, todos do Código Penal, e 5.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, e artigo 28.º do Código Penal.
São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional [art. 211º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, 40º, n.º 1 da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, e art. 64º do Código de Processo Civil].
Nos termos dos arts. 212º, n.º 3 da CRP e 144º, n.º 1 da LOSJ, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Concomitantemente, por força do art.º 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 19/02, na parte que ora releva, compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional (…);
g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso.
Dispõe ainda o nº 2 do referido do art.º 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que «Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.».
Decorre, pois, dos normativos supra citados que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos e ainda dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico daqueles.
É o que ocorre no caso dos autos, não apenas por via do disposto nos artigos 26º e 28º do Código Penal, mas também por via das regras de responsabilidade civil que impõe a respectiva solidariedade [artigos 490º e 497º do C.C.].
Estando a competência para dirimir o litígio em que se funda o pedido civil formulado nos autos deferida à jurisdição administrativa nos termos expostos, coloca-se a questão de saber se tal competência sobre desvio, por força do princípio da adesão, positivado no artigo 71º do Código de Processo Penal, que dispõe que o «pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei».
Não ignorando este tribunal e recurso a falta de um tratamento jurisprudencial uniforme na resposta a tal questão, entendemos ser de acolher a interpretação defendida por António Henriques Gaspar [in Código de Processo Penal Comentado, 3ª edição revista, Almedina, 2021, pág. 216/217, igualmente acolhida, entre outros, no Ac. do TRP de 23.11.2022, proferido no proc. 1248/15.9 T9AVR-A.P1, publ. in www.dgsi.pt] para quem a norma do artigo 71º do CPP tem natureza processual e não constitui, consequentemente, uma norma de competência e muito menos de jurisdição; a adesão não pode sobrepor-se às regras imperativas de jurisdição, e o princípio só tem aplicação uma vez resolvida a questão da jurisdição, que tem assento constitucional: os tribunais comuns em matéria civil e criminal (tribunais judiciais) “exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” – artigo 211.º, n.º 1, da CRP; e aos tribunais administrativos compete o julgamento de “ações” que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas ou fiscais – artigo 212.º, n.º 3, da CRP.
O facto de a responsabilidade civil em causa decorrer de um ilícito criminal não determina, só por si, o funcionamento do princípio da adesão acolhido no artigo 71º do CPP, por via do qual o tribunal criminal adquire competência para dela conhecer, mostrando-se ainda necessário que o tribunal competente para o julgamento em separado seja o “tribunal civil”, como linearmente se retira na letra da lei [artigos 71º, 72º e 82º do CPP].
A interpretação de que o princípio da adesão posterga as normas constitucionais e infra-constitucionais de organização do sistema judiciário, em concreto as da separação de jurisdições, não encontra no normativo legal correspondente ao artigo 71º do CPP o mínimo de apoio [a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3)].
Pelo exposto, conclui-se que o tribunal recorrido não é materialmente competente para conhecer do pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente/demandante ..., circunstância que determina a manutenção da decisão recorrida, com fundamento distinto do decidido e prejudica a apreciação do recurso interposto.
Por fim e ainda que assim não se entendesse, cumpriria dar por verificada a falta de um pressuposto de acção [obstaculizador da admissão do pedido de indemnização civil formulado], decorrente do regime substantivo da solidariedade passiva, previsto no artigo 519º, nº 1 do Código Civil que dispõe que «O credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado; mas, se exigir judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação.».
No caso, como resulta dos elementos juntos aos autos, o recorrente/demandante civil peticionou no processo 269/15.8 BEPDL, que corre termos no tribunal administrativo e fiscal, a totalidade da indemnização que entende ser devida.
Conclui-se, pois, pela incompetência do tribunal criminal, em razão da matéria, para apreciar o pedido de indemnização civil formulado e consequentemente decide-se manter a decisão recorrida de absolvição dos demandados da instância civil enxertada nos autos, ainda que com diverso fundamento, considerando prejudicada a apreciação dos fundamentos do recurso interposto pelo demandante civil/assistente ....
Impugnação da matéria de facto
Como ponto prévio à análise da impugnação da matéria de facto suscitada nos recursos dos arguidos/recorrentes BB e CC cumpre, em face do teor das alegações apresentadas pelo recorrente BB, clarificar quais os vícios que este recorrente assaca à decisão recorrida, nomeadamente qual o concreto meio impugnatório da matéria de facto de que pretendeu lançar mão com o respectivo recurso.
No regime legal vigente, o recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto pode assumir, duas vias de invocação: (1) invocação dos vícios da chamada revista alargada, isto é, vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal; (2) alegação de erros de julgamento por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação (artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal – impugnação ampla da matéria de facto)3.
Tratando-se de institutos com diversa natureza e consequências, não pode o recorrente misturar a invocação dos vícios previstos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º com a impugnação da matéria de facto a que se refere o nº 3 do artigo 412º.
Como decorre do disposto no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, os vícios previstos neste normativo legal - a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova –, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
Na impugnação ampla da decisão da matéria de facto [a apreciar sob a disciplina do artigo 412º, nº 3], coloca-se em causa a apreciação que o tribunal a quo fez da prova produzida em 1ª instância.
Ao recorrente é lícito lançar mão dos dois modos de impugnação da matéria de facto, não deve nem pode é misturá-los, como manifestamente fez, fundamentando os vícios que alega existirem, que identifica como sendo os da alínea a), b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, com a sua discordância relativamente ao juízo probatório efectuado pelo Tribunal a quo.
Apreciaremos primeiramente os vícios da decisão a que alude o artigo 410º, nº 2, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal, remetendo para momento posterior a análise da impugnação da matéria de facto, sob a disciplina do artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal.
[In] Verificação de vícios do Acórdão integradores da previsão normativa do artigo 410º, nº 2
O recorrente BB, com fundamento nas razões expostas ao longo das conclusões 4ª a 9ª que, sinteticamente, se traduzem em o Tribunal ter dado como não provada a existência de um plano delineado entre os arguidos, e, ao mesmo tempo, ter dado como provado que os mesmos “atuaram concertadamente entre si”, tendo ajustado “um acordo tácito assente na existência de consciência e vontade de colaboração”, conjugado com a fundamentação de tais factos [que, como veremos, não são reconduzíveis a quaisquer dos vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP], conclui, na conclusão 10ª, que a decisão recorrida padece de “contradição e inconciliabilidade, insanáveis, entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada e (…) contradição, igualmente insanável, da fundamentação”.
Afigurando-se embora que o recorrente o que verdadeiramente quis invocar foi o erro de julgamento [enquadrando erradamente a sua pretensão], manifestando a sua discordância quanto à convicção do Tribunal a quo, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso deste Tribunal, procederemos à respectiva análise.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Com relevância para a apreciação do invocado vício e por razões atinentes às regras de interpretação, cumpre, previamente à análise dos factos alegadamente contraditórios [em si ou em conjugação com a respectiva fundamentação], convocar a factualidade nuclear do objecto do processo [dada por provada] e da qual decorre a responsabilidade criminal imputada aos arguidos.
Está em causa a empreitada do ... com uma ..., adjudicada à arguida CC, no dia .../.../2009, na sequência do procedimento do concurso público que correu termos para efeito – conforme facto provado nº 5.
Mostra-se igualmente provado que:
«6. De acordo com o referido contrato:
6.1 A empreitada deveria ser realizada de acordo com a proposta, lista de preços unitários anexa, plano de trabalhos e plano de pagamento apresentados pela arguida CC, projeto de execução e cadernos de encargos, todos anexos ao contrato;
6.2 O preço da empreitada seria de €1.049.685,27, acrescido de IVA;
6.3 Os pagamentos seriam efetuados pela ... por fases, nos 60 dias seguintes à apresentação, pela arguida CC, das respetivas faturas acompanhadas dos correspondentes autos de medição, e após a aprovação de tais documentos (mediante a menção de conformidade e assinatura que aporia nas faturas e/ou autos de mediação) por KK enquanto responsável pela fiscalização;
6.4 O prazo para a execução da empreitada seria de 120 dias a contar da data da sua consignação.
7. Para financiar grande parte da referida empreitada, a 22/04/2009 a ..., através do seu então presidente, o arguido AA, candidatou-se ao incentivo previsto no Programa Operacional Proconvergência, inserido no período de programação de fundos estruturais 2007-2013 e co-financiado pelo fundo estrutural europeu FEDER e por fundos públicos regionais, com o projeto a que coube o código RAAFDR–08–0353–FEDER–000001 para realização daquela empreitada (doravante designado apenas por projeto 001).
(…)
8.2 Foi estipulado o seguinte período para a realização física do projeto: de 01/08/2008 a 31/03/2012;
8.3 Foi aprovada a concessão de um apoio de €676.366,00, reportado a uma despesa elegível de €773.285,58;
8.4 O pagamento (quer os pagamentos parcelares, quer o saldo final) estava dependente da verificação das condições previstas para a respetiva atribuição (entre as quais a – efetiva – execução da empreitada, no prazo previsto para o efeito), bem como da apresentação dos comprovativos da realização da despesa (no caso, as ordens de transferência, acompanhadas dos comprovativos de transferência, faturas e autos de medição correspondentes).
9. Porque vivia com dificuldades financeiras, desde o início da execução da empreitada acima referida, a arguida CC não executou os trabalhos nos prazos inicialmente previstos.
10. Cientes de tal facto, e face ao arrastar e aumento dos atrasos na execução da empreitada por parte da arguida CC, os arguidos, DD (gerente da arguida CC e já falecido) e KK, rapidamente concluíram que não seria possível finalizar a empreitada no prazo previsto no âmbito projeto 001, o que implicaria o não pagamento do apoio, por incumprimento dos termos previstos para o seu pagamento.».
Subsequentemente aos factos atrás transcritos [que constavam da acusação com igual redacção], consignou-se na decisão recorrida, ainda como facto provado, que «11. Porque a arguida CC vivia com dificuldades financeiras, os arguidos, em conjunto entre si e com DD e KK, agiram concertadamente entre si com vista a, por um lado, fazer da arguida CC quantias que pertenciam à ... e que não eram devidas àquela (nem eram devidas a nenhum daqueles outros) e, ao mesmo passo, justificar contabilisticamente, e aos olhos de terceiros, tais saídas de dinheiro das contas da ... e, por outro lado, levar a que o apoio atribuído no âmbito do projeto 001 fosse pago pela entidade responsável pelo pagamento não obstante o incumprimento, pela ... (beneficiária do apoio), das condições estipuladas para o efeito (entre as quais a execução dos trabalhos da empreitada nos prazos estipulados). Nos termos de tal atuação concertada: (…)».
Os pontos fácticos 11.1 a 17 dos factos provados, descrevem a (s) conduta (s) de cada um dos arguidos que o Tribunal a quo, no seu juízo probatório, considerou consubstanciadoras da «actuação concertada» dada por provada no ponto 11.
Em sede de factos não provados, a decisão recorrida consignou, na alínea a) «a) Que, em data concretamente não apurada, mas após a emissão pela arguida CC do auto de medição n.º 2 (a 02/02/2010) e antes da emissão do auto de medição n.º 3 (a 02/03/2010) – ambos referente à referenciada empreitada –, os arguidos tivessem delineado um plano com vista a, por um lado, fazer da arguida CC quantias que pertencessem à ... e que não eram devidas àquela (nem eram devidas a nenhum daqueles outros) e, ao mesmo passo, justificar contabilisticamente, e aos olhos de terceiros, tais saídas de dinheiro das contas da ... e, por outro lado, levar a que o apoio atribuído no âmbito do projeto 001 fosse pago pela entidade responsável pelo pagamento não obstante o incumprimento, pela ... (beneficiária do apoio), das condições estipuladas para o efeito (entre as quais a execução dos trabalhos da empreitada nos prazos estipulados).», cuja redacção tem origem no ponto 11 da acusação que, por clareza expositiva, aqui se convoca: «11 – Então, em data concretamente não apurada, mas após a emissão pela arguida CC do auto de medição n.º 2 (a 02/02/2010) e antes da emissão do auto de medição n.º 3 (a 02/03/2020) – ambos referente à referenciada empreitada , os arguidos, em conjunto entre si e com DD e KK, engendraram um plano com vista (negrito nosso) a, por um lado, fazer da arguida CC quantias que pertenciam à ... e que não eram devidas àquela (nem eram devidas a nenhum daqueles outros) e, ao mesmo passo, justificar contabilisticamente, e aos olhos de terceiros, tais saídas de dinheiro das contas da ... e, por outro lado, levar a que o apoio atribuído no âmbito do projecto 001 fosse pago pela entidade responsável pelo pagamento não obstante o incumprimento, pela ... (beneficiária do apoio), das condições estipuladas para o efeito (entre as quais a execução dos trabalhos da empreitada nos prazos estipulados). Nos termos de tal plano:
11.1 – A arguida CC:
11.1.1 – Elaboraria os autos de medição n.º 3 e seguintes (…)
11.1.2 – Seguidamente, a arguida CC elaboraria as facturas correspondentes aos autos de medição em causa (…)
11.1.3 – Recebido da ... o montante correspondente a cada auto de medição e correspondente factura, a arguida CC faria (…)
11.2 – KK, enquanto responsável pela fiscalização da obra em representação da ... (dona da obra), atestaria – mesmo na parte desconforme – (…)
11.3 – O arguido AA, no exercício do cargo acima indicado:
11.3.1 – Recepcionado cada um dos autos de medição em causa e correspondentes facturas, e após “aprovação” de tais documentos por KK nos moldes acima referenciados, daria ordens de pagamento (…)
11.3.3 – Por forma a justificar (contabilisticamente e aos olhos de terceiros) as saídas de tais valores das contas da ... e respectiva entrega à arguida CC, simulando tratar-se de pagamentos devidos, e, também, por forma a fazer crer a entidade responsável pelo pagamento do apoio que estavam reunidas as condições para o efeito (o que, na realidade, não sucedia), utilizaria tais documentos (autos de mediação e facturas, por um lado, e esses documentos, ordens de pagamento, comprovativos de transferências e recibos, por outro lado), como justificativo das ordens de pagamentos a seguir indicadas e os apresentaria no âmbito do processo referente ao projecto 001 (…)».
O confronto do ponto 11 dos factos provados com a alínea a) dos factos não provados, permite, sem qualquer esforço interpretativo, afirmar não ocorrer qualquer contradição, em si, entre os factos provados e não provados [o julgador considerou provado menos do que vinha imputado na acusação e ambas as realidades fácticas não encerram qualquer contradição].
Igual ilação se impõe retirar quando se convoca a fundamentação do julgador relativamente a ambos os pontos fácticos, que nenhuma contradição encerra, em si, ou por conjugação com a factualidade provada e não provada.
O Tribunal a quo não deu como provado a existência de um plano previamente definido, com tarefas previamente delineadas entre os arguidos, como constava da acusação, mas deu como provado que «agiram concertadamente entre si com vista a (…)».
A fundamentação da decisão de facto do Tribunal a quo não contém qualquer contradição ou afirmação geradora de incompreensão, como sustenta o recorrente e, pela sua clareza expositiva, dispensa a necessidade de a aqui transcrever.
Por conseguinte, conclui-se não ocorrer qualquer contradição entre os factos provados e não provados, entre qualquer destes e a fundamentação ou entre os factos provados e as conclusões ou apreciações de direito.
Improcede, este segmento do recurso do arguido/recorrente BB.
O mesmo recorrente invoca ainda nas conclusões 3ª e 41º, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, com recurso a uma argumentação intrincada, que apenas nos permite apreender que discorda do juízo probatório firmado pelo Tribunal a quo, mas que por se tratarem de vícios de conhecimento oficioso se apreciaram.
Como sabemos, só existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410º, n. 2, alínea a) Código de Processo Penal quando os factos declarados provados forem insuficientes para a decisão fixada; ou, dito de outro modo, quando do acervo de factos vertido na decisão se constata faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados e julgados (provados ou não provados), são necessários para se formular um juízo seguro de condenação ou absolvição; ou, ainda, noutra formulação, quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal recorrido deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objeto do processo, tal como este está configurado pela acusação e pela defesa.
Quanto ao erro notório na apreciação da prova [alínea c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal], como é sabido e resulta da lei, este constitui vício intrínseco da decisão, independente de qualquer elemento que lhe seja exterior, designadamente de meios de prova produzidos [ressalvada a desconsideração de prova de valor legalmente vinculado] ou que o deveriam ter sido, e que decorre de aquela assentar em premissas ou chegar a conclusões entre si excludentes ou frontalmente contrariadas por regras científicas ou por qualquer regra da normalidade e experiência. O vício invocado, tal como os demais previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, consubstanciam vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto [constituem vícios da decisão relativa à matéria de facto e não do julgamento], verificando-se quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Resulta claramente do texto da decisão recorrida que foram apurados todos os factos atinentes aos elementos objetivo e subjetivo necessários para o preenchimento dos tipos legais de crime por cuja prática o arguido foi condenado, não se mostrando qualquer omissão de averiguação dos elementos constitutivos do tipo de ilícitos penais em causa; não se vislumbra qualquer contradição entre os factos provados e não provados, entre qualquer destes e a fundamentação ou entre os factos provados e as conclusões ou apreciações de direito; e da matéria de facto provada e não provada descrita na decisão, bem como da respetiva fundamentação, o que se constata é que a análise crítica da prova e a decisão de facto constante da decisão e a sua motivação/justificação está claramente assente nas regras da experiência comum e da lógica.
Não se detecta qualquer falha ou desrespeito das regras legais e dos princípios gerais de direito na valoração da prova, não padecendo, por isso, a decisão de qualquer erro na apreciação da prova.
Conclui-se, pois, que o Acórdão proferido pelo Tribunal recorrido não padece de quaisquer dos previstos no nº 2 do artigo 410º, em concreto, o previsto na alínea b), como já havíamos concluído, ou os previstos nas als. a) e c), pelo que improcede esta argumentação recursória aduzida pelo arguido BB.
Erro de julgamento
Os arguidos/recorrentes BB e CC lançam mão da impugnação ampla da matéria de facto, com vista à alteração do juízo probatório firmado pelo Tribunal recorrido [relativamente aos pontos 11 a 17 dos factos provados, no caso do primeiro, e quanto aos factos vertidos nos pontos 16, 16.1 e 16.2 dos factos provados (atinentes ao dolo), no caso da segunda] e consequente alteração da subsunção jurídica, pugnando pela sua absolvição.
Para o efeito, invoca o recorrente BB [conclusões 11ª a 21ª e 29ª a 40ª], que se o Tribunal a quo entendeu não estar provada a existência de um plano previamente delineado, por tal ser incompatível com a conduta do arguido AA insistir “pela conclusão da obra e pressionava a arguida CC para que a obra fosse concluída”, deveria, ter igualmente considerado que tal conduta era incompatível com a existência de uma actuação concertada entre os arguidos ou com a existência de um acordo tácito entre estes [o mesmo fundamento usado para invocar o vício do artigo 410º, nº 2, al. b) do CPP] e ainda o facto de tal acordo tácito resultar apenas de uma dedução (i) lógica do Tribunal, extraída da narrativa do Ministério Público, sem respaldo na prova produzida, da qual, em seu entender, não resultar ter o mesmo conhecimento do que se estava a passar em obra e das apontadas divergências face aos autos de medição.
Por sua vez, a arguida/recorrente CC, com vista à impugnação da factualidade atinente ao dolo, alega [conclusão 5ª] não ter sido produzida prova de que o arguido BB ou DD tivessem tido o propósito de adulterar quaisquer autos de medição ou sequer soubessem o que deles constavam face ao que constava em obra, não tendo nenhuma das testemunhas colocado aqueles em obra para permitir a tomada de consciência de tal discrepância.
Sendo evidente que os recorrentes BB e CC pretendem impugnar a matéria de facto nos termos do art. 412º, nº 3 do CPP, é igualmente inequívoco que o fazem sem observância do ónus da correcta especificação.
Como sabemos, a impugnação ampla da matéria de facto legalmente prevista em sede de recurso, através da qual se invoca o erro de julgamento, não visa a realização de um segundo julgamento, agora com base na audição das gravações, constituindo apenas um mecanismo processual destinado a obviar eventuais erros e/ou incorrecções da decisão recorrida, restrito aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente [como correntemente se diz, um remédio jurídico que se destina a corrigir, cirurgicamente, erros in judiciando ou in procedendo].
Como consolidadamente tem sustentado a nossa jurisprudência, o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação total do acervo probatório produzido e que serviu de fundamento à decisão impugnada, mas apenas uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do Tribunal a quo quanto aos «concretos pontos» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados [devendo o Tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que considera imporem decisão diversa].
É com base neste desiderato que a lei impõe ao recorrente o ónus de proceder a uma tríplice especificação, prevista no artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal.
Dispõe o nº 3 do artigo 412º, do Código de Processo Penal, relativo à impugnação em sentido lato, que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas.
Da análise deste preceito legal resulta que o recorrente, quando impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art.º 412º do C.P.P, tem que especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como indicar as provas que, no seu entendimento, impunham decisão diversa da recorrida e aquelas que devem ser renovadas [se for caso disso].
O n.º 4 do citado art.º 412.º determina que: 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º [Quando houver lugar a registo áudio ou audiovisual devem ser consignados na ata o início e o termo de cada um dos atos enunciados no número anterior], devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
A exigência legal apenas se pode ter por observada quando a par da especificação dos «concretos pontos de facto», que se consideram incorrectamente julgados, o recorrente indicar o conteúdo especifico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida, com explicitação das razões pelas quais entende que assim é.
Em resumo, o recorrente tem que indicar qual o concreto segmento da decisão que, na sua perspectiva, materializa o erro de julgamento e porquê, com base na prova produzida.
Ora, percorrendo a motivação do recurso do arguido BB e conclusões, em momento algum o recorrente especifica, isto é, individualiza, quais os concretos pontos da matéria de facto que entende terem sido incorrectamente julgados.
A referência que faz aos pontos 11 a 17 dos factos provados não é, no caso em apreciação, apta a cumprir o desiderato legal porquanto da própria alegação decorre que o mesmo apenas discorda de alguns segmentos de tal conjunto fáctico [pelo que nos é dado a perceber, apenas discorda do juízo probatório relativo à actuação concertada dos arguidos com vista a, por um lado, fazer da arguida CC quantias que pertenciam à ... e que não eram devidas àquela e, ao mesmo passo, justificar contabilisticamente, aos olhos de terceiros, tais saídas de dinheiro das contas da ... e levar a que o apoio no âmbito do projecto 001 fosse pago à beneficiária do apoio, bem como da factualidade relativa ao (s) element (s) subjectivo (s)].
Acresce que não identifica os meios de prova, com as necessárias especificações identificativas, que imporiam decisão diversa, limitando-se a invocar que não há prova [ora tal alegação exige, necessariamente, a especificação da prova produzida, para efeitos de reexame Tribunal de recurso], a fazer uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas HH, II e JJ e a expôr a sua avaliação/valoração da prova, diferente da realizada pelo tribunal a quo, mas tal é, obviamente, insuficiente para a invocação de erro de julgamento.
O recorrente BB, não concretiza, pois, os concretos segmentos dos factos que pretende impugnar e/ou as concretas provas [requisito cumulativo], com identificação das concretas as passagens, das quais faz decorrer o alegado erro de julgamento, limitando-se a argumentar no sentido de abalar a convicção do Tribunal, mas sem alegação do único fundamento [concretizado por referência a cada concreto depoimento e demais meios de prova] que poderia permitir o abalo da mesma – apresentar-se esta contrária às regras da lógica e às regras de experiência comum – que corresponderia, juridicamente, à alegação de violação do princípio da livre apreciação da prova, princípio que, como decorre do artigo 127º do Código de Processo Civil, preside à apreciação da prova e do qual decorrem limitações ao controlo da decisão sobre a matéria de facto, em sede de recurso.
O mesmo ocorre relativamente à impugnação da matéria de facto por parte da recorrente CC, que visa reverter o juízo probatório firmado pelo Tribunal a quo relativamente ao elemento subjectivo.
O cumprimento do ónus de especificação, previsto no artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, não se basta com a alegação de que não foi produzida prova de que o arguido BB ou DD tivessem tido o propósito de adulterar quaisquer autos de medição ou sequer soubessem o que deles constavam face ao que constava em obra.
Por conseguinte e por manifesta falta de cumprimento do ónus da correcta especificação dos concretos pontos de matéria de facto que pretende ver reexaminados [no caso do arguido BB] e da identificação dos meios de prova que imporiam decisão diversa ou relativamente aos quais foi violado o princípio da livre apreciação da prova [comum a ambos os recursos], não se apreciará a impugnação da matéria de facto sob a disciplina do artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, considerando-se definitivamente fixada a factualidade dada por provada pelo Tribunal recorrido.
Improcedem, pois, estes segmentos dos recursos dos arguidos BB e CC e as pretensões que deles os mesmos faziam decorrer.
Se ocorre erro de subsunção fáctico-jurídica relativamente à comunicabilidade da qualidade de funcionário/titular de cargo político
Os recorrentes BB e CC, insurgem-se contra a comunicabilidade da qualidade de funcionário/titular de cargo político em que assentam as suas condenações [o primeiro, por um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, 386.º, n.º 1, al. b), 26.º, 28.º, n.º 1, 11.º, n.ºs 2 e 7, e 12.º, todos do Código Penal, e art.º 5.º da Lei nº 34/87, de 16 de julho e de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, e artigo 28.º do Código Penal; a segunda, por um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, 386.º, n.º 1, al. b), 26.º, 28.º, n.º 1, 11.º, n.ºs 2 e 7, e 12.º, todos do Código Penal, e art.º 5.º da Lei nº 34/87, de 16 de julho], pela via da impugnação da matéria de facto [comum a ambos os recursos] e a ainda a arguida CC, pela via do erro de direito, pelo que nos é dado a perceber pelas conclusões 9ª a 14ª, por entender não ocorrer comparticipação, por ter sido dada como não provada na alínea a) que “os arguidos tivessem delineado um plano”.
Ultrapassada que está a questão do ponto de vista fáctico, por rejeição da impugnação da matéria de facto relativamente a ambos, resta apreciar se o Tribunal a quo fez operar a comunicabilidade da qualidade de funcionário/titular de cargo político aos ora recorrentes fora do âmbito normativo previsto no artigo 28º do Código Penal e, consequentemente, em violação deste.
Como se dá nota no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 572/20194, a propósito deste preceito «a doutrina distingue os denominados crimes específicos próprios (em que a qualidade ou relação do agente funda a ilicitude, estabelecendo a lei que determinados crimes só podem ser cometidos por determinadas pessoas às quais pertence uma certa qualidade ou sobre as quais recai um dever especial: o devedor, o médico, o funcionário) e os crimes específicos impróprios (em que a qualidade ou relação do agente agrava a ilicitude)». Considerando que tal categorização assume especial relevo para a ressalva da parte final do nº 1 do artigo 28º [saber se a norma incriminadora admite ou não a transmissibilidade, isto é, se o tipo é compatível com a extensão da ilicitude], que não se coloca no caso dos autos, não será tal temática aqui analisada.
Da simples leitura do artigo 28º, nº 1 do Código Penal, resulta que a qualidade de funcionário [na acepção do artigo 386º do Código Penal] é, em regra, estendida aos demais comparticipantes para efeitos de punição, isto é, as qualidades ou relações que se verifiquem num comparticipante (intraneus) são, nos termos da lei, comunicáveis aos comparticipantes em quem não se verificam (extranei), excepto se for outra a intenção da norma.
Apesar de o normativo em apreciação admitir a transmissão da qualidade específica do intraneus para o extraneus, em todas as modalidades comparticipativas, as mesmas são delimitadas segundo as regras gerais dos artigos 26ª e 27º do Código Penal. Os critérios de autoria e participação nos crimes específicos [aquele que exige a intervenção de um intraneus] são os mesmos que nos crimes comuns.
O propósito normativo consagrado no artigo 28º do Código Penal é suprir a “falta da qualidade tipicamente exigida”, estendendo-a a quem, nos termos dos critérios gerais de autoria e participação, for considerado comparticipante e tenha conhecimento da qualidade específica em causa no ilícito-típico.
Definidas as condições de funcionamento da extensão da ilicitude ou grau de ilicitude a que se reporta o artigo 28º do Código Penal e convocando a argumentação recursória invocada [inexistência de uma situação de comparticipação] para sustentar a violação de tal normativo pelo Tribunal recorrido, facilmente se conclui pela sua falta de fundamento.
Como correctamente se considerou no acórdão sob censura, após extensa e completa análise jurídica caracterizadora da comparticipação, que acompanhamos, a factualidade provada, relativa quer à recorrente, quer relativamente aos demais co-arguidos, consubstancia uma situação de co-autoria.
Nos termos do artigo 26º do Código Penal, que define a «Autoria», é autor de um crime quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros.
Mostra-se consolidado na doutrina e jurisprudência, nomeadamente na do nosso Supremo Tribunal de Justiça, o entendimento que são elementos da comparticipação criminosa, sob a forma de co-autoria, (i) a intervenção directa na fase de execução do crime (execução conjunta do facto), (ii) o acordo para a realização conjunta do facto, acordo que não tem que ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente, desde que assente na consciência de colaboração, e que não tem que ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor, (iii) o domínio funcional do facto, no sentido de “deter e exercer o domínio positivo do facto típico”, ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo [V. neste sentido Ac. do STJ, de 15.04.2009, proc. 09P0583, Ac. do STJ, de 18.10.2006, proc. 2812/06 – 3ª Secção, Ac. do STJ, de 06.10.2004, proc. 04P1875, publicados in www.dgsi.pt].
O facto de não ter resultado probatoriamente demostrado que “Que, em data concretamente não apurada, mas após a emissão pela arguida CC do auto de medição n.º 2 (a 02/02/2010) e antes da emissão do auto de medição n.º 3 (a 02/03/2010) – ambos referente à referenciada empreitada –, os arguidos tivessem delineado um plano (…)”, não obsta à conclusão do Tribunal recorrido de que os crimes praticados pelos co-arguidos, nomeadamente a recorrente CC, foram praticados em co-autoria, pelo que estão reunidas as condições de extensão da qualidade de funcionário/titular de cargo político, nos termos decididos, ao abrigo do artigo 28º do Código Penal.
Como se consignou na decisão recorrida, com total acolhimento nos factos provados, «os arguidos AA, CC e BB, embora não no âmbito de um plano previamente gizado entre eles, atuaram concertadamente entre si, cada um conformando-se com a atuação do outro, ao atuarem do modo descrito. (…) os arguidos ajustaram entre si um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração (…)».
Pelo exposto, improcede este segmento do recurso da arguida CC
Medida concreta da pena aplicada à arguida recorrente/ CC
Por fim, insurge-se ainda a recorrente relativamente à medida concreta da pena em que foi condenada, que reputa de excessiva, por entender que tendo os agentes a quem os factos são imputados (DD e BB) deixado de estar ligados à actividade da arguida, o primeiro por via do seu óbito e o segundo por se encontrar a laborar em moçambique, aliado ao facto de não ter antecedentes criminais à data da prática dos factos, reportando-se as condenações sofridas a factos praticados nos anos de 2009 e 2012, as exigências de prevenção especial se encontram muito diminutas.
A aplicação da pena visa a protecção dos bens jurídicos violados (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a medida concreta da pena exceder a culpa do agente (artigo 40º do Código Penal), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem contra e a favor do agente (nº 2 do artigo 71º do Código Penal), reconduzindo-se estas a três grupos ou núcleos fundamentais:
- Factores relativos à execução do facto [alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpa sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta];
- Factores relativos à personalidade do agente [alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto]; e
- Factores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto (alínea e).
Deverá, pois, a pena a aplicar permitir alcançar o desiderato contido no número 1 do artigo 40.º do Cód. Penal – a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – sem olvidar que, como consta do número 2 desse preceito, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
No caso sob recurso, a arguida sociedade foi condenada pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, 386.º, n.º 1, al. b), 26.º, 28.º, n.º 1, 11.º, n.ºs 2 e 7, e 12.º, todos do Código Penal, e art.º 5.º da Lei nº 34/87, de 16 de julho [a que corresponde, relativamente à arguida sociedade, pena de multa de 150 dias a 750 dias, à taxa diária entre €100 e €10.000,00], na pena de 500 (quinhentos) dias de multa, à taxa diária de €100,00 (cem euros).
Como justificação da pena aplicada, a par das indiscutíveis exigências de prevenção geral [que afirmou] e das exigências de prevenção especial [que caracterizou correctamente], o Tribunal a quo considerou, com expressão correcta nos factos, (…) o dolo com que atuou, que é direto; a ilicitude de grau elevado, atendendo à elevada quantia indevidamente recebida pela arguida (superior a meio milhão de euros), respeitante a pagamentos de trabalhos registados nos autos de medição nºs 3 a 18 e faturados e não realizados, na quantia de €521.145,96; a existência de condenações posteriores aos factos, por um crime de abuso de confiança na forma continuada (cometido em 10/11/2012, em data posterior aos factos cometidos nestes autos ocorridos em 2010, 2011 e 2012), enquanto conduta posterior aos factos, e de três crimes de falsificação de documento (cometidos em 29/11/2009, em data anterior aos factos cometidos nestes autos ocorridos em 2010, 2011 e 2012), enquanto conduta anterior aos factos (cfr. factos provados nºs 35 e 36) (…), que balanceou com circunstâncias que a ora recorrente convoca como fundamento de redução da pena, consignando expressamente que, militam a favor da arguida, as seguintes circunstâncias: (…) – a inserção da mesma no mercado de trabalho, embora tenha sido declarada insolvente (foi homologado um plano de insolvência no âmbito do processo que declarou a sua insolvência – cfr. facto provado nº 33).; – a ausência de antecedentes criminais (os factos constantes dos registos criminais estão em concurso com os factos provados nestes autos, ou seja, os factos objeto de prova nestes autos foram cometidos - em 2010, 2011 e 2012 - antes do trânsito em julgado das decisões que constam do certificado de registo criminal da arguida, trânsitos em julgado datados de 14/12/2015 – sentença proferida no Processo nº 100007/12.9IDHRT – e de 29/10/2018 – acórdão proferido no Processo nº 57/10.6TAVLS).
A argumentação recursória da recorrente relativamente ao posterior afastamento de duas das pessoas que à data dos factos actuaram em sua representação, não permite, no quadro fáctico provado, a ilação de que diminuíram as exigências de prevenção especial que o caso requer.
Tendo em consideração os limites da pena de multa a aplicar, que tem como limite mínimo 150 dias e como limite máximo 750 dias, e as circunstâncias concretas do caso espelhadas na matéria de facto provada, outra conclusão não poderemos retirar senão a de que a pena concretamente fixada pelo Tribunal a quo é correta, equilibrada e ajustada aos níveis da culpa e da ilicitude refletidas na conduta da arguida, bem como das exigências de prevenção especial e de prevenção geral, não havendo violação do preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 40.º, e n.ºs 1 e 2 do art.º 71.º todos do Cód. Penal.
Improcede, pois, a totalidade do recurso da arguida recorrente/ CC
Recurso interposto pelo Ministério Público
Perda das vantagens do crime a favor do Estado
Inconformado com o segmento do acórdão recorrido que não declarou perdido a favor do Estado a quantia de €521.145,96 [de que os arguidos se apropriaram a favor da arguida CC, que pertencia à ...], correspondente à vantagem patrimonial resultante do cometimento dos ilícitos de falsificação e peculato em apreciação nos autos, vem o Ministério Público recorrer, pretendendo obter decisão que decrete a perda da referida quantia, sustentando a autonomia do instituto da perda de vantagens relativamente ao direito de indemnização do lesado e a sua compatibilidade legal.
O acórdão recorrido justificou a decisão não decretamento da perda de tal quantia –convocando o entendimento plasmado em acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 07/11/2019 [proferido no processo nº 43/17.5IDFUN.L1-9, disponível em www.dgsi.pt] no qual se afirmou «Daí que a declaração de perdimento prevista no art.º 110.º do Código Penal não possa, sempre, ter lugar, independentemente da formulação, ou não, de pedido de indemnização civil ou da existência de qualquer título executivo, ou acção executiva em curso, sendo que temos por entendimento que o confisco apenas operará na medida e na parte em que houver interesse útil, compatibilidade entre todos os institutos e que nunca se poderá traduzir numa dupla “penalização” para o agente. Nos casos em que, nos crimes tributários, a vantagem corresponda integralmente à obrigação fiscal incumprida e à obrigação de indemnização civil decorrente da prática do facto ilícito típico, apenas pode e deve ser decretada a sua perda se o titular dos danos causados pelo mesmo (a Autoridade Tributária e Aduaneira) se desinteressar pela reparação do seu direito, casos que em a declaração de perda de vantagens, de forma necessária, proporcional e adequada, acautela as finalidades preventivas que a originaram» – na circunstância de o lesado ter deduzido pedido cível no âmbito do Processo nº 269/15.6BEPDL, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ....
Em matéria atinente à perda de instrumentos, produtos e vantagens do crime, o ordenamento jurídico português dispõe de um quadro normativo geral, previsto no Código Penal, e de vários regimes específicos consagrados em legislação penal extravagante.
Nos termos do artigo 110º, nº 1, al. b) do Código Penal [confisco clássico], são declaradas perdidas a favor do Estado «As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.», estabelecendo o seu nº 6 que «O disposto neste artigo não prejudica os direitos do ofendido».
À luz deste normativo a perda de vantagem económica [dotada de eficácia real porquanto opera a transferência da propriedade a favor do Estado] exige a verificação cumulativa: (i) da prática de facto ilícito; (ii) da existência de proventos efectivamente obtidos através da prática do ilícito típico.
Como vem sendo entendido pela doutrina, tal medida destina-se a «restabelecer a ordem económica conforme o direito conduzindo a uma justa privação dos benefícios ilicitamente obtidos» [cfr. Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in Noções de Direito Penal, 5ª ed., 2016, Reis dos Livros, pág. 366], assegurando um «propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que “o crime” não “compensa”», como esclarece o Professor Figueiredo Dias [in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, 2009, pág. 632].
No caso dos autos, atenta a factualidade dada por provada, é incontroverso, tal como se consignou na fundamentação de direito do acórdão recorrido, que o arguido AA, na qualidade de Presidente da ..., agindo concertadamente com os arguidos BB e CC, deu ordens de pagamento referentes aos autos de medição nºs 3 a 18 e a facturas respeitantes a trabalhos não realizados pela arguida CC, no valor de €521.145,96, fazendo com que essa quantia fosse transferida da conta bancária da titularidade do ... e integrasse a conta bancária da titularidade da arguida CC, o que equivale a dizer que estamos em presença de uma vantagem patrimonial resultante do facto ilícito, estando verificados os requisitos previstos no artigo 110º nº 1, al. b) do Código Penal.
A questão que nos é colocada por via do recurso é a de saber se co-existindo uma acção judicial pendente no âmbito da qual foi formulado pelo lesado pedido de indemnização civil correspondente a tal vantagem patrimonial [sob a forma de danos/prejuízo patrimonial], poderá ser declarada a perda de tal valor, ao abrigo do regime previsto no artigo 110º do Código Penal.
Como deixa antever a decisão sob recurso, a articulação deste instituto com a indemnização civil peticionada não tem merecido consenso na nossa jurisprudência, tendo-se consolidado duas correntes jurisprudenciais relativamente à questão da cumulação da condenação na perda de vantagens decorrentes da prática do crime com a condenação no pedido de indemnização civil: (i) a que sustenta que não pode ocorrer duplicação de penalizações para o agente do crime, pelo que a procedência do pedido de indemnização civil, quando seja pelo valor que o agente do crime obteve, deverá afastar a declaração de perda de vantagens5; (ii) a que entende não ocorrer incompatibilidade entre ambos os institutos, devendo a eventual duplicação de penalizações ser resolvida na fase posterior da execução coerciva.
Tendo embora por certo que o demandado não poderá pagar duas vezes a mesma quantia, pois tal corresponderia a um empobrecimento injustificado, temos igualmente como mais consentâneo com o regime legal previsto a posição que sustenta não ocorrer qualquer incompatibilidade entre o decretamento do confisco previsto no art. 110º do Código Penal e a procedência do pedido de indemnização civil formulada pelo lesado, podendo este, nos termos do artigo 130º, nº 2 do Código Penal “fazer-se pagar” quanto aos danos causados pelo valor das vantagens recebidas pelo Estado.
Como se consignou no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18-04-2023 [proc. 59/20.4 PACTX.E1, publ. in www.dgsi.pt.], que apreciou idêntica questão e cujo entendimento acompanhamos, socorrendo-se da asserção do Professor Figueiredo Dias a propósito da perda de vantagens [obra já citada, pág. 633], que refere «A providência justifica-se, no entanto, de um duplo ponto de vista. Por uma parte, o lesado pode prescindir da reparação, não apresentando o respectivo pedido; caso em que as finalidades de prevenção, geral e especial, acima apontadas dão fundamento autónomo ao decretamento da perda. Por outra parte, casos haverá em que as vantagens vão além daquilo em que a vítima foi prejudicada (…)», conclui que tendo a «perda de vantagens como primeiro objectivo fazer com que o agente do crime não retire qualquer vantagem com a sua prática, fazendo ver a todos (prevenção geral) que para além da punição criminal propriamente dita, não é possível obter qualquer tipo de benefício com a mesma», «(…) tal objectivo faz sentido mesmo que ocorra condenação no pedido de indemnização formulado pelo ofendido/lesado».
O que pode vir a ocorrer, como dá nota o Professor Figueiredo Dias, na obra citada, é uma inutilidade posterior da declaração de perda de vantagens em consequência da procedência de um pedido de indemnização civil conexo.
Igual entendimento é defendido na doutrina, entre outros, por João Conde Correia e Hélio Rigor Rodrigues [in Revista Julgar Online, Janeiro de 2017].
Pelo exposto, contrariamente ao decidido pelo Tribunal recorrido, entendemos não ocorrer nenhuma incompatibilidade entre a pretensão de perda de vantagens formulada nos autos pelo Ministério Público e o pedido de indemnização deduzido pelo lesado no âmbito do Processo nº 269/15.6BEPDL, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., pelo que se impõe dar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, condenando solidariamente os arguidos a pagar ao Estado a quantia de €521.145,96, a título de perda de vantagem.
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em:
1. Declarar a incompetência do tribunal criminal, em razão da matéria, para apreciar o pedido de indemnização civil formulado e consequentemente decidir manter a decisão recorrida de absolvição dos demandados da instância civil enxertada nos autos, ainda que com diverso fundamento, considerando prejudicada a apreciação dos fundamentos do recurso interposto pelo demandante civil/assistente ...;
2. Conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o acórdão recorrido na parte em que não declarou perdida a favor do Estado a quantia de €521.145,96 (quinhentos e vinte e um mil, cento e quarenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos) e condenar os arguidos AA, BB e CC, a pagar, solidariamente, ao Estado tal quantia, a título de perda de vantagem;
3. Negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos BB e CC, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes BB e CC, fixando-se em 4 UC´s a taxa de justiça devida por cada recorrente.

Lisboa, 11/04/2024
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Simone Almeida Pereira
José Castro
Jorge Rosas de Castro
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1. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995
2. Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção.
3. Neste sentido, entre outros, Ac. RE de 21.10.2010, publ. In www.dgsi.pt.
4. Processo nº 1383/17, no âmbito do qual se aprecia a constitucionalidade do artigo 28º do Código Penal.
5. Neste sentido, V. Acórdão do TRP de 13-12-2023, processo 2999/21.4T9AVR.P1, publicado in www.dgsi.pt.